JANDERSON GABRIEL DE FROTA JANUÁRIO[1]
(orientador)
RESUMO: O presente estudo busca examinar a relevância da educação no processo de reintegração de pessoas condenadas, ressaltando sua eficácia como ferramenta para mudanças sociais e recuperação da dignidade humana. A análise é baseada na Constituição Federal de 1988, na Lei de Execução Penal e na Lei nº 12.433/2011, que trata da redução de pena por meio de estudo. Com uma abordagem qualitativa e uma metodologia de revisão bibliográfica, a pesquisa mostra que a disponibilização de educação formal e adicional nas prisões é um fator importante para diminuir a reincidência criminal e facilitar a reintegração social dos presidiários. Apesar do progresso nas leis, observa-se uma clara falta de políticas públicas eficazes que assegurem o acesso à educação nas penitenciárias brasileiras, em razão da superlotação, da carência de infraestrutura e da baixa prioridade dada pelo governo. O estudo conclui que, apesar de a legislação apoiar o direito à educação dos detentos, sua implementação é ainda restrita e requer um maior empenho do estado, e a falta no empenha em encontrar uma melhoria nas políticas públicas relacionadas a ressocialização de presos representa um retrocesso no cenário global atual. Nesse cenário, a educação deve ser vista não como uma vantagem, mas como um direito fundamental inalienável, capaz de promover tanto a recuperação da cidadania quanto uma sociedade mais justa e segura.
Palavras-chave: Direitos Fundamentais; Constituição Federal; Preso; Remissão; Pena; Educação.
ABSTRACT: This study examines the importance of education in the process of reintegrating convicted individuals, highlighting its effectiveness as a tool for social transformation and the restoration of human dignity. The analysis is based on the Federal Constitution of 1988, the Law of Criminal Enforcement, and Law No. 12.433/2011, which provides for sentence reduction through education. Using a qualitative approach and bibliographic review methodology, the research demonstrates that the provision of formal and supplementary education in prisons is a key factor in reducing recidivism and facilitating the social reintegration of inmates. Despite legislative progress, there is a clear lack of effective public policies to ensure access to education in Brazilian penitentiaries, due to overcrowding, inadequate infrastructure, and low government prioritization. The study concludes that, although the legal framework supports the right to education for inmates, its implementation remains limited and requires greater state commitment. In this context, education should be viewed not as a privilege, but as an inalienable fundamental right, capable of promoting both the recovery of citizenship and the construction of a fairer and safer society.
Keywords: Fundamental Rights; Federal Constitution; Prisoner; Sentence Remission; Punishment; Education.
INTRODUÇÃO
O presente artigo apresenta os resultados da pesquisa sobre a educação como instrumento de ressocialização de pessoas privadas de liberdade, que se caracteriza como uma investigação de natureza qualitativa, bibliográfica e descritiva
A pesquisa se justifica pela sua relevância jurídica, considerando o direito fundamental à educação assegurado pela Constituição Federal de 1988 e pela Lei de Execução Penal, e pela sua relevância social, diante dos altos índices de reincidência criminal e da necessidade de políticas públicas eficazes de reintegração.
O problema da pesquisa que orienta o presente estudo foi definido na pergunta de partida elaborada nos seguintes termos: “Qual é o papel da educação no processo de ressocialização de pessoas condenadas à prisão?” Essa pergunta de partida sugere a hipótese de que a educação no cárcere contribui significativamente para a redução da reincidência criminal e para o resgate da dignidade humana, o que deve ser confirmado ou refutado.
O objetivo geral da pesquisa é analisar a importância da educação na ressocialização de apenados. Os objetivos específicos foram assim definidos: 1) Examinar os fundamentos históricos legais da oferta educacional no sistema prisional brasileiro; 2) Analisar os efeitos da remição da pena pelo estudo na trajetória dos apenados; 3) Avaliar a efetividade das políticas públicas voltadas à educação nas prisões; enfrentados na implementação de programas educacionais no cárcere.
O referencial teórico referente ao tema, considerando o objetivo geral da pesquisa, está embasado nos trabalhos de Eduardo Bittar, autor da obra Curso de Direitos Humanos, e Rogério Greco, autor da obra Execução Penal, que evidenciam um posicionamento coerente com a temática. Na análise do primeiro dos objetivos específicos, o teórico que serve como base desta pesquisa é Immanuel Kant, autor da obra O Reino dos Fins e a Dignidade Humana, onde dá destaque para a compreensão da dignidade como valor intrínseco. Os objetivos específicos 2 e 3, que tratam da remição da pena e da efetividade das políticas públicas, têm como base os dados do INFOPEN e os estudos do IPEA. Por último, o quarto objetivo específico, que trata dos desafios estruturais da educação nas prisões, tem como base os relatórios da Pastoral Carcerária e as análises de Rodolfo Valente.
A metodologia adotada na presente pesquisa será bibliográfica quanto aos procedimentos técnicos, qualitativa quanto à abordagem, básica quanto à natureza e descritiva quanto aos objetivos.
Assim, o artigo está dividido em quatro seções e apresenta a seguinte estrutura no seu desenvolvimento: 1) Aspectos históricos e fundamentos da dignidade humana; 2) Análise da temática a lei de execução penal e a garantia à formação escolar; 3) A remição da pena pelo estudo.
Quanto à hipótese, a pesquisa demonstra a sua confirmação, ou seja, a educação exerce papel fundamental no processo de ressocialização do condenado, contribuindo para sua dignidade, autonomia e reintegração social.
2 ASPECTOS HISTÓRICO DO TEMA
Historicamente, a reincidência no crime tem representado um obstáculo contínuo para os sistemas de prisões em todo o planeta, evidenciando as dificuldades na promoção da reintegração dos detentos à sociedade. No Brasil, desde os anos 80, pesquisas já indicavam elevadas taxas de retorno ao crime após a conclusão da pena, ressaltando fragilidades na política pública de segurança e nas condições das prisões.
O assunto recebeu mais destaque nas últimas décadas, à medida que se compreendeu que a reincidência está vinculada não só a fatores individuais, mas também a aspectos estruturais, como a carência de acesso à educação, emprego e assistência social durante e após o cumprimento da pena. Essa visão histórica revela que, apesar das melhorias nas legislações e das iniciativas de reforma, o sistema penitenciário brasileiro ainda enfrenta desafios importantes para romper o ciclo de reincidência.
2.1 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E A VALORIZAÇÃO DA DIGNIDADE HUMANA.
A dignidade humana é uma condição indissociável do ser humano, para que se possa compreender o seu significado do âmbito do direito positivo vale a ressalva que todos os conceitos inclusive no jurídico necessita de uma história e uma reconstrução a fim de que se possamos entender o seu sentido. De acordo com Eduardo Bittar (2004) a dignidade da pessoa humana “A ideia de dignidade da pessoa humana hoje, resulta, de certo modo, da convergência de diversas doutrinas e concepções de mundo que vêm sendo construídas desde longa data na cultura ocidental.
Ao longo da história humana, o conceito de homem mudou em termos de tempo, espaço e pensamento filosófico. Nesta área, destaca-se a filosofia de Kant. Contudo, foram as atrocidades cometidas nos conflitos mundiais que elevaram a proteção da humanidade ao nível dos direitos humanos, dando origem à cidadania universal. No Brasil, a Constituição Civil de 1988 enumera o respeito e a valorização das pessoas como fundamentais para o Estado democrático de direito. Portanto, a dignidade humana passa a representar o maior valor do sistema jurídico e irradia sua influência para todos os setores jurídicos
Segundo Kant os objetos que estão condicionado a valor são aqueles nos quais são irracionais e que podemos chamá-los de coisas, porém os seres existentes independem da nossa vontade portanto não estão condicionados a ter um preço e por serem pessoas estão designados a sua própria natureza, dessa forma a qualidade da dignidade da pessoa humana e peculiar e insubstituível.
No reino dos fins tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço, pode pôr-se em vez dela qualquer outra como equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo o preço, e, portanto, não permite equivalente, então tem ela dignidade… Esta apreciação dá, pois, a conhecer como dignidade o valor de uma tal disposição de espírito e põe-na infinitamente acima de todo o preço. Nunca ela poderia ser posta em cálculo ou confronto com qualquer coisa que tivesse um preço, sem de qualquer modo ferir a sua santidade (KANT –2007).
A constituição de 1988 foi a primeira na história a designar um título especifico aos princípios fundamentais logo após o seu preâmbulo e antes dos direitos fundamentais. O constituinte de forma clara e inequívoca demonstra o objetivo de que os princípios fundamentais sejam utilizados na qualidade de normas que embasam estas políticas, é possível notar que ao longo da trajetória da Lei Fundamental a dignidade da pessoa humana é mencionada em outros capítulos além de expressa em nosso texto constitucional.
Título VII - Da Ordem Econômica e Financeira Capítulo I Dos Princípios Gerais da Atividade Econômica.
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I - soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da propriedade; IV - livre concorrência; V - defesa do consumidor; VI - defesa do meio ambiente; VII - redução das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego; IX - tratamento favorecido para as empresas brasileiras de capital nacional de pequeno porte. Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.
O artigo 170 da Constituição Federal de 1988 dispõe que a ordem econômica tem como objetivo assegurar a todos uma existência digna, conforme os preceitos da justiça social. Tal princípio demonstra que todas as atividades econômicas devem estar a serviço do ser humano, em especial dos trabalhadores, respeitando-se a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho.
No Título VIII — Da Ordem Social, especificamente no Capítulo VII — Da Família, da Criança, do Adolescente, do Jovem e do Idoso, a Constituição reforça a centralidade da dignidade da pessoa humana. O artigo 227 estabelece que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar, com absoluta prioridade, os direitos das crianças, dos adolescentes e dos jovens, garantindo-lhes vida, saúde, alimentação, educação, lazer, profissionalização, cultura, dignidade, respeito, liberdade e convivência familiar e comunitária, além de protegê-los de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
De forma análoga, o artigo 230 da Constituição determina que a família, a sociedade e o Estado devem amparar os idosos, assegurando-lhes participação na comunidade, dignidade, bem-estar e o direito à vida.
A dignidade da pessoa humana é um princípio jurídico fundamental que, embora tenha obtido reconhecimento formal apenas no século XX, ganhou destaque internacional após os horrores da Segunda Guerra Mundial. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada em 1948 pela Organização das Nações Unidas (ONU), consagrou expressamente esse princípio, que passou a integrar as constituições democráticas modernas.
No Brasil, a Constituição de 1988 consagra a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, nos termos do artigo 1º, inciso III:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
III – a dignidade da pessoa humana. (BRASIL, 1988)
Nesse contexto, é inadmissível a redução do indivíduo à condição de marginal perpétuo em razão de antecedentes criminais ou de histórico de encarceramento. Como argumenta Oliveira (2009), o cárcere não deve representar uma marca permanente que impeça o cidadão de reconstruir sua trajetória e exercer seus direitos fundamentais. Ainda que existam desafios, o Estado não pode se furtar à aplicação efetiva das normas constitucionais e infraconstitucionais que regulamentam o sistema prisional, sob pena de violar os direitos e garantias assegurados a toda pessoa humana.
2.2 A LEI DE EXECUÇÃO PENAL E A GARANTIA À FORMAÇÃO ESCOLAR.
Originada no projeto de Lei PLS265/2015 e aprovada em 2011 determina que todos os condenados tenham o direito de descontar um dia de pena para cada 12 horas de estudo. Sancionada no dia 29 de junho de 2011 a lei 12.433 traz a possibilidade da remição da pena pelo estudo que veio com objetivo de alterar a Lei 7.210 alterando o artigo 126:
“Art. 126. O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena.”
Anteriormente a lei previa a remição somente através do trabalho, contudo fora se percebendo que o estudo contribui para a recuperação do preso e modificando o artigo da lei anterior, a remissão pelo estudo autoriza a redução de um dia da pena a cada 12 horas de estudo divididas em três dias nas atividades de ensino fundamental, médio, profissionalizante, superior ou ainda de requalificação profissional conforme o artigo 126 §1º inciso I.
§ 1º A contagem de tempo referida no caput será feita à razão de:
I - 1 (um) dia de pena a cada 12 (doze) horas de frequência escolar - atividade de ensino fundamental, médio, inclusive profissionalizante, ou superior, ou ainda de requalificação profissional - divididas, no mínimo, em 3 (três) dias;
É inegável os benefícios acerca da remissão através do estudo, por quanto segundo o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça dispõe na sumula 341 “A frequência a curso de ensino formal é causa de remição de parte do tempo de execução de pena sob regime fechado ou semiaberto.” Além do que a lei supracitada menciona no § 2º a possibilidade da modalidade de ensino a distância desde que certificada pelas autoridades competentes, diante da nova lei admite-se acumulação de remissão (trabalho+estudo), desde que haja uma compatibilidade de horas diárias ou seja ele poderá a cada 3 dias de estudo e trabalho reduzir 2 dias da sua pena. Em casos de acidente que impossibilite o preso de estudar ou trabalhar continua-se a contagem para fins de remissão conforme o parágrafo 4º do artigo 126 “o preso impossibilitado, por acidente, de prosseguir no trabalho ou nos estudos continuará a beneficiar-se com a remição.”
3 ANÁLISE DA TEMÁTICA A LEI DE EXECUÇÃO PENAL E A GARANTIA À FORMAÇÃO ESCOLAR
Conforme os dados do sistema de informações estatísticas do sistema penitenciário no Brasil, a quantidade de pessoas encarceradas é de 622 mil, com levantamento realizado entre 2000 e 2015. A média nacional de indivíduos que não completaram o ensino fundamental é de 50%; no sistema prisional, 80% das pessoas estudaram apenas até esse nível. Sobre o ensino médio, a taxa de conclusão na população brasileira gira em torno de 32%, enquanto apenas 8% dos detentos alcançaram essa etapa educacional. Entre as mulheres que estão na prisão, essa taxa é ligeiramente maior, chegando a aproximadamente 14% (infopen, 2017).
Atualmente, devido ao elevado número de detentos, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) não consegue apresentar dados precisos sobre a taxa de reincidência, mas é sabido que os números são preocupantes, variando de 30% a até 80% em alguns casos. Um dos principais fatores que contribui para que um indivíduo se torne reincidente é a falta de preparo para viver afastado da criminalidade.
Uma educação adequada, tanto escolar quanto profissional, oferece ao indivíduo melhores oportunidades para reintegração à sociedade, o que poderia reduzir os índices de reincidência e, por consequência, a superlotação nas penitenciárias, também mudando suas perspectivas futuras. É fundamental considerarmos a educação como um direito humano essencial, que deve ser respeitado independentemente da condição social, racial, cultural ou de gênero. Isso é garantido pela Constituição Federal em seu artigo 3º, que visa promover o bem-estar de todos, sem distinções ou discriminações, e pelo artigo 26 da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948:
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - Construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - Garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - Promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Art. 26. Toda a pessoa tem direito à educação. A educação deve ser gratuita, pelo menos a correspondente ao ensino elementar fundamental. O ensino elementar é obrigatório. O ensino técnico e profissional dever ser generalizado; o acesso aos estudos superiores deve estar aberto a todos em plena igualdade, em função do seu mérito.
A educação dentro do sistema prisional poderá ser dividida em duas modalidades sendo elas:
Atividades formais: alfabetização, ensino fundamental, ensino médio, ensino superior, cursos técnicos e a capacitação profissional, em suas modalidades presencial ou a distância.
Atividades complementares: programas de redução de pena através de horas dedicadas a projetos de leitura e esporte, além de atividades complementares como videoteca, atividades de lazer e cultura.
3.1 A AUSÊNCIA DE ESTRUTURA NO SISTEMA PENITENCIÁRIO E A CONTRADIÇÃO ENTRE NORMA E REALIDADE
A Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/1984), em consonância com os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da função ressocializadora da pena, estabelece um arcabouço jurídico que assegura ao apenado o direito à educação formal e profissionalizante. Todavia, a distância entre o que a norma prescreve e a realidade concreta das penitenciárias brasileiras evidencia uma grave crise de efetividade jurídica. Embora o texto legal determine a obrigatoriedade da oferta de ensino fundamental, o estímulo à formação profissional e o acesso a bibliotecas (arts. 17 a 21 da LEP), essas diretrizes raramente se materializam na prática. O sistema penitenciário nacional, marcado pela superlotação crônica, pela escassez de recursos e por uma lógica eminentemente punitivista, demonstra absoluta incapacidade institucional de implementar tais garantias de forma universal e sistemática.
O que se verifica, na realidade, é uma estrutura prisional anacrônica, voltada quase exclusivamente à contenção física dos indivíduos, sem planejamento educacional, pedagógico ou de reabilitação social. A precariedade das instalações, a carência de profissionais especializados e a ausência de ambientes adequados ao ensino revelam que a educação no cárcere é tratada como exceção e não como regra. Essa omissão estrutural não decorre da ausência de legislação, mas sim da omissão deliberada do Estado em transformar a norma jurídica em política pública efetiva. Tal negligência representa não apenas um desrespeito à dignidade dos custodiados, mas também uma afronta ao próprio Estado Democrático de Direito, pois transforma direitos fundamentais em meros enunciados simbólicos, desprovidos de eficácia material. Em última instância, essa falha compromete a função ressocializadora da pena, reproduzindo o ciclo da marginalização e perpetuando os altos índices de reincidência criminal.
3.2 A INÉRCIA DO ESTADO FRENTE ÀS POLÍTICAS EDUCACIONAIS NO CÁRCERE E SUAS CONSEQUÊNCIAS NA REINCIDÊNCIA
Embora a constituição garanta o direito à educação para todos, incluindo aqueles em situação de privação de liberdade, na prática, observamos uma falta de políticas públicas eficazes, coordenadas e consistentes que promovam essa educação no sistema prisional. A Lei nº 12.433/2011, que possibilitou a redução da pena através dos estudos, é um marco importante, mas não veio acompanhada de um plano nacional sólido para sua execução. Em resumo, existe uma clara desconexão entre a formalização de direitos e sua efetiva implementação, especialmente considerando a negligência histórica do Governo em priorizar a educação no contexto prisional como uma política estatal.
Os dados do INFOPEN e do IPEA revelam que menos de 10% dos prisioneiros têm acesso a qualquer tipo de atividade educacional. Essa ineficácia se torna ainda mais grave quando confrontada com taxas preocupantes de reincidência, que podem chegar a até 70% em algumas áreas. Isso evidencia que a falta de educação nas prisões não é apenas uma falha administrativa, mas sim uma tática política de exclusão social que impede o apenado de ter uma real chance de reconstituir sua vida.
A educação no contexto prisional deve ser vista não como um favor ou um privilégio, mas como uma ferramenta essencial para transformação social, capaz de romper ciclos históricos de desigualdade, violência e invisibilidade. Ao não fazer investimentos planejados, contínuos e de qualidade nesse setor, o Estado renuncia ao seu papel civilizatório, reforçando a natureza seletiva e punitiva de sua função penal. Dessa forma, a passividade do governo na adoção de políticas educacionais para aqueles privados de liberdade representa uma grave violação dos direitos humanos e compromete os objetivos do sistema penal moderno, que deve se concentrar não apenas na punição, mas também na reintegração social como a máxima expressão do conceito de justiça.
4 A REMIÇÃO DA PENA PELO ESTUDO: UM NOVO COMEÇAR
A Lei 7.210 de 11 de julho de 1984 – Lei de execução penal, dispõe dos objetivos e finalidades sobre o cumprimento de sentença e reabilitação social do condenado ou internado, sua finalidade é exposta em seu 1º artigo “A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.”
No artigo 11 incisos I ao V da LEP temos algumas assistências previstas sendo elas: assistência material, jurídica, educacional e religiosa. Acerca da assistência educacional houve um grande avanço no que concerne a previsão do ensino fundamental obrigatório, oferecimento de ensino profissionalizante e exigência de biblioteca no sistema prisional conforme os artigos 17 ao 21:
Art. 17. A assistência educacional compreenderá a instrução escolar e a formação profissional do preso e do internado.
Art. 18. O ensino de 1º grau será obrigatório, integrando-se no sistema escolar da Universidade Federativa.
Art. 19. O ensino profissional será ministrado em nível de iniciação ou de aperfeiçoamento técnico.
Parágrafo único. A mulher condenada terá ensino profissional adequado à sua condição.
Art. 20. As atividades educacionais podem ser objeto de convênio com entidades públicas ou particulares, que instalem escolas ou ofereçam cursos especializados.
Art. 21. Em atendimento às condições locais, dotar-se-á cada estabelecimento de uma biblioteca, para uso de todas as categorias de reclusos, provida de livros instrutivos, recreativos e didáticos.
É possível observar que a principal finalidade da LEP é a ressocialização do preso que deve ser efetivada da maneira correta, visto que mudaria o desenvolvimento do país de uma forma positiva trazendo uma contribuição significativa, de modo que esse recluso através da educação e do aprimoramento das demais habilidades possa reconstruir um futuro melhor durante e após o cumprimento de sentença.
Originada no projeto de Lei PLS265/2015 e aprovada em 2011 determina que todos os condenados tenham o direito de descontar um dia de pena para cada 12 horas de estudo.
Sancionada no dia 29 de junho de 2011 a lei 12.433 traz a possibilidade da remição da pena pelo estudo que veio com objetivo de alterar a Lei 7.210 alterando o artigo 126 “O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena.”
Anteriormente a lei previa a remição somente através do trabalho, contudo fora se percebendo que o estudo contribui para a recuperação do preso e modificando o artigo da lei anterior, a remissão pelo estudo autoriza a redução de um dia da pena a cada 12 horas de estudo divididas em três dias nas atividades de ensino fundamental, médio, profissionalizante, superior ou ainda de requalificação profissional conforme o artigo 126 §1º inciso I.
§ 1º A contagem de tempo referida no caput será feita à razão de:
I - 1 (um) dia de pena a cada 12 (doze) horas de frequência escolar - atividade de ensino fundamental, médio, inclusive profissionalizante, ou superior, ou ainda de requalificação profissional - divididas, no mínimo, em 3 (três) dias;
É inegável os benefícios acerca da remissão através do estudo, por quanto segundo o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça dispõe na sumula 341 “A frequência a curso de ensino formal é causa de remição de parte do tempo de execução de pena sob regime fechado ou semiaberto.” Além do que a lei supracitada menciona no § 2º a possibilidade da modalidade de ensino a distância desde que certificada pelas autoridades competentes, diante da nova lei admite-se acumulação de remissão (trabalho+estudo), desde que haja uma compatibilidade de horas diárias ou seja ele poderá a cada 3 dias de estudo e trabalho reduzir 2 dias da sua pena. Em casos de acidente que impossibilite o preso de estudar ou trabalhar continua-se a contagem para fins de remissão conforme o parágrafo 4º do artigo 126 “o preso impossibilitado, por acidente, de prosseguir no trabalho ou nos estudos continuará a beneficiar-se com a remição.”
4.1 CÁLCULO DE REMIÇÃO: EDUCAÇÃO REGULAR (QUANDO OCORRE EM ESCOLAS PRISIONAIS), PRÁTICAS EDUCATIVAS NÃO-ESCOLARES E LEITURA.
A remissão do preso independe do crime cometido pois o principal objetivo é o auxílio no processo de ressocialização. Após dada a declaração de remissão de pena o condenado tem direito ao acréscimo de um terço se concluir fundamental, médio ou superior durante o período do cumprimento da pena e a relação dos dias descontados para serem computados como pena cumprida.
O artigo 126 não foi o único a ser alterado também temos alterações no artigo 83 da LEP que prevê no parágrafo 4º “serão instaladas salas de aulas destinadas a cursos do ensino básico e profissionalizante” neste caso verifica-se que o preso poderá estudar até o limite máximo de 4 horas diárias e que não são reconhecidas atividades superiores a esse montante.
A possibilidade da remissão através da leitura tem como base as Resoluções nº 14/1994 e 03/2009 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP)170. De acordo com o artigo 41 da Resolução 14/1994, “os estabelecimentos prisionais contarão com biblioteca organizada com livros de conteúdo informativo, educativo e recreativo, adequados à formação cultural, profissional e espiritual do preso.” O artigo 3º, inciso IV da resolução 03/2009 determina que a educação no sistema prisional deve “estar associada às ações de fomento à leitura e a implementação ou recuperação de bibliotecas para atender à população carcerária e aos profissionais que trabalham nos estabelecimentos penais.
4.2 FATORES DE RECUPERAÇÃO DOS DETENTOS.
Mesmo com os esforços das esferas estatal e federal para erguer novas instituições prisionais, o aumento da população encarcerada e a falta de espaço nas prisões demonstraram que a construção de novos estabelecimentos não é mais um aspecto imprescindível, se não vital, da política de encarceramento. É simplesmente uma parte de um quadro mais abrangente. Na verdade, ainda existe uma interação entre a superlotação nas prisões e a qualidade dos serviços oferecidos. No entanto, a administração dos sistemas prisionais estaduais deve levar em conta outros aspectos, como táticas para aprimorar o sistema de encarceramento.
A população carcerária já ultrapassou meio milhão de indivíduos e, conforme dados do Ipea, mais da metade são reincidentes, com apenas 10% tendo acesso à educação dentro do sistema prisional. Cada unidade federativa possui sua própria forma de gestão administrativa nas prisões, o que complica a implementação abrangente das políticas públicas desenvolvidas sobre o tema. Apesar de a legislação prever salas de aula para o ensino, poucos ou quase nenhum presídio possui essa infraestrutura para oferecer aos detentos. Essa situação ocorre por diversas razões, sendo a falta de espaço nas prisões um fator determinante, o que afeta não apenas a educação, mas também outros tipos de apoio, como cultural e religioso. Para o presidente da Comissão de Educação da Câmara, o deputado Glauber Braga (PSB/RJ):
"Se a sociedade brasileira quer enfrentar a questão da violência, não fazendo com que espiral da violência cresça, a gente tem de criar mecanismos que sejam positivos no sentido de incluir. Mesmo aquele que faz o discurso mais conservador, que não leve em consideração as questões relativas aos direitos da pessoa humana, esse também não quer que você tenha um aumento dos índices de criminalidade. Para enfrentar o aumento da espiral da violência a gente tem que, necessariamente, trabalhar as suas causas. A gente não pode deixar a educação em todas as faixas etárias, em todas aquelas sociedades que precisam estar inseridas, em todos os segmentos. E as unidades prisionais têm seres humanos que precisam também de acolhimento e atendimento educacional."
Conclui-se, assim, que a superlotação nas prisões e as condições precárias dos estabelecimentos penais no Brasil não devem ser abordadas apenas pela simples construção de mais penitenciárias, mas sim através de políticas que promovam estruturação focada na educação e na reintegração social. Como disse o deputado Glauber Braga, a violência não pode ser enfrentada com mais exclusão, mas com métodos que promovam inclusão e transformação. Nesse contexto, a visão de Kant sobre a dignidade humana é essencial: para Kant, o ser humano deve sempre ser tratado como um fim em si mesmo, jamais como um meio para outros fins. Assim, negar aos presos o acesso à educação é violar essa dignidade intrínseca, perpetuando a lógica da exclusão e do abandono. Garantir educação no sistema prisional é, portanto, não apenas uma medida estratégica de segurança pública, mas um imperativo moral.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente artigo demonstrou que a educação exerce papel essencial no processo de ressocialização de indivíduos privados de liberdade, sendo um instrumento fundamental para o resgate da dignidade humana e para a redução da reincidência criminal. A partir da análise da Constituição Federal de 1988, da Lei de Execução Penal e da Lei nº 12.433/2011, bem como de dados do INFOPEN e de estudos do IPEA, foi possível verificar que a oferta de ensino formal e complementar no ambiente prisional contribui significativamente para a reinserção social dos apenados. Além disso, evidenciou-se a existência de diversos obstáculos estruturais, como a superlotação, a falta de infraestrutura adequada e o descaso estatal, que comprometem a efetividade das políticas públicas educacionais no sistema carcerário. A hipótese proposta inicialmente, de que a educação no cárcere contribui significativamente para a redução da reincidência criminal e para o resgate da dignidade humana, foi confirmada com base nos fundamentos jurídicos, dados empíricos e análises teóricas utilizadas. Conclui-se, assim, que a garantia do acesso à educação nas prisões deve ser compreendida não como benefício, mas como direito fundamental inalienável, cuja efetivação é indispensável para a construção de uma sociedade mais justa, humana e segura.
REFERÊNCIAS
BITTAR, Eduardo Carlos Bianca; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de filosofia do direito. São Paulo: Atlas, 2004.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.
BRASIL. Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 13 jul. 1984.
BRASIL. Lei nº 12.433, de 29 de junho de 2011. Altera a Lei de Execução Penal, para dispor sobre a remição da pena por estudo ou por trabalho. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 30 jun. 2011.
GRECO, Rogério. Curso de direito penal. 10. ed. Niterói: Impetus, 2008.
INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA (IPEA). Sistema penitenciário no Brasil: diagnóstico e propostas. Brasília, DF: IPEA, 2017.
KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Tradução de Paulo Quintela. Lisboa: Edições 70, 2007.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICOS (BRASIL). Departamento Penitenciário Nacional. Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias – INFOPEN. Brasília, DF: MJSP, 2017.
ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Paris, 1948. Disponível em: <https://www.onu.org.br>.
OLIVEIRA, João Batista de. Ressocialização e dignidade: desafios da execução penal no Brasil. São Paulo: Saraiva, 2009.
VALENTE, Rodolfo. Educação e cárcere: um estudo sobre as políticas educacionais nos presídios brasileiros. Rio de Janeiro: Revan, 2016.
PASTORAL CARCERÁRIA. Relatório sobre o sistema prisional brasileiro. São Paulo: CNBB, 2018.
[1] Professor Janderson Gabriel De Frota Januário, orientador do Trabalho de Conclusão de Curso do Curso de Direito do Centro Universitário Luterano de Manaus – CEULM/ULBRA/Manaus, AM. E-mail: janderson.frota@ulbra.br
Graduando do Curso de Direito do Centro Universitário Luterano de Manaus – CEULM/ULBRA/Manaus, AM.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: JUNIOR, ALEXANDRE COELHO DO REGO. A educação como fator de ressocialização: condenado e o resgate da sua dignidade por meio do estudo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 jul 2025, 04:37. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/69049/a-educao-como-fator-de-ressocializao-condenado-e-o-resgate-da-sua-dignidade-por-meio-do-estudo. Acesso em: 14 ago 2025.
Por: ELISABETE CUNHA CANO
Por: VICTOR HUGO CORDEIRO XAVIER
Por: George Henrique Rosas Andrade Lima
Precisa estar logado para fazer comentários.