RESUMO: Este artigo analisa a evolução jurídica da união estável no Brasil, partindo da sua marginalização como "concubinato" até o reconhecimento constitucional como entidade familiar pela CF/88. Aborda a regulamentação infraconstitucional (Leis 8.971/94 e 9.278/96) que visou equiparar os direitos dos conviventes aos dos cônjuges. Destaca o retrocesso sucessório imposto pelo Art. 1.790 do Código Civil de 2002, que criou um regime desfavorável aos companheiros. Por fim, aponta a superação desta desigualdade pela declaração de inconstitucionalidade do artigo pelo STF (RE 646.721 e 878.694).
Palavras-chave: União Estável; Direito de Família; Sucessões.
ABSTRACT: This article analyzes the legal evolution of the stable union in Brazil, from its marginalization as "concubinage" to its constitutional recognition as a family entity by the 1988 Federal Constitution (CF/88). It addresses the statutory regulation (Laws 8.971/94 and 9.278/96) which aimed to equalize the rights of partners with those of spouses. It highlights the setback in inheritance rights imposed by Art. 1.790 of the 2002 Civil Code, which created an unfavorable regime for partners. Finally, it points to the overcoming of this inequality through the declaration of the article's unconstitutionality by the STF (Supreme Federal Court) (RE 646.721 and 878.694).
Keywords: Stable Union; Family Law; Succession.
INTRODUÇÃO
No Brasil, até a promulgação da Constituição de 1988, predominava um sistema jurídico principalmente patrimonialista; o direito à propriedade e bens sobrepunha-se frequentemente a outros direitos humanos, como o direito à família e à liberdade sexual. Nesse sentido, a criação jurídica da união estável não teve seu reconhecimento como bem a ser tutelado até a promulgação de dita Constituição, com seu reconhecimento expresso no § 3º de seu artigo 226. É possível traçar, no período anterior a esse, o histórico de não aceitação, passando à sua aceitação como fato social, até seu reconhecimento e promulgação no texto da Carta Magna.
1.HISTÓRICO
Nos dias em que não existia, o convívio e relação inerentes à união estável eram tratados como “concubinato”, e mal-vistos pela sociedade. Era esperado do homem e da mulher que somente se relacionassem e convivessem quando já efetuado o matrimônio, ou seja, casados de fato. Com o advento da Constituição de 88, dando especial destaque direitos humanos e à liberdade pós-ditadura, a união estável, que já comumente ocorria e já havia sido considerada em diversas decisões judiciais da década de 80, foi oficialmente reconhecida na lei. A família não mais dependia exclusivamente do casamento, adotando-se assim o pluralismo familiar.
Quase dez anos depois, a Lei n. 8.971/94 regulamentou a união estável, criando regras para os filhos e as sucessões do casal. Sua principal inovação foi estabelecer em seu texto o prazo de convivência de cinco anos, ou a existência de prole comum, para o casal obter os direitos de união estável. Neste contexto, a forma de suceder entre os conviventes comparou-se efetivamente à regra de sucessão entre cônjuges.
Posteriormente, foi ainda publicada a Lei nº 9.278, objetivando regulamentar e detalhar o § 3º do artigo 226 da Constituição Federal. É nesta lei que é conceituada a união estável, como “a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família”. Entre os temas abordados por esta lei estão os direitos e deveres dos conviventes, a meação sobre os bens adquiridos por um ou ambos os conviventes, a assistência material devida por um dos conviventes ao outro que precisar dela, entre outros.
2.NOVO CÓDIGO CIVIL
Ademais, em 2002 veio a promulgação do novo Código Civil. Nele é abordada a união estável, de seus artigos 1.723 a 1.725. Esta nova lei estabelece, como importantíssimo tema já em discussão, que à união estável se aplica, no que couber, as regras patrimoniais do regime da comunhão parcial de bens, salvo se existir contrato de convivência entre os conviventes. No entanto, no âmbito sucessório, o Novo Código Civil pecou com relação aos participantes da união estável. Enquanto as leis 8.971/94 e 9.278 procuraram igualar os direitos advindos da união estável para os conviventes aos dos cônjuges casados, o Código Civil de 2002 rompeu com esse objetivo. Assim dispõe Carlos Roberto Gonçalves:
“[...] enquanto as leis que disciplinaram a união estável caminharam no sentido de igualar os direitos do companheiro ao do cônjuge, o Código Civil de 2002 tomou direção oposta [...]”.
Em seu artigo 1.790, o Código Civil estabelece condições específicas para a participação sucessória dos participantes da união estável, limitando suas possibilidades na sucessão e priorizando os cônjuges casados. Escrevendo sobre o tema, Dantas Jr. argumenta que:
“Pensamos que o artigo 1.790, do Código Civil, deve ser destinado à lata do lixo, sendo declarado inconstitucional e, a partir daí, simplesmente ignorado, a não ser para fins de estudo histórico da evolução do direito. Tal artigo, num futuro não muito distante, poderá ser apontado como exemplo dos estertores de uma época em que o legislador discriminava a família que se formava a partir da união estável, tratando-a como se fosse família de segunda categoria.”
3.CONSIDERAÇÕES FINAIS
Observa-se, portanto, a controvérsia criada entre o art. 1.790 do Código Civil e a Constituição de 1988, já que esta iguala os direitos dos conviventes em união estável, enquanto aquele desiguala. Na esteira desta discussão, em 2017 o STF, ao analisar dois Recursos Extraordinários (646.721 e 878.694) declararam inconstitucional o artigo 1.790 de referido Código. A decisão estabeleceu que tal artigo pode ser considerado inconstitucional por violar princípios constitucionais, como o da igualdade e da dignidade da pessoa humana.
Por fim, destaca-se que a união estável é e continuará sendo criação jurídica que reflete situação recorrente na vida dos brasileiros. O direito, como baluarte da cultura e costumes de um povo, deverá cada vez mais, em decisões judiciais e quiçá novas leis, abarcar tal instituto como fundamental no convívio familiar.
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