RENE SAMPAR
(orientador)
RESUMO: O presente estudo teve como objetivo analisar criticamente o sistema brasileiro de precedentes e seus reflexos sobre a coisa julgada nas relações tributárias de trato continuado. O ponto de partida foi a constatação de que a “jurisprudência lotérica” sempre foi um problema estrutural do sistema jurídico brasileiro, comprometendo a segurança jurídica e a previsibilidade das decisões judiciais. Com o CPC/2015, buscou-se implementar um modelo de precedentes obrigatórios, no qual se tem dito que aproxima-se do stare decisis e da Common Law, mas a importação abrasileirada de institutos revelou-se problemática. Além disso, nas Teses n. 881 e 885 do STF reconheceu-se que os julgados do STF em repercussão geral ou controle abstrato criam norma jurídica, inovando o ordenamento jurídico, inclusive para fazer cessar a eficácia temporal da coisa julgadas nas relações jurídico-tributárias de trato sucessivo. Para o enfrentamento do problema, examinou-se a configuração e características dos legítimos precedentes, sua origem e fundamento de obrigatoriedade, a fim de compará-lo com o sistema de precedentes criados pelo CPC, que também foi examinado em suas características essenciais. As chamadas teses jurídicas confeccionadas pelos tribunais de sobreposição foram objeto de análise detida, que concluiu que não são precedentes e que funcionam de forma semelhante a lei, assim como implicam no acúmulo de um poder de legislador positivo nas Cortes de Vértices, que se revela problemático. Passou-se a analisar a questão em um plano mais alto, referente à Teoria Geral do Direito, trabalhando-se com a noção de paradigma, avaliando-se o positivismo e o pós-positivismos em várias subdivisões, adotando-se como marco teórico o Direito como integridade de Dworkin. Assim foi feito porque entendeu-se que o problema era mais profundo do que simplesmente reconhecer que decisões díspares não podem subsistir produzindo efeitos no sistema em sentido contrário ao entendimento das Cortes Superiores, que se pretende atribuir o papel de verdadeiros leviatãs hermenêuticos. Com as premissas estabelecidas, passou-se a analisar a coisa julgada, as relações jurídicas instantâneas, permanentes e sucessivas, seu regime jurídico. Logo a seguir, fez-se um estudo de caso dos precedentes que remetem às Teses n. 881 e 885, extraindo seus fundamentos determinantes e verificando como a doutrina se posiciona sobre o tema. Ao final, fez-se uma análise crítica que concluiu que a decisão do STF trata apenas de um “sintoma”, mas não do problema em si, que é bem mais profundo. A existência de uma jurisprudência lotérica é resultado da cultura jurídica nacional, muito por responsabilidade das próprias Cortes Superiores, embora haja parcela de responsabilidade de todos. O “decido conforme minhas consciência”, que se aproxima de um realismo jurídico e a concepção da decisão judicial como ato de vontade, bem como a sujeição do sistema à autoridade quase absoluta das Cortes Superiores foi considerada autoritária e uma das causas do problema, sendo também incompatível com o Estado Democrático de Direito. Ao final, concluímos que o caminho para um sistema de justiça mais sólido passa, necessariamente, pela reafirmação do valor da estabilidade jurídica e pelo resgate da verdadeira função dos precedentes: garantir coerência, e não instituir um novo modelo de instabilidade institucionalizada.
Palavras-chave: precedentes; sistema de precedentes do CPC/2015; coisa julgada tributária em relações de trato sucessivo; Direito como integridade.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. SISTEMAS DE PRECEDENTES DO CPC/2015 E AS TESES JUDICIAIS. 2.1. Natureza jurídica dos precedentes judiciais. 2.2. Sistema de “precedentes” do CPC/2015. 2.3. As “Teses Jurídicas” das Cortes Superiores. 2.4. Análise crítica. 3.TEORIA DA DECISÃO JUDICIAL NO PARADIGMA CONTEMPORÂNEO. 3.1.Noção de paradigma. 3.2. Teoria da decisão judicial e análise crítica das Cortes de Vértice. 4.CESSAÇÃO DA EFICÁCIA DA COISA JULGADA EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA NAS RELAÇÕES DE TRATO CONTINUADO. 4.1. Eficácia temporal da coisa julgada e as relações jurídico-tributárias de trato continuado. 4.2. Estudo de caso: as Teses nº 881 e 885 do STF. 4.3.Análise crítica. 5.CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
Há muito tempo se debatem soluções para a nossa “jurisprudência lotérica”, vicissitude caracterizada pela falta de segurança jurídica (previsibilidade) das decisões judiciais, tão intensa no Brasil.
Ninguém contesta a gravidade desse problema. Um sistema sem segurança não faz Justiça, não atende às exigências mínimas justificadoras de um ordenamento jurídico e de um sistema judicial de asseguramento das normas.
Contra essa “chaga” criaram-se súmulas, súmulas vinculantes, vinculação do controle abstrato da constitucionalidade e, mais recentemente, o Novo CPC/2015, que já não é mais novo, que trouxe, na lei, uma intricada e complexa sistemática concebida como “sistema de precedentes obrigatórios”. Não se parou nessa etapa, que continua sendo maturada, evoluindo cada vez mais, com a concepção da “objetivação do controle difuso” da constitucionalidade e as famosas “Teses” das Cortes Superiores.
A suposta criação de um “sistema de precedentes” ou “sistema de criação de teses judiciais” é defendida com entusiasmo, chegando ao ponto de se falar em stare decisis ou de um Common Law à brasileira.
O nascedouro é propiciado por um paradigma de criação do Direito pelo julgador, que impinge críticas veementes ao ultrapassado juiz “boca da lei”. Amparado pelo “neoconstitucionalismo” ou constitucionalismo contemporâneo, marcado pela abertura de normas constitucionais e a supremacia constitucional, o Poder Judiciário se fortaleceu, ganhou destaque, sendo importante protagonista da arena política, algo inimaginável em outras épocas.
A razoável duração do processo estava ali, pronta para dar um “empurrãozinho” embalado pelas promessas dessa nova perspectiva. Com uma centralização e uniformização vinculante pelas Cortes Superiores, resolver-se-ia essa “jurisprudência lotérica” em julgamento de causas repetitivas, dando um saldo na efetividade quantitativa da prestação jurisdicional.
Coroando esse modo de ver, entendeu-se que as decisões do STF modificam o Direito e devem funcionar de forma semelhante às leis. De acordo com as Teses 881 e 885 do STF, mesmo diante da coisa julgada em matéria tributária, quando se refiram às relações jurídicas de trato continuado, fazem cessar a sua eficácia, como se uma lei nova houvesse sido editada e modificasse o regime normativo.
No entanto, as coisas não são bem assim. É preciso caminhar pela espuma e pela fumaça, até encontrar o verdadeiro problema, ajustas o remédio para que não se destrua o paciente juntamente com a doença.
A aposta em um Leviatã hermenêutico não nos parece o melhor caminho. A autoridade dos precedentes determinada pela lei também não. Na democracia contemporânea, podemos mais do que confiar numa autoridade onipotente que põe a norma segundo a sua vontade e a modifica igualmente.
O objetivo do presente estudo é examinar mais de perto o sistema de precedentes criado pelo CPC/2015, que no fundo reflete um novo papel das decisões das Cortes de Vértice para, ao final, apresentarmos nossa posição acerca da cessação da eficácia da coisa julgada em relações de trato sucessivo em razão de entendimento firmado pelas Cortes Superiores posteriormente ao trânsito em julgado.
A abordagem será eminentemente teórica, crítica e reflexiva. O propósito do estudo não é identificar a jurisprudência a respeito do tema, nem o entendimento majoritário, mas sim construir um entendimento sobre o assunto e tomar uma posição sobre ele, com a independência que um discurso teórico deve possuir.
Não temos pretensão de exaurir o assunto, mas ficaremos satisfeitos se, de alguma forma, pudermos lançar luzes sobre esse intrincado problema.
2.SISTEMAS DE PRECEDENTES DO CPC/2015 E AS TESES JUDICIAIS
O presente capítulo tem por objetivo analisar o que são precedentes judiciais, sua justificativa e embasamento teórico para, com isso, confrontá-lo com o chamado “sistema de precedentes” inaugurado com o CPC/2015, de modo a verificar em que medida as “Teses” das Cortes de Vértice se caracterizam como precedentes.
Com base nessa premissa, procederemos à análise crítica dos reflexos produzidos por esse mecanismo, tanto com relação ao problema que se propõe resolver, como face aos vetores axiológicos do Estado Democrático de Direito.
Ao final, firmaremos nossa conclusão sobre o papel de referidos enunciados, enquanto reflexos do entendimento das Cortes de Vértice, sobre o ordenamento jurídico.
2.1 Natureza jurídica dos precedentes judiciais
O termo “precedente”, no léxico, é aquilo que precede ou vem antes. De acordo com DIDIER JR.[1] o precedente é a decisão judicial tomada à luz de um caso concreto, cujo elemento normativo pode servir como diretriz para o julgamento posterior de casos análogos.
O precedente judicial encontra fundamento no princípio da igualdade, pois se os casos possuem relação de similaridade, especialmente quando a razão jurídica seja igualmente condutora ao mesmo raciocínio, devem ser julgados de forma uniforme.
No entanto, é preciso analisar como a decisão judicial para aferir o que conforma o precedente para a finalidade que estudamos.
Segundo uma perspectiva, a sentença é ato jurídico do qual decorre uma norma jurídica individualizada, que se diferencia das demais normas jurídicas em razão da possibilidade de tornar-se indiscutível pela coisa julgada. No processo de “positivação” do ordenamento, o juiz partirá nos enunciados abstratos e genéricos da lei para, no caso concreto, individualizar o comando particular que regerá determinada situação da vida, que terá cogência e autorizará a imposição forçada daquela conclusão dotada do poder de império estatal (judgement).
Como analisaremos melhor oportunamente, o juiz “boca da lei” que, pura e simplesmente, faz subsunção à lei não serve. Mesmo porque aqueles enunciados legais precisam de interpretação (norma não se confunde com enunciado prescritivo), e o julgador terá uma postura mais ativa, necessitando compreender o caso concreto e construir a norma geral e abstrata que permitirá o deslinde do litígio sob apreciação, devendo fazer o controle de constitucionalidade e a filtragem constitucional quando da interpretação dos enunciados legais.
De acordo com essa perspectiva, o julgador constrói (não cria) uma norma jurídica que vai servir de fundamento jurídico para decisão a ser tomada na parte dispositiva do pronunciamento. Essa parte dispositiva é a norma individualizada e cogente que regerá o caso concreto, enquanto aquela outra construída a partir dos enunciados legais representará a ratio decidendi que, inobstante construída diante de um caso concreto, conterá sua legal reasoning, que é o raciocínio lógico-jurídico que permite que funcione como precedente judicial em outras situações.
Importante destacar que os fatos concretos que ensejaram o precedente têm um papel fundamental na compreensão de seu alcance e aplicação. O raciocínio de cotejamento entre o caso futuro que invoca o precedente jamais poderá prescindir deles. Então, os denominados statement of material facts não podem ser descartados como se não tivessem utilidade, como comumente ocorre na prática forense e é denunciado por enunciados de súmulas, vinculantes ou não, e as “Teses das Cortes de Vértice”.
DIDIER JR. traz lição interessante sobre esse assunto:
Perceba, então, que a normatividade da decisão jurisdicional revela-se em duas dimensões: cria-se a regra jurídica do caso concreto (extraível da conclusão da decisão) e a regra jurídica que servirá de modelo normativa para solução dos casos futuros semelhantes àquele (que se extrai da fundamentação da decisão).
O processo jurisdicional, como espécie de processo, é também um meio de produção de norma jurídica. Sucede que ele não produz apenas a norma jurídica do caso concreto, como se costumava imaginar. O processo jurisdicional também serve como modo de produção da norma jurídica geral construída a partir do exame de um caso concreto, que serve como padrão decisório para a solução de casos futuros semelhantes, O estudo do processo jurisdicional não pode prescindir dessa constatação. A disciplina jurídica do processo deve sempre levar em conta que são dois os produtos normativos que podem advir de uma decisão judicial.
Note, ainda, que a criatividade jurisdicional desenvolve-se dentro de dois limites.
O órgão julgador limta-se, por um lado, pelos enunciados normativos do direito objetivo (Constituição, leis, regulamentos etc.) e, por outro, pelo caso concreto que lhe foi submetido. Não pode ir além do caso – decidir fora do que foi pedido – nem decidir fora do Direito objetivo – dar uma solução que seja contrária do Direito. Estes são os extremos daquilo que pode ser chamado de “zona ou área da criatividade jurisdicional”.[2]
Nesse contexto, o precedente possui as circunstâncias de fato que embasaram a decisão, o princípio jurídico assentado na motivação e a argumentação jurídica em torno da questão. Ao ser invocado em casos futuros, utiliza-se a ratio decidendi, que é a construção hermenêutica sem a qual a decisão não teria sido proferida como foi. Trata-se exatamente de uma ratio, ou seja, uma “razão jurídica”. Em outras palavras, é a essência jurídica suficiente para decidir o caso concreto, que sempre estará na fundamentação.
No caso futuro, é preciso decompor julgado anterior que servirá de precedente, para separar a ratio decidendi das considerações periféricas, chamadas obiter dicta. Os obiter dicta são argumentos de passagem, de mero reforço, deliberações marginais que não dizem respeito à questão principal a ser decidida
MARCELO SOUZA observa que, na doutrina do stare decisis, embora seja comum se referir à observância do precedente, “na verdade, o que as cortes estão obrigadas a seguir, é a ratio decidendi deste precedente” [3]. Desse modo, embora o precedente seja extraído da decisão, é inconfundível com ela. Eles são razões generalizáveis que podem ser identificadas a partir das decisões judiciais[4].
A razão que compõem o “coração” do precedente, passível de ser invocada em julgamento futuro, é conformada pelo statment of material facts, legal reasoning e o judgement, podendo, a depender do caso, espraiar-se por todas as partes do ato decisório. Como nos diz LUCAS BURIL MACÊDO “o precedente judicial abarca toda a decisão – relatório, fundamentação e dispositivo –, não discriminando as parcelas mais importantes para a concretização do direito”[5].
Destarte, mesmo que se diga que o CPC/2015 inaugurou um sistema de precedentes, é preciso ter cuidado. Precedentes existem desde que existiu a primeira decisão judicial. A formação do precedente é inerente à existência de decisões judiciais exaradas em uma comunidade que lhe atribua uma noção de aplicação da Justiça que, necessariamente, vem intrinsecamente ligada à ideia de igualdade de tratamento.
Portanto, como diz RODRIGO RAMINA DE LUCCA, independente do momento histórico, do local e mesmo do sistema jurídico ao qual se submete, o conceito de precedente é, invariavelmente, o mesmo. “Seja no Brasil, na França ou na Inglaterra, devem ser consideradas precedentes as decisões que, contendo razões jurídicas universais, válidas para todos os casos análogos ao que foi julgado, tenham aptidão para influenciar os julgamentos subsequentes”[6].
Insta registar que precedente não se confunde com jurisprudência, que consubstancia num corpo de decisões sobre determinadas questões em um determinado sentido uniforme. Necessariamente envolve uma pluralidade de decisões.
Ementa também não é precedente, já que não é capaz de traduzir toda aptidão normativa que existe no precedente. As ementas são apenas resumos, com função catalográfica, incapazes de representar a ratio decidendi.
Da mesma maneira, súmulas não são precedentes, mas enunciados editados pelas Cortes que são dirigidos a indicar seu entendimento uniforme sobre determinado assunto. Seu processo de criação e aplicação é absolutamente diferente dos precedentes. Por sua natureza intrínseca, os enunciados de súmula partem da abstrativização dos fatos, funcionando como se fosse uma regra positivada.
Ao contrário, o precedente opera por meio de método analógico, onde se examina a unidade fático-jurídica do caso-precedente com o caso-julgamento para fins de reconstrução da norma jurídica generalizável e que funcionará como vetor normativo no estabelecimento de padrão de conduta exigível[7]. Ao fim e ao cabo, precedente é um fato, notadamente um ato-fato jurídico, por ser um ato humano que produz efeitos jurídicos independentemente da vontade de quem o pratica. O tratamento desse fato é que varia conforme a cultura jurídica de um povo e seu ordenamento jurídico.
Ademais, somente diante de novos casos é que será possível estabelecer, contingencialmente, em que medida o caso passado será um precedente e, portanto, vinculará o caso sob julgamento. Além disso, somente no caso novo, sob julgamento, será possível aferir o que é ratio decidendi e o que é obiter dictum, pois nunca será possível termos respostas antes das perguntas.
A genuína ratio decidendi vai se estabelecendo e aclarando com o devir interpretativo diante dos casos futuros quando o precedente passa a ser aplicado, não sendo imposta pelo tribunal que prolatou a primeira decisão, sendo estruturada pelo labor dos casuísticos e das demais instâncias judiciais. Assim, um precedente não nasce precedente, ele se torna um.
O que vem sendo chamado de “sistema de precedentes” brasileiro difere muito, em muitos aspectos, do que é precedente em sua essência. É o que passamos a analisar.
2.2 Sistema de “precedentes” do CPC/2015
O art. 926 do CPC inicia dizendo que “Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente”.
A estabilidade é diferente da integridade e da coerência. A estabilidade é um conceito autorreferente, que tem relação direta com decisões anteriores, ao passo que a integridade e coerência possuem um substrato ético-político, possuindo consciência histórica e considerando a facticidade do caso.
DWORKIN[8] via o Direito como integridade. Com a premissa de que as pessoas conformam uma comunidade política genuína quando concebem que suas vidas estão conectadas por princípios comuns, não somente por regras postas, o jusfilósofo defende que o Direito, como produto dessa sociedade, é igualmente integridade, fundado na concepção de que os direitos são amparados por princípios que proveem a melhor justificação da prática jurídica como um todo, universalmente
O dispositivo caminha por uma região que está acima do ordenamento jurídico, seara da Teoria Geral do Direito. Isso porque o sistema judicial deve prezar pela estabilidade das decisões como consequência da segurança jurídica, independentemente de uma prescrição normativa nesse sentido. A coerência igualmente está na ideia de racionalidade, afastando o caos da ilogicidade provocada por conceitos e premissas que não se compatibilizam. Já a integridade pode ser concebida como uma posição que enxerga a decisão judicial numa perspectiva substancial de construção da decisão correta.
Todos esses pontos não deveriam necessitar de um mandamento normativo, bastando que os direitos sejam levados à sério. Mas a realidade demonstra que não é isso que acontece. Vemos no dispositivo uma intenção de modificar a própria cultura jurídica do país. Agora temos uma prescrição normativa cogente, num típico exemplo do civil law, de escrever em enunciados normativos algo que já deveria decorrer da própria noção de Direito e da responsabilidade daqueles que atuam na área jurídica, especialmente dos juízes, que são responsáveis pelas regras do jogo.
A integridade difere um pouco nesse raciocínio, pois é apenas um dos vários modos de se enxergar o problema. Existem teorias procedimentalistas, o realismo jurídico, a ação comunicativa que são outras opções acerca do modo de ver o Direito e a decisão judicial, ao lado da integridade. Não é tarefa do legislador dizer que o ordenamento jurídico seguira a lógica da integridade dworkiniana, pois essas questões estão acima dele. É o conteúdo querendo traçar como deve ser aquilo que o contém.
Os precedentes valem por sua própria autoridade, devendo ser seguidos pelos juízes em razão de sua própria responsabilidade enquanto julgador. Contudo, não é exatamente isso que acontecia na prática em terrae brasilis. A jurisprudência lotérica deixava o cidadão sem critérios de orientação jurídica e a noção de demanda judicial como algo incerto era algo já conhecido dos brasileiros.
Em grande parte, esse problema vem de longa data causado pela noção de atividade jurisdicional como de livre convencimento motivado, fruto de uma ótica equivocada da independência judicial. A este respeito, STRECK nos ensina:
Livre convencimento, no âmbito das práticas jurídicas, implica também a relação pretensamente livre que se estabelece entre o juiz e a interpretação do “Direito”. Baseia-se numa concepção equivocada acerca do que seja a independência do Poder Judiciário – que, na raiz, possui relação com o descolamento da função jurisdicional das prerrogativas do Soberano – apresentando-a como liberdade de amarras interpretativas que permitiriam aos juízes construir o sentido do direito que se adaptasse melhor ao seu conjunto pessoal de afetos (o livre convencimento tem uma íntima relação com o elemento vontade) bem como de seu monadológico julgamento “racional”.
...
A despeito disso, as práticas jurídicas – sob o manto do livre convencimento – parecem navegar em meio a um imaginário que entrelaça a ideia de independência dos juízes com um manifesto de liberdade de interpretação do Direito que se revela na superfície da lida cotidiana nas expressões “decido conforme minha consciência”; “primeiro decido, depois fundamento”; “sou livre para interpretar a lei dentro da autoridade de minha jurisdição”, etc.[9]
Em outra obra, as palavras do jusfilósofo são certeiras:
o problema da atribuição de sentido para a consciência é apostar, em plena era do predomínio da linguagem, no individualismo do sujeito que “constrói” o seu próprio objeto de conhecimento. Pensar assim é acreditar que o conhecimento deve estar fundado em estados de experiência interiores e pessoais, não se conseguindo estabelecer uma relação direta entre esses estados e o conhecimento objetivo de algo para além deles (Blackburn).
Isso, aliás, tornou-se lugar comum no âmbito do imaginário dos juristas. Com efeito, essa problemática aparece explícita ou implicitamente. Por exemplo, em artigos, livros, entrevistas ou julgamentos, os juízes (singularmente ou por intermédio de acórdãos nos Tribunais) deixam “claro” que estão julgando “de acordo com a sua consciência” ou “seu entendimento pessoal sobre o sentido da lei”. Em outras circunstâncias, essa questão aparece devidamente teorizada sob o manto do poder discricionário dos juízes.[10]
O julgador não pode se arvorar em criador do direito segundo sua vontade. Mesmo nos meandros da lei, existe vários dados que deve considerar para chegar à solução justa para o caso concreto.
No caldo dessa cultura jurídica de um juiz solipsista, que segue o precedente quando concorda com ele, muito também se deve à postura das Cortes Superiores, que em muitos casos inserem suas concepções políticas que fogem da relação de ressonância que precisa existir entre as decisões que formam os precedentes e o Direito.
Por mais que existam hard cases e a correção substancial do conteúdo das decisões seja difícil de se precisar, o julgador deve ter presente que o Direito lhe é externo e precisa ser observado. Até mesmo um positivista com o HART reconhece o descompasse que pode existir entre decisão judicial e Direito:
Podemos distinguir um jogo normal de um jogo de “discricionariedade do marcador” simplesmente porque a regra de pontuação tenha, como outras regras, a sua área de textura aberta em que o marcador deve exercer uma escolha, possui contudo um núcleo de significado estabelecido. É este núcleo que o marcador não é livre de afastar-se e que, enquanto se mantém, constitui o padrão de pontuação correcta e incorrecta, quer para o jogador, ao fazer as suas declarações não-oficiais quanto ao resultado, quer para o marcador nas suas determinações oficiais. É isto que torna verdadeiro dizer que as determinações do marcador não são infalíveis, embora sejam definitivas. O mesmo é verdade quanto ao direito.
[...]
(...) mas há um limite quanto à medida em que a tolerância face às decisões incorrectas é compatível com a existência continuada do mesmo jogo e isto tem uma importante analogia jurídica. O facto de as aberrações oficiais isoladas ou excepcionais serem toleradas não significa que o jogo de críquete ou de basebol já não esteja a jogar-se. Por outro lado, se estas aberrações forem frequentes ou se o marcador repudiar a regra da pontuação, há-de chegar um ponto em que, ou os jogadores não aceitam já as determinações aberrantes do marcador ou, se o fazem, o jogo vem a alterar-se; já não é críquete ou basebol mas “discricionariedade do marcador”; porque um aspecto definidor destes outros jogos é que, em geral, os seus resultados sejam determinados da forma exigida pelo significado simples da regra, seja qual for a latitude que a sua textura aberta possa deixar ao marcador[11].
Na realidade, quando o cidadão vai ao Judiciário, não busca pedir a opinião pessoal do juiz, mas quer que ele diga o que o Direito tem a dizer[12]. Isso não significa que o juiz seja a mera “boca da lei”, como estudaremos oportunamente, mas que o voluntarismo deve passar longe da decisão judicial.
Nesse contexto, que comumente fazia surgir decisões díspares sobre o mesmo assunto, que oscilavam de entendimento em um tempo curto e que não tinham a correção substancial esperada, provocava o desprestígio do precedente, deteriorava a autoridade das Cortes Superiores (muito por responsabilidade delas próprias) e criava a “jurisprudência lotérica”, com todos efeitos nefastos que disso decorre, incluindo as causas repetitivas que nem sempre tinham o mesmo desfecho.
A observância aos precedentes poderia ser cultural, tornando desnecessário qualquer tipo de comando legal que determine sua observância, mas foram tantos os problemas, inclusive a ausência de estabilidade e coerência da jurisprudência das Cortes Superiores que, ao contrário do respeito decorrente da autorresponsabilidade do julgador, teve quer ser construído um sistema de observância legalmente determinada, com vários mecanismos para assegurá-la.
O CPC/2015 previu:
Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:
I - as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;
II - os enunciados de súmula vinculante;
III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;
IV - os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;
V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.
§ 2º A alteração de tese jurídica adotada em enunciado de súmula ou em julgamento de casos repetitivos poderá ser precedida de audiências públicas e da participação de pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a rediscussão da tese.
§ 3º Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica.
§ 4º A modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese adotada em julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia.
§ 5º Os tribunais darão publicidade a seus precedentes, organizando-os por questão jurídica decidida e divulgando-os, preferencialmente, na rede mundial de computadores.
Olvidou-se das súmulas dos tribunais locais e regionais, que possuem certo grau de eficácia. O art. 955, parágrafo único, autoriza o julgamento unipessoal de conflito de competência quando a decisão se fundamentar em súmula do próprio tribunal, bem como o art. 332, IV, CPC, coloca a súmula de tribunal de justiça sobre direito local como causa autorizativa da improcedência liminar do pedido.
O microssistema de precedentes obrigatórios trouxe vários efeitos. DIDIER JR[13]. aponta seis tipos de efeitos jurídicos para os respectivos tipos de precedentes: a) vinculante/obrigatório; b) persuasivo; c) obstativo da revisão de decisões; d) autorizante; e) rescindente/deseficacizante e f) revisão de sentença.
O precedente vinculante/obrigatório (binding precedent) obriga que decisões posteriores adotem a mesma tese jurídica em sua fundamentação. Estão elencados no supratranscrito art. 927 do CPC. Essa categoria de precedentes possui os efeitos mais intensos, abrangendo os efeitos dos demais tipos de “precedentes”.
O art. 1.022, parágrafo único, CPC, considera omissa a decisão que “deixe de se manifestar sobre tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência aplicável ao caso sob julgamento”. Na mesma medida, o art. 489, § 1º, CPC, exige que o juiz demonstre a existência de distinção (distinguishing) quando deixar de seguir súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, e, alternativamente, deve demonstrar a superação do entendimento (overruling). O inverso também se aplica. Caso aplique um precedente ou súmula, deverá identificar seus fundamentos determinantes e demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos.
Importante destacar que várias prescrições acerca da eficácia dos precedentes obrigatórios (binding precedent) irão exigir interpretação extensiva decorrente da construção de um microssistema de formação de precedentes obrigatórios. Logo, embora o art. 489, § 1º, só aponte expressamente súmula, jurisprudência ou precedente, necessariamente abrange todos os atos-fatos jurídicos indicados no art. 927. Por exemplo, decisões do STF em controle concentrado não estão explicitados, mas igualmente se sujeitam à necessidade do distinguishing, da necessidade de enfrentamento e da motivação adequada para sua aplicação.
O precedente persuasivo (persuasive precedent) não tem eficácia vinculante. Nenhum juiz está obrigado a segui-lo, mas o observará quando convencido de sua correção. DIDIER JR.[14] o descreve como possuindo eficácia mínima de todo precedente, mas que possui efeitos em determinadas situações legalmente previstas, a exemplo da admissão de recursos cujo objetivo é uniformizar a jurisprudência, tais como os embargos de divergência e o recurso especial fundado em divergência.
No mínimo, é inusitada a existência de precedentes que o juiz segue se convencido de que é bom. O contorno do microssistema dessa forma delineado, faz parecer que o precedente só vale quando a lei diz que deve ser observado, quando o adequado é que toda decisão judicial forme precedente, que seja observado em casos posteriores pela justiça da decisão e higidez de sua legal reasoning. Reservaremos as críticas ao tópico específico. Nesse momento, o objetivo é descrever o sistema de “precedentes” brasileiro.
Alguns precedentes têm o condão de obstar a revisão de decisões judiciais por recurso ou remessa necessária, bem como obstar nova demanda que pretende não segui-lo. O mecanismo criado para assegurar esse objetivo consiste em não admitir a demanda, recurso ou remessa necessária, bem como negar, no mérito e de plano, a postulação.
Por exemplo, o art. 496, § 4º, CPC, dispensa a remessa necessária quando a sentença estiver fundada em súmula de tribunal superior, casos repetitivos julgados pelo STF/STJ ou IRDR/IAC. Por sua vez, o art. 932, IV, autoriza que o relator, monocraticamente negue provimento a recurso que for contrário a súmula do STF/STJ ou do próprio tribunal, recursos repetitivos do STF/STJ ou IRDR/IAC. O art. 332, CPC, determina a improcedência liminar do pedido que contrariar súmula do STF/STJ, recursos repetitivos ou súmula do tribunal de justiça sobre direito local. Além disso, o julgamento dos casos repetitivos conduz à inadmissão dos demais recursos sobrestados na origem quando o acórdão recorrido coincidir com o entendimento firmado (art. 1.040, I, CPC).
Outro efeito erigido pelo CPC para alguns precedentes é o autorizante, que determina o acolhimento da pretensão. Por exemplo, casos repetitivos e súmula vinculante autorizam a tutela de evidência (art. 311, II); assim como súmulas do STF/STJ, casos repetitivos e IRDR/IAC autorizam o provimento monocrático de recurso quando a decisão recorrida contrariá-los; a repercussão geral, para fins de recurso extraordinário, considera-se presente quando o acórdão contrariar súmula ou jurisprudência dominante do STF.
Também existe o drástico efeito rescindente ou deseficacizante de alguns precedentes. O art. 525 e 535, CPC, estabelecem a inexigibilidade obrigação reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo Tribunal Federal como incompatível com a Federal, em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso. Isso acontece quando o precedente é anterior à decisão. Quando for posterior, autoriza-se a ação rescisória.
Por fim, indica-se a possibilidade de o precedente autorizar a revisão da coisa julgada com relação a relações jurídica de trato sucessivo, exatamente o ponto principal que pretendemos tratar no presente estudo (art. 505, I, CPC). Sob essa peculiar ótica, um precedente o STF poderia autorizar a revisão, ex nunc, da sentença que regulasse uma relação jurídico-tributária que seja de trato continuado.
Nesse contexto, criou-se todo um mecanismo que visa a promover o respeito aos “precedentes” indicados pelo art. 927, CPC, notadamente com relação aqueles oriundo dos órgãos superiores. MARINONI e MITIDIERO[15] anotam que apenas o STJ e o STF produzem julgados que possuem ratio decidendi vinculativa aos demais órgãos julgadores, porque são cortes de vértice, de modo que o julgamento por elas proferido representaria uma vinculação inafastável à questão de direito resolvida aos demais membros do Poder Judiciário no território nacional. [16]MIRANDA discorda, apontando que Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais também formam padrões decisórios universalizantes em sua respectiva esfera de competência, desde que não conflitante com aqueles.
Efetivamente, há um mandamento inserto no art. 927 (“observarão”) dirigido a alguns atos-fato que remetem a precedentes. Tanto o julgamento de recursos repetitivos, que essencialmente são precedentes, quanto a súmulas, decisões em controle concentrado de constitucionalidade e IRDR/IAC, que indiretamente remetem a precedentes, mas que são inconfundíveis com eles.
2.3 As “Teses Jurídicas” das Cortes Superiores
Atualmente, nenhum profissional da área jurídica pode prescindir do conhecimento, exame e compreensão das “Teses Jurídicas”. O banco de teses do STF já conta com 1.373, enquanto no STJ já estamos na Tese nº 1.315, entre já decididas e não decididas. Em muitos casos, são aplicadas pelos demais juízes de forma praticamente automática, quando não são equivocadamente aplicadas a caso distinto pela falha em proceder ao distinghishing.
O art. 927 do CPC não fala em teses jurídicas, e a prática de sua utilização acrítica, sem atentar ao precedente, é preocupante. Se há uma “commomlawcização”, mesmo em alguma medida, o exercício silogístico e reducionista através de textos de enunciados direcionados a veicular padrões de conduta normativos deve também se alterar.
O termo “teses” é previsto no CPC nos arts. 12, II; 311, II; 927, § 2º e § 4º; 947, § 3º; 955, parágrafo único, II; 976, § 4º; 978, parágrafo único; 979, § 2º; 984, § 2º; 985; 986; 987, § 2º; 988, § 4º; 1.022, parágrafo único, I; 1.038, § 3º; 1.039; 1.040, III e IV; 1.043, § 1º; referindo aos casos dos recursos repetitivos, IAC, IRDR, súmula vinculante, omissão para fins de embargos de declaração e embargos de divergência. O diploma legal prevê a aplicação dessas teses jurídicas, conforme se vê, exemplificativamente, no dispositivo seguinte:
Art. 1.039. Decididos os recursos afetados, os órgãos colegiados declararão prejudicados os demais recursos versando sobre idêntica controvérsia ou os decidirão aplicando a tese firmada.
De qualquer forma, não existe tese autônoma, descolada de casos concretos, principalmente em país legicentrista de tradição romano-germânica como o nosso. A correta interpretação das teses passa pelo art. 489, § 1º, V, CPC, que prescreve que não se considera fundamentada a decisão que “se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos”. Ora, se é necessário demonstrar os fundamentos determinantes, é porque é preciso identificar a ratio decidendi dos casos concretos que servem como precedentes.
Passa-se a falar mais das teses do que da lei e da Constituição. O próprio ensino jurídico brasileiro parece seguir nesse sentido, lecionando a partir da jurisprudência como se estivéssemos em um país da tradição do commom law. Não há nenhum problema em uma tradição jurídica se aproximar de outra, na mudança natural da vida da sociedade. O problema é que se importam alguns elementos, mas não outros; se admite maior criatividade judicial, mas pouco se fala em responsabilidade judicial por essa criação. O “decido conforme minha consciência” permanece enraizado na cultura jurídica e, em um sistema de tese de Cortes de Vértice, ele é um problema ainda maior quando os membros desses tribunais se enxergam como último bastião da juridicidade ou como editores da sociedade. Esse tipo de sistema de precedente não se compatibiliza com esse tipo de cultura jurídica.
Como observa FERRAZ[17], a tese jurídica que é retirada ao final dos julgamentos modelos tem a pretensão de formar um preceito normativo genérico e abstrato, semelhante a lei, com a perspectiva de aplicabilidade aos casos semelhantes em que discutida mesma questão fático-jurídica. Sobre o tema, explica:
A enunciação de teses que não trazem referência aos seus fundamentos determinantes, entretanto, convida as demais instâncias a reconhecer vinculação apenas à norma enunciada e não à ratio decidendi dos jugamentos. E por mais que o direito brasileiro seja centrado na lei, e que a tese da inseparabilidade absoluta entre questão de fato e de direito não se sustente, a adoção de um sistema de respeito aos precedentes demanda atribuir maior valor à motivação das decisões, como elemento-chave para sua aplicabilidade, o que exige percorrer os fatos que originaram o julgamento paradigma.[18]
Claro que o sistema de precedente se dirige, em grande medida, à gestão de casos repetitivo, o seu sustentáculo maior é realmente a efetividade quantitativa.
O precedente não entrega prontamente qualquer regra jurídica. O comando normativo precisa ser extraído dele e o seu conteúdo compreendido à luz do caso que já foi julgado. Não existe nenhuma autorização para que os tribunais legislem, de modo que esses enunciados, seja de súmulas ou teses, não valem por si só, mas pelo caso julgado. Eles não vinculam, o que é vinculante é o precedente, sua ratio decidendi. No common law, precedentes não são construídos para, a partir de teses, vincular julgamentos futuros.
Assim, as teses jurídicas são instrumentos relevantes se adequadamente tratadas e aplicadas. Não são um fim em si mesmo, nem autorizam sua utilização da mesma forma que o texto legal, devendo apenas dar publicidade ao precedente, mas conduzir que esse é que deve ser analisado. As teses jurídicas raramente têm aptidão para apontar, com clareza e coerência, o fundamento determinante adotado para solver a questão controvertida.
Podemos concluir que: a) as teses jurídicas não devem ser compreendidas diante do reducionismo exegético de modo que funcionem como texto de lei, operando através de raciocínio dedutivo, por subsunção, mas sim mediante compreensão da ratio decidendi do respectivo precedente; b) não devem ser tomadas como enunciado de norma abstrata e geral, como é feito para aplicar uma lei, sendo necessário que sejam analisadas conforme o precedente no qual elas foram editadas; c) não são, necessariamente, a ratio decidendi do precedente, ainda que possa facilitar ou conduzir à ele. O valor vinculante do precedente não está na tese, mas nas razões substanciais fundamentais à solução do caso já julgado.
Assim, não é possível embaralhar as “teses” que vem sendo extratificada nos julgamentos finais dos tribunais superiores com o precedente. Como diz STRECK “Julgar precedente não é sinônimo de julgamento de tese; há que ficar clara a diferença entre precedente e tese; não podem ser a mesma coisa”.[19]
A evolução do sistema de justiça brasileiro conduz, cada vez mais, ao agigantamento dos tribunais de sobreposição. Além do fortalecimento do Poder Judiciário pela supremacia de uma Constituição com cláusulas gerais, com controle de constitucionalidade e reconhecida criatividade judicial, ao longo do tempo foram estatuídos diversos poderes para as Cortes Superiores, e o sistema de precedentes vinculante é um exemplo perfeito disso.
O respeito aos precedentes, notadamente das Cortes Superiores, é desejável. O problema que enxergamos é o modo de se chegar a esse resultado: imposição legal. Determina-se, por lei, que essas decisões sejam observadas por todos juízes, independentemente de seu conteúdo ou da justiça da decisão. Há grande problema nisso e um viés de autoritarismo interpretativo.
O precedente passa a valer e ser observado em razão da sua origem. Em outras palavras, da mera autoridade que a legislação atribuiu aos tribunais superiores, sem qualquer preocupação com a legitimidade de referidas decisões. O que deveria existir é o seguimento espontâneo desses precedentes, diante do senso de autorresponsabilidade dos juízes e da adequada compreensão de seu papel. No entanto, como estamos em terras do “decido conforme minha consciência”, o caminho foi determinar que sejam observados, mas se esquece que as Cotes Superiores continuam seguindo o mesmo caminho, sem preocupação com a estabilidade, coerência e integridade. Sem qualquer preocupação qualitativa com as decisões, os precedentes serão seguidos porque exarados pela autoridade que a lei previu, sem mais.
Ademais, em nenhum país do mundo em que o precedente faz parte de sua tradição jurídica é necessário que a lei imponha um sistema de vinculação, definindo o que é precedente e impedindo “atos de rebeldia” frente à sua autoridade. BORGES MOTTA diz que “mesmo no common law os precedentes não têm força de promulgação. O juiz deve limitar o campo gravitacional das decisões anteriores à extensão dos argumentos de princípio que foram necessários para justifica-las”.[20]
Se pode falar em força do precedente entendendo que esta possa ser maior ou menor segundo os casos, de modo que se terá um precedente forte quando possua a capacidade de determinar efetivamente a decisão de casos sucessivos, e um precedente débil quando os juízes sucessivos tendam a não lhe reconhecer um grau relevante de influência sobre suas decisões. O que vai além disso incorre no perigo do “juiz-legislador” ao se permitir uma eficácia formalmente vinculante às decisões judiciais, equiparando-as à atividade legislativa.
Sobre o problema, STECK verbera:
Querem transformar o nosso Direito em um “sistema” de precedentes e teses. O Ministro Luís Barroso, do STF, é entusiasta das “teses”. Como se precedente fosse uma tese ou uma tese fosse igual a um precedente. Na verdade, por trás disso, há uma tese, consciente ou inconsciente, de cunho realista: querem substituir o Direito posto (leis, Constituição Federal) por teses feitas pelas Cortes Superiores. Ou “decretar” – como fez o ministro Edson Fachin no RE 655.265 – que já vivemos, com o novo CPC, no common law porque adotamos o stare decisis. Resultado: o Direito é aquilo que as Cortes Superiores dizem que é. E as decisões são resultantes de um ato de vontade. É o que sustentam os adeptos da tese de que os tribunais superiores devem ser Tribunais de Precedentes. Ou Cortes de Vértice.[21]
Concordamos com o jusfilósofo. Diante da falta de racionalidade na aplicação das leis que levou à jurisprudência lotérica, abriu-se o sistema de justiça para um precedentalismo à brasileira: o STF/STJ fixam teses que valerão por sua autoridade e não por seu conteúdo.
O que se busca com isso é uma efetividade quantitativa, eficiência, funcionalidade, mas se esquece que no Direito os fins não justificam os meios, que a funcionalidade não pode se sobrepor à Constituição. Claro que é mais fácil atribuir-se ao mesmo órgão fazer tudo: editar a lei e aplicar a lei. As Cortes de Vértice podem elaborar as respostas pré-interpretadas e, com isso, facilitar e dar um saldo de eficiência para os juízes de piso. Contudo, o utilitarismo não pode dar a tônica ao sistema de justiça.
Na verdade, as teses são mera expressão desse agigantamento dos tribunais superiores, cujas decisões faltam freios hermenêuticos. Nenhum juiz constrói leis, nem produz Direito, sem exceção. Nem mesmo o STF ou STJ. Parece claro que a cláusula pétrea da separação de poderes só permite que o Poder Judiciário julgue, mas não que crie o Direito.
Isso não significa que não interpretação na atividade de aplicação do Direito. Ela existe e é construtiva, mas devíamos abandonar o verbo “criar” para designar essa atividade, já que mal compreendido. O juiz não cria o Direito da mesma forma que o parlamento. Não se confunda alhos com bugalhos.
A forma como vem sendo tratado o tema implica uma transição tardia: ao mesmo tempo em que se abandona o juiz “boca da lei”, estamos sendo levados a um realismo de segundo nível, reservado às Cortes de Vértice. Aos demais juízes restará ser um “juiz boca-dos-precedentes”. Depois, o parlamento pode ser dispensado e os juízes terão um papel bem diminuto, dispensados da reflexão ou de juízos de validade, podendo apenas fazer um mero raciocínio subsuntivo entre o caso e a tese[22].
Examinando detidamente todo o problema, parece que identificaram mal a doença e aplicaram um remédio apenas para os sintomas, esquecendo-se da verdadeira causa. Provavelmente o problema não será resolvido, ou se algo melhorar, fará surgir outros problemas ainda maiores. O que garante que as Cortes Superiores não farão “precedentes vinculantes” segundo sua vontade, à revelia das leis e da Constituição?
O cerne de tudo está na despreocupação com a decisão judicial e não no sistema ou nas leis. É um problema no modo como se concebe o Direito e se visualiza o papel do julgador e dos profissionais que lidam com a área jurídica, e não um problema do ordenamento jurídico-positivo ou do sistema de justiça. Uma coisa sempre leva à outra, em um círculo vicioso. O os precedentes precisam de uma efetividade qualitativa e a cultura jurídica deve amadurecer para perceber isso.
Boa parte do problema reside em como é encarada a decisão judicial e o papel do juiz, o que passamos a fazer no capítulo que se segue.
3.TEORIA DA DECISÃO JUDICIAL NO PARADIGMA CONTEMPORÂNEO
A noção de paradigma, no sentido aqui usado, advém da filosofia da ciência de KUHN[23], cuja perspectiva historicista leva ao entendimento de que a evolução das ciências não se dá numa espécie de aproximação das descrições científicas com a realidade, mas sim numa mudança de paradigmas[24]. Os paradigmas consubstanciam modelos teóricos, vigorantes durante um certo tempo na comunidade científica e servem como parâmetro para a aferição dos “problemas” científicos e da sua própria solução[25][26]. Um paradigma, pois, é aquilo que os membros da comunidade partilham[27]. Nesse sentido, a revolução científica opera uma verdadeira mudança na concepção de mundo, como se a comunidade científica fosse subitamente transportada para um novo planeta, onde objetos então familiares são vistos sob uma luz diferente[28][29].
É possível a reconstrução dos modelos teóricos do Direito a partir do paradigma, que tem duplo aspecto: por um lado, possibilita o desenvolvimento científico como um processo que se verifica mediante rupturas, através da tematização e explicitação dos aspectos centrais dos grandes esquemas gerais de pré-compreensões e visões de mundo, consubstanciados, no pano de fundo naturalizado de silêncio assentado na gramática das práticas sociais, que a um só tempo tornam possível a linguagem, a comunicação, e limitam ou condicionam o nosso agir e a nossa percepção de nós mesmos e do mundo; por outro, também padece de óbvias simplificações, que só são validas à medida que permitem que se apresente essas grades seletivas gerais pressupostas nas visões de mundo prevalentes e tendencialmente hegemônicas em determinadas sociedades por certos períodos de tempo e em contextos determinados.[30]
Como já se disse[31], não podemos fincar nossa compreensão de mundo em um modelo que somente reproduz o que foi dito, numa constante reinvenção da roda, repousado em uma razão preguiçosa que se nega a pensar ou evoluir, contentando-nos com uma repetição sem fim. Por outro lado, é, sim, importante e útil termos um suporte em ideias alheias já consolidadas, posto que somente nos concebemos enquanto incluídos num contexto social, cultural, ético, científico etc., contudo, isto não pode implicar na castração a inovações e ousadias positivas, que permitam, talvez, um progresso no modo de viver e de enxergar a sociedade. Neste sentido, a transição paradigmática abre grande espaço para a inovação, a criatividade e a opção moral, o que permite um novo conhecimento que, como nos diz SOUZA SANTOS[32] se “assenta num des-pensar do velho conhecimento ainda hegemônico, do conhecimento que não admite a existência de uma crise paradigmática porque se recusa a ver que todas as soluções progressistas e auspiciosas por ele pensadas foram rejeitadas ou tornaram-se inexequíveis”.
3.2 Teoria da decisão judicial e análise crítica das Cortes de Vértice
Desde o momento do positivismo primervo do legalismo da Escola da Exegese, de seu fetiche à lei, que propugnava que as respostas à todas questões jurídicas poderiam ser encontradas nos textos legais, que sequer necessitariam de interpretação[33], proibindo os juízes de saírem dos limites estritamente gramaticais do texto da lei, muito baseado na mentalidade cartesiana de crença no poder dominador da lei geral e abstrata que consubstanciaria uma razão teorética como expressão da ordem contra o arbítrio, passando pela Escola Histórica do Direito[34] e a Jurisprudência dos Conceitos[35], em que as respostas decorriam do trabalho dogmático de juristas suficientemente claros para aplicação, o que manifestamente se mostrou equivocado [36][37], chega-se ao séc. XX com o positivismo de HART[38] e KELSEN[39], que expressamente reconhecem a incerteza/insuficiência da linguagem como causa da discricionariedade.
Nessa evolução, encontramos a alteração do paradigma orientador. O positivismo clássico encontra-se superado a pelo neopositivismo de Kelsen, e a noção de que texto e norma não se equivalem já foi a muito tempo estabelecida. No famoso cap. VIII da Teoria Pura do Direito, Kelsen reconheceu a incapacidade positivista em dar conta das inúmeras possibilidades de aplicação, concluindo que o ato de aplicação da lei pelo juiz é um ato de vontade. Hart não diverge muito, já que os casos não contemplados, situados na “penumbra”, seriam resolvidos mediante o uso de discricionariedade judicial, uma espécie de poder legislativo intersticial; como se determinados casos estivessem resolvidos pelo Direito e outros não.
No pós-positivismo foi denunciado o problema do aguilhão semântico positivista. DWORKIN aponta que teorias positivistas se baseiam na análise da linguagem dos textos legais, consistente em se considerar que o direito se encontra ou deveria ser encontrado nas convenções linguísticas dotadas de força de lei. A pergunta positivista fica reduzida à questão dos diversos significados possíveis de um texto jurídico, não permitindo indagar sobre a influência que as convicções morais do intérprete exercem sore sua interpretação.
No entanto, o Direito não é somente uma questão de interpretação semântica de textos jurídicos. O Direito também é uma questão de convicção moral, uma questão de princípio. As divergências na prática não são apenas empíricas, mas também a respeito dos próprios fundamentos do direito e divergências sobre convicções morais importantes. Portanto, também inclui a justificação adequada e de coerência com convicções morais importantes, de modo que a prática do Direito é uma prática interpretativa.[40]
Mas há o problema gerado no pós-exegetismo: o que fazer diante da indeterminação provocada pelo descolamento texto-norma? Tentando dar uma resposta para essa questão, existem argumentativistas, interpretativistas, hemeneutas, positivistas de várias matrizes, analíticos etc.
Na verdade, o próprio termo “discricionariedade” é ambíguo. Podem ser identificadas três acepções para o poder discricionário. Em primeiro lugar, pode existir poder discricionário se a decisão se basear em padrões jurídicos a respeito dos quais as pessoas podem interpretar de maneiras diferentes; em um segundo sentido, se dá quando a decisão for definitiva, assim caracterizada quando nenhuma autoridade superior lhe possa rever; em terceiro lugar, haverá poder discricionário quando o conjunto de padrões que lastreiam a decisão, por impor os respectivos deveres, na verdade, não impõe a tomada de uma decisão específica, permitindo uma escolha.[41] O juiz pode ter poder discricionário no primeiro e no segundo sentido, mas parece não o possuir no terceiro sentido. Ora, diante de um caso a ser julgado, abrem-se três hipóteses: (a) julgar procedente em favor do autor, (b) improcedente em favor do réu, ou então, que seria permitido (c) escolher qualquer uma dessas decisões. O Direito pode conferir a terceira hipótese, de escolha, tal como ocorre como a discricionariedade administrativa, todavia, isso depende da consideração de todas as informações jurídicas tomadas em conjunto e apenas se verifica na atividade administrativa, dada a sua natureza, mas não na atividade jurisdicional. Se o juiz não está incerto acerca da procedência ou improcedência, deveria decorrer que pudesse escolher qualquer uma das opções, mas não é isso que ocorre, nos casos que se apresentam, o caso é tratado à vista dos padrões normativos que estão obrigados considerar, como uma questão do que os juízes, enquant juizes, estão obrigados a fazer, sendo rejeitada a possibildiade de mera escolha[42]. Estas diferentes acepções confundem e o correto é entender-se a discricionariedade apenas nesse terceiro sentido, já que as outras tratam de interpretação/apreciação e não de discricionariedade.
Para bem entender isso, é necessário termos em mente que essas premissas fazem sentido a partir do paradigma que entende que interpretação e aplicação estão unidos em um processo unitário, a interpretação só ocorre diante do caso concreto, entre texto e norma há uma diferença ontológica[43] e existe a necessidade de adequação do Direito à sociedade. Na verdade, o que comumente se desgina como subsunção encontra dificuldades na constatação de que a apreciação é ínsita à atividade interpretativa que essencialmente constitui o Direito. É preciso uma mudança de perspectiva.
As múltiplas respostas se movem no campo da sintática e da semântica[44], como se o direito pudesse ser descrito a partir de sentidos aos quais, posteriormente, se acoplassem fatos. Ao separar interpretação e aplicação se incorre no problema da indeterminação real, pois o texto (tomado em si próprio, como algo diferente do caso concreto) não dá conta de conferir respostas precisas[45], na mesma medida em que pautas gerais prévias não funcionam porque inviável conferir respostas antes das perguntas. Por isso, qualquer postura formalista paga o preço de sustentarem uma visão incompleta da realidade jurídica, que apenas resolve casos claros[46], representando um desconhecimento da própria essência do Direito. Por outro lado, à luz do caso concreto, é possível construir a melhor solução, a solução justa.
Se é certo que a aplicação-interpretação (applicatio) de conceitos legais não ocorre mediante simples subsunção[47], um simples silogismo ou uma mera operação lógico-dedutiva se assim se preferir dizer e, da mesma forma, mesmo que se diga que é impossível à lei predeterminar todas as possibilidades de casos que possam ocorrer no futuro[48] (e aqui reside a insuficiência do formalismo positivista), isto não autoriza que se infira, como solução, uma aposta na discricionariedade (possibilidade de escolha) no sentido de que a decisão se daria por um ato de vontade[49].
É sintomático observar que a admissão de decisionismos, indeterminações e discricionaridades como inerentes ao fenômeno jurídico funcionou como suporte ao surgimento do movimento realista norte-americano, que passaria a advogar a “desimportância” da dogmática, da lógica, da racionalidade, e sobretudo do papel da lei (que é relegada à segundo plano), identificando o fenômeno jurídico como a prática do Poder Judiciário, segundo a qual o Direito é aquilo que os tribunais dizem que ele é[50]. Para FRANK.[51], um realista considerado extremado, interpretar não é apenas buscar o significado da lei ou da intenção do legislador, mas uma busca de solução por parte do juiz, que acaba em uma criação livre de uma decisão particular.
Não concordamos com essa perspectiva, nem trilhamos o mesmo caminho daqueles que consideram o fenômeno jurídico inevitavelmente indeterminado no sentido de que não dimana um resultado único que exclua os outros. A atividade criativa está presente[52], mas ela é guiada para a solução justa ao caso concreto: a solução correta, que não é um mero ato de vontade ou de escolha e a interpretação não consiste apenas na aplicação das “palavras” do texto da lei.
A dicotomia entre determinismo e indeterminismo e a lógica de tudo-ou-nada pela qual perpassam, que segue uma concepção segundo a qual a conduta está ou não totalmente regulamentada previamente pelo ordenamento jurídico, não é a única via possível, existe outro caminho. Não é preciso que se conceba que a resposta esteja no ordenamento necessitando apenas ser encontrada, tal qual um metal precioso a aguardar sua descoberta; nem que se aposte em uma escolha subjetiva em decorrência de um ceticismo injustificado. Na realidade, a resposta é construída no caso concreto, mas sem que seja preciso tomar decisões discricionárias.
Hermeneuticamente, é possível apontar várias teorias que justificam a decisão judicial. A este respeito, citem-se as teorias argumentativas[53], bem ilustradas nas palavras de KRELL[54] quando diz que “na sindicância da aplicação de conceitos jurídicos indeterminados pelo administrador, o juiz não deve observar se o resultado dessa operação foi correto, mas se foi adequadamente motivado e justificado, tornando-se sustentável”. Observe que isso permite a decisão por uma escolha subjetiva posteriormente justificada mediante os propugnados argumentos racionais que seriam suficientes para sustentá-la[55]. Tal raciocínio peca justamente em não conseguir evitar a discricionariedade, porque move-se no campo da pragmática, substituindo, quando convém, a própria semântica, ademais, tudo se resume ao proceduralismo-argumentativo que, por ter pretensão corretiva, acaba se substituindo ao próprio Direito.
Por outro lado, temos teorias conteudísticas como o direito como integridade[56] [57], que entende que os juízes devem buscar a solução que melhor promova a coerência e a consistência do sistema jurídico como um todo, levando em consideração os princípios e valores morais que o sustentam, em uma tarefa hercúlea; nessa medida, a indeterminação de regras jurídicas obriga a recorrer a direitos ou a argumentos principiológicos de modo à construir a melhor solução para o caso concreto, sendo vedado ao juiz lançar mão de seus princípios de sua conduta pessoal, sua própria visão de mundo, etc. No Brasil, STRECK[58] desenvolve sua Crítica Hermenêutica do Direito também com uma noção conteudística na construção da tese da resposta adequada à constituição, sob o fundamento de que uma interpretação compatível com o Estado Democrático de Direito não poderia admitir múltiplas respostas, cuja consequência seriam discricionariedades, arbitrariedades e decisionismos; sendo o caso concreto irrepetível, a resposta é simplesmente uma para aquele caso, que não será a única resposta, mas, sim, “a resposta”, a resposta verdadeira, mas que não é uma única resposta para o caso, nem tampouco uma entre várias respostas para o caso.
Pensamos que o mero controle do discurso com vistas à racionalidade não legitima uma decisão subjetiva do julgador, principalmente porque essa argumentação permite vários caminhos igualmente subjetivos. Parece ser preferível como caminho a trilhar que devemos dar nossa melhor intepretação possível e tentar buscá-la a todo momento. Admitir a subjetividade, com um pretenso controle argumentativo apenas camufla o problema, não o resolve. Assim, deve-se buscar a justificação numa teoria de correção substancial das decisões e não apenas procedimental, sendo a resposta correta possível como demonstram as teorias hermenêuticas citadas. Destarte, o caminho de uma única solução possível na interpretação e aplicação dos conceitos indeterminados se nos mostra irretocável[59], permitindo, perfeitamente, o seu controle judicial.
A teoria do Direito como integridade tem como base a ideia de que o Direito deve ser visto como um sistema coerente e integrado, que busca promover valores morais e políticos fundamentais, como a liberdade, a igualdade e a justiça. Como ensina STRECK:
A integridade é um princípio legislativo, que pede aos legisladores que tentem tornar o conjunto de leis moralmente coerente, e um princípio jurisdicional, que demanda que a lei, tanto quanto possível, seja vista como coerente nesse sentido. A integridade exige que os juízes construam seus argumentos de forma integrada ao conjunto do Direito, constituindo uma garantia contra arbitrariedades interpretativas. Coloca freios efetivos, por meio dessa comunidade de princípios, às atitudes solipsistas-voluntaristas. A integridade é antitética a qualquer forma de voluntarismo, ativismo discricionariedade. Ou seja, por mais que o julgador desgoste de determinada solução legislativa e da interpretação possível que dela se faça, não pode ele quebrara a integridade do Direito, estabelecendo um “grau zero de sentido”, como que, fosse o Direito uma novela, matar o personagem principal, como se isso – a morte do personagem - não fosse condição para a construção do capítulo seguinte[60]
Do conjunto da obra de Dworkin, destaca-se a pretensão de ruptura com o positivismo, com o reconhecimento do Direito coo atividade interpretativa, sem que isso represente uma postura relativista no julgamento dos casos.
Afirma-se a existência de respostas corretas, constituídas no esforço de, diante da divergência, encontrar a melhor interpretação possível. Com isso, atribui-se certa objetividade ao Direito, que aparece em conceitos desenvolvidos pelo autor: a) moralidade política (construção de uma moralidade não relativista); b) responsabilidade política do julgador (para promover a igualdade); c) interpretação jurídica como romance em cadeia (vinculação do julgador a casos passados e comprometimento com as especificidades da controvérsia). Neste ambiente, coerência de integridade se manifestam como elementos da igualdade.[61] Coerência é a consistência lógica que o julgamento de casos semelhantes devem guardar entre si, enquanto integridade é a exigência de que juízes construam seus argumentos de forma integrada ao conjunto do Direito, numa perspectiva de ajuste de substância. Observe o seguinte trecho de O império do direito:
O direito como integridade, num caso de direito consuetudinário como o McLonghlin, pede ao juiz que se considere como um autor na cadeia do direito consuetudinário. Ele sabe que outros juízes decidiram casos que, apesar de não exatamente iguais ao seu, tratam de problemas afins; deve considerar as decisões deles como parte de uma longa história que ele tem de interpretar e continuar, de acordo com suas opiniões sobre o melhor andamento a ser dado à história em questão. [...] No direito, porém, a exemplo do que ocorre na literatura, a interação entre adequação e justificação é complexa. Assim como, num romance em cadeia, a interpretação representa para cada intérprete um delicado equilíbrio entre diferentes tipos de atitudes literárias e artísticas, em direito é um delicado equilíbrio entre convicções políticas de diversos tipos.[62]
Para ilustrar essa abordagem, Dworkin introduz a figura do “juiz Hércules”, um magistrado fictício dotado de vasto conhecimento e capacidade analítica, que busca a “resposta correta” para cada caso, mesmo em situações de incerteza jurídica:
Podemos, portanto, examinar de que modo um juiz filósofo poderia desenvolver, nos casos apropriados, teorias sobre aquilo que a intenção legislativa e os princípios jurídicos requerem. Descobriremos que ele formula essas teorias da mesma maneira que um árbitro filosófico construiria as características de um jogo. Para esse fim, eu inventei um jurista de capacidade, sabedoria, paciência e sagacidade sobre-humanas, a quem chamarei de Hércules. Eu suponho que Hércules seja juiz de alguma jurisdição norte-americana representativa. Considero que ele aceita as principais regras não controversas que constituem e regem o direito em sua jurisdição. Em outras palavras, ele aceita que as leis têm o poder geral de criar e extinguir direitos jurídicos, e que os juízes têm o dever geral de seguir as decisões anteriores de seu tribunal ou dos tribunais superiores cujo fundamento racional (rationale), como dizem os juristas, aplica-se ao caso em juízo.[63]
O espírito de integridade, que situamos na fraternidade, seria violado se Hércules tomasse sua decisão de outro modo que não fosse a escolha da interpretação que lhe parece a melhor do ponto de vista da moral política como um todo. Aceitamos a integridade como um ideal político porque queremos tratar nossa comunidade política como uma comunidade de princípios, e os cidadãos de uma comunidade de princípios não têm por único objetivo princípios comuns, como se a uniformidade fosse tudo que desejassem, mas os melhores princípios comuns que a política seja capaz de encontrar. A integridade é diferente da justiça e da equidade, mas está ligada a elas da seguinte maneira: a integridade só faz sentido entre pessoas que querem também justiça e equidade. Assim, a escolha final de Hércules da interpretação que ele considera mais bem fundada em sua totalidade - mais equitativa e mais justa na correta relação - decorre de seu compromisso inicial com a integridade. Ele faz essa opção no momento e da maneira que a integridade tanto o permite quanto o exige, e portanto é totalmente enganoso dizer que ele abandonou o modelo da integridade exatamente nesse ponto.[64]
Assim, em qualquer caso jurídico, existe uma resposta correta que é a solução que melhor promove a integridade do sistema jurídico como um todo. O papel do juiz é o de interpretar as normas jurídicas de forma a encontrar a resposta correta para cada caso. Essa interpretação deve levar em consideração tanto a letra da lei quanto os valores morais e políticos que fundamentam o sistema jurídico.
O aprimoramento criativo de uma lei, portanto, não pode ser realizado pela intepretação incluindo nela as convicções pessoais do julgador. Como diz SIMONI:
A questão da interpretação da lei, na perspectiva da integridade, exige que se busque um significado mais profundo da lei, para além do seu texto, para além do seu nível sintático e semântico. A interpretação da lei com integridade procura ver a legislação como uma decorrência moral da política da comunidade em um determinado contexto histórico[65]
Em outra passagem desse mesmo autor:
Contrariando toda tradição positivista de Austin, Kelsen e Hart, do direito baseado na análise linguística, para Dworkin o direito é interpetação, por isso ele decide não continuar uma teoria pura do direito, mas fundar uma teoria política do direito. Se no positivismo não é possível uma única decisão jurídica correta, na teoria de Dworkin a decisão jurídica correta não só é possível, mas também exigida por uma questão de coerência e integridade. Do mesmo modo que no neopositivismo de Kelsen, para Dworkin, a escolha da interpretação adequada é uma escolha política. Mas essa escolha não é política no sentido das análises semânticas do direito e sim política no sentido da coerência e integridade com o projeto político de uma comunidade baseada em princípios, baseada em convicções de moralidade política comuns.
Para se chegar a esse nível de entendimento do direito, contudo, é necessário renunciar ao positivismo jurídico. O direito não pode mais ser entendido apenas como linguagem, pois o direito pode ser entendimento mais adequadamente como uma prática interpretativa. Afinal, se as convicções de moralidade política são realmente importantes para justificação coerente e íntegra das decisões jurídicas, o direito então exige seja concebido como uma prática interpretativa, uma hermenêutica política.[66]
A decisão judicial no Estado Democrático de Direito não pode veicular a vontade do julgador, mas a aplicação do Direito. O Brasil caminho para um sistema que se reputa de precedentes com vistas à efetividade quantitativa do sistema judiciário, com um viés utilitarista e despreocupado com questões fundamentais, notadamente a qualidade das decisões e sua efetividade qualitativa.
A concepção que tem sido seguida peca por fixar-se em quem deve decidir e não como decidir. Firmam-se pela autoridade conferida a quem decide e não pelo conteúdo do decisum. Ao final, baseia-se em um argumento de autoridade e não de justiça. Isso pode provocar a institucionalização jurisprudencial de um realismo jurídico à brasileira, proclamando a verdade das proposições jurídica pelo mero fato de terem sido proferidas pelo Poder Judiciário (“O Direito é aquilo que os Tribunais dizem que ele é”), e não porque conduz às normas jurídicas previamente elaboradas pelo Poder Legislativo.
Desde Gadamer, a hermenêutica se apoia na ideia de que a “autoridade” que se impõe no processo interpretativo é a da tradição e não de quem realiza o ato interpretativo. (...) A verdadeira autoridade, nesse contexto, decorre de um ato de reconhecimento e não de uma imposição. Decisões podem obrigar. Óbvio que sim. Mas por coerência e integridade.[67]
Parece possível concluir que todo precedente merece ser observado, mas nunca como “ponto de chegada”, e sim como principium argumentativo dentro do processo interpretativo que o Direito consiste.
Algumas decisões da Cortes de Vértices parecem não ter consonância do o Direito, o que se torna possível por valorizar-se a autoridade do argumentador e não do argumento. Por outro lado, os demais membros da comunidade jurídica também precisam cumprir seu papel. Acreditamos que a solução passa pelo direito como integridade, iniciando-se pelas Cortes Superiores, cuja qualidade e autoridade moral (e não imposição legal) devem orientar os demais, que também devem ter autorresponsabilidade de analisar e aplicar com o devido cuidado os precedentes e os fatos determinantes. Sem qualidade, a quantidade provocará mais malefícios que benefícios, caso se queira argumentar também de forma utilitarista.
4.CESSAÇÃO DA EFICÁCIA DA COISA JULGADA EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA NAS RELAÇÕES DE TRATO CONTINUADO
Assentadas as premissas com as quais trabalharemos, nesse capítulo examinaremos se é possível que decisões supervenientes do Supremo Tribunal Federal tem aptidão para fazer cessar a eficácia da coisa julgada em matéria tributária nas relações de trato continuado.
4.1 Eficácia temporal da coisa julgada e as relações jurídico-tributárias de trato continuado
O art. 5º, inc. XXXVI, CF/88 prescreve que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”, ao que o CPC regulamenta das seguintes maneira:
Art. 502. Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso.
Art. 503. A decisão que julgar total ou parcialmente o mérito tem força de lei nos limites da questão principal expressamente decidida.
Art. 505. Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas relativas à mesma lide, salvo:
I - se, tratando-se de relação jurídica de trato continuado, sobreveio modificação no estado de fato ou de direito, caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença;
II - nos demais casos prescritos em lei.
Art. 506. A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não prejudicando terceiros.
Art. 508. Transitada em julgado a decisão de mérito, considerar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e as defesas que a parte poderia opor tanto ao acolhimento quanto à rejeição do pedido.
A coisa julgada é um direito fundamental decorrente da necessidade de segurança jurídica no Estado Democrático de Direito. Estabiliza a discussão acerca de determinada situação jurídica, resultando em um “direito adquirido” judicialmente. Além disso, possui uma dimensão objetiva, cujo propósito é justamente proteger a segurança jurídica que com ela se relaciona, sendo inviolável por lei.
É interessante destacar a eficácia preclusiva da coisa julgada, explicitada no art. 508 supratranscrito. O dispositivo deixa claro que tornam-se irrelevantes todos os argumentos e provas que as partes poderiam alegar ou produzir em favor da sua posição. Com a coisa julgada, preclui a rediscussão de todos os argumentos que poderiam ter sido suscitados, mas não foram. Não se pode novamente discutir o que já deduzido, bem como não é possível arguir o que era dedutível e não foi. Logo, ela cobre a res deducta e a res deducenda.
Evidentemente que existem vícios rescisórios e transrescisórios, os primeiros relacionados à invalidade e justiça, mas os segundos apenas à invalidade. Além disso, a coisa julgada também pode ser questionada na impugnação prevista pelo § 12 do art. 525 e § 5º do art. 535, CPC, nas específicas hipóteses que são previstas, quais sejam, “lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal , em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso”.
No entanto, todas as previsões precisam de uma leitura constitucional, pois não é admissível que a coisa julgada possa ser rediscutida a qualquer tempo simplesmente porque é impingida como contrária ao entendimento do Supremo Tribunal Federal. NIEVA-FENOLL explica:
O princípio básico de que parte o conceito de coisa julgada é o seguinte: os juízos só devem realizar-se uma única vez. Deste princípio se deriva que a coisa julgada consiste em uma proibição de reiteração de juízos. Esse foi o postulado da época de HAMMURABI, esse era o postulado no período romano, e esse é e seguirá sendo o postulado de que a coisa julgada partirá em todo caso.[68]
É preciso lembrar que toda aplicação de precedente, no que se inclui aqueles que representam o entendimento do STF, também depende de interpretação, distinguishing, applicatio, e que todo esse procedimento faz coisa julgada. Novamente, aqui, a legislação tende a criar um “leviatã hermenêutico”, desconectado com as amarras e mecanismo de um verdadeiro sistema de precedentes típicos do common law. Importa-se o “poder”, mas não as responsabilidades.
Após o prazo da rescisória, o decisum deve se estabilizar, sendo chamada por alguns de “coisa soberanamente julgada”. Por outro lado, há quem defenda que uma coisa julgada impingida de inconstitucional não poderia prevalecer,[69] não poderia ela fazer do branco preto ou do quadrado um redondo. O cerne do problema, no entanto, é quem dirá o que é preto ou redondo? Pode ser rediscutido sempre? Com raciocínio semelhante, leciona DIDIER JR. que as concepções de relativização atípica da coisa julgada são perigosas. Defendem a prevalência do “justo”, mas não definem o que seja “justo”.[70]
Ao fim e ao cabo, a coisa julgada é uma qualidade da decisão, consistente na imutabilidade de seu comando. A lei não poderá prejudicar o que decidido, nem outro julgamento poderá confrontá-lo. Contudo, essa imutabilidade não se confunde sua eficácia no tempo.
Tratando-se de relação de trato continuado, nada impede que o regime normativo seja posteriormente alterado pelo legislador. Como ensina THEODORO JÚNIOR:
Nas relações jurídicas continuativas, a sentença se aproxima ainda mais da lei, pois passa a regular fatos futuros. As partes não podem mais discutir o comando sentencial para desvincular da condenação imposta. Porém, não estão imunes à alteração do regime legal. A tutela constitucional das res judicata não impede que o legislador resolva editar norma nova, ante os anseios das mudanças sociais constantes. A lei não pode retroagir para excluir os efeitos produzidos pela coisa julgada. Mas os fatos novos, ocorridos entre as mesmas partes e após a edição da nova lei, estarão submetidos ao comando legal.[71]
Ao adentrar nesse aspecto, não tratamos mais sobre a imutabilidade em si (o quê se torna imutável), mas sobre os limites temporais dessa imutabilidade (até quando a solução é indiscutível). O trabalho passa a ser desenvolvido com relação à eficácia temporal. Em outras palavras, seus efeitos no tempo, e não mais de flexibilização, rescisão ou relativização de seu comando. Eficácia temporal não se confunde com imutabilidade da coisa julgada.
ZAVASCKI classificava as relações jurídicas em instantâneas, permanentes e sucessivas. A relação instantânea é aquela decorrente do fato gerador que se esgota imediatamente, num momento determinado, sem continuidade no tempo, ou que, embora resulte de fato temporalmente desdobrado, só atrai a incidência da norma quando estiver inteiramente formado. A permanente ou duradoura nasce de um suporte de incidência consistente em fato ou situação que se prolonga no tempo. Por fim, a sucessiva é “nascida de fatos geradores instantâneos que, todavia, se repetem no tempo de maneira uniforme e continuada. Os exemplos mais comuns vêm do campo tributário”.[72]
Observe que as relações instantâneas não se projetam para o futuro, o que as afasta completamente da problemática da eficácia temporal da coisa julgada, posto exauridas instantaneamente. Já as relações permanentes e sucessivas atraem o debate.
Na seara tributária esse tipo de relação é muito comum. As ações declaratórias envolvendo relações jurídico-tributárias de trato continuado ou sucessivo não se restringem aos fatos narrados na petição inicial ou mesmo aqueles ocorridos durante o processo, projetando seus efeitos para o futuro. SEEFELDER FILHO explica que tal particularidade de as decisões judiciais projetarem efeitos par ao futuro foge da clássica atuação do Poder Judiciário, haja vista que o Poder Judiciário, em regra, analisa os fatos históricos ocorridos no passado e relatados no pedido, sendo, portanto, exceção às decisões judiciais que projetam efeitos sobre fatos que irão acontecer no futuro.[73] DIDIER JR. esclarece que, em regra, não são admitidas sentenças que regrem situações ainda não consumadas, mas excepcionam-se as situações futuras vinculadas a situações presentes, como aquelas que disciplinam relações permanentes e sucessivas.[74]
Nesse cenário, possibilita-se a existência de ações declaratórias com efeitos futuros, perdurando enquanto estiver em vigor a lei que a fundamentou e que por ela é interpretada. Na eficácia dos comandos judiciais declaratórios existe o efeito de preceituação, com pretensão de evitar futuros conflitos e demanda futura, estabelecendo-se uma norma de conduta para as partes.[75] Por exemplo, se em um exercício financeiro o contribuinte obtém êxito em decisão que conhece que a base de cálculo do IPTU não é 2X, mas apenas X, não precisará ingressar com a demanda todo os anos, pois enquanto estiver em vigor o mesmo quadro normativo, a sentença estará regulando a situação, conferindo certeza jurídica. Do mesmo modo, se em determinada operação de ICMS entendeu-se que não incide o DIFAL, não é preciso que a cada saída de mercadoria, todos os anos, o contribuinte ingresse com nova demanda com o mesmo objeto, pois enquanto perdurar o contexto fático-normativo, o comando transitado em julgado também persistirá no tempo.
A resposta para essa questão é expressamente consignada pelo art. 505, I, CPC:
Art. 505. Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas relativas à mesma lide, salvo:
I - se, tratando-se de relação jurídica de trato continuado, sobreveio modificação no estado de fato ou de direito, caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença;
DIDIER JR. explica:
De acordo com a literalidade do art. 505, a coisa julgada será revista nos casos em que versarem sobre relação jurídica de trato continuado, havendo fato superveniente que justifique essa revisão, e nos demais casos previstos em lei. Fora disso, nenhum juiz, o que inclui o juiz da causa, poderá decidir novamente o que já foi decidido. A regra aplica-se exatamente à coisa julgada e reforça a eficácia da coisa julgada prevista nos arts. 502 e 503.
Na primeira hipótese (art. 505, I, CPC), não há propriamente uma revisão da coisa julgada, com outra decisão sobre o que já havia sido decidido. Como se está diante de um fato novo, outra situação há de ser decidida (e não a mesma situação!) e, por isso, nova decisão se impõe.
...
O inciso I cuida da coisa julgada e as relações jurídicas de trato continuado; a coisa julgada só pode ser “revista” em razão de fato superveniente.[76]
A decisão proferida face esse tipo de relação jurídica (permanente e sucessiva) contém uma cláusula rebus sic stantibus, de maneira que, existindo modificação superveniente no estado de fato ou de direito, seria lícito “rever” o que foi decidido.
Para alguns autores, essas decisões não se tornariam imutáveis pela coisa julgada, com o que não concordamos. Há um desvio de perspectiva nesse entendimento. Na realidade, todas as decisões produzem coisa julgada material. Quando os fatos que justificaram a decisão sobre relação jurídica de trato continuado se alteram, o contexto fático-normativo é outro diferente daquele que ensejou a demanda em que prolatada a decisão, afastando-se o âmbito de incidência do comando judicial, que só permanece e vincula a situação fático-jurídica com a configuração apreciada pelo órgão julgador. DIDIER JR. expõe:
A modificabilidade da decisão é decorrente da peculiar relação jurídica de direito material que ela certificou; é o direito material certificado que traz consigo a marca da modificabilidade, já que seus pressupostos são suscetíveis a variações no tempo.
Ao deparar-se com a ação de revisão, o juiz estará julgando uma demanda diferente, pautada em nova causa de pedir (composta por fatos/direitos novos) e em novo pedido. Com isso, gerará uma nova decisão e uma nova coisa julgada, sobre essa nova situação, que náo desrespeitará, em nada, a coisa julgada formada para a situação anterior.
Sentença sobre relação jurídica permanente faz, sim, coisa julgada. Para a relação jurídica continuativa, identificada por aqueles quadros fáticos e jurídico, há uma decisão transitada em julgado, indiscutível.
Agora, modificando o quadro fático e/ou jurídico, necessário que se dê novo tratamento à relação jurídica, o que será feito por nova ação, que culminará em uma nova decisão transitada em julgado – indiscutível para aquela nova situação.[77]
Afinal todas sentenças possuem, implicitamente, a cláusula rebus sic stantibus, incidindo sobre o suporte fático e normativo que elas enfrentaram. Nas relações de trato continuado, com o passar do tempo esse suporte pode se modificar, o que afasta a nova situação do âmbito de incidência da coisa julgada. Na verdade, a modificação de fato ou de direito faz surgir nova relação jurídica que não está submetida aos efeitos de sentença anteriormente prolatada, provocando um afastamento com relação aos limites objetivos da coisa julgada.
Por exemplo, numa sentença de alimentos, haverá vinculação das partes enquanto manterem-se inalterados as características de fato: necessidade do alimentado vs. possibilidade do alimentante. Sobrevindo alterações, como o desaparecimento da necessidade do alimentado, ou seu aumento ou diminuição, o valor dos alimentos será estipulado novamente com base nessas novas circunstâncias. Imaginem, ainda, uma sentença que julga improcedente determinado adicional requerido por um servidor; sobrevindo uma lei nova que o concede, será devida a importância.
Acerca das relações jurídico-tributárias, importante que se diga que elas não encontram diferenciação teórica em relação às demais espécies. Ela traz exemplos de relação jurídica de trato sucessivo, com o mesmo contorno das demais. No entanto, no aspecto pragmático existe peculiaridades, pois o cenário atual é de elevada carga tributária, legislação excessiva e complexa, regressiva, indireta, ultrapassada e, várias vezes, injusta e confusa. Existe um enorme contencioso tributário e as demandas comumente são demandas de massa, capazes de desfalcar os cofres públicos. Some-se a isso, importantíssimo dado referente à livre concorrência, que pode ser severamente prejudicada por decisões díspares sobre relações jurídico-tributárias de trato continuado. Se uma empresa paga menos tributo que outra, embora estejam na mesma situação e no mesmo mercado, só porque uma conta com uma coisa julgada que a beneficia enquanto a outra não (jurisprudência lotérica), estaria comprometido o desígnio de nossa ordem econômica.
Nesse ponto não somos pragmáticos ou utilitaristas. Somos defensores da juridicidade. O problema não é esse. Está-se olhando para o sintoma e não para a causa. A integridade e coerência do Direito não podem ser subjugadas por considerações de viés utilitarista. Os fins não justificam os meios.
Nos próximos tópicos identificaremos as causas e teceremos nossa solução.
4.2 Estudo de caso: as Teses nº 881 e 885 do STF
O STF entendeu que decisões proferidas em ação direta ou em sede de repercussão geral interrompem automaticamente os efeitos temporais das decisões transitadas em julgado nas referidas relações que lhe sejam conflitantes, respeitadas a irretroatividade, a anterioridade anual e a noventena ou a anterioridade nonagesimal, conforme a natureza do tributo. Esse entendimento foi firmado no RE 955.227/BA e RE 949.297/CE, julgados em 08/02/2023, e geraram as seguintes teses jurídicas:
Tese n. 881/885:
1. As decisões do STF em controle incidental de constitucionalidade, anteriores à instituição do regime de repercussão geral, não impactam automaticamente a coisa julgada que se tenha formado, mesmo nas relações jurídicas tributárias de trato sucessivo.
2. Já as decisões proferidas em ação direta ou em sede de repercussão geral interrompem automaticamente os efeitos temporais das decisões transitadas em julgado nas referidas relações, respeitadas a irretroatividade, a anterioridade anual e a noventena ou a anterioridade nonagesimal, conforme a natureza do tributo.
Interessante ressaltar que
Houve modulação de efeitos para afastar a aplicação de multas punitivas e moratórias, relativamente ao contribuinte que detinha coisa julgada a seu favor quanto à exigibilidade da CSLL, cujo fato gerador tenha ocorrido até a data da publicação da ata do julgamento de mérito (13.02.2023), impostas aos contribuintes que possuíam decisão favorável transitada em julgado em ações judiciais propostas para questionar a exigibilidade da CSLL. Ficou preservada a incidência dos juros de mora e da correção monetária e vedada a repetição dos valores já recolhidos a título de multa de qualquer natureza.
O que está por trás dessas teses? Qual a ratio decidendi?
No tema 881, o caso concreto trata de situação em que no ano de 1990 a empresa contribuinte impetrou mandado de segurança, cuja ordem foi concedida e confirmada em segunda instância, declarando a inexigibilidade do tributo em razão do reconhecimento, incidenter tantum, da inconstitucionalidade da Contribuição Social Sobre o Lucro, instituída pela Lei n. 7.869/88, decisum que transitou em julgado em agosto de 1992 e não foi ajuizada ação rescisória no prazo legal. Acontece que, posteriormente, em junho de 2007, a Suprema Corte decidiu, no julgamento da ADI n. 15, que a Contribuição Social sobre o Lucro prevista na Lei n. 7.689/88, na sua essência, era constitucional.
No tema 885, embora a questão jurídica envolva a constitucionalidade da Contribuição Social Sobre o Lucro instituída pela Lei n. 7.869/88, há peculiaridade importante, em razão da discussão envolver o controle difuso de constitucionalidade exercido pelo Supremo Tribunal Federal anteriormente à implantação da sistemática da repercussão geral, diferentemente do Tema n. 881, que diz respeito ao controle concentrado e abstrato.
O Min. Barroso, em seu voto condutor do acórdão, trouxe o conceito do controle de constitucionalidade difuso e concentrado, afirmando que aquele é caracterizado por conferir a qualquer juiz, no exercício da função jurisdicional e diante da análise de determinado caso concreto, a prerrogativa de declarar a inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo, decisão que, em princípio produzirá efeitos inter partes e este (o controle concentrado) é aquele onde há um exame da constitucionalidade de determinada norma em tese, provocado pelos legitimados para tanto, por intermédio dos meios próprios previstos na Constituição. Em sua fundamentação, o relator defende que os efeitos da declaração de inconstitucionalidade no controle difuso, desde que depois do instituto da repercussão geral, devem ser os mesmos do controle concentrado previstos no art. 102, § 2º, da Constituição Federal, já que este dispositivo constitucional prevê a eficácia erga omnes e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.
De acordo com o entendimento adotado, o art. 52, X, da CF245, que define a competência privativa do Senado para suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal, depois da implantação do instituto da repercussão geral, passou a ter apenas o efeito de dar publicidade à decisão da Corte Constitucional já que todo o Poder Judiciário é obrigado a seguir as teses fixadas no âmbito dos recursos extraordinários julgados sob a sistemática da repercussão geral, nos termos do que estabelece o art. 927, III, e o art. 988, § 5º, II, do CPC/2015.
Nesse sentido, trata-se do fenômeno da objetivação do controle difuso, já que, no seu entender, é incontestável que as decisões proferidas em recursos extraordinários com repercussão geral e as proferidas em controle concentrado gradativamente têm adquirido os mesmos efeitos, seja pela atuação do próprio Poder Judiciário ou do Poder Legislativo. Quanto à inaplicabilidade de tal entendimento no controle constitucional difuso, sem repercussão geral, pontua que por não ter natureza objetiva nem eficácia vinculante, como os decididos em sede de repercussão geral, não terá o condão de cessar a eficácia da coisa julgada que se houver formado, mesmo que em relação jurídica tributária de trato sucessivo.
Ao discorrer sobre a coisa julgada, defende que apesar do princípio da segurança jurídica ter estatura constitucional, não se trata de valor absoluto, já que deve ser feita uma ponderação entre a segurança jurídica e outros princípios constitucionais, como o da capacidade contributiva, da isonomia e da livre concorrência, que devem ser resguardados diante do caso concreto , entendimento de todo correto e que pode ser alcançado com a eficácia ex nunc dos julgamentos ocorridos em sede de repercussão geral e de recursos repetitivos, tendo em vista, que, advindo efeitos prospectivos do que ficará decidido nos precedentes vinculantes, haverá a harmonização entre os princípios constitucionais que atuam na questão, jurídica controvertida, não havendo desrespeito a qualquer deles.
Concluiu que é necessária a interrupção dos efeitos da coisa julgada nas relações tributárias de trato sucessivo, independente de qual tributo esteja em discussão, na hipótese do Supremo Tribunal Federal se manifestar em sentido oposto, em controle concentrado e em controle difuso, desde que de acordo com a sistemática da repercussão geral. Tal qual o Ministro Edson Fachin, ao proferir seu voto no Tema n. 881, o Ministro Barroso, aqui, considerou que a decisão da Suprema Corte em controle concentrado ou difuso, em sentido oposto ao da decisão transitada em julgado, corresponde à norma jurídica nova, sujeitando-se, portanto, a depender do tributo, ao regramento constitucional da irretroatividade, anterioridade anual e noventena, devendo ser adotada a data da publicação da ata de julgamento como o primeiro dia de vigência da nova norma jurídica.
Ressalva importante e essencial feita pelo Ministro Barroso foi a de que o entendimento fixado pela Corte Constitucional deve ser aplicado inclusive nas situações em que houver coisa julgada favorável à Fazenda Pública, posteriormente modificada pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle concentrado ou difuso de constitucionalidade, com repercussão geral.[78]
MENDES analisa essa perspectiva, defendendo que o entendimento do STF, além de potencializar a unidade do Direito e a força normativa da Constituição, obstando a coexistência de ordenamentos jurídicos paralelos e contemporâneos, prestigia a materialização do princípio da igualdade em matéria tributária e a livre concorrência, presente os efeitos danosos que surgem da vantagem competitiva em favor de contribuintes que se beneficiaram de casuísmos, considerado o momento em que formada a coisa julgada em seu favor.[79]
MARINONI segue mesma perspectiva:
Não se trata de fazer a declaração de inconstitucionalidade retroagir sobre a coisa julgada, mas de obter um efeito jurídico posterior à formação da coisa julgada fundada na declaração de inconstitucionalidade. A coisa julgada anteriormente formada, espelhando a realidade fática e jurídica legitimamente interpretada pelo juiz ou tribunal, permanece válida e intacta. A coisa julgada é limitada em virtude de circunstância posterior, expressa na declaração de inconstitucionalidade[80]
No mesmo sentido, SEEFELDER FILHO enxerga um impacto na ordem jurídica com o estabelecimento de um novo marco jurídico:
A supremacia e a força normativa da Constituição que a todos vincula e a todos submete, a força da autoridade que detém os precedentes do STF que, por vontade do constituinte, dá a palavra definitiva em matéria de interpretação e aplicação das normas constitucionais, como cúpula do Poder Judiciário e Corte Constitucional, promove substantivo impacto no ordenamento jurídico, com profundas e abrangentes consequências jurídicas, em face da força normativa da Constituição e dos efeitos vinculantes, expansivos erga omnes dos precedentes firmados pelo Plenário do STF no exercício da jurisdição constitucional. Esse impacto na ordem jurídica com o estabelecimento de um novo marco jurídico formado pelo precedente do STF separa o “antes” e o “depois” da norma, como se ela se aderisse um selo de chancela positivo ou negativo, conferido pelo próprio Supremo Tribunal Federal, vedando intepretações em sentido contrário.
... o presente trabalho conclui que, sendo o ordenamento jurídico um conjunto de normas que devem convergir, evitando a incoerência e assegurando a supremacia das normas constitucionais, a superveniência de precedente com eficácia vinculante e expansiva ultra partes da Suprema Corte impacta na ordem jurídica alterando a situação de direito (...) fazendo, assim, cessar, de forma automática, os efeitos prospectivos de coisa julgada tributária em sentido contrário[81]
Importante destacar que, nessa perspectiva de decisões que colocam nova norma inovadora do ordenamento jurídico, o STF firmou entendimento de que as decisões proferidas em ação direta ou em sede de repercussão geral interrompem automaticamente os efeitos temporais das decisões transitadas em julgado nas referidas relações, mas que deve ser respeitadas a irretroatividade, a anterioridade anual e a noventena ou a anterioridade nonagesimal, conforme a natureza do tributo. Portanto, em tudo e por tudo, parece que há uma atividade absolutamente idêntica à legislativa.
Ademais, a discussão não envolve apenas coisa julgada, mas também a isonomia e a livre concorrência. A Constituição Federal afirma que não é possível a instituição de tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente (art. 150, II). Segundo essa ótica, as decisões transitadas em julgado que dispensavam o pagamento do tributo, implicaria em uma discrepância ofensiva a igualdade tributária e comprometeria a livre concorrência. Nesse sentido, SEEFELDER FILHO expõe:
não podemos pactuar com a vigência eterna dos efeitos da coisa julgada contrária à Constituição, par ao futuro, em matéria tributária, a qual violaria o princípio da igualdade e isonomia tributária, uma vez que resulta na existência de privilégios jurídicos permanentes que implicam o ônus, apenas por parte dos cidadãos, com o pagamento de tributos que beneficiam toda a sociedade. O tratamento desigual, além de não guardar qualquer correspondência com a situação de desigualdade material, subvertendo o princípio da capacidade contributiva, da livre-iniciativa, livre concorrêhci8a, da isonomia tributária e da neutralidade tributária, ainda estimula as demandas judiciais que buscam a obtenção de bilhete premiado eterno para não mais pagar tributo. (p. 133/134)
... as distorções no mercado livre decorrerão de vantagem econômica que as empresas que obtenham decisões favoráveis transitada em julgado, voltadas para regular relações jurídicas futuras, em descompasso com a lei de regência válida, em face das demais empresas presentes naquele mercado. Nesse caso, o empresário obterá, artificialmente, mediante decisão judicial e sem qualquer mérito decorrente da criação de um processo produtivo mais eficiente ou de um novo produto, uma redução de custos em sua função de produção, permitindo-lhe obter vantagens econômicas frente aos demais competidores daquele mercado.[82]
No mesmo sentido, GOUVEA conclui que “o tratamento tributário não isonômico entre contribuintes em mesma condição jurídica, ainda que um deles goze de decisão material transitada em julgado, é condição que viola os princípios da isonomia, da livre iniciativa e também da livre concorrência”[83].
É preciso analisar o julgado em no contexto maior da Teoria Geral do Direito. Argumentos consequencialistas precisam ter sua justa medida em comparação com argumentos de princípio. Como analisaremos a seguir, o modo de entender que prevaleceu não é compatível com o direito como integridade, mais parece remeter ao realismo jurídico brasileiro, que cada vez galga mais andares para a Suprema Corte, que despretensiosamente ocupa cada vez mais lugares na arquitetura do Estado Democrático de Direito, em detrimento dos demais poderes, notadamente do Legislativo, que cada vez tem um papel mais diminuto.
Sob uma perspectiva pragmática, a conclusão adotada pelo STF e aplaudida por parte da doutrina pode parecer boa.
O pragmatismo jurídico implica a tese de que o Direito adote um ponto de vista experimental, secular, instrumental e progressivo, voltando-se para o futuro. O juiz pragmático é preocupado com encontrar a melhor decisão, assim considerada aquela cujas consequências estiverem mais adequadas às necessidades sociais. Seu interesse situa-se nas consequências do julgamento e a lei seve apenas como um dos muitos recursos que estão a sua disposição no momento da interpretação. O juiz pragmatista não olha para a história, nem considera coerência ou certeza jurídicas. Veja o que ensina STRECK:
O pragmatismo jurídico traduz-se, em síntese, numa teoria anti-hermenêutica que coloca, em segundo plano, a produção democrática do Direito, colocando-o em um constante “estado de exceção hermenêutico”. O juiz sempre é o protagonista; é a ele quem cabe “resolver” os casos a partir de raciocínios finalísticos. Daí dizer-se que em uma dimensão absolutamente pragmática, o Direito não possui “DNA”, de maneira que posturas afinadas a essa diretriz teórica, são inimigas mortais da integridade e coerência do Direito
...
No pragmatismo jurídico a verdade é substituída pela efetividade.
...
Trata-se de decidir o que é melhor para a comunidade política, sem que haja uma consideração de direitos individuais como trunfos contramajoritários, ou de princípios institucionais que constrangem a atividade judicial.
Muito bem, “qual o problema? “, perguntam. Não é, afinal, bom que se decida visando àquilo que é melhor para a comunidade? O direito não é uma barreira ao progresso econômico, social, aos avanços? Aí reside o busílis. Não apenas o direito tem um caráter contramajoritário fundamental à própria ideia de democracia, entendida como uma virtude política muito maior que o mero majoritarismo. Há mais. O que é, afinal, “melhor” para a comunidade? Esse é o ponto. O pragmatismo é a aposta última, e completamente dele dependente, do arbítrio judicial. Em qualquer postura pragmáticista, na esfera jurídica, instrumentaliza-se o Direito sem uma epistemologia capaz de fornecer a devida racionalidade e justificação espistêmica por trás de seu fundamento. O que é isto – o “melhor para a comunidade”? Essa é a grande falha do pramatismo, sobretudo porque se anuncia como uma superação das propostas teóricas. Ora, sem teoria, o próprio conceito de pragmatismo é autofágico. Não é por menos, portanto, que sua postura aplicada ao Direito também o é: autoriza-se, defende-se que o juiz decida não em nome do Direito, mas em nome daquilo que é “melhor”do que é mais “efetivo”; agora, o que significa efetividade em uma democracia? São perguntas como essa, absolutamente fundamentais, que o pragmatismo deixa em aberto – e deixa em aberto porque, a um, não quer responder – porque se anuncia como antiteoria – e, a dois, não poderia responder ainda que quisesse. Porque abre mão de todo e qualquer critério. São critérios por meio dos quais se pode dizer alguma coisa, coisa já não há. O pragmatismo jurídico é a vontade de poder jurídico por definição. Só há intepretações – as que vêm daquele que detém o lugar de fala institucional[84]
A citação foi longa, mas igualmente importante. Em questão de efetividade, basta deixar que o STF crie as normas e aplique as normas por sua vontade, sem constrangimentos externos, pois ele é chamado de “guardião da Constituição”, como se a Constituição fosse o que ele diz que é. Ele discute; ele normatiza os assuntos relevantes; ele dá a última palavra; diante de suas decisões os debates devem cessar; deve ser seguido por sua autoridade institucional; ele cria o Direito de maneira vinculante, no alto de sua inquestionável autoridade.
Então, basta ordenar normativamente que todos sigam suas decisões, de forma cogente, construindo um modelo de precedentes abrasileirado, que funciona de forma absolutamente distinta do common law, eis que verticalizado, de forma imperativa, independentemente do conteúdo de suas decisões.
Diz-se que as decisões cogentes da Suprema Corte são normas, equiparáveis às leis, praticamente com mesmo pedigree, mas são mais poderosas que a lei, pois poderiam normartizar para o passado, coisa que nem o legislador poderia fazer. Criar o Direito para o passado e para um caso individual e concreto. O legislador não passa nem perto disso, devendo contentar-se em regrar de forma abstrata e genérica para o futuro.
Não há nada mais pragmático. “Esse modo de enxergar resolve o problema” diriam alguns. Para nós, criam outros enormes problemas, bem como verga o Direito à um realismo jurídico das Cortes de Vértice, verdadeiros leviatãs hermenêuticos, que funcionariam como editores e heróis da sociedade, mas que não tem autorização para isso.
Para além de resolver o sintoma, como foi feito, é preciso olhar para as causas. O gérmen de todo o problema reside na má qualidade das decisões judiciais, assim considerada aquelas que não seguem a estabilidade, integridade e coerência. O “decido conforme minha consciência” foi e ainda é um grande vilão. A jurisprudência lotérica não é um problema da legislação ou do sistema de justiça, mas de cultura jurídica e senso de autorresponsabilidade, tanto dos julgadores, mas também dos profissionais jurídicos. Logo, não é adequado resolvê-la por esse caminho, como foi e tem sido feito.
O problema já começa nas próprias Cortes de Vértice, que não dão a devida importância para a coerência e integridade do Direito. Decidem de uma forma hoje; de outra forma amanhã; não uniformizam seu próprio entendimento e, importante que se diga, não constroem seus precedentes com coerência. Às vezes, analisar a jurisprudência parece uma colcha de retalhos, pedaços juntados sem conexão, conceitos utilizados na fundamentação das decisões que não guardam correlação, pois um raciocínio e um conceito é desenvolvido em um caso e depois desenvolvido de outra maneira incompatível em outro caso. A lei é desconsiderada fortemente com esse mesmo discurso de que “a lei é aquilo que digo que é”, como se o Direito fosse criado naquele momento e a lei fosse um pretexto que não constrange o julgador.
Se as Cortes Superiores são assim, como se esperar algo diferente dos demais órgão julgadores? Como esperar um comportamento responsável dos advogados e procuradores? Se na prática forense o profissional não recorre porque a decisão seguia a jurisprudência, mas meses depois ela modificou dando razão à sua pretensão e fazendo-o arrepender-se de não haver interposto o recurso?
Analisando especificamente a coisa julgada tributária nas relações de trato sucessivo, observamos que houve uma decisão transitada em julgado em um determinado sentido, mas que as Cortes de Vértice acabaram firmando, após, um entendimento diferente. Existem dois problemas fundamentais que são causa do problema. Primeiro, a decisão pode haver transitado em julgado antes de chegar no STF/STJ, em sentido desfavorável à Fazenda Pública. Efetivamente os advogados públicos são profissionais altamente preparados e tecnicamente capazes de levar as causas tributárias às Cortes Superiores, se isso não ocorre em determinado caso concreto, muito se deve à jurisprudência defensiva dos tribunais de sobreposição, que são rígidos no exame dos requisitos de admissibilidade dos recursos de estrito direito. Essa rigidez, algumas vezes, pode provocar que a decisão transite em julgado antes de lá chegar.
A jurisprudência defensiva merece ser revista, pois não é crível que a interrupção recurso se deve à incapacidade técnica do advogado público. O argumento comumente utilizado para justifica-la é do número excessivo de recurso interposto, o que inviabilizaria o funcionamento da Corte. Novamente, essa não é a causa, mas o sintoma de que os advogados e procuradores necessitam de maior senso de responsabilidade ao recorrer às Cortes Superiores e os tribunais de segunda instância (TJs/TRFs) necessitam de maior qualidade das decisões, respeito à coerência e integridade na busca da resposta correta.
De fato, como os tribunais de sobreposição seguem o “decido conforme minha consciência”, os tribunais de segunda instância também o fazem, e os advogados e procuradores sabem que a decisão pode ser revertida no recurso, bastando para isso, da “vontade” do julgador. Sem coerência e integridade, o sistema de justiça não funciona. O realismo é terreno fértil que a jurisprudência lotérica encontrou e se desenvolveu. Caso existisse integridade nas decisões dos tribunais superiores, dos tribunais de segunda instância e por todos juízes, haveria maior segurança jurídica e previsibilidade, imbuindo na cultura jurídica nacional da necessidade de mais responsabilidade com ajuizamento de demandas e recursos. Não existiria mais loteria judicial, mas sim previsibilidade.
Esse fato está intrinsecamente ligado ao problema do presente estudo. Se houvesse integridade e um acesso adequado aos tribunais de sobreposição, não seria possível que transitasse em julgado uma decisão dispare com relação ao entendimento que vier a ser solidificado jurisprudencialmente. Contudo, como se decide segundo a vontade do julgador e não há estabilidade e coerência da jurisprudência, esse tipo de decisão acaba existindo e transitando em julgado. Enquanto a cultura jurídica for de voluntarismo e utilitarismo judicial, o problema não será resolvido. Decisões conflitantes sobre o mesmo tema continuarão a transitar em julgado. Se a própria Corte Superior decide em determinado sentido, mas depois decide em outro sentido, não existirá nada que salve o sistema de justiça. Pior que o julgador que não domina a técnica jurídica, é aquele que domina mas não tem coerência.
Dizer que essas decisões conflitantes podem continuar existindo e transitando em julgado, mas que depois se resolve o problema com a cessação da eficácia temporal da coisa julgada, é puro pragmatismo. Os tribunais não criam o Direito no sentido que vem sendo defendido. Eles não criam normas que inovam o ordenamento jurídico. Eles constroem o precedente dentro do romance em cadeia a que se refere Dworkin. Parece que a ideia de “criar” o Direito foi mal interpretada. A palavra “criar” não pode ser entendida da forma voluntarista e autoritária como vem sendo usada; o “criar”, aqui, é construir segundo a coerência e integridade, de modo a chegar-se à única resposta correta, nunca sob uma perspectiva realista segundo a qual o Direito é aquilo que os tribunais dizem que é.
As teses jurídicas, tratadas como precedentes, não resolvem o problema. Não são elas textos que deverão ser interpretados? Não há “passe de mágica”. É preciso consciência por parte de todos, de que deve a decisão judicial sempre ser encartada no contexto de estabilidade, coerência e integridade. Esse é o remédio correto para a doença.
O presente estudo teve como objetivo analisar criticamente o sistema brasileiro de precedentes e seus reflexos sobre a coisa julgada nas relações tributárias de trato continuado. O ponto de partida foi a constatação de que a “jurisprudência lotérica” sempre foi um problema estrutural do sistema jurídico brasileiro, comprometendo a segurança jurídica e a previsibilidade das decisões judiciais. Com o CPC/2015, buscou-se implementar um modelo de precedentes obrigatórios, no qual se tem dito que aproxima-se do stare decisis e da Common Law, mas a importação abrasileirada de institutos revelou-se problemática.
O estudo demonstrou que, no Brasil, os precedentes não se firmam por sua força argumentativa ou pela responsabilidade dos julgadores em garantir coerência e integridade ao Direito, mas sim por imposição normativa. O problema não está na ideia de precedentes em si, mas na forma como esse sistema tem sido utilizado pelas Cortes de Vértice. Ao invés de garantir previsibilidade, o modelo brasileiro transformou o STF e o STJ em verdadeiros produtores de normas, conferindo-lhes um poder que, na prática, os aproxima do legislador.
A maneira como tem sido compreendido o sistema de precedentes obrigatórios, ao invés de promover coerência e estabilidade, tem sido utilizado como um mecanismo de poder pelas Cortes Superiores. Sob a justificativa de uniformizar a jurisprudência, STF e STJ passaram a formular “teses jurídicas” vinculantes, que, muitas vezes, funcionam como normas gerais e abstratas, afastando-se do conceito tradicional de precedentes. Essa prática desvirtua a própria essência do Direito, uma vez que a vinculação a decisões anteriores deveria ocorrer pela força de sua argumentação e consistência, e não por uma imposição normativa.
Analisou-se a noção de paradigma e como sua alteração repercute nas concepções fundamentais sobre Direito, Estado e sociedade. Os problemas dos diversos paradigmas foram brevemente assinalados, adotando-se o pós-positivismo como premissa e estabelecendo o marco teórico como o Direito como integridade (Dworkin), o qual conduz a uma acepção substancial da decisão judicial que deve levar a uma única decisão correta. Essa ótica foi relacionada com o funcionamento do sistema judiciário brasileiro, que parece seguir uma perspectiva próxima ao realismo jurídico e a decisão concebida como ato de vontade. Apontou-se que há uma tendência a que se crie um “leviatã hermenêutico”, atribuindo às Cortes de Vértices a tarefa conclusiva da interpretação, apontando-se seus problemas.
A análise das Teses nº 881 e 885 do STF revelou um aspecto ainda mais preocupante desse fenômeno. Com base no entendimento de que decisões posteriores do STF podem fazer cessar a eficácia da coisa julgada em relações de trato continuado, rompeu-se um dos pilares fundamentais do Estado Democrático de Direito. A lógica subjacente a esse raciocínio equipara o precedente judicial a uma lei nova, permitindo que um julgamento posterior elimine os efeitos de decisões transitadas em julgado.
Essa concepção não apenas esvazia a garantia constitucional da coisa julgada, mas também gera insegurança para contribuintes e empresas, que se veem à mercê de constantes reviravoltas jurisprudenciais. O argumento de que a mudança jurisprudencial deve prevalecer em nome da isonomia e da coerência do sistema ignora que a própria segurança jurídica também é um valor fundamental do ordenamento jurídico.
Além do aspecto normativo, a questão deve ser analisada sob uma perspectiva hermenêutica e teórica. A ascensão do neoconstitucionalismo e do decisionismo judicial transformou o papel dos tribunais, conferindo-lhes um protagonismo antes impensável. A interpretação constitucional passou a ser conduzida com base em princípios vagos e argumentos pragmáticos, muitas vezes sem o devido compromisso com a integridade do sistema jurídico. A ideia de que precedentes criam normas gerais e abstratas reforça essa tendência, permitindo que tribunais atuem como verdadeiros legisladores positivos.
A forma como o sistema jurídico brasileiro tem sido moldado para privilegiar a autoridade das Cortes Superiores em detrimento da coerência normativa é preocupante. O direito como integridade, conforme proposto por Dworkin, exige que as decisões judiciais sejam interpretadas dentro de um contexto sistemático, respeitando a estabilidade e a previsibilidade das normas jurídicas. Quando precedentes se tornam um instrumento de poder, ao invés de um mecanismo de coerência, perde-se a própria essência do Direito como prática interpretativa e argumentativa.
Diante desse cenário, conclui-se que o modelo atual de precedentes no Brasil carece de uma fundamentação mais sólida e de um compromisso real com a segurança jurídica. Para que o sistema de precedentes cumpra sua função adequadamente, é necessário que haja uma mudança na cultura jurídica, com um compromisso efetivo das Cortes Superiores com a coerência, a integridade e a estabilidade do ordenamento.
A cessação da eficácia tributária em relações de trato sucessivo não deve ser vista como normal ou como um avanço, mas como um sintoma de problemas profundos, que não foram enfrentados. Houve o enfretamento de um efeito do problema brasileiro, mas não de sua causa. Arvorar-se as Cortes Superiores como legisladores positivos não é uma opção possível no Estado Democrático de Direito. Além disso, se a segurança jurídica, aqui representada pela coisa julgada, continuar sendo tratada como um valor secundário, o próprio conceito de Estado de Direito será esvaziado, e o processo individualmente proposto pelo cidadão será apenas uma “brincadeira”, pois o que valerá mesmo será a “decisão definitiva” do editor da sociedade e “guardião da Constituição”. Lembre-se que o legítimo guardião da Constituição não é seu dono, mas seus depositários; ele deve protegê-la a aplica-la e não transformar em pretexto para veicular sua vontade.
O desafio, portanto, não está apenas na regulamentação dos precedentes, mas na reconstrução de um modelo que respeite a autonomia das decisões judiciais, sem transformar os tribunais superiores em leviatãs jurídicos que estabelecem novas normas no ordenamento jurídico. O problema, mais que de instrumento (ordenamento, regras e sistema de justiça) é cultural, e só será resolvido com alteração da postura de todos, inclusive das Cortes de Vértice, que devem entender que o Direito não é o que elas dizem que ele seja, e que todos, inclusive tribunais de sobreposição, têm direito e estão jungidos à estabilidade, coerência e integridade. Existem, sim, decisões judiciais que não condizem como Direito! Direito e decisão judicial não são sinônimos! O decido conforme minha consciência deve ser abandonado de uma vez por todas.
Ao final, concluímos que o caminho para um sistema de justiça mais sólido passa, necessariamente, pela reafirmação do valor da estabilidade jurídica e pelo resgate da verdadeira função dos precedentes: garantir coerência, e não instituir um novo modelo de instabilidade institucionalizada.
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Discricionariedade e controle judicial. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1998.
BARROS, José D´Assunção. Sobre a noção de paradigma e seu uso nas ciências sociais. In: Cad. De Pesq. Interdisc. Em Ci-s Huum-s, Florianópolis, ,v. 11, nº 98, p. 426-444, jan/jun, 2010.
CARDOSO, Marcela Holanda Ribeiro. Precedentes vinculantes e coisa julgada formada nas relações jurídico-tributárias de trato sucessivo. (dissertação de mestrado). Brasília: IDP, 2022.
CARVALHO NETO, Menelick de. Da responsabilidade da administração pela situação falimentar da empresa privada economicamente viável por inadimplência ou retardo indevido da satisfação dos valores contratados como contraprestação por obras realizadas – ilícito do Estado – igualdade de todos diante dos encargos públicos – princípio da continuidade da empresa – Estado democrático de direito. 1996. Revista da Ordem dos Advogados do Brasil. Brasília, p. 127, jul/dez, 1986.
CATÃO, Adrualdo. Estudos sobre pragmatismo jurídico. Andradina: Meraki, 2020.
COLEMAN, Jules Leslie; LEITER, Brian. “Determinacy, Objectivity, and Authority”, Law and interpretation: Essays in legal philosophy. Oxford, New York, 1997 (1995).
CRAMER, Ronaldo. A súmula e o sistema de precedentes do novo CPC. A nova aplicação da jurisprudência e precedentes no CPC/2015. Dierle Nunes; Aluisio Mendes; Fernando Gonzaga Jayme (coords.). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017.
DIDIER JR, Fredie. Curso de direito processual civil. v. 2. Salvador: Juspodivm, 2016.
DOURADO, Ana Paula. O princípio da legalidade fiscal: tipicidade, conceitos jurídicos indeterminados e margem de livre apreciação. Coimbra: Almedina, 2019.
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Trad. Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
________________. O império do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
_________________. O império do Direito. Trad. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
_________________. Hart´s Postscript and the character of Political Philosophy. Oxford Journal of Legal Studies. Oxford: Oxford University, v. 24, n. 1, 2004.
ENGISCH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001.
EROS GRAU, in: O direito posto e o direito pressuposto, 2008.
FERRAZ, Taís. “Ratio decidendi x tese jurídica: a busca pelo elemento vinculante do precedente. In: Revista de Processo, v. 265/2017, p. 419-441, Mar/2017/428.
FRANK, Jerome. Derecho e incertidumbre. Trad. Carlos M. Bidegain. México D.D.: Coyocación, Fontamara, 1991.
GADAMER, Hans-Georg. Verdade de método I: traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. Trad. Flávio Paulo Meuer. 12ª ed., Petrópolis: Vozes, 2012.
GONÇALVES, Poliana Cristina. “Coisa soberanamente julgada: uma construção teórica advinda do processo sob a perspectiva cronológica a qual viola o direito fundamental à coisa julgada constitucional”, in: Revista Jurisvox, n. 19, dez. 2018.
GOUVEA, Victor Macedo Vieira. As mudanças de entendimento dos tribunais superiores em decisões envolvendo relações jurídico-tributárias de trato sucessivo frente a coisa julgada e os princípios constitucionais da isonomia e livre iniciativa: uma análise dos efeitos prospectivos. (dissertação de mestrado). São Paulo: FGV, 2021.
HART, Herbert Lionel Adolphus. O Conceito de Direito. Tradução de A. Ribeiro Mendes, a partir da 2ª edição do The Concept of Law, 1994. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001.
HEBECHE, Luiz. Sobre Heidegger: curso sobre contribuições à filosofia. Guarapuava: Apolodoro Virtual Edições, 2021, ebook.
HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. Petrópolis: Vozes, 2006.
JORGE, Cláudia Chaves Martins. Realismo jurídico e a indeterminação do Direito: as decisões judiciais segundo Holmes Jr, Hart e Dworkin. São Paulo: Editora Dialética, 2022.
KELSEN, Hans. Teoria Geral do direito e do Estado. Trad. Luís Carlos Borges. 4ª ed., São Paulo: Martins Fontes, 2005.
_____________. Teoria Pura do Direito. 7 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
KRELL, Andreas J. Discricionariedade administrativa e conceitos legais indeterminados, 2013.
KUHN, Thomas. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva, 2011.
LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. Tradução de José Lamego. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997.
LUCCA, Rodrigo Ramina de. O conceito de precedente judicial, ratio decidendi e a universalidade das razões jurídicas de uma decisão. A nova aplicação da jurisprudência e precedentes no CPC/2015. Dierle Nunes; Aluisio Mendes; Fernando Gonzaga Jayme (coords.). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017.
MACÊDO, Lucas Buril de. Precedentes judiciais. 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2017.
MARINONI, Luiz Guilherme. Coisa julgada inconstitucional: a retroatividade da decisão de (in)constitucionalidade do STF sobre a coisa julgada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.
MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil, vol. 2, São Paulo: RT, 2015.
MENDES, Paulo; VALE. Thiago. A eficácia temporal da coisa julgada nos Temas nº 881 e 885. Conjur. 2022.
Disponível em: https://www.conjur.com.br/2022-mai-26/mendese-vale-eficacia-temporal-coisa-julgada. Acesso
em 26/03/2025.
MIRANDA, Victor Vasconcelos. Precedentes judiciais: a construção da ratio decidendi e o controle de aplicabilidade dos precedentes. (Dissertação de mestrado). PUC/SP, São Paulo, 2017.
MITIDIERO, Daniel. Precedentes: da persuasão à vinculação. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017.
MOTTA, Francisco José Borges. Levando o Direito a Sério. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012.
NIEVA-FENOLL, Jordi. Coisa julgada. Trad. Antônio de Passos Cabral. São Paulo: RT, 2016.
OLIVEIRA, Manfredo Araújo. Reviravolta linguístico-pragmática na filosofia contemporânea. 2ª ed. São Paulo: Loyola, 2001.
PAIVA, Raií Sampaio de. Entre o mestre, a quimera e o iceberg: da relação necessária entre métodos de interpretação e a aplicação de conceitos jurídicos indeterminados. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2022.
PEDRON, Flávio Quinaud; OMMATI, José Emílio Medauar. Teoria do direito contemporânea: análise das teorias jurídicas de Robert Alexy, Ronald Dworkin, Jürgen Habermas, Klaus Günther e Robert Brandom. 2ª ed., Belo Horizonte: Conhecimento Editora, 2020.
REIS JÚNIOR, Ari Timóteo dos. Hermenêutica e aplicação do Direito: Breves apontamentos sobre a interpretação jurídica no paradigma contemporâneo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2794, 24 fev. 2011. Disponível em: https://jus.com/artigos/18553. Acesso em: 22 fev. 2023.
__________________________. “O que é isto? Vontade do legislador (voluntas legislatoris) e vontade da lei (voluntas legis): sobre o modo como se interpretam as leis”. Jus Navigandi, 17/04/2023, disponível em: https://jus.com.br/artigos/103607/o-que-e-isto-vontade-do-legislador-voluntas-legislatoris-e-vontade-da-lei-voluntas-legis-sobre-o-modo-como-se-interpretam-as-leis.
RESCHKE, Pedro Henrique. Precedentes formalmente vinculantes e a coisa julgada nas relações tributárias de trato continuado. (dissertação de mestrado). Florianópolis: IBET, 2016.
SEEFELDER FILHO, Claudio Xavier. Jurisdição constitucional e a eficácia temporal da coisa julgada nas relações jurídico-tributárias de trato continuado. Belo Horizonte: Fórum, 2022.
SIMONI, Rafael Lazzarotto. Curso de hermenêutica jurídica contemporânea. Curitiba: Juruá, 2014.
SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do precedente judicial à súmula vinculante. Curitiba: Juruá, 2006.
SOUZA SANTOS, Boaventura de. Um discurso sobre as ciências. 12ª ed. Porto: Afrontamento, 2001.
STRECK, Lênio Luiz. Dicionário de hermenêutica. 2ª ed. Belo Horizonte: Casa do Direito, 2020.
___________________. O que é isto – decido conforme minha consciência? Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010.
__________________. Precedentes judiciais e hermenêutica: o sentido da vinculação no CPC/2015. Salvador: Juspodivm, 2023.
__________________. Verdade e consenso: constituição, hermenêutica e teorias discursivas. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
STRUCHINER, Noel. Direito e Linguagem: uma análise da textura aberta da linguagem e sua aplicação ao direito. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. “Coisa julgada e segurança jurídica: alguns temas atuais de relevante importância no âmbito das obrigações tributárias. Revista Jurídica, Porto Alegre, n. 389, mar. 2010, p. 11/51.
WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações filosóficas. Trad. José Carlos Bruni. São Paulo: Nova Cultural, 1999.
______________________. Tratado lógico-filosófico. Trad. José Arthur Giannotti. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1968.
ZAVASCKI, Teori Albino. Eficácia das sentenças na jurisdição constitucional. São Paulo: RT, 2001.
[1] DIDIER JR, Fredie. Curso de direito processual civil. v. 2. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 455.
[2] Ob. cit., p. 318/319.
[3] SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do precedente judicial à súmula vinculante. Curitiba: Juruá, 2006, p. 125.
[4] MITIDIERO, Daniel. Precedentes: da persuasão à vinculação. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 83.
[5] MACÊDO, Lucas Buril de. Precedentes judiciais. 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2017., p. 70
[6] LUCCA, Rodrigo Ramina de. O conceito de precedente judicial, ratio decidendi e a universalidade das razões jurídicas de uma decisão. A nova aplicação da jurisprudência e precedentes no CPC/2015. Dierle Nunes; Aluisio Mendes; Fernando Gonzaga Jayme (coords.). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, apud, LIPPMANN, Rafael Knorr. Precedente judicial. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Processo Civil. Cassio Scarpinella Bueno, Olavo de Oliveira Neto (coord. de tomo). 2. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2021. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/455/edicao-2/precedente-judicial. No mesmo sentido: CRAMER, Ronaldo. A súmula e o sistema de precedentes do novo CPC. A nova aplicação da jurisprudência e precedentes no CPC/2015. Dierle Nunes; Aluisio Mendes; Fernando Gonzaga Jayme (coords.). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 964.
[7] MIRANDA, Victor Vasconcelos. Precedentes judiciais: a construção da ratio decidendi e o controle de aplicabilidade dos precedentes. (Dissertação de mestrado). PUC/SP, São Paulo, 2017, p. 25.
[8] DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Trad. Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2007; O império do Direito. Trad. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1999; Hart´s Postscript and the character of Political Philosophy. Oxford Journal of Legal Studies. Oxford: Oxford University, v. 24, n. 1, 2004.
[9] STRECK, Lenio L. . Dicionário de hermenêutica. 2ª ed. Belo Horizonte: Casa do Direito, 2020, p. 211/2017.
[10] STRECK, Lênio Luiz. O que é isto – decido conforme minha consciência? Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 16.
[11] HART, Herbert Lionel Adolphus. O Conceito de Direito. Tradução de A. Ribeiro Mendes, a partir da 2ª edição do The Concept of Law, 1994. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001, p. 157/158.
[12] STRECK, L.L., Dicionário de hermenêutica, p. 216.
[13] Ob. cit., p. 467.
[14] Idem, p. 470.
[15] MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil, vol. 2, São Paulo: RT, 2015, p. 611.
[16] MIRANDA, Victor Vasconcelos. Precedentes judiciais: a construção da ratio decidendi e o controle de aplicabilidade dos precedentes, 2017, p. 31.
[17] FERRAZ, Taís. “Ratio decidendi x tese jurídica: a busca pelo elemento vinculante do precedente. In: Revista de Processo, v. 265/2017, p. 419-441, Mar/2017/428.
[18] Ob. cit.
[19] STRECK, L.L.. Precedentes judiciais e hermenêutica, p. 29.
[20] MOTTA, Francisco José Borges. Levando o Direito a Sério. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 183/184.
[21] STRECK, Lenio Luiz. Precedentes judiciais e hermenêutica: o sentido da vinculação no CPC/2015. Salvador: Juspodivm, 2023, p. 15.
[22] Nesse sentido, STRECK, L. L.. Precedentes judiciais e hermenêutica, p. 19/20.
[23] Paradigma é um modelo de tratamento e, em sentido sociológico, é uma constelação de crenças, valores, técnicas etc., partilhadas pelos membros de uma comunidade determinada. É um conceito intrinsecamente circular: paradigma é aquilo que os membros de uma comunidade partilham, ao passo que os uma comunidade científica consiste em homens que partilham um paradigma. (KUHN, Thomas. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva, 2011)
[24] Confira-se o seguinte trecho: “Aquele que leva a sério o fato histórico deve suspeitar de que a ciência não tende ao ideal sugerido pela imagem que temos de seu caráter cumulativo. Talvez ela seja uma outra espécie de empreendimento.” (ob. cit., p. 130)
[25] CATÃO, Adrualdo. Estudos sobre pragmatismo jurídico. Andradina: Meraki, 2020, Item 2.3. Ebook não paginado.
[26] Seria uma espécie de macroteoria, marco ou perspectiva que se aceita de forma geral e que já é integrada pela definição dos problemas a serem resolvidos.
[27] A crítica refere-se ao relativismo implicado nessa perspectiva. Ao substituir a noção de que a evolução da ciência aproxima o homem da realidade, pela visão de que se estaria modificando o próprio mundo, dá-se munição à crítica de que a posição de Kuhn configura uma maleabilidade do mundo descrito, possibilitando que posturas intolerantes possam ser justificadas simplesmente porque seriam “verdades” integrante de determinado paradigma, desde que se entende esse paradigma por incomensurável. Portanto, inviabilizaria a crítica, que somente poderia ser feita por critérios de dentro do próprio paradigma. O mundo, assim, estaria à mercê do homem e os valores seriam uma questão de vontade, tornando verdadeira qualquer tese que seja justificável.
Ora, é impossível ver o mundo senão dentro de um jogo de linguagem, todavia, isso não significa que o “homem faz o mundo”, que “a cultura faz o mundo”, ou mesmo que qualquer forma de mundo seja tão boa quanto outra. As bases da linguagem não surgem do nada, mas são objeto de uma história, de uma tradição.
[28] Uma revolução é uma espécie de mudança envolvendo um certo tipo de reconstrução dos compromissos do grupo. Em períodos de revolução paradigmática, quando a tradição científica muda, a percepção do cientista deve ser reeducada, devendo aprender a ver de uma nova forma.
[29] Não obstante, as ciências humanas parecem apresentar particularidades, em especial pela multiplicidade de maneiras de indagar a realidade e de ver as coisas. Nesse sentido, aponta-se que, nas ciências humanas, a noção de Kuhn mereceria adaptações, principalmente porque não haveria a ruptura paradigmática, mas paradigmas concorrentes, que poderiam até mesmo comunicar-se. (BARROS, José D´Assunção. Sobre a noção de paradigma e seu uso nas ciências sociais. In: Cad. De Pesq. Interdisc. Em Ci-s Huum-s, Florianópolis, ,v. 11, nº 98, p. 426-444, jan/jun, 2010)
[30] CARVALHO NETO, Menelick de. Da responsabilidade da administração pela situação falimentar da empresa privada economicamente viável por inadimplência ou retardo indevido da satisfação dos valores contratados como contraprestação por obras realizadas – ilícito do Estado – igualdade de todos diante dos encargos públicos – princípio da continuidade da empresa – Estado democrático de direito. 1996. Revista da Ordem dos Advogados do Brasil. Brasília, p. 127, jul/dez, 1986 p. 127.
[31] REIS JÚNIOR, Ari Timóteo dos. Hermenêutica e aplicação do Direito: Breves apontamentos sobre a interpretação jurídica no paradigma contemporâneo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2794, 24 fev. 2011. Disponível em: https://jus.com/artigos/18553. Acesso em: 22 fev. 2023.
[32] SOUZA SANTOS, Boaventura de. Um discurso sobre as ciências. 12ª ed. Porto: Afrontamento, 2001, p. 186.
[33] “Todas as questões jurídicas estavam previstas nos textos legais sistematizados do Code. E se porventura não estivesse prevista lá, era porque não se tratava de uma questão jurídica. E com esse fundamento se poderia então argumentar o afastamento de qualquer prestação jurisdicional para uma pretensão sem respaldo jurídico. (...) As respostas do direito às questões práticas poderiam então ser simplesmente deduzidas dos textos legais segundo uma lógica analítica exageradamente dogmática.(...) Interpretar o texto da lei constituía inclusive um ato reprovável, já que o texto legal era considerado não só como resultado racional e iluminado de uma decisão política do legislativo, mas sobretudo como um valor superior ao próprio governo. (...) Para decisão jurídica cabia apenas aplicar a lei. E daí, também, tanto a fórmula de Rousseau, para quem os magistrados só têm que obedecer as leis fundamentais do Estado, quanto a de Montesquieu, segundo o qual o juiz é a boca da lei. (SIMONI, Rafael Lazzarotto. Curso de hermenêutica jurídica contemporânea. Curitiba: Juruá, 2014, p. 30/31). Por isso, a interpretação era apenas gramatical, concentrando-se nos elementos sintáticos do texto legal.
[34] A Escola Histórica (Savigny – 1779/1861) afirmava a natureza histórica do Direito e, contra o racionalismo mecanicista, advogava a favor de uma compreensão do direito como um dos resultados do próprio espírito do povo (Volksgeist), cuja constituição é sempre sua expressão histórica e cultural. Logo, o principal vetor de racionalidade jurídica era o direito costumeiro e não a lei escrita, o que justifica o interesse das origens do direito e de sua ciência nos textos romanos. Esse compreensão histórica e cultural é vista como imposição epistêmica, ou seja, relativa à ideais de verdade científica, sendo que o Direito deveria ser descoberto historicamente, extraído pelos juristas, seus únicos legítimos tradutores, segundos métodos propugnados (gramatical, lógico, histórico, sistemático e teleológico). Nesse sentido, a dinâmica histórica dos processos de formação do direito deveriam ser explicitados cientificamente através de elaborações sistemáticas, obviamente analítica, e apresentada sob a forma dogmática pelos juristas para que fosse aplicado aos casos concretos. A fonte do direito era a dogmática da própria Escola Histórica do Direito. Resultou numa concepção estritamente analítica de um sistema conceitual, um sistema de proposições gerais e abstratas, ponto de partida para Jurisprudência dos Conceitos.
[35] A Jurisprudência dos Conceitos (Begriffsjurisprudenz) ou Método da Dogmática Jurídica surgiu a partir da Escola Histórica do Direito, tendo como representante Georg Friedrich Puchta (1798/1846) – que foi aluno de Savigny, Bernard Windscheid (1817/1892) e Rudolf von Ihering (1818/1892) – em sua primeira fase, sendo caracterizada pela genealogia dos conceitos, organizados em uma pirâmide conceitual construída segundo as regras da lógica formal.. Nesse sentido “é possível afirmar que a jurisprudência dos conceitos representou, política a juridicamente, aquilo que o exegetismo representou na França, pela relevante circunstância de ambas as teses terem como pressuposto a equiparação entre Direito e lei (ou Direito e Conceito – a pandecta). Com isso, o juiz não podia fazer discursos de validade ou sobre a validade do Direito, estando seu trabalho reduzindo à subsunção. A tarefa do juiz se restringia a ser um ato de conhecimento, sendo-lhe vedado alterar o conteúdo dos atos estatutários (leia-se, na Alemanha, os conceitos produzidos pelos juristas)” e que era “marcada pela crença em um Direito sem lacunas, em formato lógico de pirâmide conceitual, e desenvolvido a partir dos padrões clássicos de indução e dedução”, representando o apogeu do pandectismo. (STRECK, Lenio Luiz. Dicionário de hermenêutica. 2ª ed. Belo Horizonte: Casa do Direito, 2020, p. 145/146). Observe que a Escola Histórica do Direito e a Jurisprudência dos Conceitos são correntes filosóficas distintas no campo do Direito. Enquanto a Escola Histórica valoriza a dimensão histórica e cultural do Direito, a Jurisprudência dos Conceitos destaca a sua dimensão lógica e abstrata, embora possa se preocupar com aspectos sociais, históricos e culturais. De uma dogmática sistemática-institucional passa-se para um estilo sistemático-conceitual, que acaba transformando o Direito, de um acontecimento histórico e cultural, em uma Jurisprudência dos Conceitos, que substituiu a história, as instituições, a lei, pelo conceito, o que lhe aproxima mais da analítica sintática da Escola da Exegese do que de sua antecessora Escola Histórica do Direito.
[36] Desde esse momento já se anteviu a insuficiência dessa forma de conceber o texto como início e fim para todas as coisas e, por isso, acabaram por permitir um referencial externo na vontade do legislador (voluntas legislatoris) ou no espírito do povo (Volksgeist), respectivamente. Como refere ENGISCH “Esta concepção da relação entre a lei e o juiz entrou de vacilar no decurso do século XIX. Começa entõa a considerar-se impraticável o postulado da estrita vinculação do juiz à lei, por isso que não é possível elaborar leis co tanto rigor e fazer a sua intepretação em comentários oficiais de modo tão exacto e esgotante que toda a dúvida quanto à sua aplicação seja afastada”. (ENGISCH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001)
[37] Em virtude da vagueza da linguagem jurídica, quase todos conceitos são marcados pela indeterminação, sendo a determinação absoluta uma ilusão herdada da Escola da Exegese e da Jurisprudência dos Conceitos.
[38] HART, Herbert Lionel Adolphus. O conceito de direito (trad. A. Ribeiro Mendes). 3ª ed., Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1994.
[39] KELSEN, Hans. Teoria Geral do direito e do Estado. Trad. Luís Carlos Borges. 4ª ed., São Paulo: Martins Fontes, 2005; Teoria Pura do Direito. 7 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
[40] SIMONI, Rafael Lazzarotto. Curso de hermenêutica jurídica contemporânea. Curitiba: Juruá, 2014, p. 326/328.
[41] DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério, 2007, p. 108/113. Tal distinção é retomada por EROS GRAU, in: O direito posto e o direito pressuposto, 2008, p. 193.
[42] Segundo BANDEIRA DE MELLO é um erro falar em discricionariedade judicial, ainda que se reconheça que o magistrado, para pronunciar-se, executa operações mentais em tudo e por tudo substancialmente iguais às que o administrador realiza quando no exercício da discrição (…) Isto porque a função do juiz consiste na dicção do direito ao caso concreto, o que faz com que suas decisões não sejam convenientes ou oportunas, mas simplesmente o que a lei determina naquele caso concreto. Assim, um juiz jamais poderia dizer que tanto cabia uma solução quanto a outra (o que é característico da discricionariedade), mas apenas que a decisão tomada é a que o Direito impõe naquele caso. Ora, quando se fala em discricionariedade judicial tem-se em vista um espaço a partir do qual o julgador poderia criar a solução adequada para o caso, o que é arbitrário; por sua vez, a discricionariedade administrativa sempre está adstrita à legalidade. Na verdade, o controle judicial sempre está delimitado pela lei e dominado pelo raciocínio jurídico, ao passo que na discricionariedade prevalece aspectos de conveniência, oportunidade, prognose, ponderação de múltiplos interesses, formulação de políticas etc. (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Discricionariedade e controle judicial. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 26, rod. 12)
[43] Cf. GADAMER, Hans-Georg. Verdade de método I, 2012; HEBECHE, Luiz. Sobre Heidegger: curso sobre contribuições à filosofia, 2021; HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo, 2006; OLIVEIRA, Manfredo Araújo. Reviravolta linguístico-pragmática na filosofia contemporânea, 2001; PEDRON, Flávio Quinaud; OMMATI, José Emílio Medauar. Teoria do direito contemporânea, 2020; STRECK, Lenio L. Verdade e consenso, 2014; WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações filosóficas, 1999; Tratado lógico-filosófico, 1968; bem como a análise preliminar que fazemos em REIS JÚNIOR, Ari Timóteo dos. “O que é isto? Vontade do legislador (voluntas legislatoris) e vontade da lei (voluntas legis): sobre o modo como se interpretam as leis”. Jus Navigandi, 17/04/2023, disponível em: https://jus.com.br/artigos/103607/o-que-e-isto-vontade-do-legislador-voluntas-legislatoris-e-vontade-da-lei-voluntas-legis-sobre-o-modo-como-se-interpretam-as-leis, acesso em 18/4/2023.
[44] STRECK, Lenio L. Verdade e consenso: constituição, hermenêutica e teorias discursivas. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014, posição 7840, ebook.
[45] CASTANHEIRA NEVES vai lembrar que não se logrou ainda compreender que o fato de deparar-se o jurista, nas fontes formais do Direito, com textos não implica necessariamente que o objeto interpretado seja a significação textual desses textos-dados e não antes a significação normativa porventura neles objetivada, e que assim não já o texto, mas a norma, será o objeto interpretando, não obstante o dado do texto (O actual problema metodológico da intepretação jurídica, 2003, p. 287)
[46] STRUCHINER, Noel. Direito e Linguagem, 2002, p. 133.
[47] LARENZ já percebia que “O que o jurista frequentemente designa, de modo logicamente inadequado, como “subsunção’, revela-se em grande parte como apreciação com base em experiências sociais ou numa pauta valorativa carecida de preenchimento, como a coordenação a um tipo ou como a interpretação da conduta humana, particularmente do sentido juridicamente determinante das declarações de vontade. A parte da subsunção lógica na aplicação da lei é muito menor do que a metodologia tradicional supôs e a maioria dos juristas crê. É impossível repartir a multiplicidade dos processos da vida significativos sob pontos de vista de valoração jurídicos num sistema tão minuciosamente pensado de compartimentos estanques e imutáveis, por forma a que bastasse destacá-los para encontrar um a um em cada um desses compartimentos. Isso é impossível, por um lado, porque os fenômenos da vida não apresentam fronteiras tão rígidas como as exige o sistema conceitual, mas formas de transição, formas mistas e variantes numa feição sempre nova. É impossível ainda, porque a vida produz constantemente novas configurações, que não estão previstas num sistema acabado. É também impossível, por último, porque o legislador, como várias vezes sublinhamos, se serve necessariamente de uma linguagem que só raramente alcança o grau de precisão exigível para uma definição conceitual. Não pode portanto causar espanto que o ideal de um sistema abstrato, fechado em si e isento de lacunas, construído com base em conceitos abstratos, nem mesmo no apogeu da “Jurisprudência dos Conceitos” tenha sido plenamente realizado.” (Metodologia da Ciência do direito, 1997, p. 645).
[48] JORGE, Cláudia Chaves Martins. Realismo jurídico e a indeterminação do Direito, 2022, p. 58.
[49] Nesse sentido: KRELL, Andreas J. Discricionariedade administrativa e conceitos legais indeterminados, 2013, posição 1597.
[50] O direito não é lógica, mas experiência; não é um mistério, mas uma profissão (Oliver Wendell Holmes Jr.). Assim, é uma falácia dizer que o Direito seria resultado da utilização de métodos lógicos. Segundo JORGE o “realismo critica o formalismo jurídico, a tendência do Direito como ciência, o objetivismo, a utilização da lógica e a busca da certeza jurídica”, sendo prioridade desmistificar a conexão entre o Direito e as regras formais. Isto é assim porque veem o Direito como um fenômeno dinâmico, e por isso defendem o ponto de vista da aplicação da norma, mas não aquele Direito estático, compreendido como um conjunto de normas gerais. Logo, o que interessa é o Direito em ação e não o Direito dos livros. (JORGE, Cláudia Chaves Martins. Realismo jurídico e a indeterminação do Direito, p. 50)
[51] FRANK, Jerome. Derecho e incertidumbre. Trad. Carlos M. Bidegain. México D.D.: Coyocación, Fontamara, 1991,p. 119.
[52] Cf: REIS JÚNIOR, Ari Timóteo. “Hermenêutica e aplicação do Direito: Breves apontamentos sobre a interpretação jurídica no paradigma contemporâneo”. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2794, 24 fev. 2011. Disponível em: https://jus.com/artigos/18553. Acesso em: 22 fev. 2023.
[53] Nas teorias discursivas, a argumentação é o único meio disponível para se certificar a verdade, a correção da decisão, porque só é possível se atribuir sentido a alguma coisa quando outra pessoa que possa dialogar comigo também o possa aplicar, ou seja, baseia-se num acordo potencial de todos os outros. Observa-se, assim, que não há espaço para substancialidade. Uma afirmativa normativa é correta se ela pode ser resultado de um procedimento específico que é o discurso racional. Por isso, não faz sentido dizer que os conceitos indeterminados devem ser apreendidos através de operação interpretativa consistente na mera intelecção da lei, ao contrário da discricionariedade que permitiria uma opção administrativa. Os conceitos indeterminados, tais como bem comum, bons costumes, boas práticas, etc., não têm um conteúdo formalmente determinado e, exatamente por este motivo a sua determinação no caso concreto, só pode se dar através de sua justificação por bons argumentos.
[54] KRELL, Andreas J. Discricionariedade administrativa e conceitos legais indeterminados, 2013, posição 1613; No mesmo sentido: PAIVA, Raií Sampaio de. Entre o mestre, a quimera e o iceberg: da relação necessária entre métodos de interpretação e a aplicação de conceitos jurídicos indeterminados, 2022.
[55] No mesmo sentido dizia o precursor do realismo jurídico norte-americano Oliver Wendell Holmes Jr, apud JORGE, Cláudia Chaves, Martins, Realismo jurídico e a indeterminação no direito, p. 44.
[56] DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério, 2007; O império do Direito, 1999. O autor defende que existe sempre uma resposta correta, a atingir através de uma interpretação construtiva, que considera não somente as regras, como também os princípios e a prática legal de uma comunidade. Para Dworkin, a interpretação não consiste na aplicação das “palavras” (Nesse sentido: DOURADO, Ana Paula. O princípio da legalidade fiscal, 2019, p. 363, nota de rodapé nº 1047).
[57] A metáfora do juiz Hercules, um juiz com capacidade, sabedoria, paciência e sagacidade sobre-humanas[57], capaz de resolver os casos difíceis através de uma análise completa da legislação, precedentes e dos princípios. Ao decidir, Hércules sabe o que outros juízes já decidiram em situações afins, devendo considerar as decisões históricas como parte de uma longa história que ele deve interpretar e continuar, de acordo com suas opiniões sobre o melhor andamento a ser dado à história em questão. Hércules adota o direito como integridade, por entender que oferece a melhor adequação quando a melhor justificativa da prática jurídica como um todo. A ideia é que estamos inseridos em uma comunidade de princípios, ou seja, que nossos destinos estão fortemente ligados por sermos governados por princípios comuns, e não apenas por regras criadas por acordo político, estas últimas fruto de negociação entre interesses antagônicos. A atividade politica debate sobre quais princípios a comunidade deve adotar como sistema, que concepção deve ter de justiça, equidade e devido processo legal, ao contrário do modelo de regras no qual cada pessoa tenta fazer valer suas convicções pessoais .
[58] STRECK, L. L. Verdade e consenso, 2014.
[59] Um dos argumentos a favor do controle jurisdicional é o seguinte: “A interpretação e aplicação de conceitos legais indeterminados representa pois sempre uma mera actividade de reconhecimento ou constatação de uma realidade existente. Perante essa constatação, a lei impõe sempre à Administração uma e só uma modalidade de comportamento. A Administração está pois vinculada a decidir no sentido imposto pela lei.” (SOUSA, António Francisco de. Conceitos indeterminados no Direito Administrativo. Coimbra: Almedina, 1994, p. 206).
[60] STRECK, L.L., Precedentes judiciais e hermenêutica, p. 21, nota de rodapé n. 1.
[61] STRECK, L.L.. Dicionário de hermenêutica, p. 44.
[62] DWORKIN, Ronald. O império do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 286/287.
[63] DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 165
[64] Ob. cit. p. 312/314.
[65] SIMONI, Rafael Lazzarotto. Curso de hermenêutica jurídica contemporânea. Curitiba: Juruá, 2014, p. 379.
[66] Ob. cit. p. 328.
[67] STRECK, ob. cit. p. 54 e 57.
[68] NIEVA-FENOLL, Jordi. Coisa julgada. Trad. Antônio de Passos Cabral. São Paulo: RT, 2016, p. 134/135.
[69] GONÇALVES, Poliana Cristina. “Coisa soberanamente julgada: uma construção teórica advinda do processo sob a perspectiva cronológica a qual viola o direito fundamental à coisa julgada constitucional”, in: Revista Jurisvox, n. 19, dez. 2018, 254-271.
[70] DIDIER JR. Fredi. Curso de direito processual civil, v. 2, p. 573.
[71] THEODORO JÚNIOR, Humberto. “Coisa julgada e segurança jurídica: alguns temas atuais de relevante importância no âmbito das obrigações tributárias. Revista Jurídica, Porto Alegre, n. 389, mar. 2010, p. 11/51.
[72] ZAVASCKI, Teori Albino. Eficácia das sentenças na jurisdição constitucional. São Paulo: RT, 2001, p. 81/101.
[73] SEEFELDER FILHO, Claudio Xavier. Jurisdição constitucional e a eficácia temporal da coisa julgada nas relações jurídico-tributárias de trato continuado. Belo Horizonte: Fórum, 2022, p. 83.
[74] Ob. cit. p. 566.
[75] [75] SEEFELDER FILHO, Claudio Xavier. Jurisdição constitucional e a eficácia temporal da coisa julgada nas relações jurídico-tributárias de trato continuado. Belo Horizonte: Fórum, 2022, p. 84.
[76] Ob. cit. p. 565/566.
[77] DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil, v. 2, 2016, p. 567/568.
[78] A exposição analítica do voto do Min. Barroso é de Marcela Holanda Ribeiro Cardoso, in: CARDOSO, Marcela Holanda Ribeiro. Precedentes vinculantes e coisa julgada formada nas relações jurídico-tributárias de trato sucessivo. (dissertação de mestrado). Brasília: IDP, 2022, p. 86/89.
[79] MENDES, Paulo; VALE. Thiago. A eficácia temporal da coisa julgada nos Temas nº 881 e 885. Conjur. 2022.
Disponível em: https://www.conjur.com.br/2022-mai-26/mendese-vale-eficacia-temporal-coisa-julgada. Acesso
em 26/03/2025.
[80] MARINONI, Luiz Guilherme. Coisa julgada inconstitucional: a retroatividade da decisão de (in)constitucionalidade do STF sobre a coisa julgada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.
[81] SEEFELDER FILHO, Claudio Xavier. Jurisdição constitucional e a eficácia temporal da coisa julgada nas relações jurídico-tributárias de trato continuado. Belo Horizonte: Fórum, 2022, p. 154/155.
[82] Idem, p. 133/134 e 139.
[83] GOUVEA, Victor Macedo Vieira. As mudanças de entendimento dos tribunais superiores em decisões envolvendo relações jurídico-tributárias de trato sucessivo frente a coisa julgada e os princípios constitucionais da isonomia e livre iniciativa: uma análise dos efeitos prospectivos. (dissertação de mestrado). São Paulo: FGV, 2021, p. 69.
[84] Dicionário de Hermenêutica, p. 345.
Procurador da Fazenda Nacional. Pós-graduado em Direito Tributário e Direito Processual Civil. Professor de Direito. Mestrando em Direito.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ARI TIMÓTEO DOS REIS JÚNIOR, . O sistema brasileiro de precedentes e a coisa julgada nas relações tributárias de trato continuado à luz do direito como integridade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 ago 2025, 04:47. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/69485/o-sistema-brasileiro-de-precedentes-e-a-coisa-julgada-nas-relaes-tributrias-de-trato-continuado-luz-do-direito-como-integridade. Acesso em: 27 ago 2025.
Por: Gabriel Pereira Alves Berardo de Souza
Por: RENATA BARBOSA FERREIRA
Por: Marina Gabriela Menezes Santiago
Por: RAYLTON GONCALVES BATISTA
Por: Ana Cecília Lacerda Siqueira Brasileiro
Precisa estar logado para fazer comentários.