RESUMO: Este documento aborda os principais aspectos jurídicos e econômicos dos contratos administrativos de concessões de exploração de serviços de energia elétrica por empresas privadas. Trata sobre o histórico dos contratos administrativos, dos princípios administrativos e prerrogativas gerais do poder público nos contratos administrativos em geral, sobre as especificidades de contratos de exploração de serviços públicos de energia elétrica em específico, sobre as leis que regem o tema e sobre evento recentes que tratam do tema.
Palavras-chave: contratos administrativos; concessão de energia elétrica; serviços públicos.
ABSTRACT: This document addresses the main legal and economic aspects of administrative contracts for concessions for the exploration of electric energy services by private companies. It deals with the history of administrative contracts, the administrative principles and general prerogatives of the public authority in administrative contracts in general, the specificities of contracts for the exploration of public electric energy services in particular, the laws governing the subject, and recent events that address the topic.
Key-words: administrative contracts; electric energy concessions; public services.
SUMÁRIO: 1. Introdução 2. Histórico do modelo de concessões 3. Tipos de regimes de exploração de serviços públicos pelo particular 4. Modelo de concessões brasileiro 4.1. Natureza jurídica 4.1.1. PPPs 5. Características do contrato de concessão 5.1. Prerrogativas do poder público nos contratos de concessão 5.1.1. Alterações unilaterais 5.1.2. Encampação 5.1.3. Caducidade 5.1.4. Anulação da concessão 5.1.5. Intervenção e sanções 5.2. Direitos e deveres do concessionário nos contratos de concessão 6. Das tarifas 7. Do prazo 8. Dos bens 8.1. Bens reversíveis 8.2. Bens não reversíveis 9. Concessões no âmbito de exploração de serviços de energia elétrica • 9.1. Aspectos gerais do setor elétrico 9.2. Modicidade tarifária na distribuição de energia elétrica 10. Da continuidade 11. Teoria da imprevisão e fato do príncipe no setor de energia elétrica 12. Prazos no setor de energia elétrica 12.1. Da prorrogação das concessões 13. Problemas do modelo de concessões brasileiro no setor de energia elétrica 13.1. Monopólio natural e da priorização do lucro 13.2. Ineficiência das sanções.
O fornecimento de energia elétrica à população é substrato essencial à dignidade da pessoa humana e materialização dos direitos fundamentais. Sem energia elétrica em uma residência, não é possível ter quaisquer eletrodomésticos, objetos essenciais ao conforto e vivência de uma família. No Brasil, especialmente, a população é constantemente refém de empresas de energia elétrica, diante de apagões e modificações aparentemente imotivadas do preço da tarifa de energia elétrica. A regulação e fiscalização das empresas que atuam no fornecimento de energia elétrica à população brasileira é, portanto, tema de extrema relevância no país.
2. HISTÓRICO DO MODELO DE CONCESSÕES
O Estado brasileiro, ao longo de sua história, adotou diferentes modelos para a prestação de serviços públicos, inspirando-se, ainda que tardiamente, nas nações capitalistas da Europa continental. Inicialmente, por volta, do século XVII, a execução era direta, por meio de seus próprios órgãos administrativos. A partir da década de 1920, e com mais força após a Revolução de 30 brasileira, iniciou-se um processo de descentralização com a criação de autarquias, que atuavam tanto em funções administrativas quanto industriais e comerciais. Nesse mesmo período, o governo também utilizou amplamente as concessões ao setor privado, nacional e estrangeiro, “como fator inicial de desenvolvimento de atividades de caráter sobretudo industrial e de penetração do desenvolvimento econômico”[1].
No processo de burocratização e adaptação dos modelos de prestação de serviços públicos, as características originais deste regime foram progressivamente modificadas, principalmente pela introdução de mecanismos de diluição dos riscos dos serviços prestados entre o Estado e o ente privado, como cláusulas prevendo a responsabilização subsidiária do ente público pelos danos causados no empreendimento. Subsequentemente, no período pós-Segunda Guerra, emergiram novas pessoas jurídicas de direito privado – as sociedades de economia mista e as empresas públicas –, concebidas para dotar a máquina administrativa de maior agilidade e eficácia, em moldes empresariais. Se por um lado este modelo possibilita ao Estado reter o poder de controle sobre o serviço e a fixação de preços, por outro, ele assume integralmente os riscos do empreendimento na qualidade de acionista majoritário. Com isso, anula-se a vantagem primordial da prestação de serviços públicos por entes privados, que seria realizada sem o dispêndio direto de vultosos capitais estatais; como acionista majoritário, o Estado não era tão desvinculado da prestação de serviços como no começo da desestatização de prestação de serviços públicos no início do século XX.
Nas décadas recentes, o movimento de colaboração entre Estado e particular ganhou ainda mais tração, fundamentados no consenso, acordo e cooperação, emergindo o termo parceria, “vinculado à contratualização, para abranger os diversos ajustes que expressam a colaboração entre entidades públicas ou entre entidades públicas e setor privado, ou, ainda, entre todas estas partes, envolvendo, assim, uma pluralidade de atores”[2]. No Brasil, há ainda o modelo de parcerias público-privadas (PPIs), dentro do contexto das concessões de exploração de serviços públicos.
Atualmente, conta-se com diferentes tipos de mecanismos de equilíbrio dos riscos, obrigações das concedentes e concessionárias, e divisão de responsabilidades. Trata-se de negócio jurídico público complexo, abarcado por diferentes contextos na sociedade brasileira e individualizado para a necessidade de cada ente público e população local.
No âmbito da concessão de exploração de serviços de energia elétrica, o tipo mais utilizado é a concessão, marcado pelos institutos do equilíbrio econômico-financeiro, pela fiscalização do poder público sobre o concessionário, pela remuneração do concessionário pelas tarifas dos usuários, pelo zelo na eficiência e adequação dos serviços prestados, e também dos princípios norteadores do direito administrativo brasileiro.
3. TIPOS DE REGIMES DE EXPLORAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS PELO PARTICULAR
A Carta Magna prevê três formas de exploração pelo particular dos serviços de energia elétrica: a autorização, a permissão e a concessão. Em seu artigo 21, tratando especificamente do setor de energia elétrica, lê-se que:
Art. 21: Compete à União:
XII - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão:
b) os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos de água, em articulação com os Estados onde se situam os potenciais hidroenergéticos;
O artigo 175 da Constitução, prevê, paralelamente, que “incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos”.
A autorização costuma ser mais utilizada pelo Poder Público para regulamentar a produção de energia elétrica por particulares de pequeno porte; a permissão não é instrumento normalmente utilizado no setor de energia elétrica, especialmente se tratando em empreitadas de grande porte, já que, igualmente à autorização, é concedida a título precário pelo Poder Público e sem garantias às empresas do ramo de energia elétrica. O principal instrumento nesta área é a concessão, ato contratualmente complexo e regulado. Como expõe a doutrinadora Elena Landau, “a permissão não é instituto normalmente utilizado no setor de energia. A autorização é discricionária e não prevê indenização no caso de sua revogação. Já a concessão é regulada por contrato, prevendo indenização e as condições de sua extinção. A autorização tem como uma de suas vantagens a sua flexibilidade e conceitualmente é adequada para os casos de investimentos de pequeno montante. A concessão, ao prover melhores garantias para o investimento privado, ao mesmo tempo em que caracteriza com mais precisão as obrigações do concessionário, é adequada para os casos em que os investimentos são de grande monta e o serviço por razões técnicas ou regulatórias é prestado em situações em que a competição é limitada.”[3]
O foco deste artigo é a concessão, cujo modelo é o mais utilizado nas atividades de transmissão e distribuição de energia elétrica de grande monta, a um grande volume de clientes, em uma grande região.
4.MODELO DE CONCESSÕES BRASILEIRO
As principais norma que tratam da concessão de serviços públicos são a Lei 8.987 de 1995 (Lei Geral de Concessões), e a Lei 9.074/95, ambas regulamentando o artigo 175 da Constituição. Elas estabelecem o arcabouço jurídico para a concessão de serviços públicos à iniciativa privada no Brasil, além das condições para outorga e prorrogação destas.
Concessão de serviço público é o contrato administrativo pelo qual o Estado atribui a alguém o exercício de um serviço público, para que o execute em nome próprio, por sua conta e risco, remunerando-se pela própria exploração do serviço, via de regra mediante tarifas cobradas diretamente dos usuários do serviço.[4] Trata-se da outorga da realização de atividades de interesse público e geral para particulares, mediante condições e obrigações impostas ao concessionário pelo Poder Público, tendo em vista a execução dos serviços estritamente conforme padrões de eficiência e qualidade pré-determinados. Ainda, não é possível a concessão de funções estatais de natureza política, jurisdicional ou legislativa. Todas as demais atividades podem ser objeto de concessão pelo poder público[5].
Ademais, a concessão de serviços públicos, conquanto contrato administrativo entre o poder público e o concessionário, não deve ser observada, em suas consequências e resultados, estritamente nos limites da relação entre essas duas partes. Nesse sentido pontua Marçal Justen Filho:
O contrato de concessão é pactuado entre três partes, que são (a) o “poder concedente” (o ente federativo titular da competência para prestar o serviço), (b) a sociedade, personificada em instituição representativa da comunidade, e (c) o particular (concessionário).[6]
O poder público e o concessionário devem, na consecução do empreendimento abarcado pelo contrato de concessão, zelar pelo benefício geral da sociedade, observando ainda que o contrato não cause prejuízos ou danos ilícitos a esta. Na realização de obra de grandes proporções, por exemplo, não pode o concessionário em faltar com seus demais deveres de defesa do meio ambiente visando maiores retornos sobre o projeto (vide artigos 170, VI e 225 da Constituição Federal).
As parcerias público-privadas, regidas pela Lei 11.079/2004, são uma modalidade de concessão de serviços públicos também amplamente utilizada. Seu principal diferencial é no aporte de recursos públicos para remunerar o ente privado, efetivamente o pagando para realizar o serviço para o ente administrativo. Assim expõe o art. 2ª desta Lei:
Art. 2º Parceria público-privada é o contrato administrativo de concessão, na modalidade patrocinada ou administrativa.
§ 1º Concessão patrocinada é a concessão de serviços públicos ou de obras públicas de que trata a Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, quando envolver, adicionalmente à tarifa cobrada dos usuários contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado.
O modelo de PPP surge diante da necessidade, frente a grandes projetos envolvendo riscos vultuosos, do ente privado contratado poder dividir os riscos com o poder público, recebendo contraprestação deste ainda que não receba imediatamente as remunerações dos usuários do projeto final. É comum que grandes obras, como, por exemplo, linhas de metrô, adotem tal modelo a fim de melhor repartir os riscos do empreendimento e incentivar a sua concretização.
5. CARACTERÍSTICAS DO CONTRATO DE CONCESSÃO
Por ser contrato administrativo, a concessão possui características próprias que a diferenciam dos contratos regidos unicamente pelo direito civil, visto serem regidos por leis e dispositivos próprios. A Lei 8.987/95 estabelece, em seu artigo 23, as cláusulas essenciais do contrato de concessão. Neste artigo abordar-se-á principalmente as obrigatoriedades relativas às obrigações do concedente e concessionário, ao prazo da concessão, às tarifas e sua revisão e modicidade, e aos bens reversíveis.
5.1 PRERROGATIVAS DO PODER PÚBLICO NOS CONTRATOS DE CONCESSÃO
A administração pública conta, nos contratos administrativos, com uma série de prerrogativas que visam a garantir a prevalência do interesse público nas atividades realizadas, visando sempre a obediência à princípios estabelecidos em lei.
O ente público pode fazer alterações unilaterais do contrato administrativo, sempre respeitando o equilíbrio econômico-financeiro do projeto, concernentes às condições do funcionamento, o modo de fruição pelos usuários, as taxas que serão cobradas, entre outros. Nesse sentido dispõe, entre outros, o artigo 9º, § 4º da Lei 8987/95:
Art. 9o A tarifa do serviço público concedido será fixada pelo preço da proposta vencedora da licitação e preservada pelas regras de revisão previstas nesta Lei, no edital e no contrato.
[...]
§ 4º Em havendo alteração unilateral do contrato que afete o seu inicial equilíbrio econômico-financeiro, o poder concedente deverá restabelecê-lo, concomitantemente à alteração.
Este artigo da lei permite a alteração unilateral do contrato pelo poder público, além de impor ao poder público concedente a obrigação de reparar, quando prejudicado, o equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão.
Outrossim, a Lei 8.987/95 prevê o poder, pelo ente público, de extinguir a concessão nos casos nela previstos, consoante artigo 29, IV da Lei:
Art. 29. Incumbe ao poder concedente:
[...]
IV - extinguir a concessão, nos casos previstos nesta Lei e na forma prevista no contrato;
A encampação é uma das formas de extinção unilateral do contrato. Este ato ocorre por decisão de conveniência e oportunidade do poder concedente, sem que haja qualquer falha ou inadimplência por parte do concessionário. A motivação para a encampação reside na necessidade de o Estado reassumir diretamente o serviço ou substituí-lo por uma alternativa mais adequada ao interesse público. Por se tratar de uma quebra da expectativa contratual que afeta o equilíbrio econômico-financeiro, a legislação exige a edição de uma lei autorizativa específica e o pagamento prévio de uma indenização completa ao concessionário, a qual deve cobrir não apenas o capital ainda não amortizado dos bens reversíveis, mas também os lucros cessantes decorrentes da extinção antecipada do contrato.
Paralelamente, a caducidade, ou decadência, é a forma de extinção motivada pela inadimplência do concessionário. Quando o ente privado não cumpre total ou parcialmente suas obrigações, o poder concedente pode, a seu critério e por meio de decreto, declarar a caducidade do contrato. Neste cenário, a indenização devida é significativamente mais restrita, limitando-se ao pagamento das parcelas não amortizadas dos bens e equipamentos necessários à prestação do serviço que serão revertidos ao Estado. Além disso, o pagamento não precisa ser prévio e do valor apurado podem ser descontadas as multas contratuais aplicáveis e os prejuízos causados pelo concessionário.
A anulação da concessão, por sua vez, ocorre quando se identifica um vício jurídico na origem do contrato, ou seja, uma ilegalidade no ato de sua outorga. A consequência indenizatória desta modalidade depende diretamente da boa-fé do concessionário. Se não houver comprovação de má-fé de sua parte, ele terá direito ao ressarcimento pelas despesas que já efetuou. Caso o serviço já esteja em funcionamento no momento da anulação, a indenização corresponderá ao valor das parcelas não amortizadas dos bens que foram revertidos ao patrimônio público, garantindo que o concessionário não sofra prejuízos por uma falha que não provocou.
Ademais, o poder público também dispõe dos institutos da intervenção e pode aplicação sanções ao ente privado (art.29, inc. II e III da Lei 8.987/95). A intervenção é uma medida extraordinária e temporária, formalizada por decreto, na qual o poder público assume a gestão do serviço para garantir sua continuidade e o cumprimento das obrigações contratuais. Ao término da intervenção, ele avaliará se o contrato deve prosseguir, se alguma penalidade deve ser aplicada ou se a concessão deve ser extinta. Adicionalmente, o poder de impor sanções permite punir o concessionário por inadimplência, com penalidades que “podem ser estabelecidas em regulamento anterior à concessão ou no edital do certame”[7], aplicadas após garantir o direito à ampla defesa, podendo variar desde advertências e multas até a própria declaração de caducidade do contrato.
5.2 DIREITOS E DEVERES DO CONCESSIONÁRIO NOS CONTRATOS DE CONCESSÃO
O cessionário, no âmbito do contrato de concessão, está obrigado a cumprir com seus deveres jurídicos, nos termos do contrato e das normas técnicas previstas, tomando em vista a regulamentação produzida pelo poder concedente[8]. Nesse sentido, zelando pelo interesse público e subserviência aos limites e deveres impostos pelo edital de licitação, o serviço público a ser prestado pelo concessionário deve ser adequado. A adequação do serviço é um conceito jurídico indeterminado relativamente densificado pelo art. 6o, § 1o, da Lei n. 8.987/95 como sendo aquele que atende às condições de eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia e modicidade[9]. O desrespeito a esses critérios e princípios pode acarretar o uso das prerrogativas que detêm o Estado no contrato de concessão, como a intervenção ou a aplicação de penalidades.
A Lei 8.987/95 estabelece deveres como critérios gerais e norteadores para serem seguidos pelos concessionários, deixando os critérios específicos a serem seguidos a cargo do próprio ente público na elaboração do edital de licitação e do contrato administrativo, conforme suas necessidades para os serviços da concessão, nos moldes do artigo 23, V da Lei 8.987.
A interrupção do serviço, por outro lado, em inobservância ao princípio da continuidade da prestação deles, não acarreta desrespeito ao princípio em situação determinadas pelo art. 6º, § 3º da Lei 8.987. Quando motivadas por razões de ordem técnica ou de segurança das instalações, por exemplo, não fica caracterizada a descontinuidade do serviço, de forma que o concessionário possa a todo momento velar pela segurança do serviço prestado. Quando, por inadimplemento dos usuários, no interesse da coletividade, o serviço é interrompido, também não fica o concessionário à mercê de punições do poder público, em prol do interesse público.
Na busca de retorno financeiro sobre o serviço prestado, por outro lado, são reservados ao concessionário também diversos direitos a serem usufruídos. A remuneração do concessionário pelo pagamento de tarifas pelos usuários, por exemplo, é ponto de extrema relevância no âmbito dos contratos de concessões, e tema de amplo debate na exploração dos serviços de fornecimento de energia elétrica.
Auferindo renda das tarifas pagas pelos usuários, o concessionário faz jus à manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo, de forma que este não se torne excessivamente oneroso para ele. Conforme leciona Dinorá Adelaide Musetti Grotti:
A definição de equação econômico-financeira das concessões espelha a relação entre receitas e custos, tomada no momento da celebração do contrato, fazendo, os concessionários, jus a um reequilíbrio do ajuste diante de: a) alterações unilaterais do contrato, promovidas pela Administração Pública; b) fatos imprevistos; c) atos governamentais, alheios ao próprio contrato (fato do príncipe)[10].
A equação econômico-financeira é uma das bases do contrato de concessão, representando a relação exata entre os encargos (investimentos, custos de operação, impostos) e a remuneração (tarifas) projetada no momento da licitação. Essa equação representa garantia de rentabilidade que atrai o investimento privado para a prestação do serviço público, assegurando que o concessionário terá o retorno esperado no prazo do contrato de concessão. A manutenção dessa relação representa uma das principais garantias de segurança jurídica que viabiliza o modelo de concessão, protegendo o ente privado contra mudanças que modifiquem excessivamente as condições e riscos do contrato firmado.
O direito ao reequilíbrio surge quando as condições regulares do contrato administrativo são modificadas por eventos extraordinários, que estão fora do risco normal do negócio, ou seja, de sua álea ordinária. A lei reconhece que a concessionária não pode arcar sozinha com impactos imprevisíveis ou causados pelo próprio Estado. É o caso de fatos imprevistos, como uma pandemia ou um desastre natural de grande magnitude, que derrubam receitas ou aumentam custos de forma inesperada. Da mesma forma, o fato do príncipe ocorre quando o poder público, por meio de ação própria, impacta indiretamente os custos daquele contrato específico, gerando o dever de reequilíbrio deste. Nesses moldes leciona Celso Antônio Bandeira de Mello:
“Com efeito, entende-se como excluída da álea ordinária (isto é, dos riscos normais que o concessionário deve suportar) a variação nos preços dos insumos componentes da tarifa [...]. Da álea ordinária também se excluem os agravos econômicos oriundos de medidas gerais do Poder Público que tenham impacto gravoso sobre o preço tarifário, ainda que não se trate de providências especificamente incidentes sobre a concessão, pois, [...] o art. 9º, § 3º, determina revisão de tarifa até mesmo em face da sobrevinda de tributos (salvo os do imposto de renda) ou encargos legais que comprovadamente repercutem sobre ela. De outro lado, nas hipóteses em que caiba aplicação da teoria da imprevisão, a qual é acolhida semo extremo rigorismo do Direito francês, os prejuízos do concessionário são inteiramente acobertados e não – como ocorre na França – partilhados com o concedente”[11].
Na execução dos serviços públicos, também responde o concessionário objetivamente pelos danos causados a terceiros em dela. O poder concedente responde subsidiariamente, em caso de insuficiência de bens da concessionária; mas essa responsabilidade subsidiária somente se aplica em relação aos prejuízos decorrentes da execução do serviço público; eventualmente, pode haver responsabilidade solidária, por má escolha da concessionária ou omissão quanto ao dever de fiscalização[12].
No decorrer da prestação dos serviços, o ente privado também pode, sem licitação ou autorização específica do poder público, contratar e terceirizar serviços prestados, nos moldes do artigo 25 da Lei 8.987. Entretanto, permanece respondendo objetivamente pelas atividades realizadas pelo terceiro, frente ao concedente e a terceiros.
O concessionário beneficia-se no contrato de concessão, geralmente, principalmente pelas tarifas pagas pelos usuários. Elas podem variar e serem modificadas pelo poder público, visando sempre a continuidade da prestação dos serviços e a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo.
A natureza jurídica da tarifa nos contratos de concessão de serviço público é de preço público, fixada contratualmente conforme os arts. 9º e 23, IV, da Lei nº 8.987/95. Esta Lei também fixa, em seu art. 11, mecanismos para favorecer a modicidade tarifária, dissociando parcialmente o equilíbrio econômico-financeiro da receita proveniente do usuário. A legislação previu expressamente a possibilidade de fontes de receitas alternativas, complementares, acessórias ou de projetos associados, as quais devem constar obrigatoriamente do edital de licitação (art. 18, VI) e integrar a equação econômico-financeira do contrato (art. 11, parágrafo único). Essa flexibilidade possibilita a adoção de tarifas mais acessíveis, por vezes denominadas "preço político", visando o benefício de usuários mais economicamente vulneráveis e ao mesmo tempo compensando-se o concessionário por outras vias legalmente estipuladas, sem configurar quebra do equilíbrio contratual. É possível que, por meio de uma redução artificial dos valores cobrados, se busque o controle inflacionário; tarifas módicas para categorias carentes podem ser conseguidas a custa da cobrança de valores mais altos de outros usuários; a contenção de gasto de um recurso escasso pode ser perseguida por meio do aumento de tarifas; inclusão social; incentivo à cultura, ao trabalho, ao lazer; enfim, um sem número de objetivos podem ser legitimamente buscados ao se disciplinar o regime tarifário de um determinado serviço público. Assim expõe Jacintho Silveira Dias de Arruda Câmara:
“É possível que, por meio de uma redução artificial dos valores cobrados, se busque o controle inflacionário; tarifas módicas para categorias carentes podem ser conseguidas a custa da cobrança de valores mais altos de outros usuários; a contenção de gasto de um recurso escasso pode ser perseguida por meio do aumento de tarifas; inclusão social; incentivo à cultura, ao trabalho, ao lazer; enfim, um sem número de objetivos podem ser legitimamente buscados ao se disciplinar o regime tarifário de um determinado serviço público”[13]
Outrossim, defende o doutrinador Carlos Ari Sundfeld que a regulação estatal dos preços dos serviços públicos explorados por particulares pode revestir-se de diferentes modalidades, desde o simples acompanhamento da evolução dos preços (controle mínimo) até a própria fixação de seu valor (controle máximo), passando por distintos mecanismos de verificação da regularidade dos reajustes ou de repressão dos abusos. Em seu grau máximo, esse controle pode abarcar a imposição de redução compulsória de tarifas, o que deverá ser feito com a preservação do equilíbrio da relação.
Dessa forma, as tarifas, como preço final cobrado do usuário, podem variar muito a depender do contrato administrativo, dos objetivos sociais buscados e das condições regionais e macroeconômicas afetando o serviço público prestado. Deve sempre visar, por fim, o interesse público e o benefício da sociedade.
Todo contrato de concessão deve, necessariamente, ter um prazo de vencimento. A Lei 8.987/95 não determina prazo mínimo e máximo do contrato administrativo, mas apenas obriga que seja determinado e que o edital de licitação e o contrato o especifiquem (art. 2º, II e III, art. 18, I e art. 23, I). Na falta de Lei que determine, em âmbito específico, o limite de prazo, deverá o poder público determina-lo conforme verificar adequado. Nessa toada expõe Antônio Carlos Cintra do Amaral:
“O prazo da concessão de serviço público não pode ser livremente estipulado. Ele deve resultar de sólidos estudos de viabilidade econômico-financeira. Deve ser estabelecido em função da equação econômica do contrato, que é composta de custos, mais lucro, mais amortização de investimentos menos receitas alternativas e acessórias. O prazo da concessão não deve ser superior nem inferior ao necessário à amortização dos investimentos previstos, considerada a equação econômica do contrato em sua totalidade [...]. O prazo da concessão pode ser prorrogado, desde que previsto no edital e no contrato (art. 23, XII, da Lei n. 8.987/1995). Mas não pode ser prorrogado arbitrariamente.[14]
No âmbito dos contratos de concessão de energia elétrica, a Lei 10.848/04 estabelece prazos mínimos e máximos específicos na comercialização de energia elétrica, cujas especificidades serão abordadas adiante neste artigo.
A concessão de serviço público produz o surgimento de uma estrutura material, indispensável à execução das atividades necessárias[15]. Para a realização dos serviços públicos abrangidos pelo contrato administrativo de forma eficiente, poderá ter o ente privado a necessidade de adquirir diversos bens e realizar diversas obras e edificações. Esses bens terão tutela peculiar, devendo o contrato de concessão determinar como deverão ser organizados e qual será sua destinação ao final do contrato administrativo, ou seja, se continuarão sob propriedade do concessionário, ou se passarão a integrar o patrimônio público. Assim, poderão ser bens reversíveis ou não reversíveis, nos moldes do contrato firmado.
Bens reversíveis são aqueles que, ao vencimento do contrato de concessão, serão entregues ao ente público, passando a integrar seu patrimônio. Trata-se principalmente dos bens críticos e imprescindíveis para a execução do serviço público. Dessa forma expôs o professor Eros Grau:
“É importante observamos que parcela dos bens reversíveis, embora sejam públicos, até o momento da reversão consubstanciam propriedade do concessionário, propriedade ainda não incorporada ao domínio público. Refiro-me aos bens nos quais tenham sido feitos investimentos, pelo concessionário, com o objetivo de garantir a continuidade e atualidade do serviço concedido, desde que esses investimentos não tenham ainda sido amortizados ou depreciados. A propriedade desses bens é do concessionário que neles investiu capital e/ou adquiriu. Não obstante, hão de ser revertidos – em verdade vertidos, os últimos – ao poder concedente ao fim do prazo da concessão.”
Outrossim, o concessionário poderá ser indenizado pela reversão dos bens à administração pública, diante de hipóteses específicas, como a encampação ou a depreciação dos bens.
Os bens com investimento do concessionário poderão ainda manter-se sob sua propriedade mesmo findado o contrato administrativo. Sobre a matéria, descreve Marçal Justen Filho:
“[os bens não reversíveis] serão utilizados pelo concessionário para executar o objeto da concessão. No entanto, extinto o contrato, tais bens serão desafetados e o concessionário poderá promover o destino que bem lhe aprouver para eles. A distinção entre bens reversíveis e não reversíveis abrange, basicamente, bens não consumíveis. Não há maior sentido em aludir ao problema quando o bem tem vida útil inferior ao período de duração da concessão. Não se disputa sua reversibilidade, a não ser que o contrato seja extinto antes do término do prazo e o Estado necessite desse bem na continuidade da prestação dos serviços. Neste caso caberá indenização ao particular. Mantendo-se como propriedade do concessionário, os bens não reversíveis poderão ser utilizados ou vendidos como desejar o ente privado.”
8. CONCESSÕES NO ÂMBITO DE EXPLORAÇÃO DE SERVIÇOS DE ENERGIA ELÉTRICA
Delineados os principais aspectos do contrato de concessão, destaca-se que ele é o principal instrumento utilizado no setor de serviços de energia elétrica nacional. Envolve, por ser um setor complexo e altamente regulado, além de estar sob a égide dos princípios e leis do modelo de concessões, diversas particularidades.
8.1 ASPECTOS GERAIS DO SETOR ELÉTRICO
O setor de energia elétrica brasileiro é estruturado em três etapas principais. São elas a geração, transmissão e distribuição de energia. A geração envolve a efetiva produção de energia, a transmissão envolve a entrega da energia elétrica a grandes centros, principalmente urbanos, e a distribuição envolve a entrega da energia às casas e estabelecimentos da população.
Sendo atividade altamente regulada, o setor de energia elétrica é fiscalizado pela ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica), que atua como o braço executivo e regulador da União. Essa intensa supervisão justifica-se pela natureza do serviço, definido juridicamente como público e essencial, e pela estrutura de monopólio natural dos segmentos de transmissão e distribuição. A ANEEL é, portanto, a entidade responsável por estabelecer as regras do jogo para todas as etapas da cadeia, assegurando que a exploração privada desses serviços obedeça aos princípios do interesse público, como a continuidade e a segurança.
Nesse sentido, fiscalizando também contratos de concessões firmados no Brasil, a ANEEL exerce um controle rigoroso sobre os dois aspectos mais sensíveis ao consumidor: o preço e a qualidade. As tarifas, por exemplo, são fixadas pela agência através de processos complexos de Revisão Tarifária Periódica, que auditam custos e investimentos para garantir a modicidade e, simultaneamente, o equilíbrio econômico-financeiro da concessionária. Paralelamente, a agência impõe metas de qualidade técnica, como limites máximos para a duração e frequência de interrupções (DEC e FEC), aplicando multas significativas caso os padrões não sejam atingidos.
Ademais, a regulação do setor não se limita à esfera econômica e contratual da ANEEL. O sistema elétrico brasileiro conta ainda com outros entes regulatórios que garantem a segurança e o funcionamento técnico da operação. O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) é responsável pela coordenação e controle da operação das usinas e linhas de transmissão em tempo real, decidindo quais usinas devem gerar energia a cada momento. Já a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) regula e liquida as operações de compra e venda no mercado. Essa arquitetura regulatória multifacetada, complementada pelas diretrizes de política pública do Ministério de Minas e Energia (MME), torna o setor elétrico um dos ambientes de negócio mais supervisionados do país, visando, em última instância, a segurança do suprimento para a sociedade.
8.2 MODICIDADE TARIFÁRIA NA DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA
No setor elétrico, especialmente, a definição das tarifas é caracterizada por um processo regulatório supervisionado pela ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica), que busca assegurar uma tarifa justa ao consumidor e, simultaneamente, preservar o equilíbrio econômico-financeiro das concessionárias.
O cálculo da tarifa final incorpora os custos de todas as etapas, da geração da energia elétrica até a chegada no consumidor final. Portanto, o valor pago por este é composto pelo custo da energia gerada, pelo custo do transporte (que inclui tanto a transmissão quanto a distribuição) e pelos encargos setoriais, que são estabelecidos por leis federais e não pela ANEEL. Para fins de cálculo tarifário, as distribuidoras classificam esses custos em duas categorias: Parcela A (referente à compra de energia, transmissão e encargos setoriais) e Parcela B (custos associados à atividade de distribuição).
Além da tarifa, são cobrados na fatura de energia tributos de competência federal (PIS/COFINS), estadual (ICMS) e municipal (Contribuição para Iluminação Pública - CIP).
Adicionalmente, o sistema brasileiro utiliza um mecanismo de sinalização de custos em tempo real conhecido como Bandeiras Tarifárias. Este sistema, aplicado aos consumidores ativos, ajusta o preço da energia com base nas condições de geração, afetada por fatores externos. As bandeiras (verde, amarela e vermelha patamares 1 e 2) indicam se as condições são favoráveis (sem acréscimo) ou mais custosas (com acréscimos escalonados por kWh), proporcionando transparência sobre o custo real da geração e incentivando o consumo consciente pela população. Este mecanismo repassa as variações de custo imediatamente, diferentemente do sistema anterior, que realizava o repasse apenas nos reajustes tarifários anuais.
No setor de energia elétrica, o princípio de continuidade nos contratos de concessão tem grande importância, devido a uma especificidade técnica do setor: a energia não pode ser estocada em larga escala, demandando um equilíbrio perfeito e instantâneo entre geração e consumo. Diferente do saneamento, onde um reservatório garante o abastecimento por horas, qualquer falha na rede elétrica resulta em um blackout imediato. Portanto, a continuidade nesse setor não é apenas uma diretriz legal (Art. 6º, §1º da Lei 8.987/95), mas um dos objetivos centrais das concessionárias de distribuição.
Outrossim, o princípio da continuidade figura-se como um dos que, caso desrespeitado, mais afeta os consumidores finais. Segundo levantamento da Folha de S. Paulo, o tempo médio que o cidadão paulistano fica no escuro triplicou, saltando de cerca de 7 horas sem luz por ano, em 2021, para quase 22 horas em 2024[16]. O aumento dos indicadores que medem a duração das interrupções sinaliza uma falha sistêmica na garantia da continuidade, transformando o que deveria ser uma exceção em um transtorno recorrente para os consumidores.
A piora nos indicadores de qualidade traz à tona capacidade da infraestrutura atual em cumprir com os requisitos e princípios dos contratos firmados com o poder público. O dado de da Folha de São Paulo evidencia que a falha em garantir a continuidade não é apenas um descumprimento contratual sujeito a multas pela ANEEL, mas representa um custo social e econômico direto, afetando a segurança, a continuidade do serviço e a própria qualidade de vida dos consumidores.
10. TEORIA DA IMPREVISÃO E FATO DO PRÍNCIPE NO SETOR DE ENERGIA ELÉTRICA
A aplicação da teoria da imprevisão e do fato do príncipe nos contratos de concessão de energia elétrica é fundamental para a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro no âmbito do contrato, diante da alta exposição do setor a riscos externos. A teoria da imprevisão aplica-se todo acontecimento externo ao contrato, estranho à vontade das partes, imprevisível e inevitável, que causa um desequilíbrio muito grande, tornando a execução do contrato excessivamente onerosa para o contratado[17]. Como exemplo no setor elétrico, podemos citar a crise hídrica. Uma seca severa, para além da álea ordinária do negócio, eleva drasticamente o custo de geração ao forçar o despacho de usinas termelétricas, mais caras. Esse aumento de custo na aquisição de energia (Parcela A da tarifa), por ser um fato imprevisível e incontrolável pela distribuidora, justifica a recomposição do equilíbrio econômico-financeiro, garantindo que a concessionária não arque com um prejuízo que possa inviabilizar a continuidade do serviço.
O fato do príncipe, por sua vez, refere-se a um ato estatal que, embora não seja direcionado especificamente ao contrato de concessão, o impacta de forma reflexa e direta. Diferente de uma alteração unilateral do contrato pelo poder concedente, o fato do príncipe emana do Estado em sua função legislativa ou administrativa ampla. Um exemplo claro ocorreu durante a pandemia de COVID-19, quando leis federais ou estaduais foram editadas proibindo, de forma geral, o corte de fornecimento de energia por inadimplência. Essa medida, embora de interesse social, gerou uma queda abrupta na arrecadação das distribuidoras, configurando um ato estatal que desequilibrou o contrato e legitimou pedidos de reequilíbrio para compensar as perdas de receita impostas pela nova legislação.
Em resposta à recorrência desses choques, o setor elétrico desenvolveu mecanismos regulatórios que funcionam como uma aplicação dinâmica e estruturada dessas teorias, buscando evitar a judicialização e o longo processo de revisão extraordinária. As Bandeiras Tarifárias, por exemplo, atuam como um mecanismo antecipado de reequilíbrio contra a imprevisão (a crise hídrica), repassando o custo real e variável da geração de energia diretamente ao consumidor, protegendo o equilíbrio econômico-financeiro da relação em tempo real.
11. PRAZOS NO SETOR DE ENERGIA ELÉTRICA
Conforme estabelecido no artigo 4º, § 3º na Lei 9.074, os contratos de concessão de energia elétrica terão o prazo necessário para a amortização dos investimentos realizados, tendo o prazo máximo de duração de 30 anos, podendo ainda serem prorrogados pelo mesmo período de tempo.
Os longos prazos dos contratos administrativos desse setor refletem sua necessidade de investimentos de grande capital, longos prazos de maturação e sua natureza estratégica para o desenvolvimento nacional.
As empresas concessionárias deverão, nos longos prazos de duração dos contratos de concessão, observarem a todo momento os princípios e obrigações previstas no contrato administrativo. Apesar do setor de distribuição de energia elétrica se tratar de monopólio natural, será o poder público, nas suas atribuições de fiscalização das concessionárias, responsável por garantir um serviço eficiente e dentro dos liames legais e contratuais, podendo aplicar sanções e multas às concessionárias.
11.1 DA PRORROGAÇÃO DAS CONCESSÕES
A prorrogação dos contratos de concessão será feita nos moldes da lei, a critério do poder público, conforme o interesse público e o cumprimento ou não da concessionária dos preceitos e obrigações estabelecidos no edital de licitação e no contrato administrativo. Trata-se de decisão discricionária, cujos limites são debatidos regularmente em ações envolvendo Direito Administrativo. Conforme expõe o Supremo Tribunal Federal:
“2. A discricionariedade da prorrogação é uma das marcas mais acentuadas do contrato administrativo e, assim, está, inclusive, prevista nas sucessivas legislações relativas às concessões de energia elétrica (Leis n.º 9.074/95 e n.º 12.783/13) e também no termo cujas cláusulas se questiona nos autos” (RMS 34.203, 2.ª T., rel. Min. Dias Toffoli, j. 21.11.2017, DJe 19.03.2018).
Nesse sentido, a Lei 12.783/2013 trouxe ainda a obrigação pelas concessionárias de serviços de energia elétrica da aceitação expressa de uma série de disposições desta lei, incluindo a submissão aos padrões de qualidade do serviço fixados pela Aneel, das condições estabelecidas no contrato administrativo, e de que a prorrogação assegure a continuidade, a eficiência da prestação do serviço, a modicidade tarifária e o atendimento a critérios de racionalidade operacional e econômica da operação (art. 6º e 7º da Lei 12.783/2013). O Decreto nº 12.068/2024 trouxe, por sua vez, condições mais específicas e critérios mais rigorosos para permitir a prorrogações de contratos de concessão de serviços de energia elétrica. Inovou, por exemplo, ao trazer a mensuração da eficiência com relação à continuidade do serviço público com base na frequência e duração médica das interrupções do serviço público de distribuição de energia elétrica (art. 2º, § º do Decreto 12.068/2024). Esse Decreto veio em momento oportuno, tendo em vista o vencimento de 20 contratos de concessão de distribuição de energia elétrica até 2031.
Existe ainda a possibilidade de realização de prorrogação antecipada, com a extensão do contrato de concessão antes de seu vencimento, submetida por requisição da concessionária dos serviços. Esse instituto apresenta vulnerabilidade regulatória, já que possibilita a realização de prorrogação antecipada sem que a concessionária tenha ainda cumprido com todos os requisitos e obrigações contratuais estabelecidos até o fim do respectivo contrato. Seria contrário ao interesse público e princípios do contrato administrativo de concessão que o ente privado tivesse seu contrato estendido antes mesmo de ter sido cumprido em sua totalidade, possibilitando a piora dos serviços após concretizados seus interesses na prorrogação antecipada. O STF, em julgamento sobre o tema em contrato de concessão de serviços de transporte coletivo intermunicipal, conquanto não relacionado ao setor de energia elétrica, mostrou-se favorável a esse instituto:
“1. O parâmetro temporal e material estabelecido pelo inc. II do § 2.º do art. 6.º da Lei n. 13.448/2017 não compromete, em tese, a adequação do serviço público, não se comprovando inconstitucionalidade da previsão legal de prorrogação antecipada do contrato. (...) 5. A imutabilidade do objeto da concessão não impede alterações no contrato para adequar-se às necessidades econômicas e sociais decorrentes das condições do serviço público concedido e do longo prazo contratual estabelecido, observados o equilíbrio econômico-financeiro do contrato e os princípios constitucionais pertinentes. (...)” (ADI 5.991/DF, Pleno, rel. Min. Cármen Lúcia, j. 07.12.2020, DJe 09.03.2021).
12. PROBLEMAS DO MODELO DE CONCESSÕES BRASILEIRO NO SETOR DE ENERGIA ELÉTRICA
Expostas e descritas diversas características dos contratos administrativos de concessão em geral, e dos contratos de concessão no setor de energia elétrica em específico, passa-se a analisar as principais problemáticas criadas e enfrentadas pelos contratos de concessão deste setor.
12.1 MONOPÓLIO NATURAL E DA PRIORIZAÇÃO DO LUCRO
Enquanto prestando os serviços públicos de energia sob a égide do contrato administrativo firmado, a concessionária não tem qualquer competição com outras empresas, não tendo nenhum incentivo à melhora de suas atividades. Os consumidores, a depender de sua região, não podem optar por uma ou outra concessionária de energia elétrica para fornecer energia a seus imóveis. As concessionárias podem, portanto, ver como vantajoso eliminar custos operacionais, como gastos em mão de obra, infraestrutura e tecnologia, para aumentar sua receita bruta ao mesmo tempo que permanece cumprindo os requisitos e princípios obrigatórios do contrato de concessão, mesmo que minimamente. Assim, podem optar por priorizar o lucro no lugar da prestação de um serviço efetivamente bom para os consumidores.
Recentemente, logo após os fortes temporais que deixaram aproximadamente 2,6 milhões de pessoas sem energia elétrica em outubro de 2024[18], a Enel encaminhou pedido de prorrogação antecipada de seu contrato de concessão para sua atuação na região metropolitana de São Paulo. Alegou em sua razões ter cumprido rigorosamente os requisitos e regras do contrato administrativo firmado, além de estar realizando mais investimentos em tecnologia e infraestrutura, tendo um compromisso de longo prazo com o país. Pouco tempo depois, a Justiça Federal optou por suspender, após pedido da Prefeitura de São Paulo, o processo de prorrogação antecipada da empresa[19]. Essa disputa destaca o interesse privado, mesmo falhando na efetiva prestação de seus serviços para a população, com cortes de pessoal na casa dos milhares[20], como tendo a possibilidade de pedir a prorrogação antecipada de seu contrato. A rápida atuação da Justiça Federal, e a avaliação do cumprimento ou não das regras do contrato administrativo pela Enel, revelará quais medidas serão tomadas a seguir.
12.2 INEFICIÊNCIA DAS SANÇÕES
A ineficácia do sistema de aplicação de sanções, uma das principais prerrogativas do poder público no contrato administrativo, fica evidente quando as penalidades aplicadas pela agência reguladora falham em forçar uma melhoria no serviço ou desestimular o descumprimento do contrato. Em dezembro de 2024, a ANEEL aplicou multa de R$ 132,5 milhões a 23 empresas e ao ONS por apagão ocorrido em 2023[21]. Contudo, multas como essa são frequentemente absorvidas pelas concessionárias como um mero custo operacional. Se o valor da penalidade é inferior ao custo do investimento necessário para modernizar a rede e garantir a continuidade do serviço, a sanção perde seu caráter dissuasório. Ela se torna apenas mais custo do empreendimento, entrando no cálculo do investimento realizado como um valor a mais que se paga para continuar operando com uma infraestrutura deficiente, sem que haja um incentivo real para a melhoria efetiva da qualidade do serviço prestado ao consumidor.
O problema se aprofunda e a ineficiência se torna ainda mais flagrante não apenas quando a multa é tratada como custo, mas quando ela sequer é paga, demonstrando a capacidade da concessionária de neutralizar a ação regulatória. A Enel, por exemplo, conseguiu suspender R$ 260 milhões em multas por falhas em seu serviço[22]. Isso revela que, mesmo após a ANEEL cumprir seu papel de fiscalizar e autuar, a concessionária pode se valer de seu poderio jurídico e econômico para postergar ou reverter a penalidade nos tribunais. Essas condições expõem a fragilidade das prerrogativas do poder público no contrato administrativo: o instrumento de coação do Estado muitas vezes é esvaziado, e a empresa que falha em cumprir suas obrigações contratuais consegue evitar as consequências financeiras de sua própria ineficiência, perpetuando o ciclo de prestação de serviços insatisfatórios sem a devida responsabilização.
13. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Contratos administrativos de concessões são instrumentos complexos, com diversas especificidades e em constante mudança. Este trabalho analisou os aspectos jurídico-econômicos da concessão de fornecimento de energia elétrica, um serviço público essencial e de alta complexidade técnica, notadamente pela ausência de capacidade de armazenamento em larga escala.
A investigação demonstrou a estrutura dual do modelo: de um lado, a delegação da execução ao particular, que busca o retorno financeiro; de outro, a submissão a um regime de direito público que exige a primazia do interesse coletivo, materializado nos princípios da continuidade, eficiência, segurança e modicidade tarifária. A regulação, exercida por múltiplos entes como a ANEEL, o ONS e a CCEE, é pilar fundamental deste modelo, buscando equilibrar a equação econômico-financeira (garantindo a rentabilidade do privado através de tarifas e mecanismos como a teoria da imprevisão) e a qualidade do serviço prestado à população (através de metas e fiscalização).
No entanto, a análise dos problemas do setor revela um tensionamento crítico. A natureza de monopólio natural dos segmentos de distribuição e transmissão, aliada à priorização do lucro pelas concessionárias, tem resultado em precarização do serviço. Isso se evidencia pelo aumento do tempo médio de interrupções, como visto em São Paulo, e pela redução de investimentos em infraestrutura e pessoal, em detrimento da qualidade exigida contratualmente.
Verificou-se que as prerrogativas do poder público, como a aplicação de sanções, mostram-se ineficientes. As multas aplicadas pela agência reguladora são frequentemente absorvidas pelas empresas como um custo operacional—inferior ao investimento necessário para a modernização—ou são suspensas judicialmente. Tal cenário falha em criar um caráter dissuasório e em forçar a melhoria efetiva da qualidade.
Este contexto, exemplificado por casos recentes de grandes apagões e a subsequente discussão sobre prorrogações antecipadas de contratos de empresas com histórico de falhas, expõe a fragilidade do modelo atual em garantir a responsabilização efetiva das concessionárias.
Conclui-se, portanto, que, embora o arcabouço jurídico-regulatório brasileiro para as concessões de energia elétrica seja robusto, sua aplicação prática enfrenta desafios significativos. A eficácia dos instrumentos de controle estatal é muitas vezes neutralizada, permitindo que a lógica do lucro se sobreponha à obrigação de prestar um serviço público adequado. Isso aponta para a necessidade urgente de reavaliação dos mecanismos de fiscalização, sanção e dos critérios para a prorrogação dos contratos—como os recentemente atualizados pelo Decreto nº 12.068/2024—visando o efetivo cumprimento do interesse público.
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[1] TÁCITO, Caio. Temas de Direito Público. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, v. 1, p. 754-755
[2] MEDAUAR, Odete. O direito administrativo em evolução. 2. ed. rev. atual e amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 213
[3] LANDAU, Elena. Autorização: Um Instrumento Inadequado para o Setor Elétrico. Revista de Direito Administrativo, Belo Horizonte, 2007.
[4] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo, 28 ed. São
Paulo: Malheiros, 2011, p.709-710
[5] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 519
[6] MARÇAL JUSTEN FILHO. Curso de Direito Administrativo, pg. 455
[7] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio, Curso de direito administrativo, 741.
[8] MARÇAL JUSTEN FILHO. Curso de Direito Administrativo, pg. 477
[9] Alexandre Santos de Aragão. Curso de Direito Administrativo, pg. 430
[11] Curso de direito administrativo, p. 741-742
[12] Maria Silvia Zanella di Pietro
[13] Tarifa nas concessões, p. 78
[14] AMARAL, Antônio Carlos Cintra do. Concessão de serviço público, p.86.
[15] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo, pg. 464.
[16] https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2025/08/tempo-sem-luz-na-capital-paulista-triplica-desde-2021-consulte-seu-bairro.shtml
[17] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo, pg. 291.
[18] https://www.bbc.com/portuguese/articles/cnvd94eny8po
[19] https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/sudeste/sp/justica-suspende-prorrogacao-antecipada-do-contrato-da-enel-em-sao-paulo/#goog_rewarded
[20] https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2023/11/06/enel-corte-empregados.htm
[21] https://g1.globo.com/economia/noticia/2024/12/12/aneel-multa-ons-e-23-empresas-de-energia-solar-e-eolica-em-r-1325-milhoes-por-apagao-de-2023.ghtml
[22] https://www.jota.info/justica/como-a-enel-conseguiu-suspender-r-260-milhoes-em-multas-por-falhas-no-servico
graduando em Direito. Assistente jurídico .
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SAMPAIO, GABRIEL CANNIZZA PELLON. Análise e aspectos jurídico-econômicos da concessão da exploração de fornecimento de energia elétrica por empresas privadas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 nov 2025, 04:07. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/69871/anlise-e-aspectos-jurdico-econmicos-da-concesso-da-explorao-de-fornecimento-de-energia-eltrica-por-empresas-privadas. Acesso em: 07 nov 2025.
Por: DAVID FURTADO DE PAIVA
Por: DAVID FURTADO DE PAIVA
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