RESUMO: Via de regra, somente o adimplemento integral da dívida é capaz de afastar o decreto da prisão civil do devedor de alimentos. Contudo, à luz do voto proferido pelo Ministro Luis Felipe Salomão no HC 439.973, levanta-se a possibilidade de se reconhecer o adimplemento substancial do débito alimentar como uma eventual causa de impedimento ao decreto da medida coercitiva. Após reconhecer a aplicabilidade do princípio da boa-fé objetiva às obrigações de prestar alimentos, examina-se, a partir dos critérios da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, a proporcionalidade da prisão civil decretada em razão de um inadimplemento mínimo, questionando-se a gravidade da restrição do direito fundamental à liberdade frente à uma dívida ínfima que perde o seu caráter alimentar.
Palavras-chave: Adimplemento substancial; prisão civil; proporcionalidade.
INTRODUÇÃO
No direito brasileiro, os alimentos têm papel fundamental na garantia da subsistência daqueles indivíduos que são incapazes de prover o seu sustento com os próprios bens ou trabalho e, por isso, são compreendidos como um instrumento de promoção da dignidade da pessoa humana, ao assegurarem o acesso a bens materiais que dão condições mínimas à uma existência digna do credor alimentício.
Com o propósito de garantir a mantença da dignidade do credor e de coibir a conduta inadimplente de verbas alimentares, o legislador instituiu a prisão civil como um mecanismo processual coercitivo, reservado ao procedimento de execução de créditos de natureza alimentar, cuja principal finalidade é compelir o devedor em mora a efetuar o pagamento do débito em favor do alimentando. Assim, a preservação da prisão civil na legislação brasileira reside no fundamento de defesa de garantias fundamentais do alimentando, como a vida, a dignidade e a integridade física[1], de modo que a restrição da liberdade do alimentante passa a ser utilizada como um meio de forçar o provimento destes direitos ao credor de alimentos.
A previsão deste instituto na legislação civil-constitucional implica num embate entre o direito à dignidade do alimentando e a liberdade do alimentante[2], em que, na maioria dos casos, há uma prevalência justa e razoável do primeiro sobre o segundo. Contudo, esta lógica de prevalência pode vir a ser invertida em uma eventual hipótese de aplicação da teoria do adimplemento substancial na execução de alimentos sob o rito de prisão civil. Pois, embora nesta ocasião o devedor incorra em mora e não solva a integralidade da dívida, não se pode desconsiderar que o pagamento de parte significativa do débito possa vir a ser, conforme as circunstâncias objetivas de cada caso concreto, algo proveitoso para o alimentando, hipótese em que o juiz poderá analisar a utilidade ou inutilidade da prestação substancial e chegar à conclusão de que a decretação da prisão não é a medida mais adequada ao caso, por ser excessivamente gravosa diante de um inadimplemento mínimo[3].
Em um cenário de unicidade do ordenamento jurídico pátrio, em que se considera a aplicação do princípio da boa-fé objetiva nas obrigações de prestar alimentos, levanta-se a possibilidade de impedir a incidência da prisão civil com fundamento na dita teoria, sendo relevante para tanto que o pagamento considerável da quantia devida venha a satisfazer as necessidades do alimentando e, numa análise dos meios executivos, que a prisão pelo inadimplemento mínimo seja uma medida desproporcional.
A este respeito, o Superior Tribunal de Justiça, em agosto de 2018, decidiu, em sede de julgamento do Habeas Corpus nº 439-973-MG, de maneira não uníssona entre os ministros da 4ª Turma, que a teoria do adimplemento substancial não deve ser aplicada nas obrigações de caráter alimentar. Contudo, a perspectiva do voto vencido do Ministro Luis Felipe Salomão abre margem para uma interpretação distinta da relação entre os institutos analisados neste trabalho, tomando-se por base uma análise extensiva do princípio da boa-fé objetiva e da gravidade da prisão civil em casos de inadimplemento mínimo, sob a ótica do princípio da proporcionalidade.
As figuras da prisão civil do devedor de alimentos e do adimplemento substancial são institutos que, quando analisados em conjunto, podem trazer novos impactos aos processos de execução de alimentos, principalmente quanto aos meios executivos a serem utilizados pelo credor, além de implicar numa releitura da prevalência quase hegemônica do direito à dignidade do alimentando sobre o direito à liberdade do alimentante, já que, diante de um inadimplemento mínimo da dívida alimentícia que não compromete a subsistência do credor de alimentos, a restrição da liberdade do devedor pode se revelar como uma medida gravosa, desproporcional e, até mesmo, ineficaz em relação ao débito restante a ser executado.
Nesse cenário, este artigo examina criticamente a viabilidade de aplicar a teoria do adimplemento substancial às obrigações alimentares, investigando seus fundamentos, requisitos e impactos na interpretação constitucional da prisão civil.
1 O ENTENDIMENTO EXARADO PELO MINISTRO LUIS FILIPE SALOMÃO NO ACÓRDÃO DO HABEAS CORPUS Nº 439.973/MG
No exame do Habeas Corpus autuado sob o nº 439.973/MG, a 4ª turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu, por três votos a dois, que a teoria do adimplemento substancial não se aplica às obrigações alimentares, não sendo possível a sua invocação para afastar a decretação da prisão civil do devedor de alimentos.
No entanto, para fins deste trabalho, interessa a análise do voto vencido proferido pelo Ministro Luis Felipe Salomão, o qual entendeu que, após a comprovação de determinados requisitos e de certos elementos na conduta do devedor, é possível que a teoria do adimplemento substancial seja considerada um instrumento capaz de afastar a prisão civil do inadimplente.
Segundo o relator, em uma perspectiva constitucional do direito civil, os alimentos são compreendidos como quantias imprescindíveis para o desenvolvimento digno do ser humano e, como consequência da relevância deste crédito, o legislador brasileiro instituiu “modalidade diferenciada de execução ao crédito derivado da obrigação de prestá-los, com possibilidade de atos de coação pessoal do devedor inadimplente”[4]. Por esta razão, aponta que o constituinte, na seara das obrigações alimentares, ao analisar o embate entre a sobrevivência/dignidade do alimentando e a liberdade do alimentante, optou por dar preponderância àquela.
Para trazer a teoria do adimplemento substancial para o âmbito do direito das famílias, com o propósito específico de reconhecer esta teoria como uma causa de afastamento da prisão civil do devedor que descumpre uma parcela mínima de uma obrigação alimentar, o relator utilizou como fundamentos as cláusulas gerais, como a boa-fé objetiva, a função social, a dignidade humana e a vedação ao abuso do direito, previstas no Código Civil, no Código de Processo Civil e na Constituição da República.
Partindo destes pressupostos, o Ministro ressalta a necessidade de se reconhecer a aplicabilidade do princípio da boa-fé objetiva às relações materiais e processuais de direito de família, de modo que, a partir disto, admite-se a viabilidade da incidência da teoria do adimplemento substancial na execução de alimentos sob o rito da prisão civil[5]. Entretanto, por se tratar de verbas alimentares em que o adimplemento está diretamente relacionado à sobrevivência do alimentando, tal incidência deverá ocorrer somente em hipóteses excepcionais, nas quais não há prejuízo à subsistência ou à manutenção do alimentante e o devedor age conforme os ditames da boa-fé[6].
É chamada a atenção, ainda, para o fato de que o reconhecimento do adimplemento substancial não implica no efeito liberatório do débito, “pois o executado continuará com o dever de pagamento integral da dívida alimentar, afastando-se tão somente a técnica executiva da prisão civil do devedor, já que, como sabido, se trata de medida de índole coercitiva e não punitiva.”[7]
Na perspectiva do Ministro relator, a aplicação da substancial performance no âmbito da execução de alimentos sob o rito de prisão civil é apenas um meio de afastar um eventual exercício abusivo do direito de cobrança pelo credor, tendo em vista o “descumprimento de uma ínfima parcela pelo executado, quando ainda existirem outros meios mais adequados e eficientes para pôr fim à contenda.”[8].
Portanto, a conclusão do voto vencido se deu no sentido de que o objetivo de aplicar a teoria do adimplemento substancial é, neste caso, obstar um uso desequilibrado da prisão civil, “em prol da dignidade humana do alimentante que, de boa-fé, demonstra seu intento de saldar a obrigação, dando concretude ao finalismo ético buscado pelo ordenamento jurídico, impedindo o cerceamento da liberdade em razão de dívida insignificante.”[9].
2 ASPECTOS GERAIS DA BOA-FÉ OBJETIVA
Historicamente, sob a influência da tradição jurídica romano-germânica, a relação obrigacional no direito brasileiro tem como conceito clássico o “vínculo jurídico em virtude do qual uma pessoa fica adstrita a satisfazer uma prestação em proveito de outra.”[10]. Na visão tradicionalista da doutrina, vislumbra-se no vínculo obrigacional “um estado de sujeição ou subordinação do devedor, que seria o único responsável pelo adimplemento da obrigação, garantindo-o com seu patrimônio.”[11]
Contudo, já no fim da vigência do Código Civil de 1916 e no início do Código Civil de 2002, surge uma nova perspectiva, a qual reconhece que a obrigação transcende o dever consubstanciado na prestação principal, de modo que a relação obrigacional deve ser entendida como o vínculo jurídico composto por direitos e deveres recíprocos, destinados a um fim comum,[12] consistente no correto adimplemento da obrigação e na satisfação dos interesses do credor.
Na visão moderna de obrigação, as partes devem se comportar de forma leal e proba, a ponto de o adimplemento atingir o máximo de proveito a todos os contratantes. Por isso, o conteúdo obrigacional passa a ser definido, além da vontade das partes, pela boa-fé objetiva, em virtude da qual os deveres de conduta e de cooperação entre os contratantes são direcionados para a satisfação dos interesses dos ocupantes dos pólos passivos e ativos da obrigação. Assim, “o vínculo jurídico que liga o credor e o devedor passa a coexistir com um complexo de direitos e deveres decorrentes do princípio da boa-fé objetiva” o que faz com que a obrigação seja vista como uma totalidade, correspondente a uma relação jurídica que “compreende os deveres de prestação e de conduta, bem como deveres instrumentais, laterais ou anexos, os quais visam ao perfeito adimplemento contratual e à satisfação do interesse das partes.”[13]
Compreende-se o princípio da boa-fé objetiva, então, como uma fonte que cria novos direitos e deveres dentro de uma relação obrigacional, uma vez que assegura às partes certas garantias - como, por exemplo, o direito do devedor de não ter o contrato resolvido em caso de adimplemento substancial - mas, por outro lado, às impõe encargos a serem cumpridos – como o dever de agir com lealdade e outros variáveis segundo as circunstâncias do caso concreto.
O conteúdo do princípio da boa-fé objetiva não é efetivamente preciso, já que a expressão que o compõe guarda, em termos semânticos, certa vagueza. Por isso, a concretização de seu conteúdo está necessariamente ligada às circunstâncias determinantes do seu contexto de aplicação, sendo uma difícil tarefa a apresentação de uma “definição apriorística e bem-acabada do que seja a boa-fé objetiva”, de modo que “o conceito de boa-fé parece mais interessar por sua função que por sua definição”[14]. No ordenamento jurídico brasileiro, a boa-fé objetiva atua nas relações obrigacionais das mais variadas formas e, por conta da sua imprecisão semântica, assume três funções principais que acabam por balizar o seu conteúdo. Tais funções consistem na interpretação do negócio jurídico, na sua integração e na limitação do exercício de direitos titulados pelas partes. A primeira delas busca encontrar o conteúdo do negócio jurídico obrigacional à luz dos critérios da lealdade, probidade e honestidade; a segunda, por sua vez, diz respeito à criação de deveres anexos[15] de conduta que podem ser exigidos de ambas as partes da relação[16] e, por fim, a terceira refere-se à repressão de um dado comportamento que é contrário à própria boa-fé.
Em linhas gerais, a boa-fé objetiva é um princípio que impõe limites à autonomia privada e valora a conduta das partes na relação obrigacional, incorporando nesta última os valores da eticidade, da lealdade, da probidade e da cooperação, com o propósito de garantir o correto adimplemento e a satisfação dos interesses dos contratantes[17]. Sua incidência não se limita apenas às partes que figuram no polo ativo e passivo do contrato, sendo extensiva, também, aos terceiros direta ou indiretamente interessados nas prestações obrigacionais contraídas. Portanto, dado o seu caráter de generalidade, a boa-fé objetiva aplica-se a todos os indivíduos envoltos na relação jurídica, além de independer de legislação expressa para a sua aplicação, não podendo ter a sua aplicação afastada em razão da liberalidade das partes, haja vista, inclusive, a sua força obrigatória como elemento de integração e interpretação dos instrumentos contratuais e de limitação do exercício abusivo de direitos titulados pelos envolvidos na obrigação, revelando-se princípio fundamental de direito.
3 BOA FÉ OBJETIVA NAS OBRIGAÇÕES DE PRESTAR ALIMENTOS
A obrigação de prestar alimentos deve ser compreendida como sendo aquela que, em virtude de lei, se impõe às pessoas ligadas pelo vínculo familiar, com a finalidade de prestar o necessário ao sustento do indivíduo que deles necessita. Na concepção de Azevedo[18], os alimentos são prestações destinadas à promoção da subsistência daqueles que os recebem, no sentido de garantir-lhes a existência digna e um direito à vida física, intelectual e moral.
Os fundamentos legais do dever de prestar alimentos encontram-se previstos no âmbito da Constituição Federal de 1988, do Código Civil de 2002 e da legislação extravagante. O Código Civil, principal diploma normativo que trata do tema, traz a disciplina da obrigação de prestar alimentos em seu Livro IV, Título II, Capítulo VI, Subtítulo II, dos artigos 1.694 a 1710. Segundo o referido diploma, o dever de prestar alimentos é recíproco entre ascendentes e descendentes e ainda entre ex-cônjuges ou ex-companheiros O responsável por prover os alimentos deve assumir o ônus de satisfazer as carências básicas do indivíduo que daqueles necessitam, devendo tais verbas alimentares serem fixadas de acordo com o binômio possibilidade de quem paga e necessidade de quem os recebe. Sobre este binômio, denota-se que a possibilidade consiste na existência de condições financeiras do devedor de fornecer os alimentos sem que haja prejuízo ao próprio sustento e a necessidade, por sua vez, representa a situação do credor que não consegue manter a própria subsistência com a sua renda, trabalho ou bens.
Como o próprio Código Civil inclui os alimentos na seara patrimonial do direito de família, pode-se dizer que as verbas alimentares possuem um caráter prestacional que implica no direito do credor reclamar perante o devedor uma determinada quantia, a qual é compreendida como um meio de garantia à subsistência do alimentando. No entanto, tal natureza prestacional não dá aos alimentos um conteúdo meramente econômico, como uma simples obrigação de dar, uma vez que tal dever de prestação constitui, também, num instrumento essencial de fornecimento de condições financeiras que permitem a preservação da vida e dignidade do credor dependente, sendo evidenciado, assim, o caráter existencial destas obrigações[19].
O dever de prestar alimentos traz em si aspectos existenciais e patrimoniais. Quanto à existência, a obrigação está intimamente relacionada com a garantia da sobrevivência do indivíduo que depende dos alimentos, constituindo-se um fenômeno extrapatrimonial. No entanto, o caráter existencial dos alimentos não retira a sua “qualificação como verdadeiro direito de crédito, correspondente ao dever jurídico (dívida) em prestá-los” e tampouco “afasta da pretensão de direito material e da exigibilidade cujo correspectivo é a obrigação em sentido técnico”, de modo que, ao qualificar o dever de prestar alimentos como um direito de crédito, há uma direta associação para “o fundamental cunho ético da boa-fé nas relações de Direito de Família”, sem, contudo, desvincular esse direito creditício da finalidade que o justificou e do contexto que o envolve[20].
Neste mesmo sentido, Anderson Schreiber[21] destaca que o aspecto patrimonial dos alimentos é profundamente funcionalizado a um componente existencial, qual seja, a subsistência do alimentando. No entanto, tal funcionalização não retira a patrimonialidade do instituto em análise, o que possibilita a incidência da boa-fé objetiva nas obrigações de prestar as verbas alimentares, especialmente por força da sua estrutura prestacional.
Judith Martins-Costa[22] diz que o Código Civil considera existir nas relações de família uma mescla de um vínculo de natureza existencial e outro vínculo de natureza patrimonial, sendo tal mistura marca própria do Direito de Família, que é singularizado pelo fundamento dos seus institutos, representado pela intensa carga ética dos seus princípios e regras, pelo interesse público na promoção do bem comum da família e, por fim, pela compreensão desta última enquanto um instituto de direito. Acrescido a isto, a autora aponta que a mescla entre os vínculos circunscritos a relação familiar deve ser levada em consideração pelo intérprete do direito quando analisada a possibilidade de incidência da boa-fé aos atos e negócios do Direito de Família, uma vez que, embora distintos, são aspectos que se relacionam entre si, de modo que, conquanto inegável o cunho econômico de certas relações, o ordenamento as orienta em vista da finalidade obrigacional que ultrapassa os fins individuais almejados por cada parte[23].
Assim, o conteúdo patrimonial dos alimentos, acrescido da compreensão da sua figura enquanto uma prestação obrigacional, autoriza a incidência da boa-fé objetiva nas obrigações alimentares. O dever de adoção de condutas leais, honestas e cooperativas deve ser recíproco entre as partes da relação obrigacional, de modo que, tanto o devedor não pode se furtar da sua obrigação de prestar os alimentos, quanto o credor não pode adotar comportamentos abusivos no seu direito de cobrança.
Vê-se, então, que a boa-fé objetiva, no âmbito das obrigações de prestar alimentos atua nas suas três funções, quais sejam, a interpretativa, a integrativa e a limitativa. Quanto a interpretação, atua como elemento de análise das condutas adotadas pelas partes na vigência da relação obrigacional de prestar alimentos, identificando comportamentos contrários ou concordantes com os parâmetros de lealdade impostos. Em relação à integração, cria deveres de cooperação e lealdade que são anexos à prestação principal e devem ser observados por credor e devedor. E, por fim, no que diz respeito à função de limitação, a boa-fé objetiva visa coibir comportamentos abusivos das partes da relação obrigacional, de forma que alimentante e alimentando não podem exceder os limites dos direitos titulados em tal relação.
4 ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL NO DIREITO BRASILEIRO
O surgimento da teoria do adimplemento substancial no âmbito da ordem jurídica brasileira parte da nova ótica moderna da obrigação enquanto processo, de modo que o adimplemento também não pode mais ser visto como “um evento pontual de causa de extinção da obrigação”, mas sim como “um fenômeno complexo e dinâmico ao longo da relação contratual”, cuja finalidade é a satisfação dos interesses do credor e o cumprimentos dos deveres acordados entre as partes e daqueles impostos pelo boa-fé objetiva[24].
Tal teoria não encontra previsão expressa no direito brasileiro. O Código Civil de 2002 positivou, em seu artigo 475, o entendimento de que, quando verificado o inadimplemento do devedor, é facultado ao credor o direito de resolução do contrato ou de exigir-lhe o cumprimento. No entanto, tal dispositivo não estabelece qual a monta e a natureza do inadimplemento que enseja o desfazimento do negócio, de modo que a sua interpretação literal, conforme a concepção tradicionalista de sujeição do devedor aos meros interesses do credor, pode vir a ser contrária ao sistema principiológico do Código Civil e prejudicial ao devedor que age de boa-fé ao deixar de adimplir uma parcela mínima do contrato.
A figura do adimplemento substancial toma seu lugar naqueles casos em que o contratante é inadimplente em uma parcela ínfima do contrato e tal parcela não assume grande gravidade em relação ao todo obrigacional, de modo que a resolução do contrato por parte do credor pode vir a retirar a sua utilidade e revelar-se um comportamento abusivo em prejuízo da efetividade do próprio instrumento contratual, pautada especialmente nos princípios da boa-fé objetiva e da função social[25].
No âmbito desta teoria, não é todo inadimplemento que autoriza a resolução de um contrato, já que tal instrumento é um remédio grave que rompe com o vínculo jurídico obrigacional, desfaz o contrato e todos os seus efeitos e leva as partes contratantes de volta ao seu status quo, devendo ser utilizado apenas em situações de gravidade, nas quais o descumprimento das suas prestações é lesivo aos interesses da parte não inadimplente, de modo que o seu uso em situações em que o inadimplemento é de escassa importância vai de encontro à boa-fé contratual[26], passando a figura do adimplemento substancial a funcionar como um limite a este direito de resolução contratual. Assim, deve-se ter em mente que a não resolução do contrato por um inadimplemento mínimo não implica em efeito liberatório da dívida, devendo as diferenças devidas e faltantes serem remediadas através de indenização, em que há “ressarcimento das perdas e danos sofridas pelo credor em razão do adimplemento inexato”, uma vez que “'a parte inadimplente nunca pode lucrar com sua inadimplência e à outra nunca pode ser permitido perder por isso.”[27]
Portanto, compreende-se a teoria do adimplemento substancial como sendo um limite ao direito de resolução contratual, titulado por uma das partes contratantes, quando averiguado no caso concreto que o inadimplemento ocorrido é incapaz de retirar a utilidade do contrato, revelando-se como um descumprimento insignificante ou de pequena monta.
Para sua incidência nos casos concretos, é preciso que reste evidenciado o preenchimento de certos critérios de aplicação da teoria. O primeiro critério diz respeito ao aspecto matemático do adimplemento, o qual estabelece padrões numéricos, percentuais ou proporcionais, que definem a configuração do inadimplemento mínimo em relação ao todo contratual[28], a partir do exame da diferença existente entre o que deveria ser recebido e o que efetivamente foi.[29]
O segundo filtro que delimita o âmbito de aplicação da teoria do adimplemento substancial é o critério qualitativo, que toma por base a satisfação dos interesses e expectativas do credor, a utilidade da prestação substancialmente cumprida e a diligência do devedor em adimplir o contrato, de modo que a análise destas circunstâncias, acrescidas do critério matemático, garante o dinamismo da teoria, cuja incidência deve ser observada caso a caso, de acordo com os elementos relevantes de cada relação contratual [30].
Dada a importância da teoria na realidade jurídica brasileira, a jurisprudência consolidou o entendimento de aplicação excepcional daquela aos contratos regidos pelas normas do ordenamento jurídico pátrio, inobstante o teor literal do art. 475 do Código Civil, que, em tese, autoriza a resolução contratual pelo inadimplemento das prestações devidas, tendo por principal fundamento o princípio da boa-fé objetiva.
A boa-fé objetiva surge, então, como o fundamento que inviabiliza o exercício desequilibrado do direito de resolução do contrato, entendendo-se por abusivo/desequilibrado o exercício de direito que seja contrário a ela, a finalidade econômica ou social do contrato.
Em verdade, a boa-fé assume tal papel pois a resolução contratual é um instrumento excepcional e de extrema gravidade, que “importa em séria sanção ao contratante inadimplente”, posto que põe fim ao vínculo sinalagmático com efeitos ex tunc, “retirando-lhe, em geral, todos os efeitos práticos jurídicos que produziu ou ainda que deveria produzir”[31]. Assim, configurado um inadimplemento insignificante, a resolução contratual revela-se uma medida desproporcional e injusta, sendo contrária à própria finalidade econômica do contrato. Portanto, “a vedação do uso desequilibrado do direito de resolução, encontra fundamento de aplicação na boa-fé objetiva, especialmente em sua função limitativa do exercício das posições jurídicas”, a qual restringe a utilização abusiva de um direito que trará consequências manifestamente desproporcionais ao descumprimento contratual ocorrido[32].
No âmbito da teoria em questão, tal princípio é responsável por evidenciar que, em um contrato cujas obrigações foram substancialmente adimplidas, “o pedido de resolução não trará nenhum benefício legítimo ao credor, apenas prejuízos para o devedor que, tendo praticamente satisfeito a totalidade da obrigação, verá tudo retornar ao status quo ante” [33].
A utilização da boa-fé objetiva no âmbito da teoria do adimplemento substancial implica em analisar se devedor e credor agiram de forma correta e honesta no programa contratual, bem como se estavam imbuídos de boa intenção, com a finalidade de não causar prejuízos a ninguém[34], de modo que, a partir de então, será possível a autorização da incidência da dita teoria e o consequente aproveitamento do cumprimento significativo das prestações.
Portanto, extrai-se que a teoria do adimplemento substancial é responsável por garantir o equilíbrio econômico do contrato e acaba por flexibilizar os princípios contratuais clássicos, especialmente no âmbito da liberalidade de resolução contratual assegurada ao credor, tendo como principal propósito a coibição do exercício abusivo do direito de resolução contratual titulado pelo credor, quando o devedor de boa-fé já cumpriu as prestações devidas na sua quase integralidade.
5 PRISÃO CIVIL DO DEVEDOR DE ALIMENTOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
Os processos de execução modernos são marcados pela característica da patrimonialidade devido ao fato das medidas coercitivas que visam o adimplemento da obrigação recaírem sobre os bens do devedor, de forma que apenas patrimônio deste responde pelas prestações assumidas. Por outro lado, a utilização de meios coercitivos que refletem sobre a pessoa/corpo do devedor é medida excepcional e tem cabimento tão somente nos casos expressamente previstos em lei, a exemplo da prisão civil por dívida alimentar. O propósito desta lógica é coibir a subordinação física do devedor aos meros interesses do credor e, em virtude da obrigação contraída, submeter apenas o patrimônio do inadimplente à constrição.
A pensão alimentícia desempenha função essencial na promoção da subsistência e da dignidade daqueles indivíduos que não conseguem prover o próprio sustento com o seu trabalho ou bens, assegurando-lhes um mínimo de condições materiais para uma existência digna.
Diante dessa importância elementar da pensão alimentar na realização da dignidade da pessoa humana, o legislador instituiu a prisão civil do devedor de alimentos no ordenamento jurídico brasileiro como um meio coercitivo excepcional, que tem como finalidade forçar o cumprimento da prestação alimentar devida e, consequentemente, garantir os direitos fundamentais do alimentando, como a vida e a dignidade[35]. Em verdade, o instituto da prisão civil não pode ser compreendido como um meio punitivo, pois diferencia-se da prisão penal, na medida em que não representa uma resposta do Estado à prática de uma infração penal, embora corresponda a “um meio processual reforçado de coerção do inadimplente, posto à disposição do Estado para a execução da dívida”, tendo como propósito a persuasão do devedor “da ineficácia de qualquer tentativa de resistência quanto à execução do débito”[36].
Desprovida de natureza penal, a prisão civil, por ter uma função eminentemente patrimonial, se dá no âmbito das relações de Direito Privado, nas quais a restrição da liberdade se fundamenta por normas de natureza civil e a prática do ato se dá por autoridade legitimada a fazê-lo[37]. Neste sentido, Álvaro Villaça Azevedo[38] define o instituto da prisão civil como sendo “o ato de constrangimento pessoal, autorizado por lei, mediante segregação celular do devedor, para forçar o cumprimento de um determinado dever ou de determinada obrigação”, com caráter de sanção de ordem civil, em representação de um verdadeiro instrumento coercitivo para constranger o devedor de alimentos.
A prisão civil por dívida alimentar está prevista no artigo 5º, inciso LXVII da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e no art. 7, §7º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos ou Pacto de São José da Costa Rica, de 22 de novembro de 1969. Além dessas previsões de ordem constitucional e supralegal, a prisão civil do devedor é validada pela legislação ordinária na Lei de Alimentos (Lei 5.478 de 25 de julho de 1968) e no Código de Processo Civil.
Da leitura dos dispositivos que tratam da prisão civil, percebe-se que a finalidade precípua da norma é proibir a prisão por dívidas, somente a admitindo as exceções por ela mesmo ressalvadas, como a dívida voluntária e inescusável de alimentos, ficando evidenciado, portanto, o seu caráter excepcional.[39]
Dado este caráter excepcional, a prisão civil é um instituto que tem em si uma colisão entre direitos fundamentais constitucionalmente garantidos que, na concepção de Canotilho[40] ocorre “quando o exercício de um direito fundamental por parte do seu titular colide com o exercício do direito fundamental por parte de outro titular”. De um lado, tem-se o direito à liberdade de locomoção do devedor, consistente na possibilidade deste se deslocar por todo o território nacional sem a interferência do Estado ou particulares no seu livre arbítrio. De outro, há o direito à vida e dignidade da pessoa humana do credor, os quais, quando conjugados, garantem ao alimentando o direito de ter uma vida minimamente digna, a qual é proporcionada pelas condições materiais e existenciais que promovem a sua subsistência e, consequentemente, o desenvolvimento da sua personalidade e da sua formação enquanto sujeito digno.
O legislador entendeu que, neste conflito, há uma prevalência da dignidade sobre a liberdade, uma vez que, ao sopesar os valores envolvidos, a restrição da liberdade em prol da garantia da subsistência daquele que necessita dos alimentos é uma medida justa, adequada, necessária e proporcional em sentido estrito, considerando a relevância da natureza do crédito alimentar.
A privação de liberdade do devedor de alimentos está devidamente regulamentada pela legislação ordinária federal. No Código de Processo Civil, sua previsão se encontra no âmbito do cumprimento de sentenças que reconheçam a exigibilidade de obrigação de prestar alimentos (artigos 528 a 533) e na execução de títulos executivos extrajudiciais que contêm reconhecimento de débitos semelhantes (artigos 911 a 913), vista sempre como uma “técnica colocada à disposição das partes e do juiz para compelir o devedor a cumprir a obrigação alimentar previamente estabelecida.”[41]
Para que haja o decreto da prisão civil por dívidas é preciso, segundo a previsão constitucional do artigo 5º, LXVII, que ocorra um descumprimento voluntário e inescusável de uma obrigação alimentar imposta ao devedor. O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o débito atual, compreendido pelas “até três prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo”[42], sendo esta a previsão da Súmula 309 do STJ, positivada no artigo 528, § 7º do Código de Processo Civil de 2015. As prestações anteriores a estes três meses, cujo caráter deixa de ser alimentar e passa a ser apenas indenizatório, ensejam a cobrança por meio de cumprimento definitivo da sentença que reconhece a exigibilidade de obrigação de pagar quantia certa, nos termos do art. 528, § 8º, do Código de Processo Civil, sem a possibilidade de decretação da prisão, por perder a condição de débito atual[43].
Segundo a previsão dos artigos 528, caput e 911, caput, ambos do Código de Processo Civil, após o requerimento do cumprimento de sentença ou do ajuizamento da ação de execução de título executivo extrajudicial, o juiz determinará a intimação do devedor, para, no prazo de três dias, pagar o débito, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo[44]. Deste modo, uma vez instaurado o procedimento, o devedor poderá adotar três posturas diferentes: “pagar o débito ou provar que já está adimplido, extinguindo-se a execução; justificar a impossibilidade de pagar, o que não o isenta de pagamento, mas exime da prisão, se a justificativa for considerada relevante; manter-se inerte, caso em que o juiz decretará sua prisão.”[45]
Esta modalidade de prisão civil tem duração de um a três meses, cumprida em regime fechado, com o recluso separado dos presos comuns, devendo ser suspenso o cumprimento da ordem de prisão se o devedor cumprir a obrigação, conforme dispõe o artigo 528, §§3º, 4º e 6º do Código de Processo Civil. Destaca-se que o cumprimento pelo devedor da integralidade do tempo de prisão que lhe foi imposto não afasta o seu dever de pagamento do total das prestações vencidas e vincendas, as quais poderão ser cobradas “por meios executórios próprios, considerando-se que a função do decreto prisional é única e exclusivamente coercitiva visando o adimplemento final.”[46].
6 APLICAÇÃO DA TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL NAS EXECUÇÕES DE ALIMENTOS SOB O RITO DE PRISÃO CIVIL
A maior dificuldade para se analisar a aplicabilidade da teoria do adimplemento substancial na seara das obrigações alimentares reside na comparação do inadimplemento das obrigações desta natureza com as demais. Nessa matéria, o alimentando depende da prestação alimentar para a satisfação de suas principais necessidades, “o que a princípio obstaria por completo a tolerância com mínimos inadimplementos”[47]. Em contrapartida, não se pode esquecer da medida grave de limitação da liberdade do devedor, “que poderá ter restringido um dos mais valiosos bens da vida – a liberdade – como consequência de descumprimentos nanicos, violando-se à própria função do decreto prisional previsto pelo codificador processual.”[48]
Com a aplicação da boa-fé objetiva às obrigações de prestar alimentos, e sendo a teoria do adimplemento substancial um corolário deste princípio, esta última, a depender das circunstâncias do caso concreto, pode ser reconhecida como uma causa de impedimento ao decreto da prisão civil do devedor na execução de dívida alimentar, desde que seja feita uma ponderação de uma equivalência conjugada entre a obrigação assumida pelo alimentante, o montante do seu adimplemento, o prejuízo à subsistência do credor de alimentos e as consequências da decretação da prisão civil em virtude do inadimplemento mínimo.[49]
A aplicação da teoria em questão não pode, em hipótese alguma, trazer consigo efeitos liberatórios da dívida de alimentos, uma vez que o propósito da sua incidência não é incentivar o inadimplemento da obrigação, permitindo que o devedor em mora lucre com a sua inadimplência e o credor seja prejudicado com tal conduta. Em verdade, a incidência da teoria produz apenas efeitos impeditivos em relação ao decreto da prisão civil, “o que significa que o alimentante continuará devendo a quantia remanescente ao alimentando, inclusive sob ameaça de constrição patrimonial, mas não de coerção pessoal.”[50]
Num primeiro momento, a incidência do princípio da boa-fé objetiva nas obrigações de prestar é o que parece permitir a visualização da aplicabilidade da teoria do adimplemento substancial nas execuções de obrigação alimentar sob o rito de prisão civil, tanto quando tal princípio é adotado como elemento de interpretação do inadimplemento nanico da prestação, quanto na ocasião em que é utilizado como meio de coibição do uso abusivo de um direito titulado pelo credor.
A incidência da teoria do adimplemento substancial como um fator impeditivo ao decreto da prisão civil limita-se, portanto, ao devedor que, agindo de acordo com os parâmetros de conduta impostos pela boa-fé objetiva, permanece inadimplente e, por razões pontuais, não cumpre com a integralidade das prestações devidas[51]. Seguindo a própria lógica do ordenamento, o devedor de alimentos contumaz, que age de má-fé, visando se esquivar das suas obrigações, não deve ser beneficiado, de modo que a sanção restritiva de liberdade em face de sua conduta é a medida adequada e necessária para o fim almejado pelo credor alimentando.
A evidência de que o devedor de alimentos age de acordo com os deveres anexos impostos pela boa-fé objetiva é demonstrada a partir de uma análise das condutas adotadas durante todo o período em que perdura a obrigação alimentar. Deste modo, se neste tempo o alimentante sempre cumpriu com as suas obrigações, adimplindo por completo as parcelas que lhe incumbem e, por algum evento pontual, deixa de saldar parte mínima da dívida, mas continua prestando os alimentos, há de se concluir que o inadimplemento nanico não pode ser considerado como um agir de má-fé por parte do obrigado. A adoção deste comportamento pelo alimentante demonstra o seu intento de, dentro das suas possibilidades, saldar o débito e não deixar o alimentando desamparado com prejuízos à sua subsistência.
Por este motivo, o inadimplemento de parcela ínfima da obrigação alimentar deve ser analisado conforme as condutas adotadas pelo devedor na pendência da obrigação e justificado pela ocorrência de um fato eventual que impossibilite o alimentante de prestar os alimentos em sua integralidade. Tal eventualidade pode ser, em certos casos, constituída pela súbita alteração nas condições econômico-financeiras do devedor, que modifica a possibilidade da prestação. Se o devedor inadimplente de boa-fé sofre mudanças na sua situação econômica e, ainda assim, cumpre com a quase totalidade da obrigação que lhe é imposta, o decreto da sua prisão civil pode se tornar uma medida desproporcional em face do mínimo inadimplemento.
Somado a estes fatores, para que o devedor de boa-fé que teve as suas condições financeiras alteradas durante a vigência da obrigação de prestar alimentos não venha a sofrer a restrição da sua liberdade em razão de um inadimplemento mínimo da dívida de alimentos, é preciso que esta parcela faltante não cause prejuízos à subsistência ou à manutenção do credor que dela depende. Como já exposto neste trabalho, os alimentos desempenham papel fundamental na promoção da dignidade daqueles indivíduos que não possuem os meios financeiros e econômicos suficientes para garantirem o próprio sustento, representado por gastos com alimentação, saúde, vestuário, educação, moradia, entre outros. Por este motivo, a análise do inadimplemento nanico da obrigação alimentar não deve ser feita apenas na perspectiva do devedor de boa-fé, uma vez que é preciso ser observada a situação de necessidade do credor que carece da prestação alimentícia.
Por isso, admitir o afastamento da prisão civil do devedor de boa-fé em todo e qualquer caso de adimplemento substancial da dívida de alimentos é uma medida temerária que, por conseguinte, acaba por afastar a finalidade máxima da medida coercitiva de liberdade na ordem civil, consistente na coerção física do inadimplente para garantir a satisfação de um crédito essencial à manutenção do credor. É imprescindível que a parcela mínima faltante ao credor perca o seu caráter alimentar, no sentido de deixar de ser fundamental para o atendimento das necessidades básicas daquele, devendo ser evidenciado que o adimplemento significativo foi suficiente para a garantia do mínimo existencial do alimentando.
Portanto, para que seja cogitada a aplicação da teoria do adimplemento substancial no âmbito da execução de alimentos com o propósito de afastar a prisão civil do devedor, é preciso que restem comprovadas todas as circunstâncias ora apresentadas, as quais consistem no inadimplemento mínimo da dívida, na boa-fé no devedor durante toda a relação obrigacional e no ato de solvência do débito; na súbita alteração das condições econômico-financeira do inadimplente e na ausência de prejuízos à subsistência ou manutenção do credor que carece de alimentos.
Uma vez apresentadas as circunstâncias que possibilitam a incidência da teoria nos processos de execução de obrigações alimentares sob o rito de prisão civil, deve ser analisado se, preenchidos tais requisitos, o decreto da prisão em razão de um inadimplemento mínimo da pensão alimentícia é uma medida proporcional para a satisfação da finalidade almejada pelo credor e pelo próprio instituto da medida prisional, para, a partir de então, visualizar a possibilidade do afastamento da ordem de prisão em razão do adimplemento substancial da dívida.
7 EXAME DA PROPORCIONALIDADE DA PRISÃO CIVIL DECRETADA EM VIRTUDE DE INADIMPLEMENTO MÍNIMO
Sabe-se que o instituto da prisão civil tem em si uma colisão entre dois direitos fundamentais constitucionalmente garantidos, quais sejam, a dignidade do credor alimentando e a liberdade do devedor alimentante. Por serem princípios normativos, o conflito entre estes é resolvido por meio do critério da ponderação, hipótese em que se busca uma conciliação entre eles e, de acordo com as circunstâncias do caso concreto, é definido qual princípio é aplicável àquela situação, sem, contudo, excluir do ordenamento aquele que teve a sua aplicação afastada devido ao fato de serem antagônicos. Neste aspecto, destaca-se que, embora a obrigação de prestar alimentos trate uma relação entre particulares, os direitos fundamentais nela envolvidos possuem eficácia imediata, surgindo a proporcionalidade como elemento de análise da ponderação a ser feita em possível conflito de direitos existente.
O legislador, no âmbito das execuções das dívidas de alimentos, entendeu corretamente que, no conflito entre dignidade do alimentando e liberdade do alimentante, a primeira deve prevalecer sobre a segunda. Por tal motivo, foi instituído no direito brasileiro o mecanismo coercitivo da prisão civil, que tem como objetivo precípuo forçar o adimplemento do crédito alimentar e, como consequência, promover a dignidade do credor alimentício. Entretanto, tal prevalência, em virtude de uma análise dos critérios da proporcionalidade, pode vir a ser relativizada naqueles casos em que há um inadimplemento mínimo que não traz prejuízos à subsistência ou à manutenção do alimentando.
A proporcionalidade, adotada como vetor interpretativo do decreto prisional por inadimplementos nanicos de obrigações de prestar alimentos, assume papel importante ao impor limites na atuação do Estado, objetivando coibir excessos desarrazoados[52]. Reconhecer a proporcionalidade de uma determinada ação estatal é, em certa dimensão, identificar, em todas as circunstâncias, a proporção em sentido estrito entre a sanção imposta pelo Estado e a gravidade do ato praticado pelo indivíduo que implicou na imposição de uma medida coercitiva.
A proporcionalidade constitui em uma regra de interpretação e aplicação do direito, tendo seu lugar naqueles casos em que há uma ação estatal destinada à promoção de um direito fundamental, mas que, por via reflexa, acaba por implicar na restrição de um ou outro direito fundamental.[53] Assim, deve-se ter em mente que a proporcionalidade possui, em sua estrutura, três subprincípios, consistentes na adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito . Na análise da proporção de determinada medida é preciso que o intérprete perpasse por cada uma destes subprincípios e, por estes possuírem uma relação subsidiária entre si, não é obrigatório o exame de todos eles[54], uma vez que o não preenchimento de um implica na impossibilidade de se examinar o próximo subprincípio, de modo que só se passa para a análise da necessidade, após a percepção de que o meio é adequado, ou ainda, só se examina a proporcionalidade em sentido estrito, depois de constatado que o meio é adequado e necessário.
O subprincípio da adequação “exige que as medidas interventivas adotadas se mostrem aptas a atingir os objetivos pretendidos”[55]. Na concepção de Virgílio Afonso da Silva[56], o meio adequado não é apenas aquele cuja utilização tem um fim alcançado, “mas também o meio com cuja utilização a realização de um objetivo é fomentada, promovida, ainda que o objetivo não seja completamente realizado”. Deste modo, inadequado será o meio que, além de ser incapaz de atingir o fim pretendido, é, ademais, insuficiente para o fomento da realização do objetivo almejado.
Por sua vez, o subprincípio da necessidade indica que não há outro meio menos gravoso a ser utilizado que seria igualmente eficaz na consecução dos objetivos tencionados[57]. Assim, dentre os vários meios que permitem alcançar o fim almejado, aquele que provoca os menores prejuízos ao direito fundamental em questão será o necessário[58].
Avaliadas e presentes a adequação e a necessidade do meio utilizado para a promoção de uma finalidade pretendida, passa-se para o exame da proporcionalidade em sentido estrito do ato, a qual pondera a relevância da satisfação do fim almejado e a intensidade da restrição de um determinado direito fundamental. Humberto Ávila aponta que este exame se pauta nos seguintes questionamentos:
O grau de importância da promoção do fim justifica o grau de restrição causada aos direitos fundamentais? Ou, de outro modo: As vantagens causadas pela promoção do fim são proporcionais às desvantagens causadas pela adoção do meio? A valia da promoção do fim corresponde à desvalia da restrição causada?[59]
A este respeito desta proporcionalidade em sentido estrito, Virgílio Afonso da Silva aponta que
Para que uma medida seja reprovada no teste da proporcionalidade em sentido estrito, não é necessário que ela implique a não-realização de um direito fundamental. Também não é necessário que a medida atinja o chamado núcleo essencial de algum direito fundamental. Para que ela seja considerada desproporcional em sentido estrito, basta que os motivos que fundamentam a adoção da medida não tenham peso suficiente para justificar a restrição ao direito fundamental atingido. É possível, por exemplo, que essa restrição seja pequena, bem distante de implicar a não-realização de algum direito ou de atingir o seu núcleo essencial. Se a importância da realização do direito fundamental, no qual a limitação se baseia, não for suficiente para justificá-la, será ela desproporcional.[60]
Segundo Diego Brito Cardoso[61], a proporcionalidade em sentido estrito tem a sua aplicação dividida em três fases, em que num primeiro momento se determina o grau de intensidade do meio utilizado que cerceia um direito fundamental, passando-se para uma análise da relevância das razões que justificam tal intervenção neste direito, para, no fim, fazer uma ponderação entre as respostas das duas etapas anteriores, com o intuito de identificar se a importância de se satisfazer o fim pretendido pelo meio adotado justifica ou não a restrição de um direito.
A princípio, deve-se ter em mente que a restrição da liberdade do devedor de alimentos, quando inadimplente, é uma medida proporcional, dada a própria relevância da verba alimentar na promoção da dignidade dos indivíduos que deles dependem.
Como já apresentado, no âmbito da prisão civil por dívida de alimentos, o legislador determinou os bens jurídicos a serem tutelados (vida e dignidade do alimentando) e a conduta ofensiva a estes bens (inadimplemento de verba alimentar), buscando encontrar um equilíbrio na aplicação da sanção restritiva de liberdade. O decreto da prisão civil em virtude de um inadimplemento mínimo é, em certo ponto, uma medida adequada, uma vez que é apto a consecução do seu objetivo principal, qual seja, a coerção do devedor a adimplir a parcela faltante. Contudo, nestes casos de inadimplementos nanicos, em que não há prejuízo à subsistência do credor, a prisão não é um instrumento necessário, por haver outros meios de cobrança menos gravosos e tão eficazes quanto a prisão civil, a exemplo das constrições patrimoniais e medidas executivas atípicas a serem aplicadas pelo juiz, conforme dispõe o art. 139, IV do Código de Processo Civil. Por outro lado, ainda que se entenda pela necessidade da medida coercitiva nas hipóteses de inadimplemento mínimo, esta não é proporcional no sentido estrito da palavra, já que o devedor tem o seu direito fundamental à liberdade de locomoção restringido em razão do não pagamento de um valor que possivelmente perdeu o seu caráter alimentar e, por conseguinte, se desapossou da essencialidade na promoção da dignidade do alimentando que depende da pensão alimentícia. Admitir a prisão do inadimplente nestas circunstâncias seria assumir que a satisfação de uma prestação obrigacional de natureza patrimonial é mais relevante do que manter o devedor livre, havendo uma prevalência do interesse econômico do credor de ter o seu crédito adimplido sobre a direito à liberdade do devedor, o qual é constitucionalmente garantido.
Reconhece-se, então, a medida coercitiva da prisão civil por descumprimentos mínimos como um “meio extremo de coação do inadimplente, que extrapola os limites impostos pelo conceito da proporcionalidade, se observados os critérios de adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito” [62], sobretudo por encarcerar alguém que pagou quase a totalidade do débito como se a parcela inadimplida fosse equivalente à um inadimplemento integral.
Neste sentido,
O prejuízo mínimo ao alimentado não parece justificar o cerceamento de liberdade do devedor, medida grave e extremamente onerosa ao devedor. O credor poderá valer-se de todos os demais meios executórios para cumprimento forçado da obrigação, de modo que, ao se cogitar da aplicação do adimplemento substancial nessas hipóteses, não se tolera, de forma alguma, o inadimplemento, mas, ao revés, pondera-se a aplicação da grave medida de reclusão para a satisfação de mínimos inadimplementos.[63]
Nesta ocasião de adimplemento substancial da dívida de alimentos, a prisão decretada em virtude de um inadimplemento ínfimo que não prejudica a subsistência do credor, “acaba por constituir um fim em si mesma, sem produzir os resultados úteis almejados no processo de execução”[64], além de se revelar como uma medida abusiva e desproporcional em relação ao valor restante a ser executado. A aplicação da teoria do adimplemento substancial nas execuções de alimentos sob o rito de prisão civil jamais pode ser utilizada no sentido de afastar a responsabilidade do devedor pelo pagamento da dívida, haja vista que o crédito já está devidamente constituído e passível de cobrança. Portanto, tal teoria tão somente implica no dever do credor de utilizar meios menos gravosos na execução da dívida, os quais não poderão resultar na restrição da liberdade do inadimplente por débitos de pequena monta[65].
Sob estas circunstâncias, reconhece-se que o devedor de alimentos de boa-fé, que teve as suas condições financeiras alteradas subitamente, cuja possibilidade de adimplemento da prestação foi diminuída, a ponto de permitir apenas um cumprimento aproximado da integralidade que não causa danos à subsistência do credor alimentando, não deve ter a sua prisão civil decretada em virtude de um inadimplemento mínimo, quando, no caso concreto, é adotado pelo Estado-juiz os critérios de aferição da proporcionalidade da medida coercitiva de liberdade.
O direito à liberdade é a regra do ordenamento jurídico e, desde o momento em que o indivíduo se encontra vivo, é pressuposto para a promoção da dignidade da pessoa humana. As medidas coercitivas que restringem tal direito possuem natureza excepcional na ordem interna, já que todo e qualquer cerceamento de liberdade presume uma previsão legal que autorize a imposição deste tipo de sanção pelo Estado. A prisão civil, por representar um meio restritivo em razão de dívidas, tem a sua excepcionalidade acentuada, sendo admitida em apenas uma única situação pontual, qual seja, aquela em que existem débitos voluntários e inescusáveis de natureza alimentar decorrentes de obrigações de direito de família.
A proporcionalidade da imposição da prisão civil em virtude do inadimplemento total ou parcial dos débitos alimentares é, com razão, quase pacífica na doutrina e na jurisprudência brasileiras. No entanto, tal pacificidade não pode servir de escusa para a ausência da análise de circunstâncias especiais que permeiam a figura da prisão. Por este motivo, a utilização dos critérios da proporcionalidade nos casos de adimplemento substancial da dívida de alimentos se faz necessária, principalmente em razão da excepcionalidade da restrição do direito de liberdade no ordenamento pátrio, a qual passa a ser ainda mais acentuada nos casos de débitos de pequena monta, diante da existência de outros meios executivos menos gravosos que não atingem diretamente um direito fundamental do devedor de boa-fé. Portanto, constatada no caso concreto a desproporcionalidade da medida coercitiva de liberdade em função de um adimplemento substancial do débito alimentar, é possível que a ordem de prisão civil seja afastada pelo juízo competente nos processos de execução de dívida mínima, quando esta é desprovida de caráter alimentar.
8 CONCLUSÃO
A aplicabilidade da teoria do adimplemento substancial no âmbito das execuções de alimentos sob o rito da prisão civil é objeto de controvérsias acadêmicas e jurisprudenciais. De um lado, tem-se que o decreto prisional visa forçar o cumprimento de uma prestação que, para o credor, é essencial à sua subsistência e dignidade, de forma que um pagamento substancial da quantia devida pode ser considerado insatisfatório para o atendimento das necessidades do alimentando. De outro lado, existe um devedor que cumpre quase a integralidade da obrigação alimentar que lhe foi imposta e, em virtude de um inadimplemento ínfimo, tem a sua liberdade restringida a fim de cumprir o mínimo obrigacional restante.
No dia 16 de agosto do ano de 2018, o Superior Tribunal de Justiça julgou o Habeas Corpus nº 439/973 e fixou o entendimento de que a teoria do adimplemento substancial não tem incidência nos vínculos jurídicos familiares, sendo um instrumento inadequado para a resolução das controvérsias atinentes às obrigações alimentares, por existirem outros instrumentos processuais que garantem ao inadimplente a possibilidade de justificar o seu descumprimento ou pleitear a revisão dos valores de alimentos inicialmente fixados. Contudo, o presente trabalho se atentou ao voto vencido proferido pelo Ministro relator Luis Felipe Salomão que, ao entender pelo impedimento da ordem de prisão civil em caso de adimplemento significativo da dívida, deu lugar à um reexame da proporcionalidade do meio restritivo de liberdade utilizado na execução de alimentos, trazendo consigo uma nova perspectiva do direito de família no que diz respeito à incidência do princípio contratual da boa-fé objetiva nas obrigações de prestar alimentos.
Sob a ótica da proporcionalidade, deve-se proteger o devedor de alimentos de boa-fé que cumpre substancialmente a obrigação que lhe é imposta e cujo inadimplemento mínimo não causa prejuízos à subsistência do credor. Viu-se que, embora a prisão civil por inadimplemento mínimo seja uma medida adequada, por ser apta a satisfazer o seu fim, não é um meio necessário, em razão da existência de outros instrumentos executivos menos gravosos que a coerção pessoal. Também não é medida proporcional no sentido estrito da palavra, diante da gravidade da restrição da liberdade em face da relevância da satisfação de um crédito que representa interesse meramente patrimonial.
Nestas circunstâncias, ao sopesar o conflito entre a dignidade do credor alimentando e a liberdade do devedor alimentante, a inversão da lógica de prevalência da primeira sobre a segunda no âmbito da prisão civil vem à tona, no sentido de que, quando o devedor cumpre substancialmente a sua prestação, deve ter o seu direito de liberdade prestigiado em face da dignidade já satisfeita do credor.
O afastamento da prisão civil em razão do adimplemento substancial revela-se, portanto, como um instrumento de garantia do direito fundamental à liberdade titulado pelo devedor, ao impor ao credor o dever de utilizar os meios menos gravosos para a cobrança da dívida, sem, contudo, implicar em remissão ou extinção do crédito.
Sob esta nova ótica, não se tem o propósito de beneficiar o devedor contumaz que, de má-fé, deixa de cumprir as prestações alimentares essenciais à subsistência do credor. Em verdade, busca-se evitar a decretação da prisão civil do devedor que cumpre substancialmente a prestação que lhe é imposta, em virtude do finalismo ético almejado pelo ordenamento jurídico e da proteção da pessoa humana do devedor, que tem a sua liberdade restringida por um débito insignificante que não causa prejuízos ao alimentando.
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[1] ALVES, Suelem Aparecida. Prisão civil do devedor de alimentos: natureza jurídica e eficácia no plano prático. Revista Percurso Acadêmico, Belo Horizonte, v. 5, n. 9, p. 169-206, jan./jul. 2015. p. 195.
[2] QUINELATO, João. O adimplemento substancial nas obrigações de prestar alimentos: influxos da boa-fé objetiva nas relações familiares. Civilistica.com: revista eletrônica de direito civil, Rio de Janeiro, ano 7, n. 3, p. 1-22, 2018. p. 18.
[3] CALMON, Rafael. A prisão civil em perspectiva comparatista: e o que podemos aprender com isso. Revista IBDFAM: família e sucessões, Belo Horizonte, n. 27, p. 59-80, maio/jun. 2018. p. 76.
[4] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (4. Turma). HC 439.973. Habeas corpus. Direito de família. Teoria do adimplemento substancial. Não incidência. Débito alimentar incontroverso. Súmula n. 309/STJ. Prisão civil. Legitimidade. Pagamento parcial da dívida. Revogação do decreto prisional. Não cabimento. Irrelevância do débito. Exame na via estreita do writ. Impossibilidade. Relator: Min. Luis Felipe Salomão, 16 de agosto de 2018. p. 6.
[5] Ibid., p. 11.
[6] Ibid., p. 12.
[7] Ibid., p. 12.
[8] Ibid., p. 12.
[9] Ibid., p. 12.
[10] GOMES, Orlando. Obrigações. 17. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2008. p. 15.
[11] CUNHA, Raphael Augusto. O inadimplemento na nova teoria contratual: o inadimplemento antecipado do contrato. 2015. Dissertação (Mestrado em Direito Civil) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015. p. 8.
[12] SCHREIBER, Anderson. A tríplice transformação do adimplemento: adimplemento substancial, inadimplemento antecipado e outras figuras. RTDC: Revista trimestral de direito civil, Rio de Janeiro, v. 8, n. 32, p. 03-27, out./dez. 2007.
[13] CUNHA, op. cit., p. 35.
[14] MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2018. p. 42.
[15] A respeito dos deveres laterais ou anexos da boa-fé objetiva, Menezes Cordeiro os classifica em três categorias gerais: dever de proteção, de esclarecimento e de lealdade. O primeiro, dever de proteção, estabelece que as partes contratantes devem evitar provocar danos à pessoa ou ao patrimônio um do outro. O segundo, dever de esclarecimento, impõe que as partes, durante a vigência do contrato, troquem informações contínuas sobre todas os aspectos e situações que circunstanciam o vínculo contratual. Por fim, o dever de lealdade, impõe que a atuação das partes durante o vínculo contratual não venha a retirar a sua utilidade.
[16] Sobre tal exigência, Menezes Cordeiro (2013, p. 606-607) destaca que “os deveres acessórios de lealdade obrigam as partes a, na pendência contratual, absterem-se de comportamentos que possam falsear o objectivo do negócio ou desequilibrar o jogo das prestações por elas consignado. Com esse mesmo sentido, podem ainda surgir deveres de actuação positiva. A casuística permite apontar, como concretização desta regra, a existência, enquanto um contrato se encontre em vigor, de deveres de não concorrência, e não celebração dos contratos incompatíveis com o primeiro, de sigílio, face a elementos obtidos por via da pendência contratual e cuja divulgação possa prejudicar a outra parte e de actuação com vistas a preservar o objectivo da mera interpretação contratual, mas antes das exigências do sistema, face ao contrato considerado.”
[17] CUNHA, op. cit., p. 29.
[18] AZEVEDO, Álvaro Villaça. Prisão civil por dívida. 3. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2012. p. 115.
[19] AZEVEDO, op. cit., p. 122.
[20] MARTINS-COSTA, op. cit., p. 296-297.
[21] SCHREIBER, Anderson. O princípio da boa-fé objetiva no direito de família. In: V CONGRESSO NACIONAL DE DIREITO DE FAMÍLIA, 2005, Belo Horizonte. [Anais]. Belo Horizonte: IBDFAM, 2005. p. 14.
[22] MARTINS-COSTA, op. cit., p. 296.
[23] MARTINS-COSTA, op. cit., p. 297.
[24] QUINELATO, op. cit., p. 11.
[25] BONFIM, Daniel Guerreiro. Adimplemento substancial: razoabilidade da sua aplicação nas relações contratuais do capitalismo moderno. 2017. Dissertação (Mestrado em Ciências Jurídicas) – Departamento de Direito, Universidade Autónoma de Lisboa, Lisboa, 2017. p. 79.
[26] BUSSATTA, Eduardo Luiz. Resolução dos contratos e teoria do adimplemento substancial. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 99.
[27] BECKER, Anelise. A doutrina do adimplemento substancial no direito brasileiro e em perspectiva comparativista. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, v. 9, n. 1, p. 60-77, nov. 1993. p. 65.
[28] BONFIM, op. cit., p. 86.
[29] BUSSATTA, op. cit., 110.
[30] Ibid., p. 45.
[31] Ibid., p. 86.
[32] BUSSATTA, op. cit., p. 87.
[33] BECKER, op. cit., p. 70.
[34] BONFIM, op. cit., p. 80.
[35] PIOVESAN, Edivane Silvia; SUSKI, Liana Maria Feix. Prisão civil do devedor de alimentos na comarca de Itapiranga nos anos de 2013 a 2015: análise da efetividade do cerceamento da liberdade como meio de coerção. Revista UNITAS, Itapiranga, n. 1, p. 272-292, 2016. p. 273.
[36] MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2018. p. 968.
[37] ALVES, op. cit., p. 188.
[38] AZEVEDO, op. cit., p. 35.
[39] GRISARD FILHO, Waldyr. O futuro da prisão civil do devedor de alimentos: caminhos e alternativas. Revista IOB de Direito de Família, Porto Alegre, v. 11, n. 55, p. 51-65, ago./set. 2009. p. 55.
[40] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 1270.
[41] CALMON, op. cit., p. 68.
[42] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula n° 309. DF: Superior Tribunal de Justiça, [2006].
[43] MENDES; BRANCO, op. cit., p. 973.
[44] BRASIL. Lei nº 13.105 de 16 de março de 2015. Institui o Código de Processo Civil. Brasília, DF: Presidência da República, [2015].
[45] PIOVESAN; SUSKI, op. cit., p. 273.
[46] QUINELATO, op. cit., p. 18.
[47] Ibid, p. 13.
[48] QUINELATO, op. cit., p. 13.
[49] CRUZ JÚNIOR, Edmilson. A aplicabilidade da teoria do adimplemento substancial em matéria de dívida alimentar e o princípio da boa-fé. In: LOBO, F. A.; EHRHARDT JÚNIOR, M.; PAMPLONA FILHO, R. (coord.). Boa-fé e sua aplicação no direito brasileiro. Belo Horizonte: Fórum, 2017. p. 268.
[50] CALMON, op. cit., p. 76.
[51] CRUZ JÚNIOR, op. cit., p. 266.
[52] ALVES, op. cit., p. 198.
[53] SILVA, Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável. Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 91, n. 798, p. 23-50, abr. 2002. p. 24.
[54] CARDOSO, Diego Brito. Colisão de direitos fundamentais, ponderação e proporcionalidade na visão de Robert Alexy. Revista Digital Constituição e Garantia de Direitos, Natal, v. 9, n. 1, p. 137-155, out. 2016. p. 148.
[55] MENDES; BRANCO, op. cit., p. 333.
[56] SILVA, op. cit, p. 29.
[57] MENDES; BRANCO, op. cit., p. 333.
[58] DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 230.
[59] ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 4. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2004. p. 124.
[60] SILVA, op. cit., p. 43.
[61] CARDOSO, op. cit., 149.
[62] ALVES, op. cit., p. 198.
[63] QUINELATO, op. cit., p. 19.
[64] ALVES, op. cit., p. 195.
[65] QUINELATO, op. cit., p. 21.
Bacharel em direito pela Universidade Federal de Viçosa, pós graduado em Direito processual civil pela faculdade única de Ipatinga. Assessor de juiz no TJMG .
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, João Gabriel Fumian Novis de. A teoria do adimplemento substancial como óbice à decretação da prisão civil do devedor de alimentos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 set 2025, 04:29. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/69661/a-teoria-do-adimplemento-substancial-como-bice-decretao-da-priso-civil-do-devedor-de-alimentos. Acesso em: 15 set 2025.
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