A fase de cumprimento de sentença é continuidade lógica e processual do processo de conhecimento. O artigo 513 do Código de Processo Civil estabelece que o cumprimento da sentença será feito perante o juízo que proferiu a decisão na instância originária, após o trânsito em julgado. Trata-se de etapa integrante do mesmo processo, com natureza executiva, mas sem a necessidade de propositura de nova ação.
É prática comum nos tribunais brasileiros que, após o retorno dos autos ao juízo de origem, seja proferido despacho conferindo prazo, usualmente de quinze dias, para que as partes se manifestem sobre eventual prosseguimento da execução. Ocorre que, diante da ausência de manifestação nesse prazo, os autos são arquivados provisoriamente, por decisão do próprio cartório ou por determinação judicial padronizada. Tal arquivamento, no entanto, não configura abandono, nem acarreta preclusão do direito de postular o cumprimento da sentença.
Essa distinção é fundamental. O prazo para manifestação conferido no referido despacho não possui natureza preclusiva. Não há na legislação processual qualquer norma que condicione o exercício da pretensão executiva à observância desse termo de quinze dias. Ao contrário, o artigo 921, §5º, do CPC é categórico ao dispor que a execução poderá ser requerida no prazo de cinco anos, contado do trânsito em julgado da sentença, sob pena de prescrição. Trata-se, portanto, de prazo prescricional, cuja inobservância somente acarreta a perda do direito material de executar o julgado, mas não implica perda automática por preclusão ou sanção administrativa.
A controvérsia surge quando, findo o prazo de quinze dias e arquivado o processo por inércia, os tribunais passam a exigir, para fins de desarquivamento, o recolhimento de taxa ou custas administrativas, como condição para viabilizar a retomada da marcha processual e o início do cumprimento da sentença. Essa exigência, embora rotineira, afronta diretamente os princípios constitucionais do devido processo legal, da inafastabilidade da jurisdição e do acesso à Justiça.
A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XXXV, estabelece que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. A garantia da jurisdição deve ser compreendida em sua dimensão material: não basta reconhecer o direito formal de acesso aos tribunais; é preciso assegurar a plena possibilidade de exercício desse direito sem obstáculos indevidos ou restrições econômicas desproporcionais.
Além disso, o artigo 5º, inciso XXXIV, alínea “a”, assegura o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidades. A exigência de pagamento como condição para o simples ato de reativação dos autos constitui condicionamento indevido da atividade jurisdicional, especialmente quando o interessado ainda se encontra dentro do prazo legal para promover o cumprimento da sentença.
No plano infraconstitucional, a cobrança de taxas judiciais está disciplinada pelo artigo 77 do Código Tributário Nacional, que define as taxas como tributos cobrados em razão do exercício do poder de polícia ou da utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos divisíveis e específicos. O desarquivamento, nessas condições, não configura serviço público prestado à parte a título particular, mas sim uma providência interna do cartório para permitir o regular exercício da jurisdição executiva. Não há especificidade nem divisibilidade, elementos essenciais para a cobrança da exação.
Mais do que isso, a própria razão de ser do desarquivamento está vinculada à dinâmica do processo civil contemporâneo. O arquivamento provisório decorre da organização administrativa dos cartórios, e não de ato voluntário da parte. Quando o titular do direito à execução solicita a reativação do feito, está apenas exercendo sua faculdade processual dentro do prazo prescricional previsto em lei. Cobrar por isso representa transferência indevida de um ônus administrativo ao jurisdicionado, o que é inadmissível sob a ótica do Estado Democrático de Direito.
É importante destacar que o cumprimento de sentença não está sujeito a preparo, salvo nos casos expressamente previstos em lei, como execução de honorários sucumbenciais pela parte vencedora em face da parte vencida nos autos. Fora disso, a atividade executiva está compreendida dentro do mesmo processo de conhecimento e não pode ser submetida a novas exigências financeiras sem base legal específica.
Do ponto de vista prático, a exigência de taxa de desarquivamento como requisito prévio à formulação do pedido de cumprimento de sentença pode inviabilizar a efetividade da tutela jurisdicional prestada, sobretudo em causas de menor valor, em que o custo da taxa supera o proveito econômico da execução. A desproporcionalidade entre o valor exigido e o serviço prestado ofende também o princípio da razoabilidade, previsto de forma implícita no artigo 5º, caput, da Constituição Federal, e desenvolvido amplamente na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
Em termos jurisprudenciais, o STF já decidiu em diversas oportunidades que a cobrança de taxas judiciais não pode comprometer o exercício de direitos fundamentais (RE 576.321/DF, com repercussão geral). Ainda que tais decisões não tratem diretamente da taxa de desarquivamento, o entendimento é aplicável por identidade de fundamentos, reforçando a tese da inconstitucionalidade da cobrança sem justa causa legal.
O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, tem reconhecido a inexistência de preclusão para o cumprimento de sentença não promovido no prazo de 15 dias estabelecido em despacho ordinatório. Em julgados recentes, a Corte reafirma que esse prazo não substitui o prazo prescricional legalmente fixado, e que a inércia inicial não impede o exercício posterior da pretensão executiva.
Em conclusão, a exigência de taxa de desarquivamento para viabilizar o cumprimento da sentença, dentro do prazo prescricional de cinco anos, configura medida ilegítima, inconstitucional e violadora dos princípios basilares do processo civil democrático. Trata-se de prática que oneraria indevidamente o exercício de um direito reconhecido, transformando uma providência administrativa da serventia em obstáculo à jurisdição.
A superação dessa distorção requer atenção crítica dos operadores do direito, impugnação ativa da exigência quando aplicada, e eventual uniformização jurisprudencial pelos tribunais superiores, de forma a reafirmar o compromisso do Poder Judiciário com a legalidade, a isonomia e a efetividade da tutela jurisdicional.
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