RESUMO: A cadeia de custódia, que anteriormente era regulamentada pela Portaria nº 82, de 16 de julho de 2014, da Secretaria Nacional de Segurança (SENASP), apenas foi inserida no Código de Processo Penal com a Lei Anticrime (Lei 13.964/2019). Tendo em vista a importância do tema, o presente trabalho tem como objetivo apresentar a implementação da cadeia de custódia no CPP, a sua relevância jurídica, a padronização das frases a serem cumpridas com o manejo da prova, a fim de demonstrar a necessidade de sua realização. A metodologia usada foi de pesquisa bibliográfica e explicativa, especialmente doutrinas, uso da legislação, jurisprudência, artigos e direito comparados. A pesquisa classifica-se como jurídico-normativa e o método de abordagem qualitativa e de processo descritivo, uma vez que se baseia na interpretação dos doutrinadores em relação ao instituto da cadeia de custódia pela Lei Anticrime. Apresentam-se as normas legislativas advindas com a Lei Anticrime, questionando a importância da incorporação da cadeia de custódia no Código de Processo Penal pelo Pacote Anticrime, a exigência de cumprimento do instituto, o regramento das etapas estabelecidas em lei e as consequências da quebra dos elos da cadeia de custódia. Nesse sentido, acredita-se que a cadeia de custódia implementada no CPP constitui significativo avanço processual e efetivação prática do instituto. Ademais, opina-se que, na ocorrência da quebra da cadeia, a prova contaminada deve ser desentranhada no processo, em observância aos princípios do contraditório e da ampla defesa. Dessa forma, a positivação da cadeia de custódia representa uma conquista, pois a sua exigência garante a concretização dos direitos da pessoa que está sendo investigada e das garantias constitucionais, e, noutro giro, verifica-se a necessidade de exclusão da prova nos autos, na presença de violação da quebra da cadeia de custódia.
Palavras-chaves: Cadeia de Custódia; Lei Anticrime (Lei 13.964/2019); Quebra da cadeia de custódia; Código de Processo Penal.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. A POSITIVAÇÃO DA CADEIA DE CUSTÓDIA PELA LEI 13.964/2019 E SUA RELEVÂNCIA JURÍDICA. 3. AS FASES QUE COMPÕEM A CADEIA DE CUSTÓDIA. 4. DAS CONSEQUÊNCIAS PROCESSUAIS DA QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA. 5. CONCLUSÃO. 6. REFERÊNCIAS.
A prova no processo penal constitui relevante instrumento a proporcionar a reconstrução histórica de um fato ocorrido no passado, constituindo-se como um conjunto de tarefas de verificação e demonstração que findará em torno da verdade mais próxima da dinâmica dos sucedidos. Por meio das provas produzidas o juiz exercerá sua atividade recognitiva, ou seja, conhecerá de um fato que desconhece e aplicará o direito no caso. A partir disso, tem-se a necessidade do mecanismo da cadeia de custódia que além de garantir a credibilidade das evidências coletadas e examinadas, assegura a sua correspondência ao caso investigado.
Sendo assim, a documentação formal da história cronológica da coleta de uma evidência ou de um vestígio constitui a chamada cadeia de custódia, a qual obsta a ocorrência de possíveis ingerências internas ou externas que podem culminar na incerteza do conjunto probatório.
A cadeia de custódia não possuía regulamentação expressa no Código de Processo Penal e os protocolos necessários no manuseio, preservação do local do crime, vestígios e evidências estavam dispostos na Portaria nº 82, de 16 de julho de 2014, da Secretaria Nacional de Segurança (SENASP). Diante da necessidade de sanar a lacuna legislativa, a inovação da Lei 13.964/2019, também conhecida como Pacote Anticrime, positivou de forma mais precisa os conceitos técnicos peculiares acerca da cadeia de custódia da prova no processo penal.
A exigência do cumprimento da cadeia de custódia e o cuidado do legislador em realizar a sua positivação no Código de Processo Penal tem fundamento para além da necessidade de impossibilitar o manuseio indevido da prova, pois estabelece um procedimento que assegura a prova dissociada dos elementos subjetivos que envolvem o agente que cometeu o crime.
Com efeito, diante da relevância da temática e dos avanços trazidos faz-se necessário aprofundar sobre a temática, debruçando-se, nesta pesquisa, sobre a importância da inserção da cadeia de custódia no CPP pela Lei 13.964/2019 umbilicalmente atrelada a preservação da prova em sede inquisitorial, bem como apresentar as possíveis consequências processuais da quebra do rito da cadeia de custódia.
Assim, considerando a inclusão do art. 158-A ao 158-F no Código de Processo Penal, busca-se apresentar o posicionamento dos autores em relação à normatização da cadeia de custódia, pois, acredita-se que representa significativo avanço processual, a fim de assegurar a documentação formal da cronologia do fato a ser investigado, conservando a sua idoneidade e certificar o exercício do contraditório e ampla defesa.
Ademais, questiona-se as consequências processuais da quebra da cadeia de custódia, uma vez que tanto as orientações jurisprudenciais quanto as vozes da doutrina dispõem acerca da ilicitude da prova e pelo seu desentranhamento, em razão da violação do contraditório, da ampla defesa e das disposições previstas no âmbito da cadeia de custódia.
Sendo assim, pesquisa em comento classifica-se como jurídico-normativa, haja vista a desarmonia observada dentro da ordem jurídica e para atingir o seu objetivo, utilizou-se de coleta bibliográfica, especialmente doutrinas, uso da legislação, jurisprudências, artigos e direito comparados.
O trabalho em apreço serviu-se do método de abordagem qualitativa e de processo descritivo, uma vez que se baseia na interpretação dos doutrinadores em relação ao instituto da cadeia de custódia pela Lei Anticrime.
Na primeira seção, apresentamos a positivação da cadeia de custódia no ordenamento jurídico brasileiro, pormenorizando a necessidade da normatização e os artigos introduzidos no Código de Processo Penal.
No mesmo capítulo, tratou-se da relevância processual do cumprimento dos protocolos da cadeia de custódia como meio de assegurar não apenas a fidelidade da prova ao fato, mas também o exercício da garantia prevista na Constituição Federal da ampla defesa e do contraditório.
A terceira seção analisa as fases da cadeia de custódia, as quais encontram-se expressas nos artigos 158-A a 158-F do Código de Processo Penal, apontando, brevemente, a positivação do regramento como possível modernização das investigações e perícias técnicas, vez que oferece metodologia tecnológica ao processo penal.
Por fim, no terceiro tópico, questionam-se as possíveis consequências da quebra da cadeia de custódia, apontando os entendimentos doutrinários sobre o tema.
Acredita-se que a implantação tardia da cadeia de custódia no Código de Processo Penal representa significativo avanço processual e efetivação prática do instituto, assegurando não apenas os direitos e garantias preceituados na Constituição Federal, mas também a documentação formal da cronologia do vestígio desde a sua coleta, garantindo a autenticidade da prova e, consectário lógico, a sua correspondência ao caso investigado pelo Estado.
A pesquisa apresenta o desentranhamento da prova como consequência da quebra da cadeia de custódia, haja vista que a violação dos protocolos estabelecidos na lei culminam na ilicitude da prova e tira a oportunidade da defesa de exercer o contraditório e a ampla defesa.
Dessa forma, o tema em testilha é relevante, porque a positivação da cadeia de custódia representa uma conquista processual, uma vez que os arts. 158-A a 158-F, do CPP, estabelecem as metodologias e os cuidados a serem empregados com o elemento probante angariado, umbilicalmente atrelado à exigência de cumprimento do instituto. De outra banda, apresenta-se as repercussões da quebra do elos da cadeia de custódia, pois quando caracterizada entende-se que há violação das garantias fundamentais ao ser realizada a valoração da prova contaminada e não a sua exclusão do processo.
2. A POSITIVAÇÃO DA CADEIA DE CUSTÓDIA PELA LEI 13.964/2019 E SUA RELEVÂNCIA JURÍDICA
A cadeia de custódia, na lição de Brasileiro (2020, p. 720) visa assegurar a idoneidade dos objetos e bens apreendidos, de modo a evitar qualquer tipo de dúvida quanto à sua origem e caminho percorrido durante a investigação criminal e subsequente processo criminal.
Disciplinam os autores acerca do conceito da cadeia de custódia:
a cadeia de custódia é considerada uma sucessão “de elos, que dizem respeito a um vestígio que, por sua vez, eventualmente, será considerado uma prova. Um elo é qualquer pessoa que tenha manejado esse vestígio. É dever do Estado - e, também, direito do acusado, identificar, de maneira coerente e concreta, cada elo, a partir do momento no qual o vestígio foi encontrado. Assim, fala-se em cadeia de custódia íntegra quando se fala em uma sucessão de elos provados”. (2016 aput EDINGER; MENEZES; BORRI; SOARES, 2018, p.282)
Dessa forma, o instituto da cadeia de custódia consubstancia-se em um procedimento formalmente documentado da história cronológica da uma evidência, a fim de evitar o manejo inadequado do elemento probatório e, assim, garantir o seu pertencimento ao caso investigado.
Conforme dispõe Brasileiro (2020, p. 718) a cadeia de custódia fundamenta-se no princípio da “autenticidade da prova”, um princípio básico pelo qual se entende que determinado vestígio relacionado à infração penal encontrado, por exemplo, no local do crime, é o mesmo que o magistrado está usando para formar o seu convencimento.
Com efeito, diante da cena de um crime é fundamental que o policial busque pelos vestígios que possuam relevância probatória. Sendo assim, para a correta investigação do fato é necessário o devido isolamento e preservação do local de crime, não apenas para assegurar o processo forense, mas também a fidedignidade do vestígio.
O vestígio é todo objeto ou material bruto, de interesse para elucidação dos fatos, constatado e/ou recolhido em local de crime ou em corpo de delito e que será periciado (Portaria nº 82/2014 - SENASP). Os vestígios, depois de coletados, são examinados pelos peritos e verificado que há liame com o fato tornam-se evidência ou indício.
Disciplina Michelle Moreira Machado (2017) que para que as evidências sejam admitidas como provas no processo, os vestígios devem ser coletados seguindo princípios e procedimentos especiais estabelecidos, anotando e fotografando, visando identificá-los e/ou descrevê-los minuciosamente, como o local de coleta. Nessa senda, vislumbra-se a indizível relevância da cadeia de custódia para assegurar a preservação e autenticidade da prova pericial no processo penal.
Em meados dos anos 90, nos Estados Unidos, a temática da cadeia de custódia ganhou repercussão com o caso de O. J. Simpson, ex-jogador de futebol americano nos Estados Unidos, que foi absolvido da acusação de ser executor do homicídio de sua ex-esposa e de um amigo dela (BRASILEIRO, 2020, p. 718). Sobre o caso, Michelle Moreira Machado (2017) aponta:
[...] mesmo diante de provas que demonstraram o envolvimento do jogador em um duplo homicídio, a defesa conseguiu a absolvição devido à preservação do local inadequada, aos procedimentos de coleta de vestígios incorretos em que ficaram evidentes falhas na cadeia de custódia.
No cenário internacional, os países Chile, Colômbia, Equador e Peru, muito à frente do Brasil, dispunham de manuais de cadeia de custódia, os quais previam todas as metodologias a serem adotadas, “desde a coleta, registro, posse, acondicionamento, individualização, transporte e guarda pericial” (MACHADO, 2017, p. 9).
No Chile, na década dos anos 90, o processo deixou de ser inquisitório para ser acusatório, mormente do âmbito probante, pois “estabeleceu parâmetros racionais de controle epistêmicos, com a finalidade da garantia da ‘autenticidade’ dos elementos probatórios” (Alexandre Cesar dos Santos, 2022, p. 17). A autora Michelle Moreira Machado (2017, p. 9) explica como funcionava, à época, em síntese, o procedimento da cadeia de custódia no Chile:
No Chile, as instituições que participam do processo da cadeia de custódia utilizam um formulário que possui um número único de evidência definido como “NUE”. Nesse formulário são documentados dados como: dia, hora, lugar em que foi identificada a evidência, assim como uma breve descrição dessa; observações, caso existam; nome, cargo e instituição de quem selecionou determinado elemento que será convertido em evidência. Essa pessoa, que faz a seleção da evidência, será a que deu origem à cadeia de custódia. As demais pessoas envolvidas, que recebem a evidência para transporte, análise ou custódia dessa, devem ter seus dados registrados também, assim como o dia, hora e lugar, todas as vezes em que se tenha procedido a alguma nova etapa.
Na mesma década, a Colômbia instituiu procedimentos de fidedignidade da prova, mediante Decreto, bem como nos anos de 2000 e 2004 nos Códigos Penais.
No âmbito nacional, a autora Ada Pellegrini Grinover (1982, p. 58) antes da década de 90 já prelecionava sobre a necessidade de normatização da prova, a fim de garantir a defesa individual:
Assim entendido, o rito probatório não configura um formalismo inútil, transformando-se, ele próprio, em um escopo a ser visado, em uma experiência ética a ser respeitada, em um instrumento de garantia para o indivíduo. A legalidade na disciplina da prova não indica um retorno ao sistema de prova legal, mas assinala a defesa das formas processuais em nome da tutela dos direitos dos acusados.
No Brasil, o termo cadeia de custódia não possuía previsão no Código de Processo Penal e havia apenas menção à atividade que deveria ser empregada pela autoridade policial ao deparar com a cena de um crime:
Art. 6o Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá:
I - dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o estado e conservação das coisas, até a chegada dos peritos criminais;
[...]
Art. 11. Os instrumentos do crime, bem como os objetos que interessarem à prova, acompanharão os autos do inquérito
Em 16 de julho de 2014, a temática foi regulamentada pela Portaria nº 82, da Secretaria Nacional de Segurança (SENASP), a qual já estabelecia diretrizes para a preservação do local do crime, elementos de prova e rastreamento de vestígios: “a cadeia de custódia é fundamental para garantir a idoneidade e a rastreabilidade dos vestígios, com vistas a preservar a confiabilidade e a transparência da produção da prova pericial até a conclusão do processo judicia” (BRASIL, 2014).
Na definição da Portaria nº 82, de 16 de julho de 2014, da Secretaria Nacional de Segurança (SENASP), em seu art. 1º, 1.1, a “cadeia de custódia é o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte”.
A portaria teve grande relevância para a cadeia de custódia no Brasil, pois padronizou o procedimento, estabeleceu conceitos e metodologias a serem seguidas para o rastreamento do vestígio. Segundo Alexandre Cesar dos Santos, 2022, p. 9), “a portaria era uma referência para as instituições policiais e as Perícias Oficiais”, pois a utilizavam para a coleta e preservação dos vestígios.
No ano de 2014, antes mesmo da Portaria nº 82/2014, da (SENASP), o Superior Tribunal de Justiça, no HC 160.662-RJ, discutiu a necessidade da cadeia de custódia para a validação da prova. À época a Polícia Federal realizou operação “Negócio da China” e foi determinada a interceptação das comunicações telefônicas. No decorrer das investigações uma fração das provas conquistadas pela interceptação telefônica foi perdida pela Polícia, e assim, a defesa não teve acesso ao conteúdo integral dos áudios. Frente à situação, o professor Geraldo Prado afirmou que houve “a perda da cadeia de custódia da prova”, o que configurou, no caso, o cerceamento da ampla defesa. Nesse sentido, pelo STJ, em habeas corpus foi concedida ordem para considerar nula a prova decorrente de interceptação telefônica e telemática, determinando-se ao juízo de primeiro grau, o desentranhamento integral do material colhido, bem como o exame da existência de prova ilícita por derivação, nos termos do art. 157, §§1º e §2º, do CPP (STJ, 6ª Turma, HC 160.662/RJ, Rel. Min. Assusete Magalhães, j. 18/02/2014, DJe 17/03/2014).
A necessidade de legislar sobre as regras gerais para a documentação da cadeia de custódia, como se vê, não era apenas uma exigência doutrinária, mas também jurisprudencial, uma vez que as consequências processuais da quebra do elo do instituto já eram uma realidade.
Apenas com o advento da Lei 13.964/2019, conhecida como Pacote Anticrime, a cadeia de custódia foi introduzida no Código de Processo Penal, nos arts. 158-A, 158-B, 158-C, 158-D, 158-E e 158-F, os quais reproduzem as diretrizes da Portaria nº 82, de 16 de julho de 2014, da Secretaria Nacional de Segurança (SENASP).
Frente à análise do regramento da cadeia de custódia, nota-se que o início se dará com a preservação do local de crime ou com procedimentos policiais ou periciais nos quais seja detectada a existência de vestígio (§1º). Assim, o agente público que reconhecer um elemento como de potencial interesse para a produção da prova pericial fica responsável por sua preservação (§2º).
É nesse cenário que Brasileiro (2020, p. 722) destaca que a partir da introdução da cadeia de custódia no ordenamento jurídico não há mais espaço para métodos ocultos e manipulação inadequada dos elementos probantes:
Todos esses dispositivos deixam transparecer que, doravante, já não haverá mais espaço para a admissão acrítica e cega das conclusões firmadas em laudos periciais, nem tampouco assertivas no sentido de que se presume a legitimidade dos atos praticados pelo Poder Público, pois a ordem jurídica convoca a jurisdição ao exame “da legalidade da atividade anterior, preparatória, indagando sobre a estrita legalidade da obtenção e preservação dos meios de prova – isto é, da escrupulosa legalidade do acesso às fontes de prova e da manutenção destas fontes em condição de serem consultadas, oportunamente, pelas partes”.
Para o autor Alexandre Cesar dos Santos (2022, p.15) a normatização do instituto da cadeia de custódia busca também o equilíbrio entre as partes em paridade de armas, garantindo que tenham acesso à complexidade das provas técnicas e, portanto, exercer a ampla defesa e o contraditório.
Já para o doutrinador Aury Lopes Júnior (2020, p.656) não se trata apenas de inclusão do regramento da cadeia de custódia no Código de Processo Penal, mas um meio que exigirá o cumprimento dos protocolos:
Essa exigência vai projetar efeitos no segundo momento – no processo – como forma de diminuir o espaço impróprio da discricionariedade judicial, fazendo com que a decisão não dependa da valoração do juiz acerca da interioridade/subjetividade dos agentes estatais, sob pena de incorrer numa dupla subjetividade com incontrolabilidade ao quadrado. Regras claras e objetivas são mecanismos de proteção contra o decisionismo.
Acerca da relevância da cadeia de custódia da prova os autores MENEZES; BORRI; SOARES (2018, p.285) dispõem:
Noutras palavras, o instituto da cadeia de custódia da prova é importante porque garante ao réu que todos os elementos que instruem a acusação foram obtidos em observância aos procedimentos legais, sobretudo porque, se assim não for, o Estado estará afrontando a garantia fundamental do indivíduo consubstanciada no devido processo legal, contraditório e ampla defesa.
No mesmo sentido é a ilação de Michelle Moreira Machado (2017, p. 11) ao concluir que “a cadeia de custódia é fundamental para a idoneidade e a rastreabilidade dos vestígios, preservando a confiabilidade e a transparência da produção da prova que possuirá robustez suficiente para propiciar sua admissão e permanência no elenco probatório”.
Na lição de Alexandre Cesar dos Santos (2022, p. 18) a introdução da cadeia de custódia e do rastreamento dos vestígios no ordenamento jurídico pela Lei Anticrime “tem por finalidade disciplinar o modus operandi dos agentes públicos ou privados na coleta, manejo e preservação dos vestígios captados no curso da persecução”. Nesse espeque, “estabelece uma sequência lógica de documentação do percurso da evidência que vai da coleta ao descarte, o que vai permitir ao juiz e às partes o controle epistêmico da fonte de prova.”.
A exigência do cumprimento da cadeia de custódia no processo penal garante o pleno exercício do contraditório, pois proporciona o rastreamento da prova colhida e a vigilância do histórico da prova, com o fim de conferir sua integridade e autenticidade. Dessa forma, a aplicação prática da cadeia de custódia nos casos investigados pelo Estado permite analisar se há ou não fiabilidade probatória nas diretrizes previstas no CPP.
Em 01/12/2021, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do HC 653515 decidiu pela absolvição do paciente em relação à prática do crime previsto no art. 33, caput, da Lei 11.343/2006, em razão da quebra do elo da cadeia de custódia. No caso, as drogas chegaram para a perícia em um saco de supermercado, fechado por um nó e desprovido de lacre, o que não permitia concluir com precisão, se a substância apreendida no local dos fatos foi a mesma apresentada para fins de realização do exame pericial, e por conseguinte, a mesma usada pelo Juiz sentenciante para lastrear o seu decreto condenatório. O Ministro Rogério Schietti Cruz entendeu que não foi adotada forma criteriosa pelas autoridades com o recolhimento dos elementos probatórios e com sua preservação; a cadeia de custódia do vestígio não foi implementada, o elo de acondicionamento foi rompido e a garantia de integridade e de autenticidade da prova foi, de certa forma, prejudicada. (HC n. 653.515/RJ, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 23/11/2021, DJe de 1/2/2022).
Recente caso julgado pelo Superior Tribunal de Justiça, em 05 de março de 2024, Recurso Especial nº 2024992 - SP, decidiu-se pelo provimento do recurso para: a) declarar a nulidade das provas obtidas mediante a busca e apreensão domiciliar realizada ilegalmente, bem como as provas dela decorrentes; b) quanto às drogas remanescentes, apreendidas durante a busca pessoal inicial, reconhecer a quebra da cadeia de custódia e a consequente incerteza quanto à natureza entorpecente dessas substâncias; e c) por conseguinte, absolver o Réu da imputação delitiva, por falta de comprovação da materialidade delitiva, com amparo no art. 386, inciso II, do Código de Processo Penal. Agravo em recurso especial não conhecido.
No ponto de maior relevância para essa pesquisa, foi verificada pela defesa a quebra da cadeia de custódia no caso mencionado alhures quanto à perícia realizada nas drogas apreendidas, o que foi devidamente reconhecido pelo STJ, em razão da não observância do art. 158-D§1º, do Código de Processo Penal:
RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO DE DROGAS. INGRESSO FORÇADO EM DOMICÍLIO. AUSÊNCIA DE FUNDADAS RAZÕES. ILICITUDE DAS PROVAS OBTIDAS. PROVAS INDEPENDENTES DECORRENTES DE BUSCA PESSOAL. INCONSISTÊNCIA QUANTO AO RESULTADO DA PERÍCIA DE PARTE DAS SUBSTÂNCIAS RECONHECIDA PELA CORTE DE ORIGEM. AUSÊNCIA DE NUMERAÇÃO INDIVIDUALIZADA DOS LACRES NA PERÍCIA DEFINITIVA. QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA. IMPOSSIBILIDADE DE DISTINÇÃO ENTRE AS SUBSTÂNCIAS APREENDIDAS EM DIFERENTES CONTEXTOS. INCERTEZA QUANTO À NATUREZA ENTORPECENTE DAS SUBSTÂNCIAS APREENDIDAS DURANTE A BUSCA PESSOAL INICIAL. ABSOLVIÇÃO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL PENAL. DECISÃO DE ADMISSIBILIDADE DO TRIBUNAL DE ORIGEM QUE ADMITIU PARCIALMENTE O APELO NOBRE. FALTA DE INTERESSE RECURSAL. SÚMULAS N. 292 E 528 DO STF. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
[...]
5. O Tribunal a quo consignou, quanto ao Laudo Definitivo, que "apenas os itens nºs 01 e 05 foram inconsistentes quanto ao resultado, tendo todos os outros itens e, portanto, todas as outras amostras, detectado a presença da substância Tetrahidrocannabinol (THC)". Porém, da simples leitura do Laudo Definitivo, constata-se que, diferentemente do que ocorrera no Laudo Provisório, todas as substâncias foram identificadas com a mesma numeração de lacre e as amostras conservadas para perícia definitiva têm massas idênticas, de forma que não é possível distinguir se as substâncias em relação às quais a perícia foi inconsistente – inconsistência essa já reconhecida pela Jurisdição ordinária no aresto recorrido – são as drogas apreendidas na residência do Recorrente ou durante a busca pessoal.
6. Nessa conjuntura, não foi observada a norma disposta no art. 158-D, § 1.º, do Código de Processo Penal, segundo a qual "[t]odos os recipientes deverão ser selados com lacres, com numeração individualizada, de forma a garantir a inviolabilidade e a idoneidade do vestígio durante o transporte".
7. Embora, em princípio, nem todas as provas sejam ilícitas por desrespeito à inviolabilidade domiciliar, de todo modo, em razão da falta de numeração individualizada do material objeto da perícia definitiva, não é possível comprovar, com segurança, a natureza entorpecente das substâncias encontradas na posse do agente, quando de sua abordagem em via pública, de forma que o Acusado deve ser absolvido por falta de materialidade delitiva (art. 386, inciso II, do Código de Processo Penal).
(REsp n. 2.024.992/SP, relator Ministro Teodoro Silva Santos, Sexta Turma, julgado em 5/3/2024, DJe de 15/3/2024.)
No mesmo sentido, julgou o Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial nº 2129908 - PR, em 11 de abril de 2024, relator Ministro Ribeiro Dantas. Na hipótese, um veículo foi alvo de ação fiscalizatória, na Ponte Internacional da Amizade na pista de entrada para o Brasil, no dia 27/11/2020. Na ocasião, foram encontradas, ocultas em fundo falso nas caixas de ar da longarina e na lanterna traseira do veículo, uma série de mercadorias de procedência estrangeira, internalizadas ilicitamente em território nacional. As mercadorias e o carro foram apreendidos pela Receita Federal e, no decorrer dos procedimentos, o referido automóvel acabou cedido ao 9ª Grupamento de Bombeiros em Foz do Iguaçu/PR para treinamentos. No dia 19/10/2021, durante instrução de simulação de resgate, os bombeiros militares serraram o veículo cedido, momento em que veio à tona um tablete pesando 610g (seiscentos e dez gramas) de substância análoga à maconha ainda presente na lataria do automóvel. Tendo em vista que o veículo pertencia ao recorrente, procederam à sua condenação pelo crime de tráfico de drogas. Ocorre que o veículo foi apreendido em 27/11/2020 e apenas no dia 19/10/2021, após a sua utilização por várias pessoas, a droga foi localizada. O veículo não foi objeto de perícia quando de sua apreensão e não foi adequadamente preservado pelas autoridades policiais. Sendo assim, não foi possível concluir de forma segura, que a droga foi colocada no automóvel pelo recorrente, razão pela qual, restou configurada a quebra da cadeia de custódia pela não preservação adequada do veículo, justificando o afastamento desta prova dos autos e a consequente absolvição do recorrente, por ausência de outros elementos probatórios da materialidade delitiva. (REsp n. 2.129.908, Ministro Ribeiro Dantas, DJe de 12/04/2024.)
Decisões como as apresentadas acima possibilitam o controle epistêmico de métodos ocultos, detalhes que, à primeira vista são imperceptíveis, mas ao ser assegurado à defesa o contraditório, ela consegue distinguir quais os métodos e protocolos empregados na colheita e perícia da prova, para assim, garantir o devido processo à pessoa investigada.
À disposição de (2021, p. 9):
O Estado não pode punir a qualquer custo, os fins não justificam os meios, caso contrário se volta à época do autoritarismo e da vingança pública. Contemporaneamente, o Estado como detentor do poder de investigar, julgar e punir deve agir conforme os ditames da lei. Sabe-se da dificuldade que muitos agentes Estatais (policiais, investigadores, peritos) têm na hora de achar vestígios materiais de um crime, até mesmo pela própria natureza do fato, bem como da pressão social e do próprio Estado em solucionar esse delito.
Nesse diapasão, a cadeia de custódia, positivada no Código de Processo Penal, pela inovação da Lei 13.694/2019, representa significativo avanço processual, pois além de ser uma garantia constitucional, assegurando o contraditório e ampla defesa, trás a exigência do regramento disposto em lei, de modo que seja realizada a documentação formal da história cronológica da prova coleta.
3. AS FASES QUE COMPÕEM A CADEIA DE CUSTÓDIA
As diretrizes da cadeia de custódia, conforme demonstrado em capítulo anterior, encontram-se expressas nos artigos 158-A a 158-F do Código de Processo Penal.
Nesse sentido, seguindo o procedimento, uma vez identificada a ocorrência de um crime, o primeiro passo da cadeia de custódia a ser adotado será a preservação do local do crime, e não sendo possível, empregará dos procedimentos policiais ou periciais nos quais seja detectada a existência de um vestígio, conceituado como “todo objeto ou material bruto, visível ou latente, constatado ou recolhido, que se relaciona à infração penal” (158-A, §3º). Sendo assim, tudo que for encontrado pela perícia e que tiver relação com a cena do crime, será considerado vestígio (exemplo: marcas, objetos, manchas, impressões digitais, entre outros).
Após a constatação do vestígio, caberá ao agente público a responsabilidade pela sua preservação (art. 158-A, §§1º a 3º).
Enquanto o vestígio possui conceito mais amplo, “a evidência se configura no vestígio, que após examinado pelos peritos se mostra diretamente relacionado com o fato investigado” (MACHADO, 2018, p. 24). Nessa senda, a evidência será um vestígio que, após ser analisado pelos peritos, possui verdadeira relação à infração penal que está sendo apurada.
Já o indício, possui definição estampada no Código de Processo Penal, em seu art. 239: “considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias”.
Conforme se observa, a evidência e indício possuem significados semelhantes, vez que se consubstanciam a partir da comprovação do liame à cena do crime.
Com efeito, a cadeia de custódia estabelece técnicas de coleta das evidências que serão empregadas a partir do isolamento e preservação da área do cometimento do crime.
Na lição de Avena (2020, p. 1047), “o estabelecimento da cadeia de custódia não tem lugar apenas em relação a perícias realizadas no curso das investigações criminais, mas, também, àquelas efetivadas no decorrer do processo criminal”.
Para melhor elucidar as fases da cadeia de custódia, esta pesquisa debruça-se na apresentação minuciosa das etapas, nos mesmos moldes do doutrinador Norberto Avena, 2020.
O art. 158-B estabelece as fases a serem seguidas para a produção da prova pericial, as quais, quando cumpridas, permitem o rastreamento do trajeto do vestígio, assegurando, portanto, a autenticidade da sua análise e idoneidade do laudo produzido. São pormenorizados os passos:
1 - Reconhecimento: ato de distinguir um elemento como de potencial interesse para a produção da prova pericial;
2 - Isolamento: ato de evitar que se altere o estado das coisas, devendo isolar e preservar o ambiente imediato, mediato e relacionado aos vestígios e local de crime;
Com o isolamento do local é proibida a entrada de pessoas, bem como a remoção de quaisquer vestígios de locais de crime antes da liberação por parte do perito responsável, sendo tipificada como fraude processual a sua realização (art. 158-C, §2º).
3 - Fixação: descrição detalhada do vestígio conforme se encontra no local de crime ou no corpo de delito, e a sua posição na área de exames, podendo ser ilustrada por fotografias, filmagens ou croqui, sendo indispensável a sua descrição no laudo pericial produzido pelo perito responsável pelo atendimento;
4 - Coleta: ato de recolher o vestígio que será submetido à análise pericial, respeitando suas características e natureza;
No ponto, ressalta-se a norma do art. 158-C, o qual determina que a coleta dos vestígios deverá ser realizada preferencialmente por perito oficial, que dará o encaminhamento necessário para a central de custódia, mesmo quando for necessária a realização de exames complementares, “assim considerados aqueles que não puderam ser realizados no ato da coleta, mas que revelam para a elucidação do fato objeto da perícia” (Avena, 2020, p. 1048).
As técnicas de coleta irão variar conforme o tipo de evidência, considerando-se a natureza do vestígio e demais aspectos que apresentar. São alguns exemplos: a) cabelos, fibras e pelos: “realizada com pinças e o acondicionamento é feito, individualmente, em envelopes de papel escuro acondicionado sob refrigeração (4º C)” (MACHADO, 2018, p. 30); b) roupas: “recolhidas individualmente e de preferência evitando o excesso de dobras. O acondicionamento deve ser realizado em envelopes de papel escuro ou caixas de papelão apropriados”, sob refrigeração (MACHADO, 2018, p. 30); c) armas de fogo: “impressões papilares e ainda ao que se refere à proteção da alma dos canos, evita-se a introdução, no interior destes, de objetos sólidos como arames, pregos, hastes metálicas etc.” (MACHADO, 2018, p. 30); d) fragmentos de pintura de veículos: coleta deve ser feita com espátula especial; e) sangue: se apresentar forma seca, a coleta será por meio de raspagem do conteúdo ou diluição em soro fisiológico. Caso o sangue apresente em forma líquida, os peritos irão utilizar de seringas; f) impressões digitais: quando presentes em papel, haverá auxílio de pinças e quando presentes em objetos ou armas “é dada atenção à preservação das impressões papilares evitando o manuseio pelas bordas ou regiões de possíveis contatos” (MACHADO, 2018, p. 30).
Em continuidade, novo termo trazido no artigo mencionado alhures é “central de custódia”, local designado para a guarda e controle dos vestígios (art. 158-E). Na central de custódia, a entrada e a saída de vestígio deverão ser protocoladas, consignando-se informações sobre a ocorrência no inquérito que a eles se relacionam (art. 158-E, §2º).
5 - Acondicionamento: procedimento por meio do qual cada vestígio coletado é embalado de forma individualizada, de acordo com suas características físicas, químicas e biológicas, para posterior análise, com anotação da data, hora e nome de quem realizou a coleta e o acondicionamento;
Aqui, o art. 158-D estabelece que a natureza do material determinará o recipiente em que o vestígio será acondicionado, o qual deverá ser selado com lacres, com numeração individualizada, de forma a garantir a inviolabilidade e a idoneidade do vestígio durante o transporte (§1º). A lei determina que o recipiente deverá individualizar o vestígio, preservar suas características, impedir contaminação e vazamento, ter grau de resistência adequado e espaço para registro de informações sobre seu conteúdo (§2º). O ato de abertura do recipiente apenas poderá ser feito pelo perito que vai proceder à análise e, motivadamente, por pessoa autorizada (§3º). Após cada rompimento de lacre, deve se fazer constar na ficha de acompanhamento de vestígio o nome e a matrícula do responsável, a data, o local, a finalidade, bem como as informações referentes ao novo lacre utilizado (§4º). No caso de rompimento de lacre, o recipiente deverá ser acondicionado no interior de novo recipiente, em que deverão ser adotadas as mesmas restrições (§5º).
6 - Transporte: ato de transferir o vestígio de um local para o outro, utilizando as condições adequadas (embalagens, veículos, temperatura, entre outras), de modo a garantir a manutenção de suas características originais, bem como o controle de sua posse;
7 - Recebimento: ato formal de transferência da posse do vestígio, que deve ser documentado com, no mínimo, informações referentes ao número de procedimento e unidade de polícia judiciária relacionada, local de origem, nome de quem transportou o vestígio, código de rastreamento, natureza do exame, tipo do vestígio, protocolo, assinatura e identificação de quem o recebeu;
8 - Processamento: exame pericial em si, manipulação do vestígio de acordo com a metodologia adequada às suas características biológicas, físicas e químicas, a fim de se obter o resultado desejado, que deverá ser formalizado em laudo produzido por perito;
O material coletado, após ser enviado para a central da cadeia de custódia e sendo necessária a realização de outros exames, deverá ser concedido ao perito para análise e, posteriormente, devolvido à central de custódia, devendo nela permanecer (158-F, caput).
9 - Armazenamento: procedimento referente à guarda, em condições adequadas, do material a ser processado, guardado para realização de contraperícia, descartado ou transportado, com vinculação ao número do laudo correspondente;
Conforme já mencionado, o armazenamento compete à central de custódia, contudo, caso a central de custódia não possua espaço ou condições de armazenar determinado material, deverá a autoridade policial ou judiciária determinar as condições de depósito do referido material em local diverso, mediante requerimento do diretor do órgão central de perícia oficial de natureza criminal (158-F, parágrafo único).
Ainda em relação ao armazenamento, a fim de garantir a preservação do vestígio é necessário que haja o registro (data e hora) de todas as pessoas que tiverem acesso ao vestígio (158-E, §3º). Por ocasião da tramitação do vestígio armazenado, todas as ações deverão ser registradas, consignando-se a identificação do responsável pela tramitação, a destinação, a data e horário da ação (158-E, §4º).
10 - Descarte: procedimento referente à liberação do vestígio, respeitando a legislação vigente e, quando pertinente, mediante autorização judicial.
Para o autor Alexandre Cesar dos Santos (2022, p. 27), a positivação dessas fases da cadeia de custódia no Código de Processo Penal representa, dentre as suas finalidades, a modernização das investigações e perícias técnicas, pois “essa modificação legislativa padroniza as etapas e estabelece os protocolos da colheita de vestígios, rastreamento, armazenamento e descarte das provas, o que traz uma metodologia tecnológica para o processo penal constitucional”.
Nos dias atuais, as investigações policiais e do Ministério Público necessitam cada vez mais de procedimentos que demandam alta tecnologia, como interceptações telefônicas, rastreio de celulares, IMEI, IP, gravações ambientais, GPS, análise de DNA e impressões digitais. Com efeito, a cadeia de custódia é, indubitavelmente, de grande importância para a preservação dos vestígios.
No ponto, o artigo Sistema de justiça criminal: cadeia de custódia no contexto das provas digitais (parte final) dispõe acerca da fragilidade da prova digital, vez que há “possibilidade de alteração do seu conteúdo ou mesmo do seu desaparecimento pela simples manipulação descuidada ao acessar ou gravar dados”. Por isso é de suma relevância o cumprimento dos procedimentos elencados acima para manter a cadeia de custódia, demonstrando-se durante o trâmite do processo que foram adotados os métodos adequados. Sobre a volatilidade da prova digital observa David Ramalho:
A especial fragilidade e volatilidade da prova digital resulta na necessidade de uma resposta célere e tecnicamente qualificada, não só, como se referiu, para preservação da cadeia de custódia, mas também para tornar possível o acesso a dados de outro modo dificilmente acessíveis, como sejam dados cifrados ou dados, em geral, invisíveis ao utilizador comum. Pense-se, por hipótese, na recolha do metadata, isto é, na extracção de dados sobre dados, como sejam a data e hora em que o ficheiro foi criado, modificado, acedido e/ou escrito, quem tinha permissão para a ele aceder, qual o nome constante do computador/software do seu autor e/ou da última pessoa que o editou e, no caso dos e-mails, quem foram os destinatários incluídos em blind carbon copy (bcc). Em certos casos, se estivermos perante fotografias, o próprio ficheiro pode conter o número de série da máquina fotográfica utilizada, bem como detalhes acerca da garantia desse aparelho, ou mesmo, em máquinas mais modernas, em smartphones ou tablets, poderá permitir o acesso a geo-tags que revelam a localização do aparelho que captou a imagem no momento em que a fotografia foi tirada. (AVELAR, Daniel Ribeiro Surdi de; SAMPAIO, Daniel; MUNIZ, Gina Ribeiro Gonçalves; SILVA, Rodrigo Faucz Pereira e. Sistema de justiça Criminal: cadeia de custódia no contexto das provas digitais (parte final). Consultor Jurídico, 2024. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2024-abr-06/sistema-de-justica-criminal-cadeia-de-custodia-no-contexto-das-provas-digitais-final/.)
Conforme apresenta Alexandre Cesar dos Santos (2022. p. 30):
a investigação criminal deve ter seus métodos científicos próprios de cada perícia, com suas técnicas de colheitas de vestígios em locais de crimes com a finalidade de produzir provas legais, livres de adulteração e extravios para resguardar as fontes de provas. Sendo assim, a positivação da cadeia de custódia da prova no processo penal representa um enorme ganho para a persecução penal, já que estabelece “controles epistêmicos” na produção probatória por métodos ocultos das perícias técnicas, como tutela de garantias processuais e o direito fundamental à produção da prova lícita.
Nesse viés, o estabelecimento dos protocolos acima apresentados assegura não apenas a autenticidade da prova, mas também a modernização das investigações no âmbito penal.
4. DAS CONSEQUÊNCIAS PROCESSUAIS DA QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA
Diante do já mencionado, a cadeia de custódia inserida no Código de Processo Penal pela inovação da Lei 13.964/2019 representa significativo avanço processual, pois constitui instrumento fundamental para garantir a autenticidade e rastreabilidade dos vestígios, resguardando a sua idoneidade e clareza na produção da prova. Também foi apontado que a ocorrência de irregularidades na história cronológica da cadeia de custódia culmina na quebra do regramento estabelecido em lei.
Diante disso, a pesquisa dedica-se, neste capítulo, às consequências processuais da quebra da cadeia de custódia. As provas que não foram manuseadas de forma correta poderão incorporar o processo ou deverão ser consideradas ilícitas? Haverá desentranhamento das provas consideradas ilícitas? Sempre haverá nulidade ou deverá ser analisado o prejuízo na situação concreta?
Não há na legislação penal previsão quanto às medidas que devem ser adotadas na presença da quebra da cadeia de custódia, enquanto que na doutrina e na jurisprudência há entendimentos diversos. Há aqueles que defendem que a quebra da cadeia de custódia não acarreta a nulidade do laudo pericial, e sim, grande redução de seu valor probante. Por outro lado, outros afirmam que a quebra interfere na confiança da prova, tornando nulo o laudo pericial realizado a partir da violação da cadeia de custódia, de modo que não pode ser utilizado pelo juiz.
Nesse sentido é a compreensão de Avena (2020, p. 1053) “na medida em que essa quebra interfere na confiabilidade da prova, fica invalidado o laudo pericial produzido a partir da inobservância da cadeia, não podendo, então, ser utilizado como fator de convicção do juiz”. Como defende, ao contrário de outros entendimentos que serão apresentados: “a ocorrência de situações que impeçam a preservação da história cronológica dos vestígios em cada uma das etapas daquela cadeia implica na ilicitude da prova materializada no laudo pericial e não apenas na redução de seu valor probante”.
Conforme apresenta Rafael Ramos (2021):
Os avanços ocorridos na seara probatória no processo penal visam modificar a base empírica que sustenta a acusação penal, haja vista que quando a acusação traz as provas para que o juiz receba ou não a denúncia/queixa, o que se tem na verdade são meras evidências que não passaram pelo crivo do contraditório. É preciso ter em mente que essas evidências, apesar de serem ainda inferências probatórias, mexem com a subjetividade do julgador (PRADO, 2014).
Com efeito, consistindo a cadeia de custódia como conjunto de procedimentos utilizados para o manuseio, acondicionamento e documentação da história cronológica do vestígio, a quebra dos elos evidencia a violação da conservação correta das provas. Cabe ao Estado assegurar a todas as pessoas que as provas amealhadas na persecução penal sejam adequadamente custodiadas para viabilizar o contraditório sobre elas ou possibilitar a hesitação sobre a confiabilidade da prova (MENEZES; BORRI; SOARES (2018).
No ponto, dispõe Menezes; Borri; Soares (2018, p. 17):
a falta de cronologia acerca da existência da prova faz com que não mais se possa falar na confiabilidade daquele material, seja na perspectiva de sua existência ou do manuseio pelas autoridades legais, impedindo, por consequência, que o acusado tenha a possibilidade de desempenhar o exercício da defesa à luz de toda a principiologia constitucional. Se houve a quebra da cadeia de custódia e, por consequência, a perda da credibilidade da prova, que ao ser apreendida, por exemplo, não foi acondicionada de forma adequada, ela será considerada ilícita.
Conforme dispõe Matida, 2020:
Finalmente, não se pode perder de vista os perniciosos efeitos advindos da cultura do aproveitamento de irregularidades. O entendimento de que dever-se-ia admitir como elementos probatórios vestígios cujas cadeias de custódia tenham sido quebradas gera incentivo indesejável aos agentes responsáveis pela investigação preliminar. A mensagem seria de que é desnecessário modificar a forma como investigam; que as reformas sistêmicas poderiam continuar a ser ignoradas. Num cenário em que a opção é pelo aproveitamento das irregularidades, cabe reconhecer que o que se preserva é a ânsia por condenações - esta sim, custodiada da investigação à decisão de mérito.
Nessa senda, a aceitação de provas derivada de irregularidades vai de encontro ao sistema acusatório e promove a condenação a todo custo. Sendo assim, o regramento da cadeia de custódia não promove apenas a exigência de documentação cronológica da prova, mas também a modernização da investigação e de como angariar provas, demonstrando, de forma, irrefutável, que os elementos probantes colhidos irregularmente não são admitidos na persecução penal.
Esse é o entendimento do doutrinador Aury Lopes Jr (2020, p. 661) ao dispor que a quebra da cadeia de custódia culmina na proibição de valoração da prova:
Questão final é: qual a consequência da quebra da cadeia de custódia (break on the chain of custody)? Sem dúvida deve ser a proibição de valoração probatória com a consequente exclusão física dela e de toda a derivada. É a “pena de inutilizzabilità” consagrada pelo direito italiano. Mas é importante que não se confunda a “teoria das nulidades” com a “teoria da prova ilícita”, ainda que ambas se situem no campo da ilicitude processual, guardam identidades genéticas distintas. É por isso que não se aplicam às provas ilícitas as teorias da preclusão ou do prejuízo. Esse é um diferencial crucial, não raras vezes esquecido.
Para o professor Brasileiro (2020, p. 723), diante do regramento da cadeia de custódia pela Lei 13.964/19, “eventual violação sistemática adotada pelos arts. 158-A a 158-F do CPP poderá acarretar a ilegitimidade da prova, haja vista a violação a regras de direito processual, com a consequente aplicação da teoria das nulidades”.
No mesmo sentido, preleciona Geraldo Prado:
[...] se sabe que as nulidades constituem técnicas destrutivas de efeitos de muito menor intensidade que aquelas que decorrem da inadmissibilidade jurídica de determinado ato, que é o regime jurídico das provas ilícitas conforme a nossa Constituição. Assim é que, se ambas as categorias integram o gênero específico da invalidade dos atos processuais [...], a possibilidade de os atos nulos serem saneados enfraquece a função normativa de proteção que é da essência do processo penal. [...] Por isso, no campo das proibições de prova, marcadas pelo valor superior da dignidade da pessoa humana, a tendência dos ordenamentos jurídicos é de não se contentar com o regime das nulidades. (PRADO, 2019, p. 126)
Com efeito, a aplicação da teoria das nulidades enfraquece a cadeia de custódia, visto que seus efeitos não são suficientes à grande relevância do procedimento.
O entendimento da ilicitude da prova é admitido em razão da inviabilidade “de se refazer o caminho empregado no meio de investigação que resultou na obtenção da prova, de modo que não seria possível praticar o ato investigativo/probatório novamente” (MENEZES; BORRI; SOARES, 2018, p. 16/17). Nessa conjuntura, não há espaço para aplicação da teoria das nulidades e/ou valorização da prova, pois a conclusão é determinante “exclusão do material com todas as suas consequências de não conhecimento pelo magistrado” (MENEZES; BORRI; SOARES, 2018, p. 16/17).
Neste âmbito, a Constituição Federal, em seu art. 5º, LVI, prevê que são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos e o Código de Processo Penal, reproduziu a norma em seu art. 157 e acrescentou: “são inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais”.
Portanto, conforme expõe Meneses; Borri; Soares (2018, p. 18):
De qualquer forma, observa-se que a cadeia de custódia violada gerará a exclusão do material probatório colhido sem o respeito aos procedimentos legais existentes, de modo que naturalmente não poderá ser objeto de qualquer valoração pelo magistrado. Além disso, deve-se examinar, ainda, quais eventuais provas decorrentes daquela considerada ilícita deverão ser excluídas do processo, sem a possibilidade de emprego, comprovando-se a diligência que deve ser empregada pelas autoridades legais em relação à prova.
Ademais, a ausência de participação da defesa na fase pré-processual umbilicalmente atrelada a quebra da cadeia de custódia coloca em clara evidência dúvidas acerca da veracidade e legalidade, e, em observância ao princípio do in dubio pro reo, caracterizada a ilicitude da prova, esta deve deverá ser desentranhamento dos autos não podendo ser considerada no momento da sentença (BERNACCHI; RODRIGUES, 2018, p.18).
O autor Alexandre Cesar dos Santos (2022, p. 24) aponta fragmento do entendimento de Gustavo Badaró:
[...] Gustavo Badaró (2017, p. 535) defende que não é qualquer vício na cadeia de custódia da prova que leva à ilicitude ou à ilegitimidade da prova, o que seria inadmissível no processo. Para o autor, é no caso concreto que as omissões ou as irregularidades leves são verificadas quanto à modificação da fonte da prova, que podem levar à adulteração ou à substituição do resultado da prova. Diante disso, a solução se dará no momento da valoração da prova, haja vista que a cadeia de custódia da prova não é a prova em si, mas “uma prova sobre prova”.
Nesse sentido, diante da perspectiva supramencionada, na ocasião de quebra da cadeia de custódia deverá ser feita a valoração da prova, pois a mera irregularidade ou omissão, não acarreta, automaticamente, a ilicitude da prova. Contudo, se a violação for tamanha que não seja possível extrair certeza, as evidências deverão ser excluídas dos autos. Assim dispõe Alexandre Cesar dos Santos (2022, p.24):
Pode-se discernir que não é qualquer vício do elo da cadeia de custódia que dará ensejo à exclusão do vestígio, posto que a mera irregularidade burocrática não tem o condão de contaminar a evidência e falsear a verdade. Por outro lado, se houve a contaminação do vestígio a ponto de não se ter a certeza, o suporte probatório deverá ser excluído dos autos do processo, já que o ordenamento jurídico não tolera a prova ilícita, em homenagem aos direitos e garantias fundamentais.
Em consonância, é a lição do autor Nucci (2020, p. 708) ao afirmar que “a infração a normas da cadeia de custódia gera uma nulidade relativa, passível de demonstração de prejuízo pela parte que se sentir prejudicada”.
Acompanha o mesmo entendimento o autor Pacelli (2021, p. 550), prelecionando que eventual falha nos procedimentos estabelecidos no art. 158-D do Código de Processo Penal não importará na inutilidade/inviabilidade da prova:
Desde já registramos que eventual falha nos procedimentos aqui previstos não importará automaticamente na inutilidade/invalidade do vestígio como elemento probatório para utilização no bojo de procedimento investigatório ou ação penal, embora esta seja a consequência na maioria dos casos. A eventual ausência de uma parte desse procedimento não necessariamente invalidará a prova coletada, que poderá ser analisada no contexto com as demais partes do procedimento de sua produção. Exemplificando: não é a ausência eventual do lacre retirado anteriormente dentro do novo recipiente que implicará a invalidade do vestígio coletado. Há de se analisar se o erro procedimental é suficiente, por si só, para contaminar o resultado da perícia de tal forma que seu resultado não possa ser tido como confiável.
Contudo, considerando que o direito penal é a ultima ratio, e assim, atuará apenas nos casos de maior complexidade, no âmbito da cadeia de custódia entende-se que é necessário o cumprimento fiel dos procedimentos revertidos em lei, de modo que o processo seja estruturado com coerência e robustez probatória, garantindo ainda a equivalência na paridade de armas.
Dessa forma, a valoração da prova não encontra espaço quando a quebra da cadeia de custódia promove prejuízo ao contraditório, pois, a defesa não terá acesso ao conteúdo integral da história cronológica do elemento probante colhido.E via de consequência, vê-se a caracterização de insegurança jurídica, vez que ao ser relativizada, aquebrandatada as garantias individuais de todo e qualquer cidadão. No ponto, Rafaela Ramos (2021, p. 15) apresenta:
Geraldo Prado continua seu entendimento e discorre que até que o direito brasileiro disponha de forma explícita acerca das consequências da violação da cadeia de custódia das provas, deve-se retirar uma conclusão a partir da importância que o contraditório possui dentro do sistema processual penal brasileiro. Assim, uma vez que o contraditório tem caráter constitucional de validar os atos processuais, quando a cadeia de custódia for quebrada, tem-se que o contraditório também fora violado e, dessa forma, torna essas provas ilícitas (PRADO, 2019).
Na lição de Giacomelli (2016, p. 171) “as fontes de prova mantêm a sua funcionalidade mesmo após terem sido documentados os elementos de prova, em face da dinamicidade do contraditório e da possibilidade de ser desfeita a coisa julgada no processo penal, sempre pro reo”. O autor ainda apresenta um caso que foi julgado na Convenção Interamericana de Direitos Humanos no ano de 2015, época em que, ainda que não houvesse o regramento da cadeia de custódia, já se observava que a quebra do instituto acarreta na irregularidade da prova (Giacomelli, 2016, p. 171/172):
A CIDH, no Caso Velásquez Paiz e Outros vs. Guatemala (2015), constatou uma série de irregularidades na colheita e conservação da prova, desde o encontro do corpo da vítima. Assentou o dever de realização de diligências mínimas e indispensáveis à conservação dos elementos de prova que possam contribuir ao êxito da investigação, preservando-se a cadeia de custódia (item 150 da sentença). No que tange à cena do crime, os investigadores devem: fotografar o local e qualquer outra evidência; fotografar o corpo, como foi encontrado e depois de movido do lugar; recolher as amostras de sangue, cabelos, fibras ou outras pistas; examinar a área, com o fito de buscar marcas de pisadas ou de qualquer outra evidência; realizar um relatório circunstanciado do levantamento feito; conservar o local, mantendo-o sob custódia permanente, evitando a contaminação. A CIDH apontou as seguintes deficiências no caso: falta de documentação do encontro do corpo da vítima; manipulação do cadáver; incorreto manejo da cena do crime; irregularidades na preservação e documentação das evidências; irregularidades na necropsia e em sua documentação; falta de determinação da hora da morte; apesar de identificada, a vítima foi nominada de “XX”; irregularidades no reconhecimento médico forense (nº 157 e ss.). Podem ser consultados os seguintes casos, nessa perspectiva: Miguel Castro vs. Peru (2006), Defensor de Derechos Humanos vs. Guatemala, Luna López vs. Honduras (2013), Comunidad Campesina de Santa Bárbara vs. Peru (2015).
Nesse diapasão, diante dos entendimentos doutrinários apresentados, os quais, em grande maioria, entendem pela ilicitude da prova, pontua-se que na quebra da cadeia de custódia não há espaço para valoração da prova, pois as consequências do rompimento do elo devam ser a não aceitação dos elementos probatórios, com consequente desentranhamento do processo.
A prova, no processo penal, representa os meios aplicados para a demonstração de fatos criminosos que ocorreram no passado e que estão sendo investigados. Será por meio das provas a reconstrução histórica de um fato ocorrido, a qual permitirá atingir, com a maior verossimilhança possível, a verdade sobre a dinâmica dos fatos.
O processo penal se estrutura a partir das provas e, na medida que o Ministério Público oferece denúncia com base no que há de elementos probantes angariados, à defesa será oportunizado produzir as melhores teses que se enquadram ao caso com base nas provas e o juiz proferirá o julgamento baseando-se no que é oferecido pelo arcabouço probatório.
Sendo assim, levando-se em conta o papel que a prova exerce dentro do processo penal, não se pode admitir que ela não seja colhida ao bel prazer, sendo necessário o estabelecimento de regras e etapas pontuais, a fim de garantir a credibilidade das evidências coletadas e examinadas, bem como a sua correspondência ao caso investigado.
Esse regramento de protocolos e metodologias a serem empregadas nos vestígios e, posteriormente, elementos de provas, é denominado cadeia de custódia, a qual até o ano de 2019 era regulamentada apenas pela Portaria nº 82, de 16 de julho de 2014, da Secretaria Nacional de Segurança (SENASP). Com a inovação da Lei 13.964/2019, também conhecida como Pacote Anticrime, a cadeia de custódia foi introduzida no Código de Processo Penal pelos arts. 158-A a 158-F.
A cadeia de custódia constitui-se como um procedimento que permite a documentação formal da história cronológica da uma evidência, com escopo de garantir a confiabilidade e autenticidade da prova, impedindo o manejo inadequado da prova.
Diante do exposto na primeira parte, no âmbito internacional, muito à frente do Brasil, a cadeia de custódia encontra-se em significativo avanço, vez que países como Chile, Colômbia, Equador e Peru, gozavam de manuais que estabeleciam aos procedimentos a serem empregados desde a coleta do vestígio até seu acondicionamento e realização de perícia.
No Brasil, a cadeia de custódia já era reclamada pela doutrina e pela jurisprudência antes mesmo da sua regulamentação pela Portaria nº 82/2014, (SENASP). É devido a isso e tantos os outros entendimentos apresentados que a introdução da cadeia de custódia no ordenamento jurídico representa significativo avanço processual.
Consoante já mencionado, as metodologias da cadeia de custódia dispostas no CPP, promovem um rito a ser seguido pelos agentes públicos e permitem todo o rastreamento documental da prova, garantindo, portanto, o correto cumprimento da cadeia de custódia. Por meio disso, é assegurado, no processo penal, um julgamento justo, obedecendo aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório.
Foram abordadas as disposições dos art. 158-B, o qual padroniza as estampas a serem cumpridas com a prova, combinando as disposições com as demais trazidas nos arts. 158-C a 158-F. Observou-se que o primeiro ato ao deparar com a cena de um crime é o isolamento do local, proibindo a entrada de pessoas diversas da investigação. Por conseguinte, deve-se proceder à coleta dos vestígios e empenhar todos os cuidados e protocolos que se seguem, desde acondicionamento na central de custódia, transporte e realização de exame pericial.
Adiante, na terceira parte, foram apresentados os entendimentos doutrinários acerca da quebra da cadeia de custódia. No ponto, demonstrou-se que há dois entendimentos, em que enquanto um defende que a quebra da cadeia de custódia não acarreta, automaticamente a ilicitude da prova, devendo ser realizada a valoração da prova, a outra corrente aponta que as provas contaminadas pelo irregular manuseio devem ser excluídas/desentranhadas do processo.
Foi exposto que a quebra da cadeia de custódia, para grande parte dos autores apresentados, acarreta a ilicitude da prova, pois a partir do momento que não há como ter conhecimento integral da cronologia da prova ou de como ela foi manuseada, ela está contaminada e, assim, não poderá ser utilizada como elemento probante. Para além, observou-se que na hipótese resta prejudicado o exercício do contraditório e da ampla defesa, sendo medida mais adequada o desentranhamento do processo.
Para outra parte dos autores, conforme exposto, ao ser identificado a quebra da cadeia de custódia, para que seja determinada a exclusão da prova é necessário a demonstração de efetivo prejuízo no processo.
Dessa forma, ainda que a implementação da cadeia de custódia tenha sido tardia, ela efetiva o princípio do contraditório, da ampla defesa e da segurança jurídica, ao possibilitar que o processo penal seja um instrumento com finalidade de evitar violações e salvaguardar garantias.
Nesse diapasão, frente ao exposto no trabalho, não há dúvidas da importância da inserção do instituto da cadeia de custódia no Código de Processo Penal, pois consolida a exigência de seu cumprimento e promove a efetivação das garantias das pessoas investigadas e do processo penal.
AVELAR, Daniel Ribeiro Surdi de; SAMPAIO, Daniel; MUNIZ, Gina Ribeiro Gonçalves; SILVA, Rodrigo Faucz Pereira e. Sistema de justiça Criminal: cadeia de custódia no contexto das provas digitais (parte final). Consultor Jurídico, 2024. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2024-abr-06/sistema-de-justica-criminal-cadeia-de-custodia-no-contexto-das-provas-digitais-final/. Acesso em: 20. abril 2024.
BERNACCHI, Paulo Eduardo Elias; RODRIGUES, Anderson Rocha. As garantias constitucionais e a cadeia de custódia das provas no processo penal. Revista do Curso de Direito da UNIABEU, [S. l.], v. 10, n. 1. p. 13-31, 2018
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Advogada. Graduada em Direito pelo Centro Universitário de Viçosa – UNIVIÇOSA. Pós-graduada em Ciências Criminais pela Faculdade Prominas de Montes Claros. Pós-graduanda em Sistema Prisional e Execução Penal pela Faculdade Prominas de Montes Claros. Pós-graduanda em Direitos Humanos e Ressocialização pela Faculdade Prominas de Montes Claros.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: REZENDE, Ana Carolina Santos. A positivação da cadeia de custódia no código de processo penal: da relevância jurídica e consequências processuais na obtenção da prova na fase pré-processual Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 maio 2025, 04:56. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/68673/a-positivao-da-cadeia-de-custdia-no-cdigo-de-processo-penal-da-relevncia-jurdica-e-consequncias-processuais-na-obteno-da-prova-na-fase-pr-processual. Acesso em: 14 ago 2025.
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