Há um misticismo por trás da ata notarial no cotidiano forense. Contudo, observa-se que não é absoluto, mas relativo. Assim, em primeiro plano, deve-se levar em conta o que é uma ata notarial antes de adentrar na discussão de sua veracidade. O conceito desta é extraído do art. 384, caput e § Único do CPC:
Art. 384. A existência e o modo de existir de algum fato podem ser atestados ou documentados, a requerimento do interessado, mediante ata lavrada por tabelião.
Parágrafo único. Dados representados por imagem ou som gravados em arquivos eletrônicos poderão constar da ata notarial.
Ata notarial é, conforme o artigo supracitado, um documento lavrado por tabelião que narra a existência e o modo de existir de um determinado fato. Contudo, é válido mencionar que tal meio de prova possui uma presunção relativa de veracidade, em razão da fé pública do tabelião. Entende-se por presunção relativa que determinados fatos são tidos como verdadeiros até prova em contrário.
Ocorre que, apesar de ser presumida como verdadeira, cabe prova em contrário. Segundo Fredie Didier Jr., o conteúdo da narração fática não necessariamente é verídico, contudo o tabelião atestar que determinada pessoa foi ao cartório e narrou determinado fato possui uma presunção de veracidade. Além disso, de acordo com o autor baiano, é uma prova unilateral, ou seja, produzida sem o crivo do contraditório.
Desse modo, é mister exemplificar com três acórdãos do egrégio tribunal mineiro:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL - ESCRITURA PÚBLICA - DECLARAÇÃO EXPRESSA DE INEXISTÊNCIA DE PATRIMÔNIO COMUM - FÉ PÚBLICA - PRESUNÇÃO RELATIVA DE VERACIDADE - AUSÊNCIA DE PROVA ROBUSTA DE VÍCIO DE CONSENTIMENTO - SEGURANÇA JURÍDICA - IMPROCEDÊNCIA MANTIDA.
(TJMG - Apelação Cível 1.0000.25.228662-0/001, Relator(a): Des.(a) Fabiana da Cunha Pasqua, 2º Núcleo de Justiça 4.0 - Cív, julgamento em 06/10/2025, publicação da súmula em 09/10/2025).
EMENTA: APELAÇÃO - DECLARATÓRIA - NULIDADE - INCONTROVÉRSIA - PROVA IMPRESCINDÍVEL - ARTIGO 370 DO CPC - INOCORRÊNCIA - CERCEAMENTO DE DEFESA - REVELIA - PRESUNÇÃO RELATIVA - AFASTAMENTO - ÔNUS PROBATÓRIO - MÍDIA DESACOMPANHADA DE ATA NOTARIAL - IMPROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS.
(TJMG - Apelação Cível 1.0000.22.169458-1/001, Relator(a): Des.(a) Antônio Bispo, 15ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 08/05/2025, publicação da súmula em 14/05/2025).
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO ANULATÓRIA DE UNIÃO ESTÁVEL - SUPOSTA SIMULAÇÃO - PREJUDICIAL DE MÉRITO - REJEIÇÃO - RELACIONAMENTO DECLARADO EM DOCUMENTO PÚBLICO - PARTES MAIORES E CAPAZES - POSSIBILIDADE - FALTA DE CORRESPONDÊNCIA COM A REALIDADE - FINALIDADE DE INCLUSÃO DA REQUERIDA EM PLANO DE SAÚDE - PROVAS CONTUNDENTES - AUSÊNCIA - PRESUNÇÃO RELATIVA DE VERACIDADE DA ATA NOTARIAL - MANUTENÇÃO.
(TJMG - Apelação Cível 1.0000.23.113301-8/001, Relator(a): Des.(a) Ângela de Lourdes Rodrigues, 8ª Câmara Cível Especializada, julgamento em 05/10/2023, publicação da súmula em 09/10/2023).
Os três acórdãos transcritos relacionam-se com o presente texto ao elencar que as atas notariais possuem presunção relativa de veracidade em virtude da fé pública do tabelião do cartório, entretanto cabe prova em contrário. Frise-se também que somente é feito dessa forma desde que o material probatório em contrário seja robusto.
Portanto, a ata notarial, apesar de gozar de relativa veracidade em razão da fé pública, pode ser desconstituída por prova robusta em contrário, demonstrando que, apesar de ser um bom meio de prova para a narração dos fatos, estes não necessariamente, no quesito conteudístico, são verdadeiros, mas, sim, a forma que eles assumem no material probatório. Assim, desmistifica-se o misticismo que gira em torno da ata notarial, porque ela pode garantir a forma, mas não o conteúdo.
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