RESUMO: O presente estudo analisa, dentro do panorama da execução, o sistema de cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública. O objetivo é delinear e entender esse sistema especial, sua necessidade e suas peculiaridades. A análise busca estudar de forma sistematizada o funcionamento da sistemática especial dos arts. 534 e 535 do CPC, tanto na justiça comum como no âmbito dos juizados, à luz da CRFB, dos demais dispositivos do CPC e das leis esparsas.
Palavras-chaves: Fazenda Pública, Cumprimento de Sentença, Juizados Especiais Fazendários.
A questão da execução contra a Fazenda Pública, em geral, e do cumprimento de sentença, em particular, é tema que ganha cada vez maior relevo se considerado o número crescente de ações contra o Estado, seja no que toca a tutela coletiva, como as ações oriundas de direitos difusos, coletivos, e até individuais homogêneos, seja na esfera individual, quando o particular vai a juízo questionar o Estado, defendendo direito que lhe é próprio. Assim, trata-se de temática de estudo necessária e útil ao operador do direito, como veremos a seguir.
2.CUMPRIMENTO DE SENTENÇA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA
Em se tratando de cumprimento de sentença contra a fazenda pública, o legislador de 2015 achou por bem atribuir-lhe capítulo próprio, que se consubstanciou nos arts. 534 e 535 do CPC.
À vista disso, o primeiro ponto a ser abordado nesse particular é o porquê da existência e necessidade de uma condução própria especial. Com efeito, trata-se de mais uma prerrogativa processual inerente à atuação fazendária em juízo, decorrente do regime aplicável a seus bens.
É cediço que os bens públicos gozam das garantias de inalienabilidade – ou, antes, alienabilidade condicionada –, impenhorabilidade, imprescritibilidade e não-onerabilidade. Nessa senda, não há de se pensar em constrição imediata dos bens públicos[i].
Assim, a necessidade de rito distinto das demais execuções advém da afetação do seu patrimônio a uma finalidade pública, não podendo ser livremente alienado ou onerado, na esteira do art. 100 do CC[ii]. Tampouco valores em dinheiro podem ser sequestrados, via de regra, ante a necessidade de limite ao teto previsto nos respectivos orçamentos previamente aprovados pelo Poder Legislativo.
Nesse ensejo, o titular de créditos contra a Fazenda Pública apenas os poderá receber, conforme o regramento constitucional, via precatórios ou requisição de pequeno valor (RPV).
Nesse sentido, a lição do renomado processualista Freddie Didier, ao aduzir que “[n]o cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública, não há penhora, nem apropriação ou expropriação de bens para alienação judicial, a fim de satisfazer o crédito executado”, sendo esse o motivo de ser a execução especial “resultando, ao final, na expedição de precatório ou de requisição de pequeno valor” [iii].
Sublinha-se, portanto, que as características de que se revestem os bens públicos, com destaque para a impenhorabilidade, obstam a execução comum no que concerne a Fazenda.
Por fim, cumpre destacar que, mais do que uma prerrogativa processual, a opção legislativa por regime diverso de execução se presta a proteger o próprio cidadão, resguardando o orçamento do ente público e, por consequência, garantindo a continuidade dos serviços prestados e a execução das políticas públicas aventadas.[iv]
2.1 Espécies de Cumprimento e o Cumprimento de Sentença contra a Fazenda pós CPC/15
A mera análise perfunctória do índice do CPC nos permite concluir pela existência de três modalidades de obrigações objeto de cumprimento de sentença, quais sejam: (i) quando a sentença reconhece obrigação de fazer ou não fazer, (ii) quando se reconhece a exigibilidade de entregar coisa e, por fim (iii) quando a decisão reconhece a obrigação de pagar.
Cumpre asseverar que o cumprimento de sentença, a par de estar atrelado a uma decisão judicial, constitui uma segunda fase do processo, não existindo de forma autônoma. Diferentemente da execução de títulos extrajudiciais – objeto estranho ao presente trabalho e, portanto, não analisado –, os títulos judiciais contam com processo bifásico, existindo um primeiro momento, conhecido como fase de conhecimento ou acertamento, e um segundo, de cumprimento da sentença em primeira fase alcançada.
Entretanto, as duas primeiras modalidades de obrigação supra mencionadas, tecnicamente, não perfazem nova fase processual, porquanto se esgotam com a sentença. Por não haver quaisquer singularidades que lhes sejam ínsitas, e considerando que delas não se originam precatórios ou mesmo requisições de pequeno valor, aplicam-se-lhes as regras gerais do art. 536, com destaque para as medidas do seu §1º, e do art. 538[v]-[vi].
É inclusive esse o entendimento do STF e fixado na tese de Repercussão Geral de Tema nº 45: “A execução provisória de obrigação de fazer em face da Fazenda Pública não atrai o regime constitucional dos precatórios”. Assim sendo, sequer se exige o requerimento do exequente para o cumprimento da obrigação.
Isso posto, conclui-se pela aplicabilidade dos arts. 534 e 535 tão somente no que tange ao cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de pagar quantia certa, em consequência das particularidades impostas pelo art. 100 da CRFB.
Interessante observar, ainda no tocante à unicidade do processo que gera título judicial e seu cumprimento, que, sem embargo da regra do impulso oficial em se tratando de um mesmo processo, nesse caso, há a necessidade de requerimento do exequente para se ter início o cumprimento de sentença, por imposição legal. Tal requerimento, por seus requisitos necessários, faz as vezes de uma petição inicial simplificada[vii].
Nada obstante tratar a sistemática processual especial de cumprimentos de sentença contra a Fazenda por quantia certa, há a possibilidade de decisão exarada que traga em seu dispositivo condenação em quantia incerta. Nesse caso, ante a necessidade de aplicação das regras dos arts. 534 e 535 CPC, forçoso proceder à anterior liquidação, que dispensa disciplina especial e segue a regra geral dos arts. 509 e 512 do CPC, sendo possível a liquidação tanto por procedimento comum quanto por arbitramento.
Isso dirimido, passemos então à análise propriamente dita dos artigos em estudo.
Estabelece o art. 534 do CPC, já em seu caput, a necessidade de o exequente apresentar, quando do requerimento do cumprimento de sentença, demonstrativo discriminado e atualizado do crédito. Trata-se de responsabilidade do credor exequente sem a qual não terá prosseguimento o procedimento executório[viii].
Ao apresentar a memória de cálculos, cabe igualmente ao credor indicar, dentre outros, os índices de juros e correção monetária aplicados, ex vi do art. 534, II e III do CPC. Ressalte-se que, uma vez indicados tais índices no dispositivo da sentença, não cabe mais discussão acerca deles, pois que acobertados pelo manto da coisa julgada[ix].
De outra ponta, furtando-se o julgador de indicar tais índices, não se pode dizer que deixam de ser aplicados, a teor do verbete sumular nº 254 do STF: “Incluem-se os juros moratórios na liquidação, embora omisso o pedido inicial ou a condenação”[x].
Nesse caso, entretanto, o índice específico não gozará do status de coisa julgada, de forma que pode haver dissenso, no bojo do cumprimento, acerca do parâmetro de juros e atualização a serem utilizados. De toda sorte, anote-se que esse tema resta pacificado pelo Supremo Tribunal Federal, que, no julgamento do RE nº 870.947/SE, declarou inconstitucional em parte o art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, fixando teses de repercussão geral quanto aos juros e correção monetária em condenações tributárias e não tributárias. O STJ, por sua vez, seguiu o mesmo entendimento no REsp nº 1.495.146/MG, julgado sob a sistemática dos recursos repetitivos[xi].
Entretanto, a apresentação de cálculos não ocorre apenas por parte o exequente, podendo vir a ser necessário que a Fazenda os apresente na forma que entender devida. Isso porque, ao alegar excesso de cálculo, devem os entes públicos, em regra, apresentar planilha de cálculos que evidencie o valor a maior apontado. Entretanto, nesse particular, cumpre destacar que, em decisão recente, a 2ª Turma do STJ posicionou-se no sentido de que a ausência desse demonstrativo não eivaria por completo a manifestação fazendária. Nesse diapasão, a decisão divulgada por meio do Informativo de Jurisprudência nº 691, que pedimos vênia para transcrever (grifos nossos):
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. ALEGAÇÃO DE EXCESSO. AUSÊNCIA DE PLANILHA DE CÁLCULOS. ART. 535, § 2º, DO CPC. CONCESSÃO DE PRAZO PARA O MUNICÍPIO. POSSIBILIDADE. RECURSO IMPROVIDO.
1. Em regra, a ausência de indicação do valor que a Fazenda Pública entende como devido na impugnação enseja o não conhecimento da arguição de excesso, por existência de previsão legal específica nesse sentido (art. 535, § 2º, do CPC).
2. No entanto, tal previsão legal não afasta o poder-dever de o magistrado averiguar a exatidão dos cálculos à luz do título judicial que lastreia o cumprimento de sentença, quando verificar a possibilidade de existência de excesso de execução. Precedentes.
3. Em que pese ao fundamento utilizado pelo acórdão para a concessão de prazo para a apresentação da planilha de cálculos ter sido a deficiência no corpo de servidores da respectiva procuradoria, a posição firmada no acórdão recorrido encontra-se dentro das atribuições do órgão julgador em prezar pela regularidade da execução.
4. Nesse sentido, se é cabível a remessa dos autos à contadoria do juízo para a verificação dos cálculos, é razoável a concessão de prazo para apresentação da respectiva planilha pela Fazenda Pública, documento que pode inclusive vir a facilitar o trabalho daquele órgão auxiliar em eventual necessidade de manifestação. Precedente (REsp 1726382/MT, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/04/2018, DJe 24/05/2018).
5. Recurso especial a que se nega provimento.
(REsp 1887589/GO, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/04/2021, DJe 14/04/2021)[xii]
Importante frisar que a Fazenda Pública, quando executada em cumprimento de sentença, não é intimada para pagar o débito, como ocorre nas execuções disciplinadas pelos arts. 523 a 527. Em verdade, a intimação se dá apenas para que apresente impugnação, uma vez que o pagamento deve necessariamente seguir a sistemática dos precatórios.
Não é por outra razão que o legislador de 2015 entendeu por bem consignar, no §2º do art. 534, que “[a] multa prevista no § 1º do art. 523 não se aplica à Fazenda Pública”[xiii]. Ora, se a ratio da multa é compelir o pagamento, não estando o ente público habilitado a fazê-lo, não há falar em acréscimo do débito em dez porcento.
De igual forma, não se apresenta disponível à Fazenda, como regra[xiv], a opção pela efetuação do pagamento no valor que entender devido antes mesmo da intimação, na forma do art. 526 CPC[xv]. Isso se explica, em parte, pelo fato de que o objetivo do executado, ao lançar mão do referido depósito, é justamente fazer com que não incida multa sobre parcela que ele entende como incontroversa, reduzindo-lhe o custo.
Entretanto, como já sublinhado, a multa incidente quando do não pagamento voluntário não se aplica à Fazenda Pública, por expressa disposição legal. Assim, em um primeiro momento, deixa de haver inclusive motivação para o adimplemento parcial precoce.
Ainda que assim não fosse, empregar-se-ia à hipótese a mesma linha de raciocínio aplicável ao pagamento da multa na sua integralidade: não pode a Fazenda arcar com ela quando, por força do regime constitucional de precatórios, encontra-se impossibilitada de realizar o pagamento voluntário. Fazê-lo seria uma violação ao sistema de precatórios, a autorizar o excepcional sequestro de valores consubstanciado no §6º do art. 100 da CRFB.
Ademais, nada obsta que o cumprimento de sentença seja feito em litisconsórcio ativo, ainda que cada qual deva apresentar sua memória de cálculos e, ao fim, se vá expedir precatório ou RPV para cada um dos litisconsortes, individualmente. Todavia, está o juiz autorizado a limitar a presença de grande número de litisconsortes quando entenda estarem eles comprometendo o cumprimento de sentença ou a defesa do executado[xvi].
É o que se extrai do art. 113, §1º do CPC, aplicável ao cumprimento de sentença por expressa disposição legal, conforme se observa a seguir (grifos nossos):
Art. 113. Duas ou mais pessoas podem litigar, no mesmo processo, em conjunto, ativa ou passivamente, quando:
I - entre elas houver comunhão de direitos ou de obrigações relativamente à lide;
II - entre as causas houver conexão pelo pedido ou pela causa de pedir;
III - ocorrer afinidade de questões por ponto comum de fato ou de direito.
§ 1º O juiz poderá limitar o litisconsórcio facultativo quanto ao número de litigantes na fase de conhecimento, na liquidação de sentença ou na execução, quando este comprometer a rápida solução do litígio ou dificultar a defesa ou o cumprimento da sentença.
§ 2º O requerimento de limitação interrompe o prazo para manifestação ou resposta, que recomeçará da intimação da decisão que o solucionar.
Essa limitação pode ser feita após a intimação da Fazenda, acolhendo seu pleito em caso de considerar o grande número como fator de dificuldade para sua defesa, ou até mesmo antes de sua intimação, seja consequência de pedido fazendário ou de avaliação do próprio juiz. Como se observa do §2º retro transcrito, o requerimento anterior à impugnação interrompe o prazo para sua apresentação, que será devolvido por completo a partir da decisão do juízo.
No que toca à intimação da executada, como dito, ela abre prazo não para o pagamento, mas para a eventual apresentação de impugnação. Tal prazo, entretanto, não é contado em dobro, conforme disciplina o art. 183, caput, do CPC[xvii], porquanto recai a hipótese sob a disciplina do §2º do mesmo artigo. Dessa forma, o prazo para que a Fazenda Pública apresente impugnação é de 30 dias, ex vi da disposição expressa do art. 535 do CPC.
Ademais, nesse mesmo dispositivo, o legislador reforça a regra geral da intimação pessoal da Fazenda, conforme art. 183 do CPC, na pessoa de seu representante judicial, e podendo realizar-se por carga, remessa ou meio eletrônico.
Diferentemente dos embargos, defesa da Fazenda em ações executivas, a impugnação não possui natureza de ação.
Cabe comentário, aqui, acerca da existência de efeito suspensivo afeto à referida defesa. É cediço que, em regra, no cumprimento de sentença dos arts. 523 e ss., inexiste tal efeito a suspender a execução automaticamente. Tanto assim que o art. 525 §6º CPC impõe a necessidade de requerimento do executado para que o juiz atribua à impugnação efeito suspensivo, observados requisitos como garantia do juízo com penhora, caução ou depósito suficientes, fundamentação relevante e perigo de causar ao executado grave dano de difícil ou incerta reparação.
Sem embargo, quando se tratar de impugnação apresentada pela Fazenda Pública, a lógica a ser adotada será diversa, como consequência, mais uma vez, da disciplina constitucional dos precatórios. Nessa linha de intelecção, impossível o pagamento, ou mesmo a penhora, antes do término da discussão acerca do valor devido, de modo que a impugnação obsta o seguimento da execução. Mais que isso, para a inscrição em precatório, é necessário que o crédito se revista de definitividade, para que possa ser contabilizado no orçamento do ente público, o que se traduz na necessidade de trânsito em julgado da decisão. Como consectário lógico, tem-se que a impugnação da Fazenda possui efeito suspensivo, a obstar o prosseguimento do cumprimento de sentença quanto aos atos executórios.
A despeito de existir previsão de rejeição liminar da impugnação apenas no atinente à alegação de excesso de execução sem indicação de novo valor, doutrina e jurisprudência[xviii] a entendem possível também nas hipóteses de intempestividade e atipicidade da alegação. A uma, porque o próprio art. 535 do CPC atribui prazo específico para a impugnação, o que torna imperativo inferir que, proposta extemporaneamente, deve ser rejeitada; a duas, porque, de igual forma, o citado artigo traz um rol taxativo de questões a serem aventadas, concluindo-se pela necessidade de rejeição de temáticas não inclusas nos seus incisos[xix].
Quanto ao alegado excesso de execução, segundo já sublinhamos acima, em referência à necessidade de indicação de cálculos pela Fazenda, a 2ª Turma do STJ se posicionou, mais de uma vez, pela possibilidade do conhecimento da impugnação mesmo ante a ausência de memorial de cálculos, com a possível remessa dos autos à Contadoria do Juízo.[xx]
Sendo o rol taxativo de alegações quase o mesmo do cumprimento de sentença para pagamento de quantia certa tradicional, não adentraremos nas possibilidades de defesa constantes da impugnação em suas especificidades. A título de maior esclarecimento, entretanto, trazemos à baila excerto essencial da obra do renomado jurista Freddie Didier, em conjunto com Leonardo Carneiro da Cunha:
“Ressalvadas a falta ou nulidade de citação, se o processo correu à revelia (CPC, art. 535, I) e a chamada coisa julgada inconstitucional (CPC, art. 535, §5º), à Fazenda Pública não se permite alegar questões anteriores à sentença, restringindo-se a suscitar matéria que diga respeito à própria execução ou que seja superveniente ao trânsito em julgado da sentença. E isso porque as questões anteriores à sentença já foram alcançadas pela preclusão ou pela coisa julgada, não devendo mais ser revistas na execução.”[xxi]
Atente-se, ademais, para a possibilidade de cumprimento definitivo parcial, que não se confunde com o cumprimento provisório.
O primeiro se torna possível ante a admissibilidade de impugnação parcial por parte da Fazenda, o que faz com que a parte incontroversa transite em julgado. Disso resulta que a parcela não questionada passa a poder ser objeto de cumprimento de sentença definitivo, nos termos do art. 535 §4º do CPC[xxii].
Consigne-se que esse dispositivo foi objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade, conjuntamente com o art. 535 §3º, II CPC, sob o argumento, dentre outros, de que violaria o art. 100, § 8º, da CRFB, que “veda o fracionamento do precatório, salvo na hipótese do § 2º do mesmo dispositivo (pessoas com mais de 60 anos ou doentes graves) ou eventual renúncia de crédito para adequá-lo à pagamento como obrigação de pequeno valor”[xxiii].
Nessa oportunidade, o STF confirmou a tese fixada no Tema nº 28 de Repercussão Geral, conferindo interpretação conforme à Constituição ao referido §4º do art. 535 CPC para determinar que, para expedição de RPV, se deveria observar o montante total da condenação, e não apenas a parcela incontroversa. Vejamos as teses fixadas:
“Surge constitucional expedição de precatório ou requisição de pequeno valor para pagamento da parte incontroversa e autônoma do pronunciamento judicial transitada em julgado observada a importância total executada para efeitos de dimensionamento como obrigação de pequeno valor.”
STF. Plenário. RE 1205530, Rel. Marco Aurélio, julgado em 08/06/2020 (Repercussão Geral – Tema 28) (Info 984).
“Não é razoável impedir a satisfação imediata da parte incontroversa de título judicial, devendo-se observar, para efeito de determinação do regime de pagamento — se por precatório ou requisição de pequeno valor —, o valor total da condenação.”
STF. Plenário. ADI 5534/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 18/12/2020 (Info 1003).[xxiv]
Estabelecidas as balizas do cumprimento definitivo parcial, passemos ao cumprimento provisório de sentença.
2.2 Cumprimento Provisório de Sentença
Como referido no tópico anterior, por força de dispositivo constitucional, hoje a expedição de precatório ou RPV depende do prévio trânsito em julgado. Nem sempre foi assim. Isso porque a redação originária previa apenas a necessidade de “sentença judiciária”, tendo a necessidade de definitividade advindo por força das alterações perpetradas pela EC nº 30/2000 no art. 100 §1º da CRFB, que passou a se referir a “débitos oriundos de sentenças transitadas em julgado”.
Com a mudança, deixou de ser possível a expedição de precatório ou RPV referente a crédito ainda provisório. Nesse sentido, o Enunciado nº 532 do Fórum Permanente de Processualistas Civis – FPPC: “(art. 535, § 3º; art. 100, § 5º, Constituição Federal) A expedição do precatório ou da RPV depende do trânsito em julgado da decisão que rejeita as arguições da Fazenda Pública executada”[xxv].
Nada obstante, a impossibilidade de inscrição dos valores em precatório ou RPV não significa que não seja possível o cumprimento provisório de sentença contra a Fazenda Pública. Isso porque a expedição do instrumento de pagamento representa o passo final do cumprimento de sentença, sendo eventualmente necessária, antes, a liquidação do valor, por exemplo.
Nessa toada, não sendo recebida no efeito suspensivo, a apelação da Fazenda em nada obstará a liquidação de sentença, podendo ter seguimento, nesse ponto, o cumprimento de sentença. Nesse sentido, o comando do art. 512 do CPC, aqui aplicável: “A liquidação poderá ser realizada na pendência de recurso, processando-se em autos apartados no juízo de origem, cumprindo ao liquidante instruir o pedido com cópias das peças processuais pertinentes”[xxvi].
Como argumento de reforço, a brilhante lição de Leonardo Carneiro da Cunha:
É possível o cumprimento provisório de sentença contra a Fazenda Pública. O art. 100 da Constituição Federal exige, para expedição de precatório (§ 5º) ou de RPV (§ 3º), o prévio trânsito em julgado. Isso, porém, não impede o cumprimento provisório da sentença contra a Fazenda Pública. O que não se permite é a expedição do precatório ou da RPV antes do trânsito em julgado, mas nada impede que já se ajuíze o cumprimento da sentença e se adiante o procedimento, aguardando-se, para a expedição do precatório ou da RPV, o trânsito em julgado.[xxvii]
Noutro giro, destaca-se que o CPC/15 superou o entendimento jurisprudencial construído sob a égide do CPC/73 de que não incidiria multa coercitiva em sede de cumprimento provisório[xxviii]. Isso porque, para pôr fim à polêmica, o legislador de 2015 insculpiu regra expressa no art. 520 §2º segundo a qual a multa e os honorários são devidos no cumprimento provisório de sentença.
Anote-se, entretanto, que, a despeito do regramento processual, não há falar em multa quando se tratar de cumprimento provisório contra a Fazenda. Isso porque, não incidindo tal coerção na hipótese de cumprimento definitivo, pelas razões já analisadas no tópico anterior, também não haveria porquê ocorrer incidência de multa no cumprimento provisório.
Por fim, registre-se que, no caso de obrigação de fazer, não há óbice à execução provisória, pela ausência de incompatibilidade com a CRFB. Isso porque, nesse caso, não se atrai o regime constitucional dos precatórios. Foi nesse sentido que decidiu o Pretório Excelso, em Repercussão Geral (grifos nossos):
RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL. DIREITO CONSTITUCIONAL FINANCEIRO. SISTEMÁTICA DOS PRECATÓRIOS (ART. 100, CF/88). EXECUÇÃO PROVISÓRIA DE DÉBITOS DA FAZENDA PÚBLICA. OBRIGAÇÃO DE FAZER. SENTENÇA COM TRÂNSITO EM JULGADO. EMENDA CONSTITUCIONAL 30/2000.
1. Fixação da seguinte tese ao Tema 45 da sistemática da repercussão geral: “A execução provisória de obrigação de fazer em face da Fazenda Pública não atrai o regime constitucional dos precatórios.”
2. A jurisprudência do STF firmou-se no sentido da inaplicabilidade ao Poder Público do regime jurídico da execução provisória de prestação de pagar quantia certa, após o advento da Emenda Constitucional 30/2000. Precedentes.
3. A sistemática constitucional dos precatórios não se aplica às obrigações de fato positivo ou negativo, dado a excepcionalidade do regime de pagamento de débitos pela Fazenda Pública, cuja interpretação deve ser restrita. Por consequência, a situação rege-se pela regra regal de que toda decisão não autossuficiente pode ser cumprida de maneira imediata, na pendência de recursos não recebidos com efeito suspensivo.
4. Não se encontra parâmetro constitucional ou legal que obste a pretensão de execução provisória de sentença condenatória de obrigação de fazer relativa à implantação de pensão de militar, antes do trânsito em julgado dos embargos do devedor opostos pela Fazenda Pública.
5. Há compatibilidade material entre o regime de cumprimento integral de decisão provisória e a sistemática dos precatórios, haja vista que este apenas se refere às obrigações de pagar quantia certa.
6. Recurso extraordinário a que se nega provimento.
(RE 573872, Relator(a): Min. EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 24/05/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-204 DIVULG 08-09-2017 PUBLIC 11-09-2017)[xxix]
Assim, uma sentença que institua pensão para o Autor, como no julgado, pode ser executada antes do trânsito em julgado, ainda que pendente recurso, por não se subjugar à disciplina dos precatórios.
2.3 Cumprimento de Sentença nos Juizados Especiais
Os juizados especiais surgem com o fito de materializar o acesso à justiça insculpido no art. 5º, XXXV da CRFB, uma vez que sua sistemática informal e célere permite uma entrega de Justiça mais efetiva em casos que, de outra forma, sequer seriam levados à análise do Poder Judiciário, quer por sua baixa complexidade, quer por não apresentarem o custo benefício necessário à busca do sistema tradicional – que envolve, necessária e minimamente, a contratação de um advogado, sem falar no pagamento de custas e na própria complexidade probatória e recursal.
Com vistas nisso, a CRFB, em seu art. 98 I, determinou a criação de juizados especiais para o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade mediante os procedimentos oral e sumaríssimo. Nessa esteira, sobrevieram três leis: (i) Lei nº 9.099/1995 – lei dos juizados cíveis e criminais, (ii) Lei nº 10.259/2001 – lei dos juizados cíveis e criminais no âmbito da Justiça Federal e (iii) Lei nº 12.153/2009 – lei dos juizados especiais da Fazenda Pública nos Estados e Distrito Federal, todas idealizadas para resolver litígios de pequeno valor e baixa complexidade e dentre as quais nos interessam especialmente as duas últimas.
Para que melhor analisemos o cumprimento de sentença, importa tecer comentários acerca de balizadores fundamentais no que tange aos juizados especiais. Nessa senda, cumpre pontuar que a competência dos juizados federal e fazendário é absoluta, nos locais em que estiverem instalados, ex vi do art. 3º §3º da Lei nº 10.259/2001 e do art. 3º §4º da Lei nº 12.153/2009.
Ademais, essas duas leis excluem da apreciação dos juizados determinadas matérias, como ações de mandado de segurança e desapropriação, e causas relativas a bens imóveis de entes federativos. Quanto ao critério econômico, o valor da causa não pode exceder 60 salários, patamar ligeiramente superior ao limite de 40 salários mínimos da Lei nº 9.099/1995.
Acrescente-se que o limite de 60 salários mínimos é aferido levando-se em conta o valor da causa globalmente, no caso de litisconsórcio ativo. Tratando-se de litisconsórcio facultativo, como muitas vezes ocorre em ações de servidores que optam por provocar o judiciário em conjunto, por exemplo, relembra-se que impede que demandem separadamente. Assim, diferentemente do que ocorre para aferição do método de pagamento – se precatório ou RPV – como se verá adiante, a aferição da competência se dá com base no valor global da causa.
No ensejo de tais considerações, e levando-se em conta a temática ora em comento, destaque-se que a lei de 2001, no bojo de seu art. 17, trouxe os seguintes alicerces (grifos nossos):
Art. 17. Tratando-se de obrigação de pagar quantia certa, após o trânsito em julgado da decisão, o pagamento será efetuado no prazo de sessenta dias, contados da entrega da requisição, por ordem do Juiz, à autoridade citada para a causa, na agência mais próxima da Caixa Econômica Federal ou do Banco do Brasil, independentemente de precatório.
§ 1o Para os efeitos do § 3o do art. 100 da Constituição Federal, as obrigações ali definidas como de pequeno valor, a serem pagas independentemente de precatório, terão como limite o mesmo valor estabelecido nesta Lei para a competência do Juizado Especial Federal Cível (art. 3o, caput).
§ 2o Desatendida a requisição judicial, o Juiz determinará o seqüestro do numerário suficiente ao cumprimento da decisão.
§ 3o São vedados o fracionamento, repartição ou quebra do valor da execução, de modo que o pagamento se faça, em parte, na forma estabelecida no § 1o deste artigo, e, em parte, mediante expedição do precatório, e a expedição de precatório complementar ou suplementar do valor pago.
§ 4o Se o valor da execução ultrapassar o estabelecido no § 1o, o pagamento far-se-á, sempre, por meio do precatório, sendo facultado à parte exeqüente a renúncia ao crédito do valor excedente, para que possa optar pelo pagamento do saldo sem o precatório, da forma lá prevista.
Consoante se observa do caput, o pagamento será efetuado independentemente de precatório, mas apenas após o trânsito em julgado da decisão. Anote-se, ainda, a vedação do §3º quanto ao fracionamento do valor da execução, não sendo permitido o pagamento imediato de uma parcela do valor e a expedição de precatório quanto ao resto, ressalvada a possibilidade de renúncia ao excedente, pela literalidade do supramencionado §4º.
É digna de nota também a disciplina do §1º, que referencia diretamente o art. 100 §3º da CRFB e tange ao limite considerado como de pequeno valor, a dispensar a expedição de precatórios.
Insta mencionar o art. 87 do ADCT, incluído pela EC nº 37 de 2002, e cuja leitura se faz valiosa. Vejamos (grifos nossos):
Art. 87. Para efeito do que dispõem o § 3º do art. 100 da Constituição Federal e o art. 78 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias serão considerados de pequeno valor, até que se dê a publicação oficial das respectivas leis definidoras pelos entes da Federação, observado o disposto no § 4º do art. 100 da Constituição Federal, os débitos ou obrigações consignados em precatório judiciário, que tenham valor igual ou inferior a:
I - quarenta salários-mínimos, perante a Fazenda dos Estados e do Distrito Federal;
II - trinta salários-mínimos, perante a Fazenda dos Municípios.
Parágrafo único. Se o valor da execução ultrapassar o estabelecido neste artigo, o pagamento far-se-á, sempre, por meio de precatório, sendo facultada à parte exeqüente a renúncia ao crédito do valor excedente, para que possa optar pelo pagamento do saldo sem o precatório, da forma prevista no § 3º do art. 100.
Dessarte, aparte de trazer expressa também a possibilidade de renúncia de excedente, a norma legal referida estabelece quantias a serem consideradas de pequeno valor até que sobrevenha lei de cada ente da federação impondo montante específico. Em não as havendo, todavia, chama-se atenção para o fato de que o patamar limitador estabelecido pelo artigo em comento é inferior aos 60 salários mínimos que definem a competência dos juizados, o que explica porque uma causa, embora corra pelo rito especial dos juizados, venha a ser paga por meio de precatório.
Importante consignar, outrossim, que os valores fixados pelo art. 87 perfazem tão somente parâmetros provisórios, não vinculando – seja como referencial mínimo, seja como referencial máximo – os entes da federação que posteriormente vierem a editar leis em sentido diverso. Nessa linha, a ADI nº 2.868/PI, julgada em 02/06/04.[xxx]
Ainda assim, o art. 100 §4º da CRFB não deixa a fixação de valores totalmente à discricionariedade do ente fazendário, impondo “mínimo igual ao valor do maior benefício do regime geral de previdência social”, o que impede que a legislação incuta limite irrisório de forma a obstar as requisições de pequeno valor e impelir pagamento via precatório.
Observa-se, a mais, que a lei que institui os juizados da fazenda pública é posterior à lei nº 10.259/2001, cujo art. 17 comentamos. Assim, o microssistema dos juizados foi complementado em 2009, com a Lei nº 12.153/2009, acrescendo outros regramentos de destaque, a citar o seu art. 13, que ora transcrevemos (grifos nossos):
Art. 13. Tratando-se de obrigação de pagar quantia certa, após o trânsito em julgado da decisão, o pagamento será efetuado:
I – no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, contado da entrega da requisição do juiz à autoridade citada para a causa, independentemente de precatório, na hipótese do § 3o do art. 100 da Constituição Federal; ou
II – mediante precatório, caso o montante da condenação exceda o valor definido como obrigação de pequeno valor.
§ 1o Desatendida a requisição judicial, o juiz, imediatamente, determinará o sequestro do numerário suficiente ao cumprimento da decisão, dispensada a audiência da Fazenda Pública.
§ 2o As obrigações definidas como de pequeno valor a serem pagas independentemente de precatório terão como limite o que for estabelecido na lei do respectivo ente da Federação.
§ 3o Até que se dê a publicação das leis de que trata o § 2o, os valores serão:
I – 40 (quarenta) salários mínimos, quanto aos Estados e ao Distrito Federal;
II – 30 (trinta) salários mínimos, quanto aos Municípios.
§ 4o São vedados o fracionamento, a repartição ou a quebra do valor da execução, de modo que o pagamento se faça, em parte, na forma estabelecida no inciso I do caput e, em parte, mediante expedição de precatório, bem como a expedição de precatório complementar ou suplementar do valor pago.
§ 5o Se o valor da execução ultrapassar o estabelecido para pagamento independentemente do precatório, o pagamento far-se-á, sempre, por meio do precatório, sendo facultada à parte exequente a renúncia ao crédito do valor excedente, para que possa optar pelo pagamento do saldo sem o precatório.
§ 6o O saque do valor depositado poderá ser feito pela parte autora, pessoalmente, em qualquer agência do banco depositário, independentemente de alvará.
§ 7o O saque por meio de procurador somente poderá ser feito na agência destinatária do depósito, mediante procuração específica, com firma reconhecida, da qual constem o valor originalmente depositado e sua procedência.
Com efeito, a partir da disciplina supra, cediço que o pagamento via RPV se dá no prazo máximo de 60 dias a contar da requisição, enquanto o precatório segue a sistemática constitucionalmente gizada. É de se notar que o §3º, em verdade, vem ecoar o já reproduzido art. 87 do ADCT, enquanto os §§ 4º e 5º reiteram o regramento já disposto e aplicado desde a Lei de 2001 quanto à impossibilidade de fracionamento do precatório, resguardada a hipótese de renúncia ao excedente.
Destarte, note-se que o cumprimento de sentença por quantia certa contra a Fazenda Pública nos juizados difere da sistemática geral, no que alude a necessidade de observação do meio de pagamento, se por precatório ou Requisição de Pequeno Valor – RPV, uma vez que, nas sentenças que imponham obrigação de fazer, não fazer ou entrega de coisa certa, se procede ao pagamento mediante expedição de ofício à autoridade com cópia da sentença ou acordo, em respeito ao art. 12 da Lei nº 12.153/2009[xxxi].
Imprescindível comentar, também, a recente decisão do STF que, no julgamento da ADPF nº 219/DF, afirmou constitucional a chamada execução invertida, cuja definição é cuidadosamente aclarada pelo juiz federal Márcio André Lopes Cavalcante, nos seus comentários ao Informativo de Jurisprudência nº 1.018 do STF (grifos nossos):
“A execução invertida, em palavras simples, consiste no seguinte: havendo uma decisão transitada em julgado condenando a Fazenda Pública ao pagamento de uma quantia considerada como de “pequeno valor”, o juiz do Juizado Especial Federal intima o Poder Público (devedor) para que este elabore a planilha de cálculos com o valor que é devido e apresente isso nos autos para análise do credor. Caso este concorde, haverá o pagamento voluntário da obrigação e a execução se encerra rapidamente.”[xxxii]
Deflui-se, portanto, nesses casos, a despeito da disciplina do art. 534 CPC, não será o credor a apresentar os cálculos.
Ressalte-se que essa diferente sistemática ocorre antes mesmo de ser deflagrado o cumprimento de sentença pelo credor, momento em que seria instado a apresentar memória de cálculos.
Essa construção se deu, decerto, pelo fato de ser muito mais custoso ao credor elaborar os referidos cálculos, procedimento ao qual a Fazenda já está habituada, porquanto precisa apresenta-los na eventualidade da impugnação. Atentos a isso, alguns juízes dos juizados especiais procederam a esse aperfeiçoamento do procedimento, embora sem previsão legal, que ficou conhecido como execução invertida.
Anote-se que o termo “execução invertida” não parece ser o mais adequado, embora já consolidado. Isso porque padece de atecnia, uma vez que não há qualquer inversão da execução, mas apenas do ônus de apresentar a planilha de cálculos; dessa forma, exequente e executado seguem ostentando a mesma posição na execução.
A execução invertida se mostrou amplamente admitida nos Juizados Especiais Federais, inclusive com a edição do Enunciado nº 129 do FONAJEF: “Nos Juizados Especiais Federais, é possível que o juiz determine que o executado apresente os cálculos de liquidação”, fruto de seu IX encontro, ocorrido em setembro/2012.
Na mesma linha já vinham decidindo as Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, que editaram, inclusive, o enunciado de nº 52 a respeito do tema, nos seguintes moldes (grifos nossos):
Nas ações que tenham por objeto prestações de trato sucessivo, a sentença ou acórdão que julgar procedente o pedido determinará a implantação administrativa da prestação, podendo o juiz ordenar que a parte ré forneça os elementos de cálculo ou indique o valor dos atrasados, para o fim de pagamento na forma do art. 17 da Lei 10.259/01.” (Aprovado na Sessão Conjunta realizada em 26/05/2006, e publicado no DOERJ de 01/06/2006, p. 5, Parte III).[xxxiii]
Foi exatamente para questionar as reiteradas decisões dos Juizados Especiais Federais do Rio de Janeiro, que lhe impunham o dever de apresentar cálculos, que a União propôs a ADI 219, arguindo ser a execução invertida inconstitucional, que veio a ser julgada em maio/2021 e cuja ementa pedimos licença para transcrever (grifos nossos):
ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL – ADEQUAÇÃO. Cumpre ao Supremo, ante o objetivo da ação nobre que é a de descumprimento de preceito fundamental, o implemento de visão interpretativa generosa, contribuindo para a eficácia do Direito, a racionalização dos trabalhos judiciários, alfim, a manutenção da paz social. JUIZADOS ESPECIAIS – EXECUÇÃO – CÁLCULOS. A interpretação teleológico-sistemática da ordem jurídica, calcada na Constituição Federal como documento maior da República, conduz a placitar-se a óptica segundo a qual incumbe ao órgão da Administração Pública acionado, à pessoa jurídica de direito público, apresentar os cálculos indispensáveis à solução rápida e definitiva da controvérsia, prevalecendo o interesse primário – da sociedade – e não o secundário – o econômico da Fazenda Pública. Os interesses secundários não são atendíveis senão quando coincidirem com os primários, únicos que podem ser perseguidos por quem axiomaticamente os encara e representa – Celso Antônio Bandeira de Mello – Curso de Direito Administrativo 2010, página 23.
(STF - ADPF: 219 DF, Relator: MARCO AURÉLIO, Data de Julgamento: 20/05/2021, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 07/10/2021)
Da decisão acima colacionada se extrai que o Supremo deu primazia ao interesse público primário, levando-se em consideração relação assimétrica que se desenha entre o particular e a Fazenda. A interpretação que se dá não destoa da lei, uma vez que não há vedação legal a que se exija a colaboração da Fazenda Pública executada, e prima pela economia processual e celeridade do processo, bem como por sua efetividade, com a qual se pressupõe estar a Administração comprometida.
De toda forma, a execução invertida é uma possiblidade, e não uma amarra ao credor, que pode optar pelo procedimento tradicional e preferir que os cálculos sejam realizados por perito do juízo, formulando requerimento expresso no bojo do processo.
Impende apontar, no mais, que aqui se aplicam todas as regras já comentadas em capítulos anteriores acerca do cumprimento de sentença em geral, com especial atenção para a possibilidade de execução da parcela incontroversa, considerado o definido no julgamento do Tema nº 28 de Repercussão Geral, que optamos por não repisar neste tópico.
Por derradeiro, conforme decidiu a 1ª turma do STJ no julgamento do REsp nº 1.804.186-SC[xxxiv], revela-se impossível cumprimento de sentença no Juizado Especial da Fazenda Pública para executar individualmente título judicial oriundo de ação coletiva, ainda que o valor individualmente pleiteado esteja na margem dos 60 salários mínimos, não só porque a Lei nº 12.153/2009 exclui de sua competência o julgamento de demandas envolvendo interesses difusos ou coletivos, mas porque a referida lei e suas normas subsidiárias – como o microssistema dos juizados e o CPC – determinam que os juizados especiais fazendários têm competência para fazer a execução apenas de seus próprios julgados ou de títulos extrajudiciais. Nesse caso, portanto, a execução deve seguir o rito do art. 534 e seguintes do CPC.[xxxv]
3.CONCLUSÃO
Conforme sublinhado ao longo do presente estudo, como consequência de o art. 100 da CRFB estabelecer balizas essenciais ao regime próprio dos precatórios, o Código de Processo Civil foi jungido a regular um cumprimento de sentença especial contra a Fazenda Pública, nos casos de condenação a obrigação de pagar quantia certa.
Ao fazê-lo, criou diversos privilégios processuais, os quais analisamos, ora de forma aprofundada, ora de forma perfunctória, no presente trabalho, sendo digno de nota o procedimento especial dos arts. 534 e 535 do CPC/15, somado a todos os balizadores jurisprudenciais estabelecidos desde a CRFB/1988.
Por certo, o tema da execução por quantia certa contra a Fazenda Pública possui papel fundamental no nosso ordenamento jurídico. Destarte, a importância da matéria se afigura cristalina em cotejo com a prolífera atividade jurisprudencial acerca do tema. É dizer, a jurisprudência profícua, e muitas vezes remansosa acerca de determinados temas, apenas demonstra a sua relevância, seja em termos intelectivos, seja como consequência do grande numerário de processos nos mesmos moldes no Judiciário.
Com efeito, no regime constitucional atual, a Fazenda sempre precisará de uma execução especial, o que, somado ao endividamento crescente dos entes públicos, torna o estudo da temática essencial.
[i] Com efeito, salienta-se a possibilidade de sequestro de bens públicos, mas apenas na fase de precatórios, nos moldes do art. 100 §6º da CRFB.
[ii] “Art. 100. Os bens públicos de uso comum do povo e os de uso especial são inalienáveis, enquanto conservarem a sua qualificação, na forma que a lei determinar.”
[iii] DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; BRAGA< Paula Sarno; DE OLIVEIRA, Rafael Alexandria. Curso de Direito Processual Civil: execução. V. 5. 12. Ed. ver., ampl. e atual. São Paulo: Ed. Juspodium, 2022, p. 701/702.
[iv] VENTURA PEIXOTO, Marco Aurélio, VIEIRA BELFORT, Renata Cortez, op. cit., p. 477.
[v] CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 477.
[vi] DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; BRAGA, Paula Sarno; DE OLIVEIRA, Rafael Alexandria. Curso de Direito Processual Civil: execução. V. 5. 12. Ed. ver., ampl. e atual. São Paulo: Ed. Juspodium, 2022, p. 701/702.
[vii] CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 478.
[viii] Tal afirmação não é feita sem ressalvas, conforme se verá no tópico sobre os juizados especiais, ao se falar sobre a execução invertida.
[ix] Nesse sentido é o entendimento do STJ (grifos nossos):
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. ÍNDICES DE CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE PELO STF. RE 870.947. COISA JULGADA. PREVALÊNCIA. 1. Cinge-se a controvérsia a definir se é possível, em fase de cumprimento de sentença, alterar os critérios de atualização dos cálculos estabelecidos na decisão transitada em julgado, a fim de adequá-los ao entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal em repercussão geral.
2. O Tribunal de origem fez prevalecer os parâmetros estabelecidos pela Suprema Corte no julgamento do RE 870.947, em detrimento do comando estabelecido no título judicial.
3. Conforme entendimento firmado pelo Pretório Excelso, "[...] a decisão do Supremo Tribunal Federal declarando a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade de preceito normativo não produz a automática reforma ou rescisão das sentenças anteriores que tenham adotado entendimento diferente; para que tal ocorra, será indispensável a interposição do recurso próprio ou, se for o caso, a propositura da ação rescisória própria, nos termos do art. 485, V, do CPC, observado o respectivo prazo decadencial (CPC, art. 495)" (RE 730.462, Rel. Min. Teori Zavascki, Tribunal Pleno, julgado em 28/5/2015, acórdão eletrônico repercussão geral - mérito DJe-177 divulg 8/9/2015 public 9/9/2015).
4. Sem que a decisão acobertada pela coisa julgada tenha sido desconstituída, não é cabível ao juízo da fase de cumprimento de sentença alterar os parâmetros estabelecidos no título judicial, ainda que no intuito de adequá-los à decisão vinculante do STF.5. Recurso especial a que se dá provimento.
(REsp 1861550/DF, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/06/2020, DJe 04/08/2020)
AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1775703 - PR (2020/0261085-0) DECISÃO PR OCESSUAL CIVIL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC/1973. INOCORRÊNCIA. EXECUÇÃO DE SENTENÇA. CORREÇÃO MONETÁRIA. REVISÃO. SUPOSTO ERRO MATERIAL. IMPOSSIBILIDADE. RESPEITO À COISA JULGADA. AGRAVO DESPROVIDO. 1. Agrava-se de decisão que inadmitiu Recurso Especial interposto pelo ESTADO DO PARANÁ contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça local, assim ementado: AGRAVO DE INSTRUMENTO AÇÃO DE INDENIZAÇÃO EXECUÇÃO DE SENTENÇA ERRO MATERIAL NÃO CARACTERIZADO SUBSTITUIÇÃO DE ÍNDICES DE CORREÇÃO MONETÁRIA IMPOSSIBILIDADE OFENSA À COISA JULGADA AGRAVO DESPROVIDO. As questões de direito material, ordem pública, que tiverem sido decididas pelo juiz, fazem coisa julgada. Delimitado o objeto da condenação no título executivo, inclusive com a fixação dos índices de atualização monetária e da incidência dos juros moratórios, a inclusão de novos índices em substituição aos anteriormente fixados, configura violação à coisa julgada. A pretensão de substituir os índices de atualização monetária, que extrapola a hipótese de erro de conta, matemático, não configura mero erro material possível de ser corrigido a qualquer tempo. "O erro de cálculo passível de correção, segundo os ditames do art. 463, I, do CPC, é aquele decorrente de inexatidão aritmética, que não se confunde com a aplicação de um ou outro critério de correção monetária e de juros de mora" (EDcl no AgRg no REsp I.175.999/PR, Relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 4/8/2014). (...)
(STJ - AREsp: 1775703 PR 2020/0261085-0, Relator: Ministro MANOEL ERHARDT (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF5), Data de Publicação: DJ 26/11/2021)
[x] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Retirado de < https://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumarioSumulas.asp?sumula=2385>, acesso em 04/06/22
[xi] CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Índices de juros e correção monetária aplicados para condenações contra a Fazenda Pública (decisão do STJ). Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em:<https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/e68879a4839773d105f0689875dace83>. Acesso em: 04/06/2022
[xii] CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Fazenda Pública executada apresenta impugnação alegando excesso de execução e pede a concessão de prazo para apresentação da planilha com o valor devido; é razoável que o juiz conceda o referido prazo. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em:<https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/704cddc91e28d1a5517518b2f12bc321>. Acesso em: 04/06/2022
[xiii] BRASIL. Código de Processo Civil. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em 04/06/22.
[xiv] Diz-se “em regra” porque poderá a Fazenda lançar mão do expediente do art. 526 quando se tratar de montante a ser pago via RPV. Para mais, vide capítulo referente ao cumprimento de sentença nos Juizados Especiais.
[xv] “Art. 526. É lícito ao réu, antes de ser intimado para o cumprimento da sentença, comparecer em juízo e oferecer em pagamento o valor que entender devido, apresentando memória discriminada do cálculo.
§ 1º O autor será ouvido no prazo de 5 (cinco) dias, podendo impugnar o valor depositado, sem prejuízo do levantamento do depósito a título de parcela incontroversa.
§ 2º Concluindo o juiz pela insuficiência do depósito, sobre a diferença incidirão multa de dez por cento e honorários advocatícios, também fixados em dez por cento, seguindo-se a execução com penhora e atos subsequentes.
§ 3º Se o autor não se opuser, o juiz declarará satisfeita a obrigação e extinguirá o processo.” (grifos nossos)
[xvi] Nesse sentido, o precedente da 2ª turma do STJ no tocante a cumprimento de sentenças prolatadas em ações coletivas (grifos nossos): PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. AÇÃO COLETIVA. SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL. POSSIBILIDADE DE LIMITAÇÃO DO NÚMERO DE SUBSTITUÍDOS POR CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. OFENSA AO ART. 1.022 DO CPC. INEXISTÊNCIA. APLICAÇÃO EXTENSIVA DO ART. 113, § 1º, DO CPC. IMPOSSIBILIDADE DE REVER O NÚMERO DE SUBSTITUÍDOS POR PROCESSO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E NÃO PROVIDO. 1. Trata-se, na origem, de agravo de instrumento contra decisão que vedou a formação de litisconsórcio ativo facultativo no cumprimento de sentença de ação coletiva, estabelecendo a distribuição de um processo por beneficiário do título judicial. 2. Ao apreciar o recurso, o Tribunal de origem manteve a referida decisão, por entender ser prerrogativa do juiz limitar o litisconsórcio facultativo quando este comprometer a rápida solução do litígio ou dificultar a defesa. 3. Não merece prosperar a tese de violação dos arts. 489, § 1º, IV, e 1.022, II, do CPC, porquanto o acórdão recorrido fundamentou, claramente, o posicionamento por ele assumido, de modo a prestar a jurisdição que lhe foi postulada, resolvendo as questões suscitadas pelos recorrentes. 4. Não se olvida que a jurisprudência desta Corte, registra compreensão, à luz do CPC/1973, no sentido da impossibilidade de limitação do número de litigantes no caso de substituição processual (REsp 1.213.710/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 16/12/2010, DJe 8/2/2011). 5.Todavia, com o advento do novo CPC, houve sensível alteração na aplicação da limitação processual ("Art. 113, § 1º, do CPC: O juiz poderá limitar o litisconsórcio facultativo quanto ao número de litigantes na fase de conhecimento, na liquidação de sentença ou na execução, quando este comprometer a rápida solução do litígio ou dificultar a defesa ou o cumprimento da sentença). 6. Na fase de cumprimento de sentença de ação coletiva relativa a direitos individuais homogêneos não se está mais diante de uma atuação uniforme do substituto processual em prol dos substituídos, mas de uma demanda em que é necessária a individualização de cada um dos beneficiários do título judicial, bem como dos respectivos créditos. 7. Assim, é possível a limitação do número de substituídos em cada cumprimento de sentença, por aplicação extensiva do art. 113, § 1º, do CPC. 8. Em que pese ao referido dispositivo se referir apenas a litisconsortes, é fato que o Código de Ritos não disciplina o procedimento específico das ações coletivas. Assim, não é correto afastar a incidência desse preceito normativo simplesmente por não haver referência expressa ao instituto da substituição processual. Ademais, o próprio CDC, em seu art. 90, prevê a aplicação supletiva do Código de Processo Civil. 9. Quanto ao número de substituídos por cumprimento de sentença, não é cabível, nesta seara recursal, rever o entendimento das instâncias ordinárias de ser mais conveniente a propositura de um processo por beneficiário do título. Incidência da Súmula 7/STJ. Precedentes. 10. Recurso especial parcialmente conhecido e não provido.
(REsp n. 1.947.661/RS, relator Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 23/9/2021, DJe de 14/10/2021.)
[xvii] Art. 183. A União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público gozarão de prazo em dobro para todas as suas manifestações processuais, cuja contagem terá início a partir da intimação pessoal.
§ 1º A intimação pessoal far-se-á por carga, remessa ou meio eletrônico.
§ 2º Não se aplica o benefício da contagem em dobro quando a lei estabelecer, de forma expressa, prazo próprio para o ente público.
[xviii] Ilustrativamente (grifos nossos): AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1571621 - RS (2019/0258326-6) DECISÃO Trata-se de agravo nos próprios autos interposto contra decisão que inadmitiu o recurso especial por falta de prequestionamento e incidência da Súmula n. 7/STJ (e-STJ fls. 266/271). O acórdão recorrido está assim ementado (e-STJ fl. 148): AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESPONSABILIDADE CIVIL. EXECUÇÃO DE SENTENÇA. REJEIÇÃO LIMINAR DA IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. INTEMPESTIVIDADE. A parte ré, ora agravante fora intimada para cumprimento voluntário da obrigação, deixando transcorrer in albis a oportunidade para pagamento, quando iniciou o prazo para a apresentação de impugnação, nos termos do que dispõe o art. 525 do CPC, também não aproveitado. Sobreveio pedido de prosseguimento do feito com a penhora on line, que restou frustrada, indicando os credores, então, imóvel à penhora, sendo a constrição reduzida a termo, ocasião em que o executado apresentou insurgência, alegando matéria afeita à impugnação ao cumprimento de sentença -excesso de execução - que, no caso, já estavam preclusas, sendo intempestivo o incidente. Além disso, a matéria defendida, incidência de multa e honorários, ambos de 10%, quando o executado, intimado, não pagar voluntariamente em 15 dias, se trata de norma processual cogente, que não comporta exceção e sua incidência se dá sobre o valor total do débito, incidindo sobre o valor "restante" quando houver pagamento parcial no prazo previsto no caput do art. 523 do CPC, consoante previsão do § 2 do mesmo dispositivo legal. (...) Além disso, conforme consignou o TJRS, a agravante deixou o prazo de impugnação transcorrer in albis, só vindo a apresentar alegações referentes ao excesso de execução após a penhora do imóvel, não se tratando de arguição de mero erro de cálculo. Para decidir de modo contrário, seria necessário reexaminar elementos fáticos do processo, o que é inviável no âmbito do especial, por força da Súmula n. 7/STJ. Referidos óbices - Súmulas n. 282 e 356 do STF e 7 do STJ - impedem o conhecimento do especial interposto com base nas alíneas a e c do permissivo constitucional. Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao agravo. Publique-se e intimem-se.
(STJ - AREsp: 1571621 RS 2019/0258326-6, Relator: Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, Data de Publicação: DJ 03/03/2022)
[xix] Art. 535. A Fazenda Pública será intimada na pessoa de seu representante judicial, por carga, remessa ou meio eletrônico, para, querendo, no prazo de 30 (trinta) dias e nos próprios autos, impugnar a execução, podendo arguir:
I - falta ou nulidade da citação se, na fase de conhecimento, o processo correu à revelia;
III - inexequibilidade do título ou inexigibilidade da obrigação;
IV - excesso de execução ou cumulação indevida de execuções;
V - incompetência absoluta ou relativa do juízo da execução;
VI - qualquer causa modificativa ou extintiva da obrigação, como pagamento, novação, compensação, transação ou prescrição, desde que supervenientes ao trânsito em julgado da sentença.
[xx] Nesse sentido, dentre outros: REsp 1726382/MT, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/04/2018, DJe 24/05/2018 e REsp 1887589/GO, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/04/2021, DJe 14/04/2021.
[xxi] DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; BRAGA, Paula Sarno; DE OLIVEIRA, Rafael Alexandria. Curso de Direito Processual Civil: execução. V. 5. 12. Ed. ver., ampl. e atual. São Paulo: Ed. Juspodium, 2022, p. 708.
[xxii] “Art. 535, § 4º Tratando-se de impugnação parcial, a parte não questionada pela executada será, desde logo, objeto de cumprimento”.
[xxiii] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: < https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4989940>, acesso em 05/06/22.
[xxiv] CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Os §§ 3º e 4º do art. 535 do CPC/2015 são constitucionais. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/2c601ad9d2ff9bc8b282670cdd54f69f>. Acesso em: 05/06/2022.
[xxv] BRASIL. Instituto de Direito Contemporâneo. Grupo: Impacto do novo CPC e os processos da Fazenda Pública. Disponível em <https://institutodc.com.br/wp-content/uploads/2017/06/FPPC-Carta-de-Florianopolis.pdf>, acesso em 05/06/22.
[xxvi] BRASIL. Código de Processo Civil. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>, acesso em 05/06/22.
[xxvii] CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 534.
[xxviii] Nesse sentido, precedente do Superior Tribunal de Justiça ora colacionado:
PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. MULTA. CPC, ART. 475-J.DESCABIMENTO. I. A multa prevista no art. 475-J do CPC não se aplica à execução provisória. II. Recurso especial conhecido e provido.
(STJ - REsp: 1059478 RS 2008/0108385-6, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 15/12/2010, CE - CORTE ESPECIAL, Data de Publicação: DJe 11/04/2011)
[xxix] CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Obrigação de fazer não está sujeita a precatório. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/bf40f0ab4e5e63171dd16036913ae828>. Acesso em: 05/06/2022.
[xxx] DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; BRAGA< Paula Sarno; DE OLIVEIRA, Rafael Alexandria. Curso de Direito Processual Civil: execução. V. 5. 12. Ed. ver., ampl. e atual. São Paulo: Ed. Juspodium, 2022, p. 725.
[xxxi] “Art. 12. O cumprimento do acordo ou da sentença, com trânsito em julgado, que imponham obrigação de fazer, não fazer ou entrega de coisa certa, será efetuado mediante ofício do juiz à autoridade citada para a causa, com cópia da sentença ou do acordo.”
[xxxii] CAVALCANTE, Márcio André Lopes. A chamada execução invertida é constitucional. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/3e91970f771a2c473ae36b60d1146068>. Acesso em: 12/06/2022.
[xxxiii] SARLO JORGE, Társis Nametala. Da Execução Invertida – ADPF 219 e uma análise sob o aspecto da legislação federal in Instituto Brasileiro de Direito de Família. Disponível em: <https://ibdfam.org.br/artigos/1708/Da+Execu%C3%A7%C3%A3o+Invertida+%E2%80%93+ADPF+219+e+uma+an%C3%A1lise+sob+o+aspecto+da+legisla%C3%A7%C3%A3o+federal>, acesso em: 12/06/22.
[xxxiv] Por indispensável, transpomos o recente julgado, exarado ao final de 2020 (grifos nossos): “PROCESSUAL CIVIL. RECURSOS ESPECIAIS REPRESENTATIVOS DA CONTROVÉRSIA. TEMA 1.029/STJ. RESP 1.804.186/SC E RESP 1.804.188/SC.AÇÃO COLETIVA. EXECUÇÃO. COMPETÊNCIA E RITO. JUIZADOS ESPECIAIS DA FAZENDA PÚBLICA. LEI 12.153/2009. IMPOSSIBILIDADE.IDENTIFICAÇÃO DA CONTROVÉRSIA 1. O tema repetitivo ora controvertido (1.029/STJ) consiste em estabelecer a "aplicabilidade do rito dos Juizados Especiais da Fazenda Pública (Lei 12.153/2009) ao Cumprimento de Sentença individual oriundo de Ação Coletiva que seguiu o procedimento ordinário em Vara da Fazenda Pública, independentemente de haver Juizado Especial instalado no foro competente".EXAME DO TEMA REPETITIVO 2. Na hipótese tratada no presente tema repetitivo, o Tribunal de origem assentou que, por ser absoluta a competência dos Juizados Especiais da Fazenda Pública (§ 4º do art. 2º da Lei 12.153/2009), o cumprimento de sentença oriundo de Ação Coletiva em que o valor da causa seja inferior a 60 (sessenta) salários mínimos deve seguir o rito sumaríssimo da Lei 12.153/2009, independentemente de haver Juizado Especial instalado na comarca competente.3. Com relação à execução de sentenças coletivas, o STJ firmou a compreensão, sob o rito do art. 543-C do CPC/1973, de que "a liquidação e a execução individual de sentença genérica proferida em ação civil coletiva pode ser ajuizada no foro do domicílio do beneficiário, porquanto os efeitos e a eficácia da sentença não estão circunscritos a lindes geográficos, mas aos limites objetivos e subjetivos do que foi decidido, levando-se em conta, para tanto, sempre a extensão do dano e a qualidade dos interesses metaindividuais postos em juízo (arts. 468, 472 e 474, CPC e 93 e 103, CDC.)" (REsp 1.243.887/PR, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Corte Especial, julgado em 19.10.2011, DJe de 12.12.2011).4. Também está sedimentado na jurisprudência do STJ o entendimento de que, uma vez instalado Juizado Especial Federal ou da Fazenda Pública, conforme o caso, e se o valor da causa for inferior ao da alçada, a competência é absoluta. Apenas como exemplo: REsp 1.537.768/DF, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em 20.8.2019, DJe de 5.9.2019.5. A questão que emerge do tema repetitivo é indagar se é possível ajuizar ação executiva no Juizado Especial da Fazenda Pública relativa a título judicial oriundo de Ação Coletiva, em que se seguiu rito próprio desse tipo de ação. 6. O art. 2º, § 1º, I, da Lei 12.153/2009 dispõe que não se incluem na competência do Juizado Especial da Fazenda Pública as demandas sobre direitos ou interesses difusos e coletivos, o que é argumento suficiente para excluir a competência executória de sentenças exaradas em Ações Coletivas.7. Na mesma lei não há disposição expressa acerca da competência executória dos Juizados da Fazenda Pública, havendo apenas regramento (arts. 12 e 13) do rito da execução de seus próprios julgados.8. O art. 27 da Lei 12.153/2009 fixa a aplicação subsidiária do CPC, da Lei 9.099/1995 e da Lei 10.259/2001, os quais se examinam a seguir.9. A Lei 9.099/1995, no art. 3º, § 1º, delimita a competência dos Juizados Especiais Cíveis e, por aplicação subsidiária, dos Juizados Especiais da Fazenda Pública para promoverem a execução "dos seus julgados" e "dos títulos executivos extrajudiciais, no valor de até quarenta vezes o salário mínimo".10. Já o art. 3º, caput, da Lei 10.259/2001, também de aplicação subsidiária aos Juizados Especiais da Fazenda Pública, delimita a competência executória a "executar as suas sentenças".11. Por fim, a terceira lei de regramento de aplicação subsidiária, o CPC, estabelece (grifos acrescentados): "Art. 516. O cumprimento da sentença efetuar-se-á perante: I - os tribunais, nas causas de sua competência originária; II - o juízo que decidiu a causa no primeiro grau de jurisdição; III - o juízo cível competente, quando se tratar de sentença penal condenatória, de sentença arbitral, de sentença estrangeira ou de acórdão proferido pelo Tribunal Marítimo.Parágrafo único. Nas hipóteses dos incisos II e III, o exequente poderá optar pelo juízo do atual domicílio do executado, pelo juízo do local onde se encontrem os bens sujeitos à execução ou pelo juízo do local onde deva ser executada a obrigação de fazer ou de não fazer, casos em que a remessa dos autos do processo será solicitada ao juízo de origem".12. Vale resgatar a possibilidade, estipulada pelo STJ sob o rito dos recursos repetitivos (REsp 1.243.887/PR, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Corte Especial, julgado em 19.10.2011, DJe de 12.12.2011), de a execução individual de sentença coletiva poder ser proposta no foro do domicílio do exequente, interpretação essa advinda da legislação de tutela dos direitos coletivos e difusos: "A liquidação e a execução individual de sentença genérica proferida em ação civil coletiva pode ser ajuizada no foro do domicílio do beneficiário, porquanto os efeitos e a eficácia da sentença não estão circunscritos a lindes geográficos, mas aos limites objetivos e subjetivos do que foi decidido, levando-se em conta, para tanto, sempre a extensão do dano e a qualidade dos interesses metaindividuais postos em juízo".13. Nota-se que a Lei 12.153/2009 e as respectivas normas de aplicação subsidiária determinam que os Juizados Especiais da Fazenda Pública têm competência para apreciar apenas as execuções de seus próprios julgados ou de títulos extrajudiciais.14. Por derradeiro, o Código de Defesa do Consumidor, norma que rege a tutela coletiva não só no direito do consumidor, mas de forma subsidiária de todos os tipos de direitos, fixa a competência, para a execução, do juízo da liquidação da sentença ou da ação condenatória, no caso de execução individual, valendo aqui a regra do domicílio do exequente no caso de juízos com a mesma competência.15. Na mesma linha de compreensão aqui traçada, cita-se precedente da Primeira Turma que examina a Lei 10.259/2001 (Juizado Especial Federal), aplicada subsidiariamente à Lei 12.153, ora em exame: "Nos termos do art. 3º, caput, da Lei 10.259/2001, 'Compete ao Juizado Especial Federal Cível processar, conciliar e julgar causas de competência da Justiça Federal até o valor de sessenta salários mínimos, bem como executar as suas sentenças.' Extrai-se do referido dispositivo legal que a fixação da competência do JEF, no que se refere às execuções, impõe a conjugação de duas condicionantes: (a) o valor da causa deve ser inferior a 60 (sessenta) salários mínimos;(b) o titulo executivo judicial deve ser oriundo do próprio JEF. Caso concreto em que, nada obstante o valor da causa seja inferior ao referido limite legal, a sentença exequenda foi prolatada nos autos da Ação Ordinária nº 2007.81.00.018120-3, que tramitou na 6ª Vara Federal da Seção Judiciária do Ceará, o que afasta a competência do Juizado Especial Federal Cível para a respectiva execução" (REsp 1.648.895/CE, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 7.5.2019, DJe 13.5.2019; grifo acrescentado).16. Assim, não é possível propor nos Juizados Especiais da Fazenda Pública a execução de título executivo formado em Ação Coletiva, muito menos impor o citado rito sumaríssimo ao juízo comum.17. O Cumprimento da Sentença coletiva deve obedecer o rito previsto nos arts. 534 e seguintes do CPC/2015; e o fato de o valor da execução ser baixo pode apenas resultar, conforme a quantia, em Requisição de Pequeno Valor para o pagamento do débito (art. 535, § 3º, II, do CPC/2015).DEFINIÇÃO DA TESE REPETITIVA 18. Fixa-se a seguinte tese repetitiva para o Tema 1.029/STJ: "Não é possível propor nos Juizados Especiais da Fazenda Pública a execução de título executivo formado em Ação Coletiva que tramitou sob o rito ordinário, assim como impor o rito sumaríssimo da Lei 12.153/2009 ao juízo comum da execução." RESOLUÇÃO DO CASO CONCRETO 19. A Ação Coletiva tramitou na Vara da Fazenda Pública da Comarca de Blumenau/SC e nela foi intentado o cumprimento de sentença sob o rito do art. 534 e seguintes do CPC/21015.20. O Tribunal de origem assentou que o cumprimento de sentença oriundo de Ação Coletiva em que o valor da causa seja inferior a 60 (sessenta) salários mínimos deve seguir o rito sumaríssimo da Lei 12.153/2009, independentemente de haver Juizado Especial instalado na comarca competente.21. Essa compreensão está dissonante da aqui estabelecida, devendo o cumprimento de sentença observar o rito dos arts. 534 e seguintes do CPC/2015 na Vara da Fazenda Pública.CONCLUSÃO 22. Recurso Especial provido, sob o rito dos arts. 1.036 e seguintes do CPC/2015.
(REsp 1804186/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 12/08/2020, DJe 11/09/2020)”
[xxxv] CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Não é possível ajuizar cumprimento de sentença no Juizado Especial da Fazenda Pública para executar individualmente título judicial oriundo de ação coletiva, ainda que o valor individual cobrado seja inferior a 60 SM. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/2156795824e042092b04e970977114cd>. Acesso em: 28/05/2022
Bacharel em direito pela UERJ, pós graduada pela AMPERJ, técnica administrativa do MPRJ .
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: AMANDA DE CARVALHO MAGALHãES, . Cumprimento de Sentença contra a Fazenda Pública Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 out 2025, 04:39. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/69856/cumprimento-de-sentena-contra-a-fazenda-pblica. Acesso em: 30 out 2025.
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