RAQUEL RIBEIRO DE MEDEIROS BALDINI[1]
(orientador)
RESUMO: O presente estudo tem como objetivo analisar a transmissibilidade da obrigação de prestar alimentos à luz do artigo 1.700 do Código Civil brasileiro. Tradicionalmente, a obrigação alimentar é considerada personalíssima, fundada nos laços de parentesco e na solidariedade familiar, extinguindo-se com a morte do alimentante ou do alimentado. Contudo, o referido dispositivo legal introduz uma importante exceção ao prever que o encargo pode ser transmitido aos herdeiros do devedor, “na forma do art. 1.997”, o que implica a limitação dessa responsabilidade ao montante da herança deixada. Assim, a transmissibilidade não se refere à obrigação alimentar em si, que mantém seu caráter personalíssimo, mas à responsabilidade patrimonial sucessória dos herdeiros, restrita aos débitos vencidos até o óbito do alimentante. A doutrina diverge quanto à possibilidade de transmissão dos alimentos vincendos, prevalecendo, contudo, o entendimento de que a obrigação não subsiste para o futuro, já que não se pode exigir dos herdeiros uma prestação baseada em vínculo pessoal inexistente. A análise jurisprudencial demonstra a consolidação dessa interpretação pelo Superior Tribunal de Justiça, que tem afirmado ser transmissível apenas o débito alimentar já constituído antes do falecimento. Conclui-se, portanto, que o art. 1.700 do Código Civil harmoniza o princípio da dignidade da pessoa humana com os limites da sucessão patrimonial, garantindo a satisfação de créditos alimentares vencidos sem descaracterizar a natureza personalíssima da obrigação de prestar alimentos.
PALAVRAS-CHAVE: Obrigação Alimentar. Transmissibilidade. Sucessão. Código Civil.
ABSTRACT: This study aims to analyze the transmissibility of the obligation to provide alimony in light of Article 1,700 of the Brazilian Civil Code. Traditionally, the obligation to provide alimony is considered highly personal, based on kinship ties and family solidarity, and is extinguished upon the death of the provider or the recipient. However, the aforementioned legal provision introduces an important exception by stipulating that the obligation may be transmitted to the debtor's heirs, "in accordance with Article 1,997," which implies limiting this responsibility to the amount of the inheritance left. Thus, transmissibility does not refer to the alimony obligation itself, which maintains its highly personal character, but to the patrimonial succession responsibility of the heirs, restricted to debts due up to the death of the provider. Legal scholars disagree on the possibility of transmitting future alimony payments; however, the prevailing understanding is that the obligation does not subsist into the future, since one cannot demand from the heirs a performance based on a non-existent personal bond. Case law analysis demonstrates the consolidation of this interpretation by the Superior Court of Justice, which has affirmed that only alimony debts already established before death are transferable. It is concluded, therefore, that Article 1700 of the Civil Code harmonizes the principle of human dignity with the limits of patrimonial succession, guaranteeing the satisfaction of overdue alimony credits without altering the highly personal nature of the obligation to provide alimony.
KEYWORDS: Alimony Obligation. Transferability. Succession. Civil Code.
1 INTRODUÇÃO
O direito aos alimentos constitui um dos pilares de proteção da pessoa humana no ordenamento jurídico brasileiro, refletindo a solidariedade que deve existir entre os membros da família. Com base no princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da Constituição Federal), o dever de prestar alimentos visa garantir a subsistência de quem não dispõe de meios próprios de sustento, assegurando-lhe condições mínimas para uma vida digna.
Tradicionalmente, a obrigação alimentar possui natureza personalíssima, fundada em vínculos familiares e afetivos, extinguindo-se, em regra, com a morte do alimentante ou do alimentado. Contudo, o artigo 1.700 do Código Civil de 2002 introduziu uma importante exceção a essa regra, ao prever que “a obrigação de prestar alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor, na forma do art. 1.997”, o que gerou relevante debate doutrinário e jurisprudencial quanto ao alcance e aos limites dessa transmissibilidade.
A partir dessa disposição legal, questiona-se: até que ponto a obrigação alimentar pode ser considerada transmissível? Estariam os herdeiros obrigados a continuar prestando alimentos ao credor após o falecimento do alimentante, ou responderiam apenas pelos débitos alimentares já vencidos? Tais indagações revelam a complexidade do tema, que envolve a conciliação entre o caráter personalíssimo da obrigação e os efeitos patrimoniais da sucessão.
Segundo Dias (2023), a transmissibilidade da obrigação de prestar alimentos deve ser compreendida como mera responsabilidade sucessória, e não como continuidade da prestação alimentar, uma vez que o vínculo pessoal e afetivo entre as partes se extingue com a morte.
Nessa mesma linha, Gonçalves (2022) ressalta que o artigo 1.700 do Código Civil não cria nova obrigação, mas apenas transfere aos herdeiros a responsabilidade patrimonial pelos alimentos vencidos e não pagos até o óbito do devedor.
Diante da consagração da obrigação alimentar como direito fundamental, personalíssimo e indisponível, voltado à preservação da dignidade humana e da vida, surge uma questão que desencadeia intensas discussões doutrinárias e jurisprudenciais: “Essa transmissibilidade alcança também as parcelas vincendas ou limita-se às parcelas vencidas até a data do falecimento?”
Nesse contexto, a análise proposta se justifica pela necessidade de esclarecer e aprofundar os aspectos conceituais e normativos que envolvem a sucessão da obrigação alimentar, considerando a importância do direito à alimentação como um direito fundamental à vida e à dignidade da pessoa humana. Conforme destaca Isabel Gallotti, ministra do Superior Tribunal de Justiça, a interpretação do artigo 1.700 exige uma leitura sistemática e harmoniosa com os princípios do Direito de Família e das Sucessões, buscando evitar prejuízos tanto ao alimentando quanto aos herdeiros do devedor.
O presente trabalho tem como objetivo analisar a aplicação do artigo 1.700 do Código Civil, investigando se a transmissibilidade da obrigação alimentar aos herdeiros do devedor limita-se às parcelas vencidas até a data do falecimento ou se, em situações excepcionais, pode estender-se às parcelas vincendas, à luz dos princípios do Direito de Família, das Sucessões e da dignidade da pessoa humana.
Este trabalho adotará uma abordagem qualitativa, por meio de pesquisa bibliográfica e documental, com o objetivo de analisar o conteúdo, a interpretação e a aplicação do artigo 1.700 do Código Civil em relação à transmissibilidade da obrigação alimentar aos herdeiros do devedor. A pesquisa bibliográfica será desenvolvida com base em livros, artigos científicos, doutrinas especializadas e legislação pertinente, buscando compreender os fundamentos jurídicos, as controvérsias doutrinárias e as decisões jurisprudenciais relativas ao tema.
2 DESENVOLVIMENTO
2.1 Do Direitos dos Alimentos
A obrigação alimentar consiste em uma prestação jurídica voltada à satisfação das necessidades vitais de pessoas que, por razões diversas, não conseguem prover por si mesmas o sustento próprio. Vai além da simples alimentação, abrangendo moradia, vestuário, saúde, educação e outros elementos indispensáveis à existência digna, conforme o padrão social do alimentando. Fundamenta-se no princípio da solidariedade familiar e na dignidade da pessoa humana, ambos pilares constitucionais, de acordo com o artigo 1º, III, e artigo 3º, I da Constituição Federal (BRASIL, 1988).
Sob a afirmação de De Farias; Neto; Rosenvald (2020) sobre o pressuposto alimentar:
[...] aplicando o princípio vetor constitucional no âmbito alimentício resulta que os alimentos tendem a proporcionar uma vida de acordo com a dignidade de quem recebe (alimentando) e de quem os presta (alimentante), pois nenhuma delas é superior, nem inferior. Nessa linha de ideias, resulta que fixar o quantum alimentar em percentual aquém do mínimo imprescindível à sobrevivência do alimentando ou além das possibilidades econômico-financeiras da dignidade humana. Averbe-se: toda e qualquer decisão de alimentos deve ser presidida pelo (fundamental) princípio da dignidade do homem, respeitando as personalidades do alimentante ou alimentando, sob pena de incompatibilidade com o Texto Magno.(DE FARIAS; NETO; ROSENVALD, 2020, p. 1.313).
Contudo, embora o direito seja intransferível, a obrigação de prestá-los não necessariamente o é, como será melhor analisado mais adiante com base no artigo 1.700 do Código Civil, o credor pode optar por não exercer o direito a alimentos, mas não pode renunciá-lo, sendo esse crédito insuscetível de cessão, compensação ou penhora. Isso se justifica pelo caráter personalíssimo e indisponível da obrigação alimentar. Permitir a cessão implicaria na perda da finalidade do instituto; permitir a compensação poderia extinguir, total ou parcialmente, um direito essencial à sobrevivência; e admitir a penhora comprometeria diretamente a subsistência do alimentado.
Por isso, a legislação processual também oferece proteção reforçada: as apelações interpostas contra sentenças que fixam alimentos são recebidas apenas no efeito devolutivo, nos termos do artigo 520 do Código de Processo Civil, e o artigo 649, inciso VII, do mesmo diploma legal, estabelece a impenhorabilidade das pensões alimentícias.
Além disso, a obrigação alimentar é irrenunciável, pois se trata de direito indisponível e de ordem pública, justamente por ter como finalidade a preservação da vida digna. Também possui caráter recíproco, uma vez que é devida entre parentes, cônjuges e companheiros.
Em relação à esse direito, ressalta Spengler (2002) apud Silva (2021) que:
O direito ao recebimento de alimentos é personalíssimo no sentido de que não pode ser repassado a outrem, seja através de negócio, seja de outro acontecimento jurídico. É assim considerado por tratar-se de uma das formas de garantir o direito à vida, assegurado constitucionalmente, e que não pode faltar ao cidadão o necessário à manutenção de sua existência, tanto concernente a alimentação, quanto em relação à saúde, educação e lazer. (SPENGLER, 2002, p. 24 apud SILVA, 2021, p. 14).
No entanto, não se trata de obrigação solidária, pois a solidariedade não se presume no direito civil e, ademais, os alimentos devem ser prestados de acordo com a possibilidade econômica de cada devedor. Assim, no caso de vários obrigados simultaneamente, como pais, os alimentos assumem natureza de obrigação conjunta e divisível. Já entre devedores em diferentes graus de parentesco, como pais e avós, a obrigação será subsidiária e complementar, ou seja, somente se aciona o devedor de grau mais distante quando aquele de grau mais próximo não tem recursos suficientes para arcar com os alimentos (SOUSA, 2012, p. 11).
No Direito de Família, a obrigação alimentar encontra arrimo nos art. 1.694 e 1.695 do Código Civil. Alimentos na sua expressão vulgar é tudo aquilo que é necessário à conservação do ser humano com vida, ou no dizer de Pontes de Miranda, “o que serve à subsistência animal”. Alimentos são as prestações devidas, feitas para que quem as recebe possa subsistir, isto é, manter sua existência, realizar o direito à vida, tanto física, como intelectual e moral (NAVEGA, 2019).
O direito dos alimentos ocupa posição central no âmbito do Direito de Família, sendo expressão concreta do princípio da solidariedade e da dignidade da pessoa humana, fundamentos constitucionais da República (art. 1º, III e art. 3º, I, CF). Sua finalidade é assegurar a subsistência de quem não pode prover o próprio sustento, refletindo a função social e protetiva das relações familiares.
Como afirma Dias (2023), o dever alimentar é uma forma jurídica de traduzir o afeto em responsabilidade, constituindo um instrumento de justiça social dentro da família, capaz de garantir condições mínimas de vida e respeito à dignidade humana.
O termo “alimentos” é empregado, em sentido jurídico, de forma ampla, abrangendo não apenas o sustento físico, mas também tudo o que é indispensável à vida digna, como moradia, vestuário, educação, lazer e saúde (TJDFT, 2022).
Segundo Gonçalves (2022), os alimentos compreendem “tudo o que é necessário para a manutenção da existência do ser humano de modo compatível com a sua condição social”. Desse modo, o direito aos alimentos transcende a mera sobrevivência biológica e se vincula diretamente à dignidade da pessoa humana.
A natureza jurídica da obrigação alimentar é personalíssima, recíproca e irrenunciável, conforme previsto nos artigos 1.694 a 1.710 do Código Civil de 2002. Sua personalíssima decorre do vínculo de parentesco, casamento ou união estável; sua reciprocidade manifesta-se entre ascendentes, descendentes e cônjuges; e sua irrenunciabilidade está relacionada à impossibilidade de renunciar a um direito essencial à vida.
O fundamento jurídico da obrigação alimentar encontra respaldo direto no art. 1.694 do Código Civil, segundo o qual “podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação”.
No plano constitucional, os alimentos se relacionam aos princípios da solidariedade familiar e da dignidade da pessoa humana, previstos nos artigos 1º, III, e 226 da Constituição Federal. De acordo com Gagliano; Pamplona Filho (2022), a prestação de alimentos é um reflexo da função social da família e da responsabilidade mútua entre seus membros.
Por fim, destaca-se a transmissibilidade da obrigação alimentar, prevista no artigo 1.700 do Código Civil, segundo o qual ela se transmite aos herdeiros do devedor, na forma do artigo 1.694. Tal previsão gera controvérsias interpretativas, especialmente no que se refere à distinção entre parcelas vencidas e vincendas, tema que será aprofundado no decorrer deste trabalho.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem reiteradamente afirmado que o dever alimentar decorre do dever de mútua assistência e do princípio da solidariedade, como se observa no REsp 1.199.591/DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 2010, que consolidou o entendimento de que a obrigação alimentar tem natureza de direito fundamental.
A regra geral é que a obrigação de prestar alimentos é intransmissível, por se tratar de relação personalíssima. Todavia, o artigo 1.700 do Código Civil estabelece exceção, ao dispor que “a obrigação de prestar alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor, na forma do art. 1.997”.
Essa disposição não significa a continuidade da obrigação alimentar em si, mas a responsabilidade patrimonial sucessória pelos débitos alimentares já constituídos até o falecimento do devedor. Conforme leciona Gonçalves (2022), “não há transmissão da obrigação, mas apenas do débito alimentar vencido”.
A jurisprudência do STJ é pacífica nesse sentido, como no REsp 1.104.665/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 2009, onde se afirmou que a transmissibilidade se limita às parcelas vencidas, não se estendendo aos alimentos vincendos.
2.2 Da Transmissibilidade da Obrigação de Prestar Alimentos de acordo com a Legislação
A Constituição Federal de 1988 estabelece, em seu artigo 226, que a família é a base da sociedade e tem especial proteção do Estado. Nesse sentido, os princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade familiar servem como alicerce para a obrigação alimentar, conferindo-lhe caráter personalíssimo, irrenunciável e, via de regra, intransmissível. Contudo, a própria ordem constitucional permite a mitigação dessa regra, especialmente quando a subsistência do alimentando depende do cumprimento da obrigação, devendo o intérprete aplicar a norma conforme os princípios constitucionais (BRASIL, 1988).
Inicialmente, Cahali; Cahali (2011) destacam que, embora a obrigação alimentar tenha caráter personalíssimo e intuitu personae, a transmissibilidade aos herdeiros pode ocorrer em hipóteses excepcionais, especialmente em relação às parcelas vencidas. Assim, os autores sustentam que a obrigação não se extingue automaticamente com a morte do devedor, cabendo ao intérprete ponderar os princípios constitucionais envolvidos, como a dignidade da pessoa humana e a solidariedade familiar.
Por sua vez, Dias (2010), em suas obras, trata da obrigação alimentar com profundidade. No Manual de Direito das Famílias, a autora reconhece a natureza jurídica híbrida dos alimentos, oscilando entre o público e o privado, e enfatiza que a jurisprudência tem avançado para proteger o alimentando mesmo após a morte do devedor.
De forma complementar, Ferlin (2014) argumenta que o Código Civil de 2002 manteve a essência da obrigação alimentar como personalíssima, mas inovou ao prever expressamente sua transmissibilidade aos herdeiros, nos limites da herança. Segundo a autora, deve-se adotar uma leitura constitucionalizada da norma, especialmente nos casos em que a necessidade do alimentando e o vínculo familiar justificam a continuidade da prestação.
Diante deste posicionamento, os juristas Farias, Netto; Rosenvald (2020) reforçam o entendimento do STJ, ao afirmarem que:
(…) o espólio do falecido somente responderá pela dívida transmitida no limite das forças da herança, considerando que a dívida é oriunda do morto, não sendo obrigação originária dos herdeiros, é o que emana do art. 1. 792 da codificação, ao estabelecer que o herdeiro não responde por encargos superiores às forças da herança. Importa, ademais disso, sublinhar que a responsabilidade pela obrigação alimentar transmitida somente incidirá sobre os frutos dos bens transmitidos, uma vez que o direito à herança está garantido constitucionalmente (art. 5º, XXX). Por isso, não havendo bens frugíferos (que produzam frutos) no patrimônio transmitido, não será possível exigir o cumprimento da obrigação alimentícia, que, antes, vinculava ao falecido. (FARIAS; NETO; ROSENVALD, 2020, p. 1.316).
Assim, a Ministra do STJ, Isabel Gallotti, pondera que o novo Código Civil reconhece a possibilidade de transmissibilidade da obrigação alimentar aos herdeiros, desde que respeitados os princípios da necessidade, possibilidade e proporcionalidade. Além disso, a autora destaca a importância do equilíbrio entre o dever de solidariedade e a limitação da responsabilidade patrimonial do espólio (GALLOTTI, 2025).
Ao tratar dos efeitos patrimoniais das obrigações civis, a transmissibilidade da obrigação alimentar deve ser excepcional e limitada aos alimentos vencidos. É importante ressaltar que os herdeiros não assumem a obrigação alimentar por força de vínculo familiar com o credor, mas apenas em razão da sucessão patrimonial, devendo a responsabilidade ser proporcional à herança (LISBOA, 2005).
Em seguida, Marcato; Bonini (2019) realizam uma análise crítica da obrigação alimentar, destacando sua natureza jurídica e os princípios que a informam. As autoras discutem a inaplicabilidade da teoria do adimplemento substancial à obrigação alimentar, ressaltando que sua essencialidade impede o afastamento da responsabilidade, inclusive após a morte do devedor, em relação aos alimentos já vencidos.
No plano doutrinário complementar, Souza (2021) aborda a obrigação alimentar sob a perspectiva da responsabilidade dos avós, ressaltando o litisconsórcio facultativo entre os ramos materno e paterno. Embora sua análise não se foque diretamente na transmissibilidade pós morte, a autora contribui ao destacar a extensão da responsabilidade familiar no cumprimento do dever alimentar.
Em continuidade, Sousa (2012) analisa diretamente a aplicabilidade do artigo 1.700 do Código Civil, concluindo que a transmissibilidade da obrigação alimentar deve observar os princípios da proporcionalidade e da limitação ao patrimônio herdado. Assim, a autora sustenta que o dever de alimentos não se extingue com a morte do devedor em todas as hipóteses, cabendo ao julgador avaliar caso a caso.
Por fim, a transmissibilidade do dever alimentar como uma questão de justiça distributiva e solidariedade intergeracional. Na visão do artigo 1.700 do Código Civil deve ser interpretado à luz da Constituição, admitindo-se a continuidade da obrigação alimentar mesmo após a morte do devedor, especialmente para proteger o direito à vida digna do credor (Viana, 2020).
Visto isso, a transmissibilidade da obrigação de prestar alimentos também deve ser analisada à luz dos princípios constitucionais, especialmente o da dignidade da pessoa humana, da solidariedade familiar e da proteção da família (arts. 1º, III, e 226 da CF).
A finalidade da norma é evitar que o credor de alimentos, muitas vezes em situação de vulnerabilidade, seja prejudicado pelo falecimento do devedor. Todavia, tal proteção deve respeitar o direito sucessório, que limita a responsabilidade dos herdeiros ao patrimônio herdado (art. 1.792 do CC).
Nesse equilíbrio entre valores constitucionais e regras civis, prevalece o entendimento de que o artigo 1.700 do Código Civil busca preservar a dignidade do alimentando, sem violar os limites da sucessão hereditária.
Demonstrou-se que a negação da transmissão do dever de prestar alimentos aos herdeiros do alimentante, nos termos preconizados pelo art. 1.700 do Código Civil, fundamenta-se tão somente no caráter personalíssimo que historicamente se atribuiu à obrigação alimentar, ou ainda em argumentos de ordem moral, que pretendem preva-lência de direitos sucessórios sobre o direito fundamental de conservar a existência digna (VIANA, 2020).
3 CONCLUSÃO
A análise do artigo 1.700 do Código Civil evidencia que a transmissibilidade da obrigação de prestar alimentos constitui exceção à regra geral da natureza personalíssima dessa obrigação.
Embora o dever alimentar decorra de vínculos familiares e pessoais, extinguindo-se, em regra, com a morte do devedor ou do credor, o legislador admitiu que o encargo se estenda aos herdeiros do alimentante, limitadamente ao patrimônio deixado. Tal previsão não implica a continuidade da obrigação alimentar no sentido estrito, mas sim a responsabilidade sucessória pelos débitos alimentares já vencidos até o óbito.
A interpretação sistemática do artigo 1.700, em conjunto com o artigo 1.997 do Código Civil, demonstra que o intuito do legislador é preservar o caráter alimentar dos créditos constituídos, sem violar os princípios da herança e da personalidade.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, de forma reiterada, tem reforçado essa compreensão, ao reconhecer que a transmissibilidade atinge apenas as parcelas vencidas, não se estendendo aos alimentos vincendos, que dependem de relação pessoal e atual entre as partes.
Conclui-se, portanto, que o dispositivo em análise representa uma conciliação entre a proteção do direito fundamental aos alimentos e os limites da sucessão patrimonial, assegurando a satisfação dos créditos alimentares preexistentes, sem desfigurar o caráter personalíssimo da obrigação.
Assim, o artigo 1.700 do Código Civil reflete uma solução equilibrada entre a justiça social e a segurança jurídica nas relações familiares e sucessórias, encarando o direito de alimento como meio indispensável de sobrevivência.
REFERÊNCIAS
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[1] Docente do Curso de Bacharel em Direito do Centro Universitário de Goiatuba (UniCerrado).
Acadêmico do Curso de Bacharel em Direito do Centro Universitário de Goiatuba (UniCerrado).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NILSON JOSé RIBEIRO JúNIOR, . A transmissibilidade da obrigação de prestar alimentos: análise do artigo 1.700 do Código Civil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 nov 2025, 04:24. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/69896/a-transmissibilidade-da-obrigao-de-prestar-alimentos-anlise-do-artigo-1-700-do-cdigo-civil. Acesso em: 13 dez 2025.
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