Resumo: Versa o presente trabalho à expansão e diferenciação dos conceitos entre judicialização e litigância predatória. Observa-se que a judicialização é um fenômeno que decorre da amplitude de direitos fundamentais, da maior consciência dos cidadãos e da ampliação do acesso à Justiça, especialmente verificável a partir do rol de direitos e garantias fundamentais da Constituição vigente. A litigância predatória, ao revés, é fenômeno que se vale de tal abertura de acesso ao Poder Judiciário, valendo-se da distribuição de demandas artificiais, sem lastro fático e muitas vezes pautadas em artifícios fraudulentos que prejudicam o exercício da atividade jurisdicional e os próprios jurisdicionados. O artigo em tela, partindo de análise da bibliografia existente, assim como a partir de iniciativas no âmbito do Poder Judiciário, passará por demonstrar as ferramentas de monitoramento que vem sendo implementadas a fim de inibir práticas predatórias que consomem recursos do Poder Judiciário e prejudica partes e patronos, sem ignorar a proteção do acesso à Justiça.
Palavras-chave: judicialização, poder judiciário; litigância predatória
1 INTRODUÇÃO
Ao Poder Judiciário, crescentemente, vem incumbindo o papel de protetor das mais diversas vulnerabilidades particulares e sociais, o que se lhe requer um vislumbre de que uma determinada pessoa ou determinado grupo de pessoas podem ser mais frágeis dentro de uma relação de direito material e processual. Tais fragilidades e vulnerabilidades decorrem de circunstâncias históricas e, também, da conformação social e do posicionamento das partes nas relações que estabelecem entre si. As parcelas de suscetibilidade mais notáveis situam-se no desnível entre capacidades técnicas e econômicas de debates, a ensejar toda sorte de hipossuficiências que não podem ser olvidadas ou desprezadas.
Como observa Sadek (2009, p. 170), as grandes distâncias econômicas no Brasil afetam diretamente as possibilidades de inclusão social. Assim, no dizer de referida autora, para além das políticas públicas, o acesso à Justiça é uma importante ferramenta para a participação do indivíduo em bens e serviços disponíveis à sociedade na qual se insere.
Tal observação sobre hipossuficiências e vulnerabilidades em relações materiais e processuais se faz necessária porque, na sociedade atual, o Estado vem se apartando de seu papel de provedor de necessidades sociais, permitindo que grandes corporações de direito privado ofertem produtos e serviços relacionados às necessidades humanas e sociais mais sensíveis, atravessando inexoravelmente aspectos de integridade física e moral e da dignidade da vida (Araújo, 2018, p. 40).
No seio das relações materiais, há um contínuo e interminável embate entre o desejo de lucratividade e redução de custos por parte daqueles que ofertam bens e serviços com os consumidores destes produtos, que anseiam por prestações efetivas e estáveis às necessidades que apresentam e desejam atender com a contratação (Luz, Sudbrack et. al, 2021, p. 298). Produz-se, então, uma tensão permanente, em que as insatisfações passam a ser incontornáveis, especialmente porque as pessoas estão muito mais conscientes e informadas sobre seus direitos e garantias, desejando exercê-los em sua plenitude.
Além disso, vários pesquisadores do fenômeno alertam para o que denominam de cultura litigiosa da nossa sociedade: embora sejam muitos os meios legais de solução extrajudicial de conflitos, ainda prevalece a opção de busca do Poder Judiciário como meio principal (e, quiçá, único) para solução das controvérsias (Luz, Sudbrack et. al, 2021, p. 289).
Estas tensões incontornáveis trazem como efeito prático a propositura massiva de demandas, que elevam os números de trabalho do Poder Judiciário, mas que, na verdade, são situações particulares a demandar tratamento a fim de que iniquidades sejam corrigidas, contratos sejam revisados e para que o amplo acesso aos bens da vida seja garantido. Cabe ao Poder Judiciário, então, promover o equilíbrio entre a livre iniciativa contratual e a proteção de direitos e garantias – muitos de jaez constitucional – a fim de que os contratos cumpram suas funções não apenas econômicas, mas também orientadas à função social e à boa-fé.
Esse chamado à intervenção ativa do Poder Judiciário ganha reflexos numéricos nos painéis de monitoramento de dados relacionados à tramitação de processos em âmbito nacional, dos quais é possível depreender um grande aumento no número de ações distribuídas em pouco espaço de tempo, bem como uma concentração de tais ações em torno de determinados temas no âmbito do Direito Privado. De tal constatação, assim, emerge a proposta do presente trabalho, voltada ao papel do Poder Judiciário na proteção de vulnerabilidades, alinhando-se tal mister ao debate crítico sobre como essa atuação protetiva é realizada em um ambiente de grande volume de ações, impondo-se a diferenciação entre os fenômenos da judicialização e da litigância predatória.
Tanto a judicialização quanto a litigância predatória são cenários fáticos relacionados à grande distribuição de ações e decorrem do maior acesso ao Poder Judiciário. No entanto, a prática dos Tribunais tem revelado que são fenômenos que, por suas características, devem ser enfrentados de forma distinta. Como já colocado, a judicialização, de um lado, aflora no centro de uma realidade fática e social que é inevitável ao Poder Judiciário, pois está intrinsecamente relacionada à ativa proteção de direitos e garantias fundamentais positivados em nível constitucional. A litigância predatória, por seu turno, vale-se deste acesso ao Poder Judiciário por formas e objetivos escusos, marcada por contornos fraudulentos e artificiais, a merecer tratamento específico a fim de ser desestimulada como prática reiterada (Alvim, Conceição, 2023).
Em outras palavras, se de um lado o fenômeno da judicialização decorre da intervenção ativa do Poder Judiciário em diversos temas – especialmente aqueles que se originam de insuficiências e deficiências das relações contratuais e sociais – na litigância predatória o objeto a ser enfrentado são as situações processuais em que se verificam elementos que conduzem a contornos de uso abusivo ou fraudulento ao direito de acesso à Justiça e ao direito de ação.
No Brasil, a judicialização despontou com o rol de direitos e garantias fundamentais da Constituição Federal de 1988 (Luz, Sudbrack et. al, 2021, p. 289) e, então, questões caras e sensíveis à sociedade passaram a ser objeto de discussão judicial, a fim de garantir a efetivação de direitos mesmo no eixo de relações jurídicas de caráter eminentemente privado. E, neste cenário de amplitude de acesso, tem-se que na prática de distribuição acentuada de ações em torno de matérias similares pode se dar de maneira abusiva, à míngua de documentos necessários, de lastro fático e até mesmo sem o efetivo conhecimento da parte interessada. Todos esses elementos vêm sendo monitorados por diversas instâncias do Poder Judiciário, com o escopo de delimitar e coibir eventuais intuitos fraudulentos das pretensões deduzidas.
Estes elementos estão especificamente relacionados à distribuição de grande volume de ações com pedidos similares pleiteados de forma genérica, sem documentação mínima comprobatória, com o desiderato de obter vantagens financeiras ou econômicas indevidas, pela confiança de burla ao sistema.
Logo, o cenário de sobrecarga do Poder Judiciário, com a massiva distribuição de ações sobre o mesmo tema é o cenário para estudo do presente trabalho, que será voltado a melhor distinguir a judicialização e a propositura de ações de jaez fraudulento e predatório. Considerando-se que tais fenômenos estão sendo objeto de estudos e monitoramentos em diversos tribunais e sob a observação geral do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), justifica-se o interesse do presente trabalho em melhor compreender a gestão da distribuição massificada de processos e como vem o Poder Judiciário se ocupando de dirimir a efetiva prestação jurisdicional das hipóteses em que há uso abusivo dos recursos voltados à atividade judicial.
Para desenvolvimento da pesquisa proposta, serão utilizados os seguintes parâmetros de pesquisa: quanto à abordagem, a pesquisa será qualitativa; quanto à natureza, será aplicada; em relação aos objetivos, será descritiva e, no que tange aos procedimentos técnicos a serem empregados, será utilizada pesquisa bibliográfica e empírica – esta última, baseada na exposição e na apresentação de ações dos núcleos de monitoramento de demandas no âmbito de alguns Tribunais da Federação, que possuem ações destacadas nos documentos de integração divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça, constantes das referências bibliográficas.
2 O FENÔMENO DA JUDICIALIZAÇÃO
Inegáveis são as novas conformações sociais: os cidadãos – em muito impelidos pela tecnologia – estão mais bem informados e cientes sobre seus direitos, melhor compreendendo e conhecendo seu conteúdo e encontrando mais espaços para reivindicação e exercício de suas individualidades. Outrossim, há muito que deixou de caber exclusivamente ao Estado o atendimento de necessidades essenciais de seus cidadãos, que passam a se valer de toda sorte de bens e serviços fornecidos por instituições privadas, tocando em elementos sensíveis como saúde e gestão financeira/bancária.
Incessantes são os conflitos que decorrem de tais relações contratuais com objetos tão delicados e afetos ao que há de mais suscetível nos seres humanos (integridade física e moral), a tornar necessária a ativa atuação do Poder Judiciário, a revisar contratos e suas cláusulas e estabelecer como o interesse econômico deve ser concretizado com atenção a direitos fundamentais, boa fé e atendimento da função social das relações contratuais. É possível afirmar, então, que a direção da sociedade atual se resolve não apenas com a implementação de políticas públicas pelos Poderes Executivo e Legislativo, mas, também, pela atuação do Poder Judiciário, a regular e estabelecer novas balizas para as relações sociais de maneira geral:
Com o advento da Constituição de 1988, o Poder Judiciário passa a ser visto como um receptor de insatisfações para com o Executivo e o Legislativo, sendo chamado a dar respostas que o colocaram na posição de guardião da constituição e dos direitos fundamentais (Araújo, 2018, p. 40).
O Poder Judiciário enquanto atividade do Estado deixa, então, de ser apenas uma grande máquina burocrática e passa a ser um organismo vivo, alimentado e permeado pelos anseios, pelos conflitos e tensões sociais:
A questão central consiste em superar uma concepção de Estado que o considere simplesmente um espaço de disputa de interesses entre atores externos ou a visão de que existe uma burocracia que toma decisões isoladamente sem contato direto com a sociedade. O conceito de permeabilidade permite, portanto, conceber o Estado como uma grande e complexa rede de relações regida por normas e regras que o legitimam enquanto um campo específico, mas composto por elementos oriundos de diversos segmentos sociais que estabelecem entre si diversos tipos de relação (Oliveira, 2011, p. 56)
No mesmo sentido:
Tais mudanças causaram uma alteração de paradigma no protagonismo dos poderes do Estado, uma vez que o Poder Legislativo e Executivo visualizaram o Poder Judiciário deslocar-se de sua posição original de figurante, que tinha como intuito a simples reprodução das vontades do Legislador, para transmutar-se em uma instituição que, além de reproduzir o Direito, também faz o Direito, de modo que as tensões sociais que anteriormente eram solucionadas por meio da vontade política do Legislador, tiveram uma parte deslocada para a atuação do Poder Judiciário que, utilizando-se do processo, atua como um agente concretizador da vontade Constitucional, projeto estrutural da sociedade (SOUZA, 2023, p. 37)
E esse novo papel do Poder Judiciário se dá no bojo de sua atividade basilar, trazendo em si um aumento significativo do número de processos em tramitação, já que esta é a necessária forma de provocação de sua atuação. Assim, o fenômeno da judicialização está intimamente atrelado a uma percepção social de que o Poder Judiciário é a instância de poder que se mostra suficientemente hábil (por seus meios coercitivos inerentes) e céleres (por seus instrumentos de urgência) em dirimir as demandas coletivas, satisfazer anseios e pacificar os conflitos sociais. É fenômeno, repise-se, que decorre da constatação de que os cidadãos estão cada vez mais informados e cientes da possibilidade de reivindicação de seus direitos, passando a exigir formalmente a execução de medidas que tenham por escopo promover e efetivar direitos fundamentais que estão consolidados constitucionalmente, inclusive no bojo de relações que sejam iminentemente privadas, mas que pertençam a esferas mais sensíveis da vida pessoal e em sociedade.
Logo, considerando-se que mesmo as relações de direito privado impendem para satisfação de direitos relacionados à dignidade e ao bem-estar da vida humana, são urgentes per si, a também justificar que se recorra ao Poder Judiciário – que dispõe de meios de coerção para efetivação rápida de medidas emergenciais. O Poder Judiciário, assim, vem sendo frequentemente chamado a imiscuir-se em assuntos que, outrora, estavam restritos aos debates e atuação de outros Poderes ou, ainda, que estavam acobertados pelo pálio da livre disposição e iniciativa particular. “A importância do Judiciário só fez crescer em diversas partes do mundo, colocando-se no epicentro da produção do direito e qualificando-se como instância em que as expectativas de conduta” (Bernardes Junior, 2018, p. 28).
Outro aspecto a ser considerado no fenômeno da judicialização é que nem sempre as soluções legislativas ou políticas públicas são suficientes ou mesmo satisfatórias aos anseios sociais. E, também nesse cenário, o Poder Judiciário é chamado a avaliar o atendimento deficitário ou em desacordo com a realidade que deveria ser atendida.
Nesse sentido, Alexandre Coura e Quenya de Paula trazem importante observação no sentido de que tal atuação proeminente e destacada do Poder Judiciário é um fenômeno recorrente em países com menor índice de desenvolvimento, como uma forma de corrigir desvios e deficiências que são característicos de sistemas democráticos e sociais fragilizados e incipientes.
O protagonismo judicial é verificado aqui e alhures e revela, em países menos desenvolvidos, vícios da atuação legislativa ligados a causas que variam da conjugação de interesses de grupos à desilusão com a política majoritária, dirigindo-se a tensão entre os poderes ao judiciário, que passa a ser a última trincheira de uma sociedade clamante (Coura; de Paula, 2018, p. 65).
Eugênio Rosa de Araújo destaca, por fim, que a redação de muitos instrumentos legais é excessivamente aberta e imprecisa e que “basta um elementar exercício de interpretação gramatical para se perceber o quanto ainda se há que burilar os limites e possibilidades” (Araújo, 2018, p. 41). Conclui referido autor:
Com uma Carta plena de direitos, muitas vezes vazados em termos genéricos e plurissignificativos, não é de se admirar que o Poder Judiciário venha sendo chamado a completar comandos constitucionais que suportem prestações positivas, seja na via legislativa, colmatando a normatividade ausente, de forma supletiva e sob condição de eficácia até o advento de legislação disciplinadora posterior, seja determinando obrigações de fazer, no sentido da implementação material de políticas públicas, como se tornaram comuns em sede de saúde e educação, duas chagas abertas em nossa sociedade (Araújo, 2018, p. 50).
Passam a se fundir, nessa busca infindável, o acesso à justiça e o princípio da inafastabilidade da jurisdição, tomados como fundamento das pretensões que são massivamente postas em juízo, levando o Poder Judiciário à atividade de criação de regras quando estas são ausentes ou insuficientes, ou quando aqueles que se obrigam a determinadas prestações o fazem de forma precária.
Embora muitas sejam as críticas à atuação judicial e ao teor de várias decisões proferidas – que resvalam no atingimento ou na alteração dos limites da iniciativa privada – não há como se ignorar que é inderrogável e irreversível a participação do Poder Judiciário na efetivação dos anseios democráticos e sociais.
O fenômeno da judicialização é, na verdade, a vida colocada ao Poder Judiciário, dado que abrange diversos assuntos que permeiam o interesse das pessoas – seja no âmbito de suas individualidades, seja como ente de um corpo social. As diversas demandas que chegam ao Poder Judiciário têm por escopo resolver postulações que não tenham sido adequadamente contempladas.
A judicialização, fenômeno também de outras culturas, nasce da sensibilidade coletiva de que a conquista e a preservação dos direitos dependem do judiciário para decidir costeando a lei e até colocando-se acima dela, no papel de verdadeiro tutor da política, sem se submeter ao filtro da aprovação popular (Coura; De Paula, 2018, p. 80).
Especificamente no Brasil, é um movimento que deriva especialmente do rol de direitos fundamentais e sociais previstos nos artigos 5º e 6º da Constituição Federal, com amplo rol de legitimados e interessados a dar efetividade ao texto- infere-se, então, que o cenário constitucional vigente permite o vislumbre de toda a complexidade das relações sociais, favorecendo o pluralismo das ideias e de palcos para embates.
Essa judicialização da vida coloca, então, no âmbito do Poder Judiciário questões que, para a sociedade, são objeto de inquietação e repercussão – especialmente quando são agravadas pela inação ou ação insuficiente de instituições privadas que proveem bens e serviços de utilidade pública. Em síntese: “a vida política, social e econômica é ‘juridicizada’, ou seja, é sujeita à ação judicial” (Fonseca; Couto, 2018, p. 829). E, mais que isso: a judicialização da vida coloca o Poder Judiciário em posição de protagonismo democrático, como vértice e epicentro de decisões:
No quadro da organização dos Poderes, o Judiciário ocupa uma posição, do alto da qual pode observar um fato e, se houver por bem, amoldar um comportamento que se lhe afigure suficiente e pertinente para resolução das questões de direito das quais deva conhecer (Moraes, 2019, p. 28).
Delineado está, então, o cenário impreterível e invencível de participação protagonista do Poder Judiciário nas relações sociais, notadamente porque inafastável o exercício da jurisdição. E, em se tratando de situação inelutável, mister que o Poder Judiciário desenvolva ferramentas adequadas e eficientes para gestão do volume de processos que derivam desta busca da atividade jurisdicional, a fim de racionalizar o mister judicante, garantir a boa prestação jurisdicional e coibir vícios e condutas predatórias.
Não se pode, na esteira do que se estabelece, negar ou evitar a judicialização de questões da vida social que são permeadas por conteúdos relacionados aos direitos e garantias fundamentais. É essencial compreender que, para além do debate jurídico e acadêmico de cláusulas contratuais e sobre as implicações da natureza de dadas relações jurídicas, a judicialização é fenômeno de forte componente social, já que há uma expectativa em torno de conceitos e comandos que irão nortear as relações jurídicas a partir da efetiva atuação do Poder Judiciário.
Os filtros a serem estabelecidos sobre tais situações – na ausência de norma específica e ante a urgência de dar maior efetividade aos direitos e garantias insertos na Constituição – passam, então, pela contemplação dos valores sociais que estão sendo reclamados em dado momento temporal para a solução, bem como em torno de critérios objetivos relacionados à formalidade da demanda proposta, como será visto no item subsequente.
A judicialização é um fenômeno de múltiplos fatores fáticos e sociais, sendo seu conteúdo e seu conceito de fáceis compreensão e percepção. A despeito de suas raízes sociais multifatoriais, é o resultado da inevitável partilha de espaço do texto Constitucional com as relações jurídicas comuns e fruto da ineficiência que atinge algumas instituições e setores da sociedade. Seu lugar são as relações jurídicas em que uma das partes é vulnerável por suas características e pelo próprio teor sensível do direito em debate (por exemplo, relacionados a questões de saúde, de gestão de informações financeiras e de moradia). Trata-se de tema que restará aberto à investigação, bastando, para os fins do presente trabalho, que seja compreendido em sua existência e em sua inexorável ocorrência.
Ao cabo, ao se tratar da judicialização, impõe-se desde já fixar que a discussão se afasta do desiderato simples e vazio de simplesmente dotar o julgador de ferramentas para reduzir o número de feitos em tramitação. Não é a limitação do acesso à Justiça ou a imposição de dificuldades à discussão de direitos o que se pretende. Ao se colocar em evidência a judicialização nesse cenário de proteção de vulnerabilidades, tal se faz porque se trata de realidade inevitável, consubstanciada em demandas de grande interesse social e que acabam por adentrar ao Poder Judiciário, que passa a ter, na atuação conformação democrática, um papel decisivo desejável e esperado:
Portanto, a invasão do Tribunal/Juiz se efetiva diante da soberania popular, calcada na democracia, por meio do viés estabelecido pelo Estado Democrático de Direito se reveste pelas Constituições modernas, passando a ter grande popularidade, sendo vistos como os heróis da modernidade, ler-se-ia ainda como, os Guardiões dos Direitos Fundamentais e do Princípio da Dignidade humana, apresentando assim, uma nova forma de conceber a democracia (Santos, Balestrin, p. 473).
Na esteira de tal acesso – que se deseja não apenas permitir, mas também ampliar– há que se enfrentar circunstâncias delicadas, como aquelas relacionadas à litigância predatória. Aos órgãos jurisdicionais, portanto, passa a caber a nobre tarefa (e revestida de grande expectativa social) de não apenas aplicar a lei, mas de dar efetividade a direitos e garantias fundamentais que estão previstos na Constituição. O Poder Judiciário, então, deixa a tarefa de mero aplicador da lei, passando a verdadeiro fio condutor da legalidade das relações sociais, papel do qual não mais pode se esquivar, o que se lhe atribui um novo papel no debate democrático.
3 LITIGÂNCIA PREDATÓRIA
Fenômeno diverso da judicialização – como já pontuado anteriormente, mas que surge em sua esteira – é o da litigância predatória. Enquanto que do ponto de vista acadêmico a judicialização revela um novo e importante papel do Poder Judiciário no cenário social e democrático, no âmbito prático, as crescentes possibilidades de acesso e de discussão das relações sociais para efetivação de direitos trazem desafios e dificuldades à rotina forense, especialmente ao trabalho de magistrados e de servidores do Poder Judiciário. Logo, a litigância predatória é um evento que surge como um recorte da crescente judicialização da vida, mas que com tal não se confunde, sendo por alguns autores denominado de “demandismo” (Martes, Rosenthal, 2023) ou “litigância frívola” (Osna, 2023).
Não há dúvidas de que a ampliação da cobertura dos serviços judiciários é um dado positivo do desenvolvimento do país, que tende a beneficiar principalmente aqueles que se encontram em situação de vulnerabilidade social. Por outro lado, a inclusão de um grande número de indivíduos, antes à margem do sistema judicial, liberou uma vasta demanda reprimida e sobrecarregou ainda mais a já atribulada capacidade institucional do Poder Judiciário (Zavascki, 2018, p. 23).
É inegável que o Poder Judiciário labora, atualmente, em déficit de recursos técnicos e humanos e que a extrema judicialização provoca um significativo aumento do número de processos distribuídos. Em que pese o amplo acesso à Justiça tenha por escopo corrigir iniquidades, proteger vulnerabilidades e garantir a máxima observância de direitos, nem todas as demandas são distribuídas com tais desideratos nobres e, tampouco, estão genuinamente as partes e patronos imbuídos em corrigir eventuais nocividades – ao revés, muitas demandas revelam o intuito de acobertar-se sob o pálio da proteção de direitos fundamentais para obtenção de ganhos indevidos, em prejuízo de partes que são, em geral, grandes corporações e, portanto, ostentam patrimônio suficiente para pagamento seguro e rápido de valores.
Na esteira da grandiosa distribuição de processos que versam sobre temas polêmicos e sensíveis à sociedade tem sido possível identificar uma significativa parcela de litigância artificial, voltada exclusivamente a produzir resultados financeiros fáceis e indevidos, frequentemente afastando-se da efetiva proteção do bem da vida que se propõem a defender.
O aumento das obrigações do Estado, além de transformações nas relações socioeconômicas, com a massificação da produção, do consumo e da distribuição de bens e serviços, e, mais recentemente, a globalização econômica e o avanço da tecnologia da informação. Essas novas relações não apenas têm fomentado novos tipos de conflito, como apresentam um efeito multiplicativo importante. Enquanto, até passado recente, a violação de um direito podia ser compreendida pelo escopo da relação jurídica individual, a violação de um direito social assumido pelo Estado ou uma falha em um produto ou serviço colocado à disposição de toda a população tem a capacidade de gerar um número enorme de litígios repetitivos e de massa. Por outro lado, toda essa problemática é agravada se, pelo raciocínio do agente, a violação passa a ser parte de uma estratégia maior para aumentar seus ganhos ou desincumbir-se de suas obrigações, confiando que aqueles eventualmente prejudicados não procurarão o Poder Judiciário, sobretudo se os danos forem de pequena monta (o que, em linhas gerais, alguns chamam de “ilícito lucrativo” ou “lucros ilícitos”). Os dados parecem confirmar esse cenário no Brasil. A partir de uma análise do panorama de litigiosidade, é possível perceber que as ações estão concentradas em litigantes habituais, que, juntos, respondem por mais de metade dos processos. Ademais, talvez até como consequência dessa concentração, muitos processos dizem respeito às mesmas questões de direito ou relações de massa (Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, 2023, p. 3).
Assim, o Poder Judiciário começa a se estruturar não apenas para o aumento natural de demandas decorrente da perseguição de direitos mas, também, para a sobrecarga oriunda do desvirtuamento dessa judicialização pois, além da ocupação do Poder Judiciário com demandas efetivamente necessárias, surgidas dos naturais conflitos e deficiências das relações contratuais, há, ainda uma categoria de profissionais e de demandantes que se valem dessa atuação destacada do Poder Judiciário com o escopo de obter ganhos indevidos e escusos.
O julgador, repise-se, ao imiscuir-se também da atividade de identificar demandas predatórias, não pode estar açodado pelo imediatismo de reprimir a demanda desde seu nascedouro. Isto porque – como decorre do já exposto até aqui – a grande distribuição de ações em torno do mesmo tema é consequência inevitável da atual conformação social e, per si e isoladamente considerada, não importa em nenhuma irregularidade:
O ajuizamento de número elevado de demandas não revela, por si só, um ilícito a ser combatido. As atividades econômicas desenvolvidas por litigantes habituais, muitas vezes, provocam inúmeras pretensões fundadas, que são levadas ao Judiciário por meio de uma “advocacia de teses”, cuja atuação pretende que o mesmo fundamento e a mesma solução jurídica sejam aplicados a casos do mesmo tipo. A semelhança do pedido e da causa de pedir é justamente o que faz com que as demandas sejam merecedoras de uma única “tese”. Sabendo da possibilidade e legalidade dessas situações, o sistema processual prevê mecanismos de julgamento de casos repetitivos. Por essas razões, a grande quantidade de ações com causa de pedir e pedido semelhantes, embora seja uma preocupação válida do Judiciário, e, especialmente, seja a hipótese em que a tecnologia e a estatística podem contribuir, não deve ser critério que define a litigância como predatória. Sua característica distintiva está no desvio de finalidade do ato de demandar, uma forma de utilização do processo para buscar efeitos que não lhe são próprios ou para burlar os efeitos que lhe são próprios (Lino, 2023, p. 1)
Em suma, como pontuam Martes e Rosenthal (2023), a litigância predatória se refere a um ajuizamento indiscriminado e irresponsável de centenas ou milhares de ações de cunho repetitivo, direcionadas a grandes empresas com reconhecida capacidade econômica (financeiras, bancos, operadoras de planos de saúde e de telefonia, companhias aéreas), valendo-se de benesses como a Justiça Gratuita e a inversão do ônus da prova, como facilitadores do ajuizamento, redução dos riscos e dos custos e mitigação das provas, justificando a apresentação de petições iniciais desprovidas de documentos e deficitárias na exposição pormenorizada dos fatos.
O que se deve identificar, então, são “as condutas que objetivamente consideradas levam a crer que as demandas (ou a demanda) foram ajuizadas para atingir finalidade incompatível com os standards da boa-fé” (Lino, 2023, p. 1) ou, ainda, “a utilização de um direito constitucional-processual legítimo de forma contrária à boa-fé” (Souza, 2024, p. 2).
Logo, litigância predatória, em um primeiro sentido, é aquela voltada a destruir a parte contrária. Ela é articulada com um objetivo obscuro, invisível na superfície: causar dano ao réu. O autor não quer simplesmente sair vencedor ou resolver um problema, ele pretende prejudicar a parte contrária, causando-lhe um mal global. Pode ser realizada por meio de uma demanda individual única ou por meio de várias ações, distribuídas coordenadamente (...) Há, ainda, um segundo sentido para a litigância predatória: situações em que não se pretende fazer mal ao réu, mas, enriquecer à custa dele de uma maneira não legítima. Nesse caso, não se pretende destruir a vítima, mas obter uma vantagem ilegítima, que não seria considerada devida, caso não houvesse o abuso de direito (Alvim, Conceição, Uzeda, 2023).
Tais ações – ainda nas lições de referidos autores – tornaram-se um nicho de mercado, afastando-se do escopo de proteção de vulnerabilidades emergenciais ligadas à boa fruição de serviços, bem-estar, honra, saúde e integridade física. Conforme lições de Teori Zavascki, urge combinar o aprimoramento do acesso à justiça, especialmente no que toca à garantia de prestação jurisdicional aos desfavorecidos, com a até então excessiva tolerância da jurisdição nacional com os maus litigantes, o que permite “um estado de congestão judiciária quase impossível de ser debelado” (Zavascki, 2018, p. 26).
3.1 Atuação do Conselho Nacional de Justiça para enfrentamento da litigância predatória
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a partir de práticas que vem sendo adotadas por diversos Tribunais da Federação, vem promovendo uma Rede de Informações sobre a Litigância Predatória para aumentar a efetividade no acompanhamento de litigância predatória, especialmente fomentando o compartilhamento de dados e informações entre os tribunais do País que já disponham de ações específicas nesse sentido. O intento é evitar ou ao menos reduzir os efeitos negativos de tais demandas ao Poder Judiciário, que se vê ainda mais sobrecarregado com demandas artificiais.
Destaca-se, no âmbito deste órgão, o teor da Recomendação n. 127/2022, documento que direciona os tribunais do país à adoção de medidas específicas de cautela com o escopo de reduzir a judicialização predatória. O escopo inicial de tal documento de recomendação estava voltado ao tratamento de hipóteses de cerceamento de defesa e da limitação da liberdade de expressão.
A Recomendação CNJ 127/2022 passou a identificar a judicialização predatória a partir do ajuizamento em massa em território nacional de ações com pedido e causa de pedir semelhantes em face de uma pessoa ou de um grupo específico de pessoas, a fim de inibir a plena liberdade de expressão, recomendando que os tribunais adotem medidas para análise de prevenção do juízo, agrupamento de ações, dentre outras medidas (Temer, 2022).
Observando-se as dificuldades reais dos tribunais nacionais, verificou-se que que a litigância predatória envolve outros temas mais abrangentes, sendo proposta pela Corregedoria Nacional de Justiça e aprovada no XV Encontro Nacional do Poder Judiciário, a Diretriz Estratégica n. 7, segundo a qual cabe aos Tribunais regulamentar e promover práticas e protocolos para o combate à litigância predatória, preferencialmente com a criação de meios eletrônicos para o monitoramento de processos. Com tal iniciativa, estabeleceu-se a necessidade de transferir as informações para alimentação de um painel único e, para o ano de 2024, vige a diretriz número 6, voltada à promoção de práticas e protocolos para tratamento da litigância predatória[1].
A partir daquela Recomendação do CNJ e das diretrizes complementares posteriores, estabeleceu-se um conteúdo prescritivo a ser acrescido à análise do julgador, que passa a se subsidiar, também, das boas práticas que forem identificadas. Portanto, os cenários de litigância predatória passam a ser tratados de forma objetiva e global pelos julgadores, com o escopo de que sejam coibidas.
A primeira observação a ser efetivada consiste na identificação de tais demandas, sendo adotados como critérios:
Alguns dos indicativos de demandas predatórias ou fraudulentas percebidos pelos tribunais se relacionam com as seguintes características: quantidade expressiva e desproporcional aos históricos estatísticos de ações propostas por autores residentes em outras comarcas/subseções judiciárias; petições iniciais acompanhadas de um mesmo comprovante de residência para diferentes ações; petições iniciais sem documentos comprobatórios mínimos das alegações ou documentos não relacionados com a causa de pedir; procurações, contestações e recursos genéricos; distribuição de ações idênticas (Conselho Nacional de Justiça)
Também:
As demandas tidas como predatórias são as ações ajuizadas em massa, em grande quantidade e, geralmente, em várias comarcas ou varas, sempre com um mesmo tema, com petições quase todas idênticas, onde apenas o nome da parte e o endereço são modificados e, prioritariamente, estão vinculadas a demandas consumeristas. Tais demandas são caracterizadas ainda pela ausência de alguns documentos, a exemplo de comprovante de residência ou ainda da relação jurídica contestada, o que dificulta a análise do seu caráter predatório e, não rato, sem o conhecimento das partes autoras, além da capitação ilegal de clientes (Sá, 2022).
No sítio eletrônico do CNJ é possível acessar um banco de decisões com notas técnicas com filtros por segmento da Justiça (Eleitoral, Estadual, Federal, Trabalho), por Estado da Federação, por tipo de documento, por data de publicação e por ementa, que permitem identificar ações específicas ou recomendações gerais no âmbito do Poder Judiciário para identificação, prevenção, tratamento e combate de práticas abusivas. Referido painel consolida, assim, informações acerca dos órgãos internos dos tribunais pátrios que despontam como responsáveis pelo monitoramento e fiscalização de feitos judiciais com características predatórias, ampliando a consulta e dando maior publicidade e organização às atividades que são praticadas sob tal objetivo.
Os documentos judiciais elencados em tal banco de dados mostram julgados que identificam elementos de litigância predatória em casos concretos, enquanto as Notas Técnicas partem de pesquisas efetuadas por magistrados e servidores, com sugestão de protocolo para processamento de tais demandas. Além disso, o CNJ dispõe de grupos específicos de trabalho, com o objetivo de apresentar propostas para o enfrentamento da litigância predatória associativa.
O painel analítico do CNJ exibia, até o primeiro bimestre do ano de 2025, 88 (oitenta e oito) Notas Técnicas e 155 (cento e cinquenta e cinco) decisões em matérias acompanhadas por alguns Tribunais do país sob o viés do enfrentamento da litigância predatória, colocadas ao amplo acesso público para fins de integração das informações. Quanto à elaboração de Notas Técnicas, destacam-se as atuações do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (nove notas), o Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia (seis notas) e o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (cinco notas).
Em relação às decisões, destacam-se as atuações do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (quarenta decisões), do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (vinte e quatro decisões) e do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (com vinte e duas decisões).
Tanto as decisões quanto as notas técnicas que são fixadas pelo CNJ em referido painel encerram em si elementos práticos para conceituação e definição de elementos de detecção da litigância predatória, com a sugestão de medidas de prevenção e enfrentamento dos quadros analisados. Em algumas situações específicas, determinando o monitoramento de determinadas condutas profissionais ou recomendando a criação e o aprimoramento de ferramentas tecnológicas para tal monitoramento.
3.2 Núcleos de Monitoramento de Perfis de Demandas (NUMOPED)
Com o escopo de melhor lidar com o fenômeno da litigância predatória, diversos Tribunais de Justiça pelo país criaram grupos especializados de monitoramento, a fim de compartilhar informações e estabelecer boas práticas para tratativa de tais demandas. Diversos Tribunais do país já contam com Núcleos de Monitoramento implementados e atuantes, destacando-se os Estados de São Paulo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Bahia, Rio Grande do Norte, Pernambuco e Minas Gerais, que participam ativamente do compartilhamento de dados para composição de um acervo nacional, sob a coordenação do Conselho Nacional de Justiça, como pontuado acima.
Na inviabilidade de detalhar a atuação de cada um dos núcleos que integram as diversas esferas do Poder Judiciário, destaca-se exemplificativamente a atuação no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, ligado à sua Corregedoria Geral, o Núcleo de Monitoramento de Perfis de Demandas (Numopede), criado em setembro de 2016, pelo Comunicado CG n.º 1.757/2016. Este órgão – a exemplo do que ocorre em outros Tribunais Estaduais e Federais – é especializado na análise da distribuição de processos e identificação de práticas reiteradas que possam resvalar em condutas fraudulentas. Assim, aquele núcleo seleciona as melhores estratégias para enfrentar os problemas identificados, podendo atuar em situações específicas por provocação das unidades judiciais. No âmbito do fenômeno da judicialização, em que se verifica a distribuição massiva de demandas com conteúdo idêntico, tais núcleos monitoram ações pelo impacto substancial que provocam na organização dos serviços judiciais.
A atuação do núcleo no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (à similaridade do que se verifica em outros Estados) iniciou-se com a identificação, pelos magistrados, de excessivas coincidências entre as demandas, com a distribuição massiva de petições iniciais idênticas seja pela apresentação dos fatos, seja pelos pedidos formulados, especialmente relacionados à benesse da Justiça Gratuita e a distância do domicílio do interessado em relação ao local de distribuição.
Conforme apuração constante do relatório produzido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (2023, p. 4), o acompanhamento de tais perfis de demanda revelou diversas situações negativas: ou os interessados, em audiência, apresentavam relato dos fatos diverso ou sequer tinham conhecimento da existência da ação. E, em casos mais graves, foram identificadas ações com documentos fraudados.
Ainda, de referido relatório é importante destacar que a atuação em litigância predatória acaba por duplicar ou até mesmo triplicar o tempo de tramitação dos feitos e consome sobremaneira os recursos do Poder Judiciário, sejam técnicos, sejam humanos. Outrossim, importam em significativo prejuízo às partes que litigam de boa-fé, pois aqueles que litigam de maneira temerária e predatória geralmente se valem da gratuidade de Justiça, a fim de não arcarem com o ônus da sucumbência, em caso de derrota.
Este passou, então, a ser o ponto de partida de tratamento da judicialização a fim de se evitar o uso abusivo do Poder Judiciário pois:
A litigância predatória, além de prejudicar a parte contrária, gera transtornos a toda a sociedade, pois consome recursos do Poder Judiciário, inclusive o tempo de análise das ações pelos juízes, colaborando para o aumento dos índices de morosidade e de congestionamento, já que a movimentação processual provocada por essas demandas é significativa (Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, 2023, p. 4).
Com isso, desde a sua formal criação, o Numopede bandeirante passou a realizar o monitoramento de dados extraídos a partir do sistema informatizado utilizado pelo Tribunal de Justiça, especialmente a partir dos critérios de classe, assunto, partes litigantes, patronos, práticas e pedidos reiterados.
Sobre a atividade desenvolvida por referidos órgãos no âmbito dos Tribunais, importa salientar que o Numopede não interfere no julgamento das ações e nem aplica quaisquer sanções às partes ou aos advogados. Sua atividade se restringe a reunir e analisar dados estatísticos para apresentar um perfil das demandas, com a elaboração de estratégias que auxiliem os magistrados na gestão e julgamento dos processos sob sua presidência.
Assim, dentro de um fenômeno crescente e irreversível de acionamento do Poder Judiciário, os tribunais pátrios passaram a se ocupar de atividades administrativas voltadas a identificar condutas predatórias que provoquem atraso injustificado no atendimento e resolução de demandas reais, de interesse de pessoas que, efetivamente, necessitem da prestação jurisdicional e sejam assistidas por advogados que exerçam patrocínio regular das causas.
Poucos litigantes são responsáveis pela imensa maioria dos processos, o que torna o acesso à justiça material um processo lento, demorado e ineficiente, traços marcantes da chamada crise do judiciário, a qual tem afetado diretamente aqueles que litigam apenas esporadicamente (Souza, 2020, p. 204).
Exemplificando numericamente tais prejuízos, no relatório do Tribunal Estadual Paulista, adota-se como base o valor de custo de tramitação de um processo aquele estimado pelo estudo do IPEA, no importe correspondente a R$8.270,00 por processo (valor em março/2022), montante do qual decorre um prejuízo estimado ao Erário decorrente das práticas predatórias no valor de cento e sessenta e seis milhões de reais por ano.
Ao cabo, novamente é de se ressaltar que se ocupa o Poder Judiciário em não promover a extinção açodada de tais ações, a fim de não cercear o direito de ação das partes, pelo que se impõe uma análise criteriosa, caso a caso e de acordo com os elementos que são identificados pelo Numopede, a fim de se identificar uso pernicioso e predatório do Poder Judiciário (Sá, 2022).
Tal cautela se justifica especialmente porque, conforme Zuliani (2021), a litigância predatória se inicia com a atuação de patrono em conduta igualmente predatória no mercado e na captação de clientes, “normalmente idosos ou pessoas com pouca instrução, que assinam procurações sem o necessário discernimento ou sequer têm conhecimento das respectivas ações” (Zuliani, 2021).
No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, vários julgados pontuam observações sobre demandas que são distribuídas sem adequada fundamentação idônea, transparecendo propósito doloso e abusivo, a ensejar abuso do direito de ação. Assim se manifestou a Ministra Nancy Andrighi, enquanto relatora do Recurso Especial n. 1.817.845/MS:
O surgimento de um padrão de processos infundados e repetitivos é forte indicador de abuso com aptidão para produção de resultados ilegais, razão pela qual esta conduta não está respaldada pela imunidade constitucional ao direito de peticionar (Superior Tribunal de Justiça, 2019).
Outrossim, não se desconhece também que é inevitável a existência, no âmbito do Poder Judiciário, de litigantes habituais – e também não é sobre estes que recai a atenção voltada à litigância predatória, pois se reconhece como natural a existência, no tecido social de pessoas e, especialmente, de organizações que pela natureza de suas atividades muito mais se envolvem em conflitos, o que desencadeia mais litígios (Souza, 2020, p. 198). O que ocupa o Poder Judiciário é quando há abuso de tal circunstância.
Permitir o acesso indiscriminado e predatório a uma justiça com recursos escassos está longe de corresponder à salvaguarda de um acesso efetivo, mas permitir que se efetive na justiça tragédia anunciada, com congestionamento, sobrecarga e ineficácia (Hippert, Garcel, 2023, p. 71).
Sendo assim, a criação de equipes dedicadas e especializadas no monitoramento de tais demandas permite utilização e gestão mais racional dos recursos do Poder Judiciário que, se não foram capazes de resolver o problema, poderão criar barreiras que desestimulem a reiteração de práticas perniciosas. Nesse contexto, na sequência serão expostas duas categorias de demandas que são continuamente submetidas a monitoramento, bem como os pontos de observação que devem ser objeto de especial atenção no processamento[2].
3.2.1 Planos de Saúde
A questão envolvendo a cobertura de tratamentos e de medicamentos por planos de saúde é ainda hoje tormentosa e foi uma das questões que ensejou a criação do Numopede no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo no ano de 2016. Ainda é questão considerada como um dos maiores desafios impostos ao Poder Judiciário, seja pelo viés da saúde pública, seja pelo viés da saúde suplementar – este último, o viés ao qual estão dedicadas as ações de monitoramento de demandas.
Conforme dados que constam do Painel de Estatísticas Processuais do Conselho Nacional de Justiça, há mais de 520 mil ações em trâmite sobre o assunto em todo território nacional, sendo as demandas mais comuns aquelas que versam sobre fornecimento de medicamentos, tratamento médico-hospitalar e reajuste contratual. Além disso, verifica-se grande pulverização de tais demandas, já que 95% destas encerram em si discussões individuais.
O direito à saúde no marco legal brasileiro prevê como diretriz a integralidade da atenção à saúde em todos os níveis de atenção. Entretanto, usualmente, esse conceito é interpretado como um direito de acesso a todos os bens e serviços de saúde, podendo fomentar o processo de judicialização (Andrade, 2024, p. 44).
Continuamente são identificadas demandas com distribuição concentrada e atípica em face de operadoras de planos de saúde, em que são fixados como ponto de atenção a coincidência entre os advogados que distribuem as demandas, os médicos que assinam os relatórios médicos que instruem as petições iniciais e as empresas fornecedoras de equipamentos cirúrgicos, órteses e medicamentos indicados pelos profissionais médicos.
Especialmente para ações que envolviam procedimentos cirúrgicos com emprego de materiais específicos, passou-se a recomendar o processamento das demandas com cautela e especial atenção à ampliação da dilação probatória pois, em muitos casos, não se confirmou por perícias judiciais o teor do relatório médico que instruía a inicial ou, ainda, constatou-se a existência de outras possibilidades terapêuticas substitutas, com menor custo financeiro envolvido.
Tais ações especializadas de monitoramento e os resultados benéficos do aprofundamento da dilação probatória, com o escopo de confirmar a adequação e a viabilidade do tratamento acabaram por conduzir o tratamento da matéria ao entendimento jurisprudencial e legislativo atualmente vigentes, no sentido de se estabelecer a tratativa das questões de plano de saúde a partir dos elementos de estudos saúde baseados em evidências.
Para tal, essencial reportar-se ao julgamento havido no âmbito da Segunda Seção do C. STJ, por ocasião da apreciação dos EREsps 1.886.929/SP e 1.889.704/SP (Relator Ministro Luis Felipe Salomão, julgados em 8/6/2022, DJe de 3/8/2022), em que restaram fixadas, dentre outras premissas que a operadora de plano ou seguro de saúde não é obrigada a arcar com tratamento não constante do Rol da ANS se existe, para cura do paciente, outro procedimento eficaz, efetivo e seguro já incorporado ao Rol e que, na ausência de substituto terapêutico ou esgotados os procedimentos do Rol da ANS, pode haver, a título excepcional, a cobertura do tratamento indicado pelo médico ou odontólogo assistente, desde que haja comprovação da eficácia do tratamento à luz da medicina baseada em evidências e recomendações de órgãos técnicos de renome nacionais (como CONITEC e NATJUS).
No mesmo sentido, realizada recentemente alteração no texto da Lei n. 9.656/98 (em seu artigo 10, parágrafos 12 e 13), para que passasse a ser contemplada a possibilidade de cobertura de tratamentos não contemplados pelo rol de procedimentos e eventos em saúde da ANS, sob os mesmos critérios.
Portanto, no âmbito da saúde suplementar, o equilíbrio entre a proteção de vulnerabilidades contratuais (expressas por negativas abusivas de custeio de tratamentos médicos e de fármacos necessários à cura) e o afastamento de pretensões de enriquecimento sem causa (consubstanciadas por pedidos sem lastro fático em relação ao quadro médico ou à revelia de opções mais viáveis economicamente) vem sendo obtido a partir da apuração pontual e casuística das ações, especialmente com produção de prova técnica e consulta ao acervo de órgãos especializados, a fim de melhor modular a satisfação do direito em vulnerabilidade com o adequado provimento jurisdicional.
3.2.2 Inexigibilidade de débito, exibição de documentos bancários e revisionais de contratos bancários
O monitoramento de tais demandas se inicia com a identificação de elevado número de ações distribuídas pelo mesmo advogado ou grupo de advogados, sobre a mesma questão de direito, sem apresentação de particularidades do caso concreto e figurando como rés grandes instituições/corporações (financeiras, bancárias e seguradoras, com o escopo de questionar cobranças e apontamentos de débitos junto aos órgãos de proteção ao crédito. Foram identificados, ainda pedidos “preparatórios”, como as antigas cautelares de exibição de documentos.
Também para tais ações fora recomendado o processamento com cautela, ante os pedidos genéricos de concessão da Justiça Gratuita e considerável número de partes demandantes que residem fora do Estado de São Paulo. Em dilação probatória, o monitoramento revelou que muitos demandantes desconheciam a propositura de ação ou, ainda, não tinham interesse em litigar.
A atividade de acompanhamento se refere às ações que tem por escopo a discussão de cláusulas contratuais relacionadas a financiamentos para aquisição de veículos automotores e outros empréstimos pessoais. Verificou-se também uma grande fragmentação dos pedidos em foros distintos, a fim de evitar a identificação de conexão e burlar a regra do Juiz Natural.
Assim, para o tratamento de tais demandas fora sugerida cautela quanto á indicação de foro ou de endereço aleatório, tais como a indicação de agência ou filial sem relação direta com os fatos ou com o contrato entabulado e o domicílio das partes.
O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, por seu Comunicado NUMOPEDE n. 02/2021[3], no seio do histórico de tais ações revisionais, passou a recomendar aos magistrados cautelas adicionais e específicas quanto à verificação de existência de procuração válida e atualizada, bem como estimulando a conferência da similaridade das assinaturas constantes de documentos com as assinaturas apostas pelo demandante na procuração outorgada e demais documentos constantes nos autos.
Já o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por sua Nota Técnica 03/2023[4], passou a recomendar a consulta sistêmica por nome ou CPF da parte demandante, a fim de verificar se não há múltiplas ações propostas com a mesma procuração redigida em termos genéricos, bem como a sugestão de determinação de emenda à preambular, para juntada de documentos específicos relacionados aos fatos, tais como extratos bancários.
Outrossim, se verificada fundada dúvida ou patente divergência, fora recomendada a determinação do demandante por mandado ou a designação da audiência para sua oitiva ou, ainda, a determinação para reconhecimento de firma por autenticidade da parte autora no instrumento de acordo. Tais práticas – constantes do Banco da Rede de Informações do CNJ para a tratativa da litigância predatória na matéria – foram replicadas em diversos Tribunais pelo país, inclusive no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
Ainda, passou-se a recomendar que eventuais elementos concretos que indiquem a prática de fraude, falsificação ou litigância de má-fé, deveriam ser remetidos à Ordem dos Advogados do Brasil, bem como ao Ministério Público Estadual, para que tais instituições tomem conhecimento e providências, nos limites de suas atuações.
Tendo se tornado práticas recorrentes pelos Tribunais no tratamento da litigância predatória no âmbito dos contratos bancários, as recomendações e as práticas adotadas atualmente são objeto do Tema Repetitivo 1.198 iniciado pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça. A questão submetida a julgamento versa sobre a delimitação da atividade do magistrado ante uma potencial ocorrência de litigância predatória, a fim de dirimir se possível a exigência de emenda da petição inicial para juntada de documentos que lastreiem os pedidos, assim como procuração atualizada, declaração de pobreza e de residência, cópias do contrato e dos extratos bancários.
No mesmo sentido das práticas que são adotadas em outros Tribunais e conforme consta da decisão de afetação havida no Recurso Especial n. 2.021.665/MS, em que figura como Relator o Ministro Moura Ribeiro, o Centro de Inteligência da Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul (CIJEMS), apurou a ocorrência de litigância predatória, constatou graves indícios de fraudes processuais naquele Estado em lides que versam sobre empréstimos consignados.
Apontou o órgão de monitoramento vinculado àquele Tribunal que as petições iniciais encerravam em si narrativas hipotéticas, fundadas no relato de que a parte requerente não se recordava sobre o contrato de empréstimo em relação ao qual se postula o reconhecimento de inexigibilidade. No mesmo sentido, as iniciais de tais feitos encontravam-se desacompanhadas de extratos bancários, assim como a procuração outorgada continha termos genéricos, sem indicação dos termos da ação que deveria ser proposta, como a pessoa jurídica requerida ou a postulação a ser deduzida em juízo.
Com este cenário, considerando-se que o feito em liça se ajustava às recomendações de cautela do órgão de monitoramento de litigância predatória, o magistrado de primeira instância determinou a emenda da petição inicial para juntada de documentos, consubstanciados nos extratos bancários da conta corrente, a fim de comprovar os descontos, além de determinar a juntada de comprovante de residência e de procuração atualizada.
No entendimento daquela Corte Superior, não se nega o fenômeno do ajuizamento de demandas massificadas em temas bancários e de outros serviços como telefonia, planos de saúde e direitos previdenciários – no entanto, há de se reconhecer que “o Brasil tem observado uma avalanche de processos infundados, muitas vezes caracterizados pelo abuso no direito de ação” (Superior Tribunal de Justiça, 2024) que prejudicam o exercício da jurisdição.
Em suma, no grupo das demandas que versam sobre informações bancárias, o equilíbrio entre a proteção de vulnerabilidades contratuais (expressas por afetação da honra decorrentes de negativações e exigências contratuais desproporcionais) e o afastamento de pretensões de enriquecimento sem causa (consubstanciadas por pedidos sem lastro fático para obtenção de indenizações por danos morais e repetição de valores pagos) vem sendo obtido a partir da observância de regularidade dos documentos que são acostados à petição inicial, especialmente com o escopo de perquirir se efetivamente o consumidor dos serviços bancários impugnados está ciente da discussão judicial a ser estabelecida, dado que o maior malogro identificado em tal cenário é o uso de documentos fraudulentos e ausência de consentimento expresso do demandante.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A sociedade brasileira atual é marcada por profundas diferenças e assimetrias em seus estrados sociais e econômicos. Há toda uma gama de direitos e garantias fundamentais que produzem carências materiais e desigualdades que são levadas ao Poder Judiciário para correção imediata e urgente. É inexorável e inderrogável a garantia de amplo e irrestrito acesso à justiça, sendo inegável que o Poder Judiciário, como nunca dantes, vem exercendo papel fundamental no exercício e na efetivação de direitos inscritos constitucionalmente, mas que, no plano prático, restam aquém de seu conteúdo por ineficiência e insuficiência da atuação dos demais poderes ou por atuações temerárias de grandes corporações que lidam com bens e serviços sensíveis à sociedade.
O papel do Poder Judiciário vem transbordando a mera atividade imparcial de dirimir controvérsias, aproximando-se de um papel decisivo de proteção de vulnerabilidades, pelo ajuste de relações contratuais com o potencial de produzir efeitos negativos a direitos e garantias essenciais. Esse novo papel atribuído ao Poder Judiciário o coloca em estado de assoberbamento e congestionamento que deve ser melhor esquadrinhado e tratado, já que a sobrecarga decorre da abertura jurisdicional e do amplo acesso à justiça mas, também, do fenômeno da litigância abusiva – que acaba se tornando o principal problema do sistema judiciário nacional em sua atividade de proteção das vulnerabilidades.
No entanto, algumas práticas dos litigantes não se revelam adequadas e ajustadas a tal desiderato. Ao contrário, valendo-se do novo papel assumido pelo Poder Judiciário na sociedade, acabam por desvirtuar a litigância, valendo-se um acesso indevido para obtenção de vantagens indevidas. No entanto, é importante que o Poder Judiciário, ao implementar ferramentas técnicas para reduzir tais demandas, não estabeleça uma repressão aleatória e forçada de propositura de demandas que conduza a uma indevida limitação do exercício do direito de ação.
]As práticas do Poder Judiciário devem estar voltadas à promoção da educação dos litigantes e à ampla colaboração de todos os agentes envolvidos no processo, a fim de que seja estimulada a litigância responsável e de boa-fé, rechaçando apenas aquelas condutas que sejam irregulares e voltadas ao enriquecimento sem causa.
Os dados expostos no presente trabalho demonstram que a nefasta prática da litigância predatória é crescente e importa em severos prejuízos ao Poder Judiciário e, principalmente, a toda a sociedade, pois interfere na garantia constitucional da duração razoável do processo dos processos, compromete o adequado tratamento de pleitos legítimos e dificulta o labor de patronos que atuam de forma regular, pois as demandas de jaez predatório dificultam a análise adequada de cada caso individual. Além disso, são demandas que produzem inegável prejuízo financeiro associado aos custos de tramitação dos processos.
Transbordando, então, o desiderato de obter uma prestação jurisdicional, as demandas de viés predatório encerram em si elementos caracterizadores específicos, tais como a ausência de documentos essenciais e devidamente relacionados à relação jurídica em debate, a descrição de fatos e formulação de pedidos em termos genéricos, além da padronização das petições com pedidos infundados de exibição incidental de documentos e de concessão dos benefícios da Justiça Gratuita– este último, voltado à fuga do pagamento de custas e de sucumbência, em evidente prejuízo aos cofres públicos e à parte contrária e seu patrono.
Logo, em tal cenário desafiador, a incansável busca pela efetividade e pela celeridade processual – como ferramentas que são da implementação de direitos e garantias do Estado Democrático de Direito – encontram óbices em condutas inadequadas e potencialmente causadoras de prejuízos incalculáveis, pelo que é louvável a concretização de respostas jurisdicionais e no âmbito administrativo dos Tribunais, para que a gestão da tramitação seja efetivamente voltada à realização dos direitos, extirpando demandas artificiais. Importante vem se revelando a atuação de núcleos de monitoramento que, sob a organização do Conselho Nacional de Justiça e o estabelecimento de uma rede de integração de informações, vem estabelecendo filtros de observação e criando boas práticas para gestão racional e objetiva do problema que vem sendo enfrentado.
Quiçá, além do aprimoramento de tais ferramentas de monitoramento e do direcionamento de boas práticas aos magistrados, revela-se necessária também uma maior participação de outras instituições diretamente afetadas, especialmente a Ordem dos Advogados do Brasil, que por sua atuação tem potencial de contribuir positivamente ao debate, essencialmente por duas razões: a primeira, porque muitas das situações identificadas – como a distribuição de ações sem o consentimento do cliente ou uso de documentos falsos – resvala na caracterização da advocacia predatória, cabendo àquele órgão de classe melhor promover medidas éticas de punição. A segunda, porque os dados revelam que tais práticas estão restritas a alguns grupos de profissionais, que acabam por comprometer a atuação e a imagem de toda a categoria de bons profissionais – o que também deve ser combatido por aquela instituição.
A fim de que a litigância predatória seja desestimulada, ação essencial deve partir do antecedente fático ligado à captação ilegal de clientes e à propositura irregular de demandas, sendo importante que o órgão de classe competente a estabelecer medidas disciplinares esteja atento a essas práticas que prejudicam não apenas o Poder Judiciário, mas a toda a classe de advogados que labora com zelo e regularidade.
O amplo acesso à Justiça é um direito fundamental cristalizado no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal e, é por este acesso que os cidadãos podem discutir suas relações contratuais e alinhá-las com os postulados mais caros do sistema jurídico, relacionados à promoção da dignidade, da honra, da boa-fé e dos fins sociais dos contratos. O acesso à Justiça, assim como qualquer outro direito, também vem encontrando limitações e dificuldades na vida forense e prática e sua preservação e ampliação depende do exercício com responsabilidade, voltado aos fins mais grandiosos de efetivação de direitos e de compensação de fragilidades econômicas e sociais, permitindo ao Poder Judiciário exercer seu novel mister de bem contribuir e orientar a sociedade a parâmetros de conduta justos e louváveis.
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[1] Histórico de atuação consolidado na Nota Técnica Conjunta nº 02/ 2024, de lavra da Justiça Federal do Paraná. Documento listado no banco de decisões e notas técnicas da Rede de Informações sobre a litigância predatória do CNJ. Sítio para acesso nas referências bibliográficas.
[2] Dados extraídos do relatório bianual do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, constante das referências bibliográficas.
[3] Comunicado listado no banco de decisões e notas técnicas da Rede de Informações sobre a litigância predatória do CNJ. Sítio para acesso nas referências bibliográficas.
[4] Comunicado listado no banco de decisões e notas técnicas da Rede de Informações sobre a litigância predatória do CNJ. Sítio para acesso nas referências bibliográficas.
Doutoranda e Mestra em Função Social do Direito pela Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo (FADISP). Membro do Corpo Editorial da Escola Judicial dos Servidores (EJUS). Servidora pública efetiva do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em função de assessoria em gabinete de Desembargador na Seção de Direito Privado. E-mail: marinagabrielams@outlook.com. Currículo: http://lattes.cnpq.br/0166172555585884
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTIAGO, Marina Gabriela Menezes. Proteção de vulnerabilidades: os limites entre a judicialização e a litigância predatória Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 jul 2025, 04:56. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/69150/proteo-de-vulnerabilidades-os-limites-entre-a-judicializao-e-a-litigncia-predatria. Acesso em: 14 ago 2025.
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