ALDO REIS DE ARAÚJO LUCENA JUNIOR1
(orientador)
RESUMO: Embora a escravidão no Brasil tenha sido oficialmente abolida em 1888, ainda existem formas modernas de exploração do trabalho, muitas vezes invisíveis, que refletem desigualdades sociais estruturais. Este estudo investiga o papel da responsabilidade civil na prevenção e repressão de práticas análogas à escravidão em diferentes setores econômicos. Para isso, apresenta-se uma análise da evolução histórica e normativa sobre o tema, destacando a importância de mecanismos legais capazes de proteger os trabalhadores. O conceito jurídico de escravidão contemporânea é definido e delimitado, permitindo compreender suas manifestações e impactos em contextos urbanos e rurais. Além disso, examinam-se as situações em que empregadores e empresas se tornam responsáveis por atos que submetem trabalhadores a condições degradantes. A pesquisa propõe alternativas de responsabilização civil, considerando a gravidade das violações e os efeitos sobre a dignidade do trabalhador. Adota-se uma abordagem indutiva e exploratória, e caráter qualitativo, fundamentada em revisão bibliográfica e análise documental. O estudo evidencia que medidas preventivas e reparatórias são essenciais para coibir práticas abusivas. Observa-se também que a responsabilização civil não se limita à punição, mas deve incluir mecanismos que promovam mudanças efetivas nos ambientes de trabalho. Conclui-se que a responsabilidade civil é um instrumento estratégico no enfrentamento da escravidão contemporânea, permitindo responsabilizar aqueles que se beneficiam de práticas exploratórias, mesmo de forma indireta.
Palavras-chave: Responsabilidade civil. Escravidão contemporânea. Trabalho análogo à escravidão.
ABSTRACT: Although slavery in Brazil was officially abolished in 1888, modern forms of labor exploitation still exist, often invisible, reflecting structural social inequalities. This study investigates the role of civil liability in the prevention and repression of practices analogous to slavery across different economic sectors. To this end, it presents an analysis of the historical and regulatory evolution of the topic, highlighting the importance of legal mechanisms capable of protecting workers. The legal concept of contemporary slavery is defined and delineated, allowing for an understanding of its manifestations and impacts in both urban and rural contexts. Furthermore, situations in which employers and companies become responsible for acts that subject workers to degrading conditions are examined. The research proposes alternatives for civil liability, taking into account the severity of violations and their effects on workers’ dignity. An inductive and exploratory approach with a qualitative character is adopted, based on bibliographic review and documentary analysis. The study demonstrates that preventive and remedial measures are essential to curb abusive practices. It is also observed that civil liability is not limited to punishment but should include mechanisms that promote effective changes in work environments. In conclusion, civil liability is a strategic instrument in combating contemporary slavery, allowing for the accountability of those who benefit from exploitative practices, even indirectly.
Keyword: Civil liability. Contemporary slavery. Work analogous to slavery.
1.INTRODUÇÃO
O presente artigo apresenta os resultados da pesquisa sobre a responsabilidade civil como instrumento jurídico de repressão e prevenção da escravidão contemporânea, delimitando-se à análise da reparação de danos decorrentes das práticas de trabalho degradante e análogo ao escravo em diferentes setores econômicos, tanto em contextos urbanos quanto rurais.
A pesquisa se justifica pela sua relevância jurídica, uma vez que examina a concretização dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da valorização do trabalho e da função social da responsabilidade civil, bem como a efetividade da legislação infraconstitucional no enfrentamento de graves violações de direitos fundamentais. A relevância social também se mostra evidente, pois a escravidão contemporânea, embora oficialmente abolida em 1888, ainda persiste sob formas modernas de exploração invisibilizadas, refletindo desigualdades estruturais que vulnerabilizam populações inteiras e produzem graves impactos na ordem econômica e moral da coletividade.
O problema da pesquisa, isto é, o questionamento que orienta a investigação, é representado pela seguinte pergunta de partida: “De que forma a responsabilidade civil pode contribuir, de maneira efetiva, para o enfrentamento da escravidão contemporânea no Brasil?”. Essa indagação sugere a hipótese de que a responsabilização civil dos exploradores, mediante a reparação integral às vítimas e a utilização do patrimônio dos agentes como instrumento de desestímulo, configura meio eficiente não apenas de repressão e punição, mas também de transformação das práticas empresariais e laborais, promovendo mudanças efetivas nos ambientes de trabalho, hipótese que será analisada e confirmada ou refutada ao longo do trabalho.
O referencial teórico está alicerçado em obras como as de Maurício Godinho Delgado (Curso de Direito do Trabalho), que trata da tutela do trabalho em condições dignas, abordando os direitos fundamentais trabalhistas, os princípios constitucionais e a vedação ao trabalho degradante; Maria Helena Diniz (Curso de Direito Civil Brasileiro), que sistematiza a responsabilidade civil e sua função social, sendo uma das obras mais citadas sobre o tema, especialmente no que concerne à reparação de danos; e André de Carvalho Ramos (Curso de Direitos Humanos), que analisa a proteção internacional e nacional dos direitos humanos diante de violações graves, aspecto diretamente relacionado à escravidão contemporânea. Esses autores contribuem para a compreensão da inter-relação entre responsabilidade civil, proteção trabalhista e promoção da dignidade humana.
A metodologia adotada é de natureza exploratória. A abordagem qualitativa. O método utilizado é o indutivo. A pesquisa é de cunho bibliográfico e documental. Fundamenta-se na análise de doutrinas, legislação e jurisprudência pertinentes ao tema.
O objetivo geral da pesquisa é analisar o papel da responsabilidade civil no enfrentamento da escravidão contemporânea no Brasil. Como objetivos específicos, pretende-se: (i) conceituar e caracterizar a escravidão contemporânea à luz da legislação nacional e internacional; (ii) relacionar a responsabilidade civil às violações jurídicas decorrentes do trabalho escravo moderno; (iii) analisar decisões jurisprudenciais que aplicaram a responsabilidade civil em casos de trabalho análogo ao escravo; (iv) avaliar a efetividade da reparação civil como mecanismo de punição, prevenção e transformação social das práticas laborais.
O trabalho está estruturado em quatro seções: a primeira aborda os aspectos conceituais e a evolução histórica da escravidão contemporânea; a segunda analisa os seus elementos específicos e a legislação pertinente; a terceira examina a jurisprudência pátria acerca do tema; e a quarta discute as políticas públicas e os instrumentos administrativos destinados ao seu enfrentamento; e, por fim, as considerações finais apresentam a síntese dos resultados alcançados.
Quanto à hipótese, a pesquisa indica a confirmação de que a responsabilidade civil, ao lado de outros instrumentos jurídicos, desempenha papel estratégico no enfrentamento da escravidão contemporânea, assegurando reparação às vítimas, impondo efeitos pedagógicos aos infratores e promovendo mudanças estruturais capazes de contribuir para a erradicação dessa prática no país.
2.ASPECTOS CONCEITUAIS E EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA ESCRAVIDÃO CONTEMPORÂNEA
A escravidão é um fenômeno histórico complexo, presente em diferentes períodos e sociedades, caracterizado pela exploração da força de trabalho e pela subjugação de indivíduos a condições de extrema dependência (SCHWARCZ, 2019).
Historicamente, a escravidão não se restringiu a uma raça ou nação específica, manifestando-se de formas variadas conforme contextos econômicos e políticos. No Brasil, consolidou-se durante o período colonial e imperial, utilizando principalmente mão de obra africana em atividades agrícolas e mineradoras (BRITO, 2019). A abolição formal em 1888, sem políticas de inclusão ou reparação, perpetuou desigualdades estruturais que ainda impactam a sociedade contemporânea (SCHWARCZ, 2019). Assim, apesar da abolição, surgiram novas formas de exploração laboral adaptadas aos contextos sociais e econômicos atuais, tornando essencial compreender essa evolução para analisar a escravidão contemporânea e os instrumentos jurídicos para seu enfrentamento.
2.1 A Escravidão no Brasil – Panorama Histórico
A escravidão no Brasil começou no período colonial, estruturando a economia e a sociedade a partir da exploração da mão de obra africana, especialmente em atividades agrícolas e, posteriormente, na mineração e setores urbanos (SCHWARCZ, 2019). Segundo a Fundação Cultural Palmares (BRASIL, 2025), o Censo de 1872 revelou cerca de 1,5 milhão de pessoas escravizadas, concentradas principalmente nas regiões Sudeste e Nordeste.
A Lei Áurea (1888) encerrou juridicamente a escravidão, mas não garantiu inserção social, educação ou trabalho digno aos libertos, perpetuando desigualdades estruturais e condições de vulnerabilidade que permitiram o surgimento de formas modernas de exploração laboral (BRITO, 2019). Os legados culturais, sociais e econômicos desse período ainda influenciam o mercado de trabalho brasileiro, como desigualdade no acesso a oportunidades e precarização laboral (SCHWARCZ, 2019).
Compreender esse legado histórico é essencial para analisar a escravidão contemporânea, já que desigualdades estruturais, marginalização social e concentração de poder econômico herdadas do período escravocrata favorecem práticas de exploração extrema adaptadas aos contextos modernos, mantendo elementos centrais como controle do indivíduo, apropriação da força de trabalho e coerção (GURGEL; MARINHO, 2019).
2.2 Escravidão Contemporânea
A escravidão contemporânea, diferentemente da escravidão clássica, não se manifesta pela apropriação jurídica do indivíduo, mas pela exploração extrema da força de trabalho em condições que violam a dignidade humana. Segundo a OIT, a Convenção nº 29 estabelece que “o trabalho forçado ou obrigatório não deverá ser imposto sob qualquer forma a um indivíduo” (OIT, 1930), enquanto a Convenção nº 105 determina que “os Estados membros devem tomar medidas efetivas para abolir o trabalho forçado ou compulsório em todas as suas formas” (OIT, 1957).
No contexto brasileiro, esse fenômeno pode ser identificado pela presença de três elementos principais: o domínio de um indivíduo sobre outro, a exploração da força de trabalho e a utilização de violência ou ameaça como forma de controle, manifestando-se em mecanismos como vigilância armada, limitação da liberdade de locomoção ou prisão por dívida (GURGEL; MARINHO, 2019, p. 320). Além disso, fatores como setores economicamente pouco valorizados, atividades intensivas em mão de obra e de baixa qualificação, regiões isoladas e fragilidade institucional contribuem para a perpetuação desse problema (CRANE, 2013).
Do ponto de vista jurídico, no Brasil, o art. 149 do Código Penal tipifica práticas como jornadas exaustivas e condições degradantes, protegendo a liberdade e os direitos fundamentais mesmo com vínculo formal de emprego (BRITO FILHO, 2019). Assim, a escravidão contemporânea configura não apenas fenômeno social e econômico, mas grave violação de direitos humanos, exigindo atuação conjunta da legislação, doutrina e fiscalização para sua prevenção e repressão.
2.3 Escravidão Contemporânea no Brasil – Causas e Fatores de Persistência
O Brasil figura entre os países que mais realizam fiscalizações e resgates de trabalhadores submetidos a condições análogas à escravidão, mas os fatores que perpetuam o fenômeno são múltiplos. Entre eles, destacam-se a desigualdade socioeconômica, o analfabetismo, a pobreza extrema e a falta de oportunidades de trabalho decente (SOBEL, 2021).
Do ponto de vista setorial, há concentração de casos em áreas como o agronegócio, construção civil, confecção e mineração, especialmente em regiões com menor presença do Estado. O Ministério Público do Trabalho (MPT) e a Comissão Pastoral da Terra (CPT) produzem relatórios anuais que documentam casos concretos de exploração, como os relatórios de 2021 e 2022 que registraram centenas de trabalhadores resgatados em condições análogas à escravidão. Esses dados evidenciam o vínculo direto entre vulnerabilidade social e exploração laboral, demonstrando como condições de pobreza, falta de acesso à educação e desigualdade estruturam contextos propícios à submissão de trabalhadores a situações degradantes
2.4 O Fenômeno da Escravidão Contemporânea no Cenário Internacional
A escravidão contemporânea é uma grave violação dos direitos humanos, afetando milhões de pessoas no mundo por meio do trabalho forçado, servidão por dívida, exploração sexual, tráfico de pessoas e casamento forçado. Diferentemente da escravidão clássica, manifesta-se pela exploração extrema da força de trabalho, restrição de liberdade e coerção, frequentemente em contextos de vulnerabilidade socioeconômica.
Entre suas formas principais estão o trabalho forçado sob ameaça, a servidão por dívida, a exploração sexual, o tráfico de pessoas e o casamento forçado. Estima-se que, em 2021, cerca de 50 milhões de pessoas viviam em situação de escravidão moderna, sendo 27,6 milhões submetidas a trabalho forçado e 22 milhões vítimas de casamento forçado, com maior incidência na Ásia-Pacífico, seguida por África Subsaariana e Américas, incluindo o Brasil (GLOBAL SLAVERY INDEX, 2023).
O enfrentamento desse fenômeno é amparado por marcos legais internacionais, como as Convenções nº 29 (1930) e nº 105 (1957) da OIT, o Protocolo de Palermo (2000) e a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (1965). Apesar disso, fatores como globalização, migração forçada e uso de tecnologias digitais para controle das vítimas mantêm a prática vigente. Sua erradicação exige esforços coordenados entre governos, organizações internacionais e sociedade civil, combinando prevenção, fiscalização e proteção efetiva às vítimas.
2.5 A Dignidade da Pessoa Humana como Fundamento Jurídico de Combate
O princípio da dignidade da pessoa humana, previsto no art. 1º, III, da Constituição Federal de 1988, é fundamento do Estado Democrático de Direito e alicerce para o enfrentamento da escravidão contemporânea no Brasil, conferindo caráter absoluto à proteção da liberdade e integridade do trabalhador. Segundo Ingo Wolfgang Sarlet (2001), a dignidade é valor intrínseco e irrenunciável, servindo como parâmetro de interpretação do ordenamento jurídico, de modo que a manutenção de indivíduos em condições análogas à escravidão representa afronta direta à ordem constitucional e internacional.
O princípio assegura que cada pessoa deve ser reconhecida como portadora de valor próprio, orientando a efetivação dos direitos fundamentais e promovendo uma sociedade mais justa e inclusiva (AURUM, 2022). Com raízes no Cristianismo, no Iluminismo e na filosofia de Kant, a dignidade humana foi consolidada após a Segunda Guerra Mundial como resposta à necessidade de proteção frente a abusos extremos. Juristas como Alexandre de Moraes (2020), André Ramos Tavares e Ana Paula de Barcellos reforçam seu papel central para a interpretação de direitos fundamentais e o pleno desenvolvimento da personalidade (AURUM, 2022).
Essa fundamentação reforça a dignidade humana como instrumento concreto de combate à exploração laboral, vinculando o Estado à garantia do mínimo existencial e orientando políticas públicas e ações judiciais, conforme jurisprudência do STF e dispositivos como a Emenda Constitucional nº 81/2014 (AURUM, 2022).
3. ELEMENTOS CARACTERIZADORES E INSTRUMENTOS LEGAIS DE RESPONSABILIZAÇÃO
O enfrentamento do trabalho escravo contemporâneo depende da identificação precisa de seus elementos caracterizadores e da aplicação eficaz dos instrumentos legais disponíveis. Neste item, são abordados os aspectos práticos e jurídicos que permitem a responsabilização dos infratores. Para tanto, analisam-se os sinais objetivos que configuram a exploração laboral extrema, bem como as normas nacionais e internacionais que estabelecem mecanismos de prevenção, fiscalização e punição, assegurando proteção efetiva aos trabalhadores submetidos a condições degradantes.
O enfrentamento do trabalho escravo contemporâneo depende da identificação precisa de seus elementos caracterizadores e da aplicação eficaz dos instrumentos legais disponíveis. Para tanto, é fundamental analisar os sinais objetivos que configuram a exploração laboral extrema, bem como as normas nacionais e internacionais que estabelecem mecanismos de prevenção, fiscalização e punição, assegurando proteção efetiva aos trabalhadores submetidos a condições degradantes.
Segundo o artigo 149 do Código Penal Brasileiro:
“Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto” (BRASIL, 1940).
Esses elementos caracterizadores do trabalho escravo contemporâneo incluem a jornada exaustiva, que impõe ao trabalhador um ritmo de exploração tão intenso que leva ao completo esgotamento físico e mental, colocando sua saúde e vida em risco; a servidão por dívida, envolvendo a criação de débitos fraudulentos e impagáveis que aprisionam o trabalhador na tentativa de quitá-los; a restrição da locomoção, que impede o trabalhador de se deslocar livremente; a retenção de documentos, limitando seu acesso a serviços essenciais; e as condições degradantes de trabalho, que negam a dignidade humana e colocam em risco a saúde, a segurança e a vida, incluindo alojamentos precários, falta de saneamento, má alimentação e higiene inadequada.
Outros elementos incluem o atraso ou ausência de pagamento, que mantém a dependência econômica do trabalhador, e a coerção física ou psicológica, por meio de força, violência ou ameaças, para mantê-lo no local de trabalho ou submetido a condições precárias. Esses fatores caracterizam formas de exploração extrema e permitem diferenciar casos de trabalho escravo de outras violações trabalhistas, orientando a atuação de órgãos públicos (GURGEL, 2019).
3.2 Legislação Brasileira Aplicável
O ordenamento jurídico brasileiro dispõe de normas específicas voltadas à prevenção e repressão do trabalho escravo. A Constituição Federal de 1988 estabelece a proibição de qualquer forma de trabalho forçado ou degradante, conforme os artigos 5º, inciso XLIII, e 7º, inciso XXXIII (BRASIL, 1988).
Complementarmente, o Código Penal, por meio dos artigos 149 e 149-A, tipifica a redução de alguém à condição análoga à de escravo e define as circunstâncias agravantes dessa conduta (BRASIL, 1940). A Emenda Constitucional nº 81, de 2014, institui a expropriação de imóveis utilizados para exploração de trabalho escravo, fortalecendo mecanismos de prevenção e responsabilização (BRASIL, 2014). No âmbito infralegal, a Lei nº 10.803, de 2003, detalha as punições aplicáveis aos infratores e as formas de exploração laboral consideradas ilícitas (BRASIL, 2003).
Adicionalmente, a Lei nº 13.344, de 2016, tipifica o tráfico de pessoas com fins de exploração laboral, ampliando o alcance da proteção jurídica aos trabalhadores vulneráveis (BRASIL, 2016).
Além das normas internas, o Brasil é signatário de convenções internacionais relevantes da Organização Internacional do Trabalho (OIT), como a Convenção nº 29 e a Convenção nº 105, que tratam da abolição do trabalho forçado, e a Convenção nº 182, relativa à erradicação das piores formas de trabalho infantil (OIT, 1930; 1957; 1999).
No âmbito administrativo, destacam-se a Portaria Interministerial nº 4/2016, que estabelece parâmetros para a caracterização do trabalho escravo contemporâneo, e o cadastro de empregadores que exploram mão de obra em condições análogas à de escravo — conhecido como “Lista Suja” —, instrumento de transparência e repressão mantido pelo Ministério do Trabalho e Emprego (BRASIL, 2016a).
O combate ao trabalho escravo no Brasil também conta com a atuação do Ministério Público do Trabalho (MPT), da Justiça do Trabalho e dos Grupos Especiais de Fiscalização Móvel, que realizam operações conjuntas para identificar, libertar trabalhadores e responsabilizar empregadores (BRASIL, 2025). Ademais, a Lei nº 12.846, de 2013 (Lei Anticorrupção), pode ser aplicada a empresas que direta ou indiretamente se beneficiam da exploração laboral ilícita (BRASIL, 2013).
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior do Trabalho (TST) tem contribuído para consolidar a interpretação do conceito de “condição análoga à de escravo”, reafirmando sua abrangência, que não se restringe apenas à restrição de liberdade, mas inclui jornadas exaustivas, trabalho degradante e servidão por dívida (STF, 2018).
Por fim, políticas públicas e mecanismos institucionais, como o Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (PNETE) e a Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (CONATRAE), reforçam a articulação entre Estado e sociedade civil, assegurando maior efetividade às ações preventivas e repressivas (BRASIL, 2003a; BRASIL, 2008).
Portanto, a legislação brasileira, em conjunto com normas internacionais, instrumentos administrativos e mecanismos institucionais, estabelece um arcabouço jurídico robusto para prevenir e reprimir o trabalho escravo. A efetividade dessas normas, no entanto, depende da fiscalização contínua, da atuação coordenada dos órgãos competentes e do comprometimento da sociedade civil, garantindo que os direitos fundamentais dos trabalhadores sejam efetivamente protegidos.
3.3 Instrumentos Administrativos e Políticas Públicas
Além das normas legais previstas para combater o trabalho escravo, o enfrentamento efetivo dessa prática depende da atuação de órgãos administrativos e da implementação de políticas públicas. Nesse contexto, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) desempenha papel estratégico, coordenando programas e ações voltados à prevenção e repressão do trabalho escravo e do tráfico de pessoas (CNJ, 2025). Uma das principais iniciativas do CNJ é o Cadastro de Empregadores que Submeteram Trabalhadores a Condições Análogas à de Escravo, popularmente conhecido como "lista suja". Esse instrumento administrativo contribui para aumentar a transparência e a responsabilização dos empregadores, além de servir como ferramenta de fiscalização e prevenção, ao registrar aqueles que violam direitos trabalhistas e humanos fundamentais (CNJ, 2025).
O combate também envolve outros órgãos públicos, como o Ministério Público do Trabalho (MPT) e a Auditoria-Fiscal do Trabalho (AFT), responsáveis por operações móveis de fiscalização, resgate de trabalhadores e responsabilização administrativa e judicial dos infratores (MTE, 2003). A atuação coordenada entre diferentes esferas do governo é reforçada por programas institucionais, como o Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (PNETE), que estabelece metas, ações estratégicas e indicadores para prevenir e reduzir a exploração laboral extrema (BRASIL, 2003a; BRASIL, 2008).
Adicionalmente, iniciativas de cooperação interinstitucional com órgãos de segurança, assistência social e organizações não governamentais permitem acolhimento e assistência às vítimas, fortalecendo a rede de proteção social. Ferramentas tecnológicas, como sistemas de monitoramento digital de empresas e propriedades rurais, bem como a integração de cadastros públicos, contribuem para ações preventivas mais eficazes. Paralelamente, programas de conscientização, educação e qualificação profissional em comunidades vulneráveis buscam reduzir fatores de risco associados à exploração laboral, como endividamento, informalidade e ausência de oportunidades (CNJ, 2025).
Dessa forma, os instrumentos administrativos e as políticas públicas não apenas complementam a legislação, mas consolidam uma abordagem preventiva e coordenada, promovendo a fiscalização, a responsabilização e a proteção integral dos trabalhadores, além de estimular a participação social e a cultura da denúncia.
4.JURISPRUDÊNCIA NACIONAL E A RESPONSABILIDADE CIVIL NO TRABALHO ESCRAVO
A jurisprudência brasileira desempenha papel central no reconhecimento e combate ao trabalho escravo contemporâneo, traduzindo na prática a aplicação das normas legais e reforçando a proteção aos direitos fundamentais dos trabalhadores. Decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) consolidaram entendimentos que ampliam a configuração do crime de redução à condição análoga à de escravo, previsto no art. 149 do Código Penal, reconhecendo que não é necessária a restrição física da liberdade de locomoção, bastando a submissão a condições degradantes ou jornadas exaustivas.
Um exemplo emblemático é o julgamento do Habeas Corpus nº 412.812/AL, pelo STF, em 2012, que reafirmou que o crime do art. 149 existe mesmo quando o trabalhador pode se locomover, desde que submetido a condições degradantes ou jornadas extenuantes. O caso tratava de trabalhadores submetidos a condições degradantes e questionava se seria necessário cerceamento físico da liberdade. O STF decidiu que não é preciso restrição física, bastando que o trabalhador esteja explorado de forma extrema. A decisão consolidou o entendimento jurídico moderno sobre trabalho escravo, ampliou a proteção à dignidade humana, fundamentou a aplicação da responsabilidade civil e influenciou decisões posteriores de STJ, TST e TRTs (STF, 2012). Como resume a Corte: “não é preciso prender fisicamente o trabalhador; o crime está na exploração e nas condições degradantes, o que amplia a proteção legal”.
No âmbito do STJ, a Sexta Turma, em 2020, reiterou que a configuração do crime se dá mesmo na ausência de cerceamento físico, considerando suficientes a submissão a trabalhos forçados, jornadas exaustivas ou condições degradantes (STJ, 2020). Decisões recentes do TST reconhecem que ações trabalhistas relacionadas ao trabalho análogo à escravidão são imprescritíveis, garantindo que a responsabilização dos empregadores não se perca com o tempo (TST, 2025). A Justiça do Trabalho também tem determinado indenizações por danos morais em casos concretos, como no resgate de trabalhadores em Minas Gerais, totalizando R$ 260 mil (TRT-3, 2023).
Tribunais Regionais do Trabalho, como TRT-2 e TRT-3, reforçam que a reparação civil deve contemplar não apenas prejuízos financeiros imediatos, mas também o sofrimento físico, psicológico e social decorrente da exploração laboral (TRT-2, 2022; TRT-3, 2023). Outro ponto relevante é a aplicação do princípio da solidariedade, responsabilizando empresas contratantes e tomadoras de serviços conjuntamente pelos danos causados, ampliando a abrangência da responsabilização civil em toda a cadeia produtiva (STJ, 2019). Essa perspectiva é especialmente significativa em setores com terceirização intensiva, como agronegócio, confecção e construção civil, nos quais a exploração de trabalhadores é mais recorrente.
Além disso, a jurisprudência reconhece a responsabilidade civil objetiva em casos de negligência na fiscalização interna das empresas, reforçando seu caráter preventivo (STJ, 2021). Nesse sentido, a responsabilização civil deixa de ser apenas corretiva e passa a exercer função transformadora, promovendo ambientes laborais dignos e seguros. Algumas decisões têm enfatizado que indenizações devem ter caráter pedagógico, incentivando a implementação de programas de prevenção, capacitação profissional e normas internas de compliance, integrando a função reparatória à função educativa da lei.
A jurisprudência também tem incentivado o uso de ações coletivas e civis públicas para garantir reparação a grupos de trabalhadores, especialmente em contextos rurais e urbanos de alta vulnerabilidade. Esse mecanismo amplia o alcance das decisões, assegura indenizações mais robustas e estimula mudanças estruturais nas operações empresariais.
Outro aspecto relevante é a crescente integração entre tribunais e órgãos de fiscalização, como Ministério Público do Trabalho e Polícia Federal, permitindo maior efetividade na responsabilização civil e na reparação das vítimas. Essa cooperação fortalece o caráter preventivo da responsabilidade civil, ampliando seu impacto social e educativo.
A jurisprudência também tem reforçado que a responsabilização civil deve ter efeito pedagógico, prevenindo a repetição de práticas abusivas e promovendo transformação estrutural nos ambientes de trabalho. Ao responsabilizar múltiplos agentes e exigir medidas corretivas e preventivas, a Justiça contribui para consolidar uma cultura de respeito à dignidade humana.
Apesar dos avanços, a aplicação prática da responsabilidade civil ainda apresenta diferenças regionais e carece de uniformização. A padronização de entendimentos entre TRTs, STJ e STF é essencial para garantir previsibilidade, reforçar a função pedagógica das indenizações e consolidar a proteção integral dos direitos fundamentais (STF, 2012; STJ, 2020). A integração entre punição penal e responsabilização civil representa estratégia indispensável para a erradicação do trabalho escravo contemporâneo, fortalecendo a proteção integral dos direitos fundamentais e estimulando práticas empresariais éticas e responsáveis.
Além disso, recentes decisões têm explorado a responsabilidade civil em cadeias produtivas globais, especialmente para empresas contratantes que se beneficiam da mão de obra explorada em subcontratadas. Essa ampliação fortalece a prevenção e a conformidade legal, alinhando a jurisprudência brasileira a tendências internacionais de compliance e direitos humanos corporativos (STJ, 2019).
Portanto, a análise da jurisprudência brasileira evidencia que, embora tenham sido alcançados avanços significativos, a responsabilidade civil ainda precisa ser consolidada como instrumento preventivo, transformador e pedagógico, garantindo reparação efetiva às vítimas e estímulo à adoção de práticas laborais dignas em todo o território nacional.
5. POLÍTICAS PÚBLICAS E INSTRUMENTOS ADMINISTRATIVOS NO ENFRENTAMENTO DA ESCRAVIDÃO CONTEMPORÂNEA
A erradicação da escravidão contemporânea no Brasil não depende apenas da legislação penal e civil, mas também da atuação articulada de políticas públicas e instrumentos administrativos capazes de prevenir, identificar e punir práticas laborais abusivas. Esses mecanismos, implementados por órgãos estatais em cooperação com entidades da sociedade civil, desempenham papel estratégico na concretização do princípio da dignidade da pessoa humana, estabelecido no art. 1º, III, da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988).
A relevância dessa dimensão administrativa e política é reforçada pela necessidade de atuação preventiva, que não se limita à punição posterior dos infratores, mas busca criar condições efetivas para reduzir a vulnerabilidade dos trabalhadores e assegurar ambientes laborais compatíveis com os direitos fundamentais (SOBEL, 2021).
5.1 O Papel do Estado e a Atuação Interinstitucional
O combate ao trabalho em condições análogas à escravidão exige a integração de diferentes órgãos públicos, como o Ministério Público do Trabalho (MPT), a Auditoria-Fiscal do Trabalho (AFT), o Ministério da Justiça e Segurança Pública, além da atuação de tribunais por meio de programas coordenados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ, 2025).
As operações móveis de fiscalização, criadas em 1995, tornaram-se um dos principais instrumentos de resgate de trabalhadores explorados, combinando esforços de auditores, procuradores e policiais federais. Relatórios da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e do MPT demonstram que milhares de trabalhadores já foram libertados em decorrência dessas ações conjuntas, o que evidencia a relevância da fiscalização contínua (SOBEL, 2021).
O CNJ, por sua vez, coordena projetos de enfrentamento ao tráfico de pessoas e ao trabalho escravo, incentivando a uniformização de decisões judiciais e a implementação de cadastros nacionais, como a chamada “lista suja” (CNJ, 2025).
5.2 O Cadastro de Empregadores – “Lista Suja”
Instituído em 2003, o Cadastro de Empregadores que submeteram trabalhadores a condições análogas à escravidão, conhecido como “lista suja”, é um dos instrumentos administrativos mais relevantes de repressão e prevenção. Publicado pelo antigo Ministério do Trabalho e Emprego, hoje mantido pelo Ministério do Trabalho e Previdência, o cadastro torna pública a identificação de empregadores autuados pela prática de trabalho escravo, permitindo a restrição de crédito junto a bancos públicos e privados (BRASIL, 2003).
A constitucionalidade da divulgação da lista foi reafirmada pelo Supremo Tribunal Federal na ADPF 509, de 2018, que reconheceu a compatibilidade da medida com os princípios constitucionais da publicidade e da dignidade da pessoa humana (STF, 2018). Trata-se, portanto, de um mecanismo que alia transparência, responsabilização social e função pedagógica.
5.3 Planos Nacionais e Programas de Erradicação
O Brasil elaborou dois Planos Nacionais para a Erradicação do Trabalho Escravo (2003 e 2008), que estabeleceram metas e estratégias de médio e longo prazo. Esses documentos reforçam a importância de políticas intersetoriais, abrangendo ações de prevenção, repressão, assistência às vítimas e reinserção social (BRASIL, 2003a; 2008).
Além disso, programas como o Ação Integrada, em cooperação com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), buscam promover a qualificação profissional e o acesso ao emprego formal para trabalhadores resgatados, reduzindo os riscos de reincidência (OIT, 2022).
Essas iniciativas demonstram que a política pública não deve limitar-se ao resgate imediato dos trabalhadores submetidos a condições degradantes, mas deve abranger medidas estruturais que enfrentem as causas profundas da vulnerabilidade, como a pobreza extrema, a falta de acesso à terra, a baixa escolaridade e a exclusão social histórica (CRANE, 2013). Além disso, é fundamental que essas políticas contemplem mecanismos de prevenção, fiscalização contínua e responsabilização civil dos empregadores e de toda a cadeia produtiva, de modo a desestimular práticas abusivas e promover a inserção social e econômica das populações mais vulneráveis. A integração de ações governamentais com a atuação do Judiciário, da sociedade civil e de órgãos de fiscalização contribui para a efetividade dessas medidas, criando um ambiente em que a dignidade do trabalhador seja protegida e a exploração laboral extrema seja progressivamente erradicada.
5.4 Desafios e Perspectivas
Apesar dos avanços, persistem desafios significativos para a efetividade das políticas públicas e instrumentos administrativos. Entre eles, destacam-se a escassez de recursos financeiros e humanos para as operações de fiscalização, a pressão de setores econômicos contrários à manutenção da lista suja, e a necessidade de maior integração entre União, estados e municípios (SOBEL, 2021).
Outro ponto crítico é a assistência pós-resgate. Muitos trabalhadores libertados retornam a contextos de vulnerabilidade social, sem acesso adequado a políticas de inclusão, o que pode levá-los novamente a situações de exploração (CRANE, 2013).
Nesse cenário, torna-se imprescindível fortalecer políticas públicas permanentes e ampliar a responsabilização de empresas inseridas em cadeias produtivas globais. O uso de novas tecnologias de rastreabilidade, como blockchain e inteligência artificial, pode auxiliar na fiscalização de cadeias produtivas, reforçando a transparência e a responsabilidade social empresarial (CNJ, 2025).
A análise das políticas públicas e dos instrumentos administrativos evidencia que o combate à escravidão contemporânea no Brasil não depende exclusivamente da atuação repressiva penal e civil, mas exige medidas coordenadas e preventivas. A efetividade desses mecanismos está diretamente relacionada à capacidade do Estado de articular diferentes esferas de poder e de integrar ações de fiscalização, repressão, assistência social e inclusão produtiva.
Assim, conclui-se que os instrumentos administrativos e as políticas públicas constituem pilares indispensáveis no enfrentamento desse fenômeno, complementando a legislação e a jurisprudência e ampliando a proteção aos trabalhadores em situação de vulnerabilidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa permitiu constatar que a escravidão contemporânea persiste em diversos setores econômicos no Brasil, configurando grave violação aos direitos humanos e afronta direta ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Essa permanência está ligada às desigualdades estruturais herdadas do período escravocrata, à precarização das relações de trabalho e à insuficiência de políticas públicas de inclusão social, fatores que facilitam a exploração de populações vulneráveis.
O estudo confirmou a hipótese de que a responsabilidade civil constitui instrumento estratégico no enfrentamento desse fenômeno. A responsabilização dos exploradores, por meio da reparação integral às vítimas e da utilização do patrimônio dos infratores como mecanismo pedagógico, atua não apenas como forma de punição, mas também como estímulo à transformação das práticas empresariais e laborais, contribuindo para ambientes de trabalho mais dignos e justos.
No entanto, algumas limitações devem ser reconhecidas. A pesquisa concentrou-se em revisão bibliográfica, documental e jurisprudencial, não incorporando dados empíricos originais que permitissem mensurar, por exemplo, a efetividade das indenizações ou a reincidência dos infratores. Além disso, o recorte geográfico restringiu-se ao contexto brasileiro, sem análise comparativa com outros países que enfrentam desafios semelhantes.
Essas limitações indicam caminhos para pesquisas futuras, como: estudos quantitativos sobre a execução das decisões judiciais que aplicam a responsabilidade civil em casos de trabalho escravo; análises comparadas de modelos estrangeiros de responsabilização de cadeias produtivas; e investigações interdisciplinares sobre os impactos sociais das reparações concedidas às vítimas.
A partir dos resultados obtidos, é possível propor algumas recomendações práticas. Ao Estado, recomenda-se o fortalecimento dos grupos móveis de fiscalização, bem como a implementação de políticas públicas de assistência pós-resgate, capazes de assegurar programas de reinserção social e econômica para trabalhadores libertados. Ao Judiciário, sugere-se a padronização de critérios para a fixação de indenizações e a adoção de medidas que garantam maior celeridade na execução das decisões, evitando a perpetuação da impunidade. Às empresas, impõe-se a necessidade de implementar programas de conformidade trabalhista e mecanismos de diligência prévia em suas cadeias produtivas, com auditorias independentes e cláusulas contratuais protetivas que inibam a exploração indireta. Por fim, à sociedade civil, cabe ampliar canais de denúncia, desenvolver campanhas de conscientização e promover iniciativas de acolhimento e apoio às vítimas, fortalecendo a rede de proteção social e contribuindo para a erradicação efetiva da escravidão contemporânea.
Conclui-se, portanto, que a responsabilização civil deve ser compreendida não apenas como resposta corretiva, mas como mecanismo transformador capaz de induzir mudanças estruturais no mercado de trabalho. Seu potencial, contudo, somente será plenamente alcançado se atuar em articulação com políticas públicas, sanções penais e iniciativas de inclusão social. Assim, o enfrentamento da escravidão contemporânea exige uma abordagem integrada, em que Estado, empresas e sociedade compartilhem a responsabilidade de erradicar definitivamente essa prática, assegurando o crescimento econômico em harmonia com a proteção integral da dignidade do trabalhador.
REFERÊNCIAS
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1. Professor Mestre, orientador do Trabalho, de Conclusão de Curso do Curso de Direito do CentroUniversitário Luterano de Manaus – CEULM/ULBRA/Manaus, AM. E-mail: aldo.lucena@ulbra.br
Graduando(a) do Curso de Direito do Centro Universitário Luterano de Manaus – CEULM/ULBRA/Manaus, AM
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: KOGUCHI, Elizângela Ferreira da Cruz. O papel da responsabilidade civil no enfrentamento da escravidão contemporânea Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 nov 2025, 04:17. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/69874/o-papel-da-responsabilidade-civil-no-enfrentamento-da-escravido-contempornea. Acesso em: 13 dez 2025.
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