RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo analisar a viabilidade da ocorrência da desjudicialização em matéria de execução fiscal no Brasil, verificando sua compatibilidade com o sistema de jurisdição adotado pelo país e com os princípios presentes em nossa Carta Magna. Traz, ainda, os principais aspectos sobre a atual lei responsável por regulamentar a matéria de execução fiscal - Lei 6.830/80, de 22 de setembro de 1980. Ademais, dá ênfase à atual situação das execuções fiscais no Poder Judiciário e os principais motivos da ineficiência de recuperação desses créditos pela Fazenda Pública, além de trazer os principais projetos de lei já propostos sobre a matéria.
Palavras-chave: execução fiscal; desjudicialização; recuperação do crédito tributário.
1. INTRODUÇÃO
O Poder Judiciário vem se mostrando ineficiente para lidar com a imensa quantidade de processos, e, assim, acaba por não prestar a tutela jurisdicional de forma satisfatória. Ao aprofundar-se no motivo de tamanha morosidade judicial chegamos à conclusão de que uma parte desse problema cabe às execuções fiscais.
Com a ocorrência do fato gerador, surge a obrigação tributária, mas somente após o lançamento é que o tributo se torna exigível. Caso o sujeito passivo não realize o pagamento, é cabível à Fazenda Pública buscar a satisfação do crédito tributário. A medida judicial utilizada para esse fim é a ação de execução fiscal, regida pela Lei n.º 6.830/1980, conhecida por Lei de Execuções Fiscais (LEF). Tal lei foi criada com o intuito de cobrar, forçadamente, as dívidas vencidas e, consequentemente, levar a receita dos tributos devidos aos cofres públicos. Porém, o que ocorre na prática não é isso.
Dentre os maiores problemas enfrentados, estão as milhares de execuções de valores irrisórios, que acabam gerando prejuízo aos cofres públicos, já que o custo de movimentação se torna mais caro do que o valor da execução em si. Outro problema é a dificuldade em encontrar os bens do executado ou até mesmo de conseguir notificá-lo.
Visto isso, a desjudicialização pode ser vista como verdadeira luz no fim do túnel. As atividades, que antes pertenciam ao poder Judiciário, poderiam ser deslocadas para os órgãos administrativos.
É fundamental que seja criado outro meio viável para resolver o problema das ações de execução fiscal no Brasil, a fim de que tais processos atinjam sua finalidade, finalidade essa que é essencial para a sobrevivência do Estado.
2. BREVE ANÁLISE SOBRE O PROCESSO DE EXECUÇÃO FISCAL NO BRASIL
Ocorrida a hipótese de incidência, nasce a obrigação tributária. Ao contribuinte compete o dever de pagar o tributo e, à Fazenda Pública, cabe o direito de exigir que tais tributos sejam pagos.
Ocorre que no caso de o contribuinte em débito com a Fazenda não realizar o pagamento e nem impugnar o lançamento, conclui-se pela sua constituição definitiva. Sendo assim, o contribuinte será intimado para pagar a dívida novamente. Não ocorrendo o pagamento, a cobrança administrativa é encerrada e o débito vencido e não pago é encaminhado à Procuradoria da Fazenda Nacional para inscrevê-lo em dívida ativa, nos termos do artigo 2º, §4º, da LEF, de modo que a Fazenda Pública possui um prazo prescricional de 5 (cinco) anos para efetuar a cobrança do tributo devido.
De acordo com o artigo 201 do Código Tributário Nacional - Lei n. 5.172/1966 -, a dívida ativa tributária é aquela proveniente de crédito dessa natureza, regularmente inscrita na repartição administrativa competente, depois de esgotado o prazo para pagamento.
A partir da inscrição, é gerado um título executivo extrajudicial chamado Certidão de Dívida Ativa (CDA), de acordo com o artigo 784, XII, do CPC, que comprova a existência do débito e possibilita o ajuizamento da execução fiscal. No entanto, caso não haja o recebimento dos valores pela via administrativa, a Fazenda entra com uma ação de execução fiscal pela via judicial. O atual processo de execução fiscal é regido pela Lei 6.830/80 - Lei de Execução Fiscal (LEF).
O devedor receberá, então, a petição inicial com o prazo de 5 (cinco) dias para pagar o débito ou nomear bens à penhora, devendo tais bens possuírem valor compatível com o montante da dívida, incluindo juros e mora. Caso o devedor não pague ou não indique bens a penhorar, a LEF, em seu art. 10, define que a penhora pode acontecer com qualquer bem do devedor.
Ao devedor é cabível discordar da execução fiscal e oferecer embargos, conforme o artigo 16 da LEF. Já o artigo 38 da LEF traz que a discussão judicial da dívida ativa ocorre através da propositura de embargos à execução, sendo que tal ato importa em renúncia ao poder de recorrer na esfera administrativa e desistência do recurso acaso interposto.
Em relação ao instituto da prescrição, sua ocorrência se dá após 5 (cinco anos) da constituição da dívida, porém na LEF encontramos situações em que a execução fiscal pode ser suspensa. De acordo com o artigo 40 da referida lei, o juiz deve suspender a execução fiscal se o devedor não for localizado ou se bens do mesmo não forem encontrados para penhora. Verificada a suspensão, os autos permanecem no cartório pelo período de 1 (um) ano, no caso de, neste prazo, serem encontrados bens passíveis de penhora. Porém, se durante esse período nenhum bem for encontrado, os autos serão arquivados. A partir da decisão de arquivamento, inicia-se o prazo de 5 (cinco) anos da prescrição intercorrente. Passado esse prazo, sendo o caso, ao juiz caberá a extinção da respectiva execução fiscal.
3. PRINCIPAIS PROBLEMAS ATINENTES ÀS EXECUÇÕES FISCAIS
As execuções fiscais são apontadas como o principal motivo da lentidão do Poder Judiciário. Após as tentativas de ter o crédito tributário satisfeito pela via administrativa, o próximo passo tem sido levar o processo de execução fiscal para a via judicial. Ocorre que, ao chegar no Judiciário, o processo judicial segue as mesmas medidas adotadas na via administrativa, sem sucesso.
Tais problemas são reconhecidos pelo relatório ‘’Justiça em Números 2025 (ano-base 2024)’’ do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), divulgado em 24 de setembro de 2025. O relatório traz, na página 260, que os processos de execução fiscal representam aproximadamente 26% de casos pendentes e 52% das execuções pendentes do Poder Judiciário, com taxa de congestionamento de 73,8%. Dessa forma, de cada cem processos de execução fiscal que tramitaram no ano de 2024, apenas 26 foram baixados. Ademais, do total de 21,3 milhões de execuções fiscais pendentes, 18 milhões estão na Justiça Estadual e 3,3 milhões estão na Justiça Federal, sendo que o tempo médio de tramitação desses processos no Poder Judiciário é de 7 anos e 7 meses.
Outro problema recorrente é a dificuldade de realizar a citação do devedor. Trazendo aqui observação feita por João Aurino de Melo Filho:
A análise dos números iniciais relativos à citação, ao demonstrar que, em quase metade dos casos, o executado, que deveria ser coagido a cumprir a obrigação, sequer é encontrado pelo Judiciário, já impressiona. Além do fato de que quase metade dos executados não é sequer localizada, os números demonstram que, mesmo os que são encontrados, não o são facilmente, tendo passado a respectiva execução fiscal por pelo menos uma tentativa anterior e frustrada de citação. Trata-se de tempo e de recursos despendidos pelo Estado-Juiz e pelo Estado-Administração na tentativa, muitas vezes fracassada, de localização do devedor. (MELO FILHO, 2018, p. 170)
Além disso, é possível observar outros fatores que contribuem para o insucesso das execuções fiscais. Como é sabido, a Administração Pública não faz coisa julgada, dessa forma o devedor, após ter decisão contrária aos seus interesses na esfera administrativa, opta por levar a lide para o âmbito judicial, discutindo novamente o mesmo objeto já debatido anteriormente. Tal procedimento acaba por, muitas vezes, caracterizar uma forma de prolongar e até evitar o pagamento do débito.
Mauro Vasni Paroski registra em seu trabalho:
[…] há uma considerável redução da efetividade e da celeridade do processo e da eficiência da prestação jurisdicional, colocando as instituições judiciárias em condição de impotência, diante das atitudes procrastinatórias do litigante, transmitindo à opinião pública a impressão de que o sistema judiciário não funciona a contento, é lento, é ineficiente e é incapaz de resolver seus próprios problemas internos, o que dirá os problemas dos jurisdicionados. (PAROSKI, 2008,p. 3)
Tais devedores veem em tal “sistema de duplicidade de instâncias” recursos que acabam por beneficiá-los, usando o fator tempo ao seu favor. Ao iniciar a discussão na via administrativa, acaba-se prolongando o pagamento do tributo, visto que sua exigibilidade já se encontra suspensa. Ao final da discussão, caso haja decisão condenando o devedor ao pagamento, este decide levá-lo ao âmbito judicial para iniciar toda a discussão novamente, tendo mais tempo ainda para procrastinar o pagamento ou até mesmo realizar manobras a fim de nunca quitar o débito, ocorrendo, consequentemente, a prescrição.
4. O FENÔMENO DA DESJUDICIALIZAÇÃO
4.1 CONCEITO
A desjudicialização é o fenômeno de retirar matérias que antes eram exclusivas do Poder Judiciário e passá-las para a esfera da Administração Pública. O ato de desjudicializar resulta na diminuição da intervenção judicial nos atos processuais, transferindo uma parcela do poder de dizer o direito.
No que tange às execuções fiscais, o instituto da desjudicialização traria inúmeros benefícios, tanto para os contribuintes como para o Estado, como, por exemplo, maior eficiência na arrecadação, celeridade e simplificação do processo, desafogamento do Poder Judiciário, além da economia de recursos. De acordo com Eber Zoehler Santa Helena:
A desjudicialização engendra inúmeras possibilidades de desafogo do Poder Judiciário de suas atribuições em face da crescente litigiosidade das relações sociais, em um mundo a cada dia mais complexo e mutante. A desoneração do Poder Judiciário tem aplicação especial naquelas funções por ele desempenhadas que não dizem respeito diretamente à sua função precípua em nosso modelo de jurisdição una, ou seja, o monopólio de poder declarar o direito em caráter definitivo, por seu trânsito em julgado soberano, pós rescisória. (HELENA, 2006, p. 1)
O legislador brasileiro já demonstra caminhar ao encontro de medidas de desjudicialização. Como exemplo há a Lei 11.441/2007, que alterou o artigo 982 do CPC e passou a prever a possibilidade de realização extrajudicial de inventário e partilha.
Outro exemplo é a Lei 9.307/1996 - Lei da Arbitragem -, em que parcela da jurisdição estatal foi delegada à jurisdição privada. O artigo 18 da referida lei traz que a sentença proferida pelo árbitro não fica sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário. Por conseguinte, no artigo 31 verifica-se que a sentença arbitral possui os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário. Visto isso, parece ser plenamente cabível a figura de um agente de execução capaz de exercer a função de execução fiscal.
Em se tratando de execuções, nosso ordenamento jurídico permite a execução extrajudicial de créditos imobiliários, previstas na Lei 4.591/1964, que dispõe sobre o condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias, no Decreto-Lei 70/1966, que autoriza o funcionamento de associações de poupança e empréstimo, e institui a cédula hipotecária, e na Lei 9.514/1997, que dispõe sobre o Sistema de Financiamento Imobiliário. Inclusive já foi discutida a constitucionalidade de tais legislações, tendo o Supremo Tribunal Federal, diversas vezes, declarado a legalidade das normas em questão, visto não encontrar nenhuma violação aos direitos e garantias fundamentais. Inclusive, em relação à decisão pela constitucionalidade da execução extrajudicial de dívida hipotecária, o STF, no Tema 249, mencionou não caber apenas ao Judiciário a função típica de atos de invasão patrimonial.
4.2 ASPECTOS CONSTITUCIONAIS
O nosso sistema de jurisdição está pautado no sistema inglês, em que somente o Judiciário é capaz de produzir decisões definitivas, ou seja, fazer coisa julgada, tornando a discussão imutável. A nossa Carta Magna traz, em seu artigo 5º, inciso XXXV, o seguinte: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Tal disposição não deve ser relacionada ao fato de que o acesso à justiça se concretizaria somente através do Poder Judiciário, afinal tal entendimento acabaria por, em alguns casos, acarretar em injustiças. Já dizia Rui Barbosa (1921), “A justiça atrasada não é justiça; senão injustiça qualificada e manifesta”. Dessa forma, o que pode ser extraído do inciso mencionado é que a garantia constitucional de última palavra deva pertencer ao Judiciário, ou seja, qualquer decisão sempre estará sujeita ao controle judicial, mas, ao mesmo tempo, sendo a atividade jurisdicional compatível com outras instâncias.
Diversos ministros já se manifestaram no sentido de que a previsão de um procedimento extrajudicial de execução de garantias reais não impede ao executado recorrer ao Judiciário no caso de alguma irregularidade, como transcrito no trecho do voto do ministro Alexandre de Moraes no julgamento do RE 627106 PR:
Além disso, não há que se falar em ofensa aos princípios constitucionais da inafastabilidade da jurisdição, do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório pelo procedimento de execução extrajudicial previsto nos artigos 29, parte final, e 31 a 38 do Decreto-Lei 70/66, ora impugnados, uma vez que, como já dito anteriormente, a qualquer tempo a parte que se sentir lesada pode recorrer ao poder judiciário na defesa de seus direitos, como ocorreu na presente hipótese, em que o juízo de origem inicialmente concedeu, em parte, a antecipação da tutela pleiteada pela ora recorrente e, apenas após exaustiva análise das alegações e provas constantes dos autos, inclusive prova pericial, proferiu julgamento de mérito afastando as irregularidades apontadas pela parte autora e reconhecendo a regularidade do procedimento impugnado. (STF - RE: 627106 PR, Relator.: DIAS TOFFOLI, Data de Julgamento: 08/04/2021, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 14/06/2021)
Tendo em vista o princípio constitucional da reserva da jurisdição, que submete exclusivamente à esfera judicial a prática de determinados atos, cabe identificar quais atos não necessitam de conteúdo jurisdicional, permitindo, assim, a sua execução pela Administração Pública. Segundo o Ministro Celso de Mello no julgamento do MS 23452/RJ, a reserva de jurisdição se direciona a submeter à apreciação unicamente dos magistrados a prática de atos cuja realização somente pode ser feita por um juiz, de acordo com os ditames constitucionais.
Na maioria dos atos praticados nos processos de execução fiscal, o juiz atua como administrador do processo. Nesse diapasão, Humberto Gomes de Barros menciona:
Fui, durante trinta anos, procurador do Estado. Como tal, inúmeras execuções fiscais. Sei, assim, como se desenvolve tal “processo”: o Estado dirige-se ao juiz, que se limita a determinar a citação do devedor, a ordenar a penhora, conferir cálculos, marcar o leilão, adjudicar o bem ao vencedor e entregar o dinheiro apurado ao Estado exequente. Só quando o executado opõe embargos é que se abre um processo de verdade. Quando não há embargos o juiz funciona como mero administrador. (BARROS, 2007, p. 8)
No mesmo sentido, Renato Nalini expõe:
Todos os anos o Governo, suas autarquias e fundações – aí compreendidos União, Estados, Distrito Federal e Municípios – arremessam à Justiça milhões de CDAs – Certidões de Dívida Ativa, que darão origem a execuções fiscais. O Judiciário se conforma com a situação esdrúxula. Aceita ser cobrador de dívida. Mesmo sabendo que não tem estrutura, pessoal nem gestão eficiente para fazer funcionar um setor nevrálgico. Todos têm interesse em que os devedores recolham ao Erário o devido. Se eles se recusarem a pagar, o ônus de sustentar a máquina – sempre perdulária e quase sempre ineficiente – recairá sobre os demais. (NALINI, 2005, p. 1)
Visto isso, em relação aos atos de expropriação, não há impedimento para que sejam efetuados no âmbito dos atos extrajudiciais. A Constituição Federal em nenhum artigo exige a necessidade de sentença judicial para efetivar a perda da propriedade. Aliás tais atos já são utilizados pela Administração Pública em diversas ocasiões legalmente admitidas, como visto no casos de estabelecimento de cláusulas exorbitantes em contratos administrativos, de desapropriação de propriedade improdutiva, de interdição de estabelecimentos, entre outros. Sendo assim, se a Administração já pode executar todos esses atos sem o consentimento do Poder Judiciário, não parece plausível impedir que ela constitua e execute seus próprios créditos, desde que garanta a possibilidade de provocação do Judiciário pela parte interessada. Humberto Gomes de Barros pondera o seguinte:
O Estado-administração é capaz de, visando a interesses sociais, expropriar um proprietário que nada lhe deve. No entanto, se o proprietário é inadimplente, na sagrada obrigação de honrar dívidas para com o Erário, a Administração queda-se impotente. Nesse caso, é necessário acionar o Estado-Juiz, fazendo com que este efetive a desapropriação. (BARROS, 2007, p. 7)
Assim, se a perda de bens em sede administrativa é admitida pela Carta Maior, a constrição de bens dos devedores também não deve ser vista como forma de ofensa aos princípios constitucionais. A propósito, Ana Paula Martini Tremarin Wedy se manifesta nesse sentido:
Outrossim, urge desde logo afastar quaisquer alegações de que a atribuição dos atos de constrição ao Poder Executivo ofenderia as garantias constitucionais do devido processo legal e de seus corolários contraditório e ampla defesa (art. 5º, LIV e LV), porquanto tais garantias serão devidamente observadas no âmbito do processo administrativo.
Note-se que em nenhum momento o constituinte condicionou a privação dos bens dos particulares ao devido processo legal judicial, ou seja, não há dispositivo constitucional que institua o monopólio judiciário sobre a execução fiscal, ou que vede a privação de bens por meio de processo administrativo, desde que seja garantido ao particular o devido processo legal, em seu duplo aspecto processual e substancial, e seus corolários do contraditório e da ampla defesa. Por fim, insta recordar que o princípio constitucional da inafastabilidade do controle jurisdicional (art. 5º, inciso XXXV, da CF de 1988) é reforçado pelo legislador, ao prever o controle judicial dos atos de constrição preparatória e provisória promovidos pela Fazenda Pública. (WEDY, 2014, p.1)
A Administração Pública em nenhum momento possuirá liberdade para praticar atos arbitrários em relação à execução, inclusive cabe a ela seguir estritamente os princípios expressamente mencionados no caput do artigo 37 da Constituição. Kiyoshi Harada expõe:
Ironicamente, exatamente, agora, que temos o pleno domínio dos princípios de direito público como os da legalidade, da moralidade, da eficiência no serviço público, da impessoalidade, da razoabilidade etc., bem como dos poderes da administração pública como os da exigibilidade (meios de coerção indireta) e da executoriedade em algumas hipóteses (meios coercitivos diretos) a justificar até a inclusão de cláusulas exorbitantes em contratos administrativos, vozes se levantam contra a penhora administrativa como mero pré-requisito para ajuizamento da execução fiscal, mas nenhuma objeção fazem contra a inscrição em dívida ativa, que municia a Fazenda com um título líquido e certo, passível do controle judicial apenas a posteriori, a exemplo da penhora que se pretende instituir na fase administrativa da cobrança do crédito tributário. (HARADA, 2007, p.1)
Ademais, a execução fiscal extrajudicial não deve ser limitada pela presença de um processo judicial, mas ser validada mediante a observância dos direitos e garantias constitucionais fundamentais, visto que são requisitos essenciais para a validade de qualquer ato estatal. Conforme orienta L. A. Becker, as garantias processuais devem se mostrar presentes em qualquer processo, porém de forma distintas, adaptando-se cada uma a cada fase:
Além disso, do mesmo modo que ocorre na execução fiscal judicial, a discussão acerca do crédito tributário formalizado, no âmbito da execução administrativa, também será, de ordinário, postergada, o que é natural na dinâmica de todo processo de execução de título extrajudicial, onde o contraditório, além de eventual, é, regra geral, posterior (exercido por meio de embargos). As garantias constitucionais, embora alcancem todo o processo, não o fazem de modo absoluto e indistintamente, adaptando-se às fases e especialidades dos procedimentos. (BECKER, 2002, p. 273)
Portanto, a desjudicialização garante ao cidadão um meio de efetivação da justiça, sem que seja obrigado a submeter sua lide ao âmbito judicial. O fato de o fisco poder realizar todo o processo de recuperação do crédito não viola, por si só, os princípios constitucionais, tal violação somente ocorreria se tal procedimento ocorresse sem a observância das garantias constitucionais.
5. PRINCIPAIS TENTATIVAS LEGISLATIVAS DE MODERNIZAR A EXECUÇÃO FISCAL
Nos últimos anos, houve diversas tentativas de trazer o instituto da desjudicialização para o direito brasileiro. Dentre as mais recentes, os Projetos de Lei 4.257/2019 e 4.468/2020 foram criados visando à instituição da execução fiscal administrativa e à possibilidade da solução de tais conflitos no juízo arbitral. No caso do PL 4.257/2019, o uso da arbitragem seria cabível nas seguintes hipóteses: débitos inscritos em dívida ativa e objeto de execução fiscal, ação consignatória e ação anulatória de débito fiscal. Se o devedor escolher pelo juízo arbitral, será necessário garantir o valor da execução através de depósito em dinheiro, fiança bancária ou seguro garantia. No caso de a Fazenda Pública ter êxito, o valor garantido satisfará o crédito, sem que seja necessário instaurar procedimentos constritórios. Se a Fazenda for vencida, deverá ressarcir as despesas e arcar com os honorários advocatícios. Além disso, é assegurado à parte o direito de pleitear a declaração de nulidade da sentença arbitral no órgão judicial competente e sugere-se que a fase de execução seja realizada pela via judicial. O referido projeto de lei também regulamenta a execução fiscal administrativa para cobrança de dívidas relacionadas a impostos como IPTU, ITR e IPVA.
Já no caso do PL 4.468/2020, a arbitragem seria instituída em momento anterior à constituição do crédito tributário, mediante solicitação do contribuinte ou provocação pela Administração Tributária, não sendo necessária a prestação de garantia. É previsto, ainda, que a Fazenda não poderá instaurar processo administrativo ou outra medida de fiscalização relacionada às questões objeto da arbitragem se ocorrer a assinatura do compromisso arbitral. A arbitragem poderá ser praticada em duas situações: na consulta fiscal e na quantificação do crédito reconhecido judicialmente. Além disso, se destina à solução de controvérsias relativas a matéria de fato, não sendo permitido discussões sobre constitucionalidade de normas jurídicas, lei em tese ou decisão contrária a entendimento consolidado pelo Poder Judiciário.
Por fim, há o PL 2.488/2022, que foi idealizado com o objetivo principal de tornar a cobrança da dívida ativa mais eficiente. Entre suas principais inovações, está a criação da cobrança extrajudicial, que permite que a Fazenda Pública utilize certos procedimentos administrativos para débitos de valores mais baixos, como, por exemplo, a comunicação a órgãos de proteção ao crédito e o protesto extrajudicial da Certidão de Dívida Ativa, tudo isso sem a obrigatoriedade da existência de um processo judicial. Além disso, também prevê tentativa de conciliação e admissão de solução administrativa antes do ajuizamento da execução fiscal.
6. CONCLUSÃO
Na busca por justiça social e fiscal, os tributos são ferramentas fundamentais, e o dever de pagá-los deve ser exercido por toda sociedade. O não pagamento e, consequentemente, a falta de mecanismos eficientes para a recuperação de tais valores aos cofres públicos afetam tanto o Estado como a coletividade, já que essas receitas são indispensáveis para que o Estado cumpra com suas obrigações sociais.
O atual sistema brasileiro de recuperação dos créditos fiscais é obsoleto e ineficaz, ocasionando um imenso estoque de valores irrecuperáveis. Apesar de medidas alternativas de cobrança extrajudicial auxiliarem a Fazenda Pública na recuperação dos créditos tributários, há a necessidade de uma alternativa mais eficaz.
Dentre as possibilidades, a desjudicialização parece ser a mais plausível. Entre suas vantagens, a principal caracteriza-se por promover o aumento da eficiência da arrecadação tributária, possibilitando que todo o sistema se torne mais justo. Ademais, tal medida não afrontaria os direitos assegurados em nossa Carta Maior, visto que não impede o controle posterior Judiciário faça o controle posterior dos atos administrativos pelo Judiciário, de forma a verificar a proporcionalidade e a adequação da medida empregada.
Porém para que o implemento de tal instituto seja satisfatório, é importante também a previsão de mecanismo que evite o ajuizamento de execuções fiscais que restarão infrutíferas. Importante também o desenvolvimento de um banco de dados único, compartilhado por todos os entes, pelo qual fosse possível identificar bens do devedor rapidamente, a fim de que o processo se torne célere e a constrição, caso necessária, se concretize, já que a efetividade na execução fiscal não será possível sem um sistema de combate à fraude.
REFERÊNCIAS
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Auditora Fiscal do Município de Brusque/SC. Bacharel em Direito. Pós-Graduada em Direito Tributário.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NICOLINI, Bruna Tomazi. Viabilidade da desjudicialização da execução fiscal no Brasil ante a morosidade do Poder Judiciário Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 dez 2025, 04:40. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/69908/viabilidade-da-desjudicializao-da-execuo-fiscal-no-brasil-ante-a-morosidade-do-poder-judicirio. Acesso em: 13 dez 2025.
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