RESUMO: Na esfera criminal há um problema de espectro desafiador, quando se descobre através do laudo criminológico que a pessoa que cometeu o crime possui transtornos psiquiátricos e, portanto, frente ao Código Penal, em seu art. 26, se apresenta a figura do inimputável, ou seja, a pessoa que não possui compreensão para “entender o caráter ilícito do fato”, e nesta linha há de se desenvolver a proteção estatual a esta pessoa que diante do texto legal não pode ser penalizado, o que envolve afirmar que este não deve ser encaminhado para um presídio, mas para um local que possa atender sua necessidade de tratamento, para voltar a ter condições de convívio social, o ponto é que durante décadas estes estabelecimentos não passaram por nenhum acompanhamento, sequer foi aberto um debate, para se verificar o que estava trazendo de efeito para aqueles que eram ali encaminhados para este tratamento, o que exsurge era a clara pretensão de resolver a questão de forma rápida e, retirar a pessoa da sociedade, ora para proteção dos cidadãos, ora para evitar uma espécie de incomodo, e de tratamento efetivo, nada se podia perceber, assim, estas pessoas ficavam nesta Instituição sem qualquer tratamento, evidenciando apenas seu afastamento da sociedade e não seu retorno.
Palavras Chaves: Inimputável. Medida. Segurança. Tratamento. Instituição.
ABSTRACT: In the criminal sphere there is a challenging spectrum problem, when it is discovered through the criminological report that the person who committed the crime has psychiatric disorders and, therefore, in view of the Penal Code, in its art. 26, the figure of the unaccountable person is presented, that is, the person who does not have the understanding to “understand the illicit nature of the act”, and in this line, state protection must be developed for this person who, given the legal text, cannot be penalized, which involves stating that this person should not be sent to a prison, but to a place that can meet their need for treatment, so that they can once again have conditions for social coexistence. The point is that for decades these establishments did not undergo any monitoring, and there was not even an open debate to verify what effect it was having on those who were sent there for this treatment. What emerged was the clear intention of resolving the issue quickly and removing the person from society, sometimes to protect citizens, sometimes to avoid some kind of inconvenience, and of effective treatment, nothing could be seen, so these people remained in this Institution without any treatment, evidencing only their removal from society and not their return.
Key Words: Unaccountable. Measure. Security. Treatment. Institution.
1.INTRODUÇÃO
No âmbito criminal o Estado possui o jus puniendi, ou seja, ao estabelecer as leis no seu conjunto normativo, adquiri por extensão, a possibilidade também de aplicação destas quando desrespeitadas, sancionando as ações transgressoras.
Assim é de sua responsabilidade manter a lei e a ordem.
Nestas sanções que o Estado pode aplicar encontra-se as Medidas de Segurança.
É importante salientar que embora esteja neste bojo de sanção a medida de segurança não é pena.
O caráter sancionatório é terapêutico, ao menos foi esta ideia da doutrina ao desenvolver uma espécie de remédio para sanar a questão das pessoas que praticam atos contrários a lei, que não tem compreensão suficiente do que está fazendo.
Nesta linha o próprio texto legal afirma; “É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento”. CPB, Art.26.
Na esteira da compreensão o texto reafirma que há isenção de pena, para quem possui “doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado”.
Ora se não há pena, mas houve uma transgressão da lei, o que se pode então fazer? Foi exatamente o que o legislador pensou.
Daí surgiu o Instituto da Medida de Segurança.
As pessoas com este diagnóstico fechado, que praticarem atos que atentem contra a lei, deveriam serem submetidas a medida de segurança.
E onde deveriam ser cumpridas estas medidas de segurança?
Se as pessoas que são submetidas a estas medidas de segurança tem problemas de ordem mental, é correto que tais sejam encaminhadas a um hospital que possam tratar desta doença.
E aqui começou-se o problema curial.
Estabelecer Instituições que abrigassem este público, oferecendo tratamento, tem sido um problema.
O que se observou na prática foi a criação destas Instituições, contudo, o tratamento ficou relegado a segundo plano, e surgiu a percepção que na verdade se tinha tão somente um local para se depositar tais pessoas para afasta-las da sociedade.
Com isso exsurge as seguintes indagações: A medida de segurança é tratamento ou pena?
Se não é pena, o que se tem feito para tratar efetivamente quem ali adentra?
Quais são as possíveis mudanças que devem ocorrer?
2.AS SANÇÕES PENA E MEDIDA DE SEGURANÇA
É muito importante entender que no Direito Penal traz em sua gênese o jus puniendi do Estado, pois é nele que existe sanção penal em duas esferas: a pena e a medida de segurança, ambas são sanções.
Neste diapasão cumpre observar o que a doutrina traz sobre o tema;
O Direito Penal apresenta-se, por um lado, como um conjunto de normas jurídicas que tem por objeto a determinação de infrações de natureza penal e suas sanções correspondentes — penas e medidas de segurança. Por outro lado, apresenta-se como um conjunto de valorações e princípios que orientam a própria aplicação e interpretação das normas penais. Esse conjunto de normas, valorações e princípios, devidamente sistematizados, tem a finalidade de tornar possível a convivência humana, ganhando aplicação prática nos casos ocorrentes, observando rigorosos princípios de justiça. Com esse sentido, recebe também a denominação de Ciência Penal, desempenhando igualmente uma função criadora, liberando-se das amarras do texto legal ou da dita vontade estática do legislador, assumindo seu verdadeiro papel, reconhecidamente valorativo e essencialmente crítico, no contexto da modernidade jurídica. Pois, como esclarece Zaffaroni, com a expressão “Direito Penal” designam-se — conjunta ou separadamente — duas coisas distintas: 1) o conjunto de leis penais, isto é, a legislação penal; e 2) o sistema de interpretação dessa legislação, ou seja, o saber do Direito Penal. Direito Penal — como ensinava Welzel — “é aquela parte do ordenamento jurídico que fixa as características da ação criminosa, vinculando-lhe penas ou medidas de segurança”. Ou, no magistério de Mezger, “Direito Penal é o conjunto de normas jurídicas que regulam o exercício do poder punitivo do Estado, associando ao delito, como pressuposto, a pena como consequência”. As definições de Direito Penal se sucedem, mantendo, de modo geral, a mesma essência. (BITENCOURT, 2012, p.19). (Destaques nosso)
No texto em comento se percebe que o Estado assume na Direito Penal esta faceta de poder aplicar pena ou medida de segurança quando a lei estabelecida em seu ordenamento jurídico é transgredida.
E neste conceito cumpre observar qual o papel da pena numa sociedade organizada;
[...] a utilização que o Estado faz do Direito Penal, isto é, da pena, para facilitar e regulamentar a convivência dos homens em sociedade. Apesar de existirem outras formas de controle social — algumas mais sutis e difíceis de limitar que o próprio Direito Penal —, o Estado utiliza a pena para proteger de eventuais lesões determinados bens jurídicos, assim considerados, em uma organização socioeconômica específica. (Op. Cit. p. 54). (Destaques nosso).
A aplicação da pena é sim controle estatal, afinal, caso não houvesse limites estabelecidos, como as pessoas se comportariam dentro da sociedade? Como se poderia ter uma convivência mínima satisfatória? E ainda, se não houvesse este controle estatal, qual garantia haveria de segurança mínima?
E nesta construção há o entendimento de que há ações que muito embora sofra a reprovação estatal, a pessoa que a praticou, está claramente enquadrada no art. 26, do CPB, ou seja, não tem desenvolvimento completo ou sofre de problemas psiquiátricos que a levaram a pratica da transgressão.
Assim a sanção a ser aplicada é a medida de segurança;
O Código Penal e a legislação complementar contemplam tipos penais que correspondem a determinados comportamentos humanos – ações ou omissões – cuja prática é capaz de submeter o agente à imposição de uma pena legalmente prevista. Pode ocorrer, entretanto, que o agente, no tempo do fato, seja totalmente incapaz (inimputável) ou apenas parcialmente capaz (semi-imputável) de compreender o caráter ilícito de sua conduta e de se autodeterminar segundo tal entendimento. Nesses casos, em vez de sofrer uma pena, poderá ele sujeitar-se à aplicação de medida de segurança. Nesse contexto, define-se a medida de segurança como a providência de caráter terapêutico, aplicável a indivíduos inimputáveis ou semi-imputáveis portadores de periculosidade, visando prevenir a prática de novas infrações penais. Discute-se a natureza jurídica da medida de segurança. Alguns, com efeito, consideram-na um instituto de caráter puramente assistencial e curativo, absolutamente desvinculado dos princípios que norteiam o Direito Penal. Predomina, entretanto, entendimento diverso, qual seja, o de que a medida de segurança é espécie do gênero sanção penal, ao lado da pena. [...] (AVENA, 2014, p.318). (Destaques nosso)
Verifica-se que medida de segurança tem caráter terapêutico, pois, por não se tratar de pena, mas tendo natureza sancionatória, seu emprego visa, tratamento a pessoa que praticou transgressão legal, contudo, é sancionatório, por conta da pessoa que a sofre ser direcionada pelo Estado a Instituição e ficar ali até que o próprio agente definidor da sanção perceba, em tese, que há grande possibilidade de não praticar o ato/fato transgressor.
É importante ainda ser compreendido qual aspecto é levado em consideração para aplicação da medida de segurança;
A doença mental deve ser tomada em sua maior amplitude e abrangência, sendo compreendida como qualquer enfermidade que venha a debilitar as funções psíquicas do agente. Nesse sentido assevera PAULO QUEIROZ: ''A expressão doença mental deve ser entendida em sentido amplo, a fim de compreender toda e qualquer alteração mórbida da saúda mental apta a comprometer, total ou parcialmente, a capacidade de entendimento do seu portador, como esquizofrenia, psicose maníaco-depressiva, psicose alcoólica, paranoia, epilepsia, demência senil, paralisia progressiva, sífilis cerebral, arteriosclerose cerebral, histeria etc., pouco importando a causa geradora de semelhante estado, se natural ou tóxica (v.g., uso de droga lícita ou ilícita), por exemplo".(CUNHA, 2015,p.279).
Cumpre salientar que é necessário o chamado diagnóstico fechado para a pretensão de medida de segurança, caso contrário, uma vez que há a necessidade de comprovação médica do estado da pessoa, no momento do fato.
E evidentemente, uma vez que aja esta constatação, efetivamente se deverá caminhar para aplicação desta medida, para efeito sancionatório.
Destarte, cumpre salientar que a medida de segurança deve ser ofertada como medida terapêutica, e não o contrário, com natureza sancionatória de pena.
Para tanto qual o prazo que deve se estabelecer? Ou, se cairá na vala comum do comodismo aplicando a ideia de não haver prazo para um tratamento? Cumpre observar o texto a seguir;
E é óbvio que compelir alguém a uma internação manicomial sem prazo definido e independentemente de sua vontade é um sancionamento de natureza penal. Fazê-lo no âmbito de um processo penal, em obediência à legislação penal, é uma condenação penal a uma sanção, ainda que sob o disfarce de uma sanção terapêutica. Quando a própria comunidade científica e o próprio Sistema Único de Saúde (SUS) vêm negando o caráter terapêutico do internamento, fica claro que a medida é estritamente punitiva e, portanto, de problemática constitucionalidade. Trata-se, pois, de responsabilização penal objetiva. Parece claro que outra medida teria de ser adotada pela sociedade, caso quisesse relacionar-se com alguém legalmente inimputável que lhe estivesse ameaçando algum valor jurídico sem que se lhe pudesse atribuir culpa em sentido lato. (JACOBINA,2008, p.99). (Destaques nosso).
A medida de segurança deve ser aplicada de forma responsável e benéfica e não como forma de se livrar de alguém por ser um incomodo.
Para além da realidade do temor social, tem que se buscar soluções a longo prazo, oferecendo aqueles que necessitam de um tratamento digno, lembrando também que o Estado tem limitações impostas inerentes ao espírito das leis, trazido de forma especial a esfera penal como bem lembra o texto a seguir;
O princípio da intervenção mínima foi também produzido por ocasião do grande movimento social de ascensão da burguesia reagindo contra o sistema penal do absolutismo, que mantivera o espirito minuciosamente abrangente das legislações medievais. Montesquieu tomava um episódio da história do direito romano para assentar que "quando um povo e virtuoso, bastam poucas penas"; Beccaria advertia que "proibir uma enorme quantidade de ações indiferentes não e prevenir os crimes que delas possam resultar, mas criar outros novos"'; e a dos Direitos do Homem e do Cidadão prescrevia que a lei não estabelecesse senão penas "estrita e evidentemente necessárias" (art. VIII). Tobias Barreto percebera que "a pena é um meio extremo como tal é também a guerra"'. E, de fato, per constituir ela, como diz Roxin. A intervenção mais radical na liberdade do indivíduo que o ordenamento jurídico permite ao estado"" entende-se que o estado não deva "recorrer ao direito penal e sua gravíssima sansão se existir a possibilidade de garantir uma proteção suficiente com outros instrumentos jurídicos não-penais", como leciona Quintero Olivares o conhecimento de que a pena e, nas palavras deste último autor, uma solução imperfeita" - conhecimento que, de Howard até a mais recente pesquisa empírica, a instituição penitenciaria só logrou fortalecer - firmou a concepção da pena como ultima ratio: o "direito penal só deve intervir nos casos de ataques muito graves aos bens jurídicos mais importantes, e as perturbações mais leves da ordem jurídica são objeto de outros ramos do direito". O princípio da intervenção mínima não está expressamente' inscrito no texto constitucional (de onde permitiria o controle judicial das iniciativas legislativas penais) nem no código penal, integrando a política criminal: não obstante, impõe-se ele ao legislador e ao interprete da lei, como um daqueles princípios imanentes a que se referia Cunha Luna", por sua compatibilidade e conexões logicas com outros princípios jurídico-penais, dotados de positividade, e com pressupostos políticos do estado de direito democrático'. (BATISTA, 2007, p. 84,85). (Destaques nosso)
O Direito Penal por poder adentrar na liberdade das pessoas deve ser o ramo de direito mais cercados de princípios balizadores do que outros ramos, uma vez que quando uma pessoa passa por um processo e se considera retirar sua liberdade de ir e vir, tem que se ter em mente a seriedade desta ação.
Não só por invadir um princípio constitucional, mas principalmente, por poder mudar o rumo da vida pessoa em sua existência.
A seriedade deve ser palpável e real, e não é diferente quando se trata de medida de segurança; pois ato continuo pode se estar rotulando a pessoa que sai da determinação judicial como alguém com a necessidade de ser contida, mesmo que terapeuticamente.
3.A ESTRUTURA PARA ATENDIMENTO DA MEDIDA DE SEGURANÇA
Uma vez verificado o que vem a ser medida de segurança no aspecto criminal, se faz mister buscar ter uma visão dos estabelecimentos que podem abrigar as pessoas que passarão por esta sanção.
O último senso que pesquisou profundamente esta questão foi realizado no ano de 2011, trazendo então dados alarmantes;
Em 2011, o conjunto dos Estabelecimentos de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (ECTPs) no Brasil era formado por 23 Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTPs) e 3 Alas de Tratamento Psiquiátrico (ATPs), localizadas em complexos penitenciários. Nos estados de Acre, Amapá, Goiás, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Roraima e Tocantins, não havia ECTPs. As três ATPs estavam localizadas no Distrito Federal, no Mato Grosso e em Rondônia. Os estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo possuíam três unidades de HCTP, e os demais 17 estados possuíam uma única unidade HCTP cada um. Em 2011, a população total dos 26 ECTPs era de 3.989 indivíduos, entre os quais 2.839 estavam em medida de segurança, 117 estavam em medida de segurança por conversão de pena e 1.033 estavam em situação de internação temporária. (DINIZ, 2013, p.35)
O cenário neste raio x não é dos melhores uma vez que, é visível que esta estrutura não tem sido suficiente para conseguir alcançar o que se pretendia com a medida de segurança, qual seja, tratamento adequado, e efetiva possibilidade de real volta ao convívio social.
Destarte, é sumamente importante verificar o cenário das pessoas que ali são internadas, olhando para além da aparência muitas vezes impostas.
O número de doentes mentais que cometem injustos penais é significativamente menor quando comparado ao número de delinquentes que não sofrem do mesmo distúrbio. estatisticamente falando, os crimes cometidos por enfermos mentais não são tão preocupantes quanto à delinquência comum. No entanto, o enfermo mental causa grande temor à sociedade, que não o quer solto pelas ruas. isso se deve muito mais à imprevisibilidade de suas condutas do que a uma real necessidade de controle do número de crimes cometido por esses indivíduos, pois estes não são expressivos (Gomes; García-Pablos de Molina, 2000, p.256-7). Apesar dessa constatação, a realidade enfrentada pelos doentes mentais que cometem ilícitos no Brasil é preocupante, revelando absoluta desproporcionalidade e desnecessidade das medidas adotadas. a pretexto de proteger a sociedade e curar tais doentes mentais, estes são submetidos a tratamentos clinicamente questionáveis nos hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico (HCTPS) a que são remetidos. (CIA, 2011, p. 19). (Destaques nosso).
O texto em comento traz a ideia de que além de muitas vezes desnecessárias a aplicação da medida de segurança, o tratamento envidado não tem se demonstrado minimamente eficaz.
Assim, causa estranheza haver uma queda de braços em pleno ano de 2025 para manutenção destas Instituições, uma vez que só tem trazido um benefício, o de tirar a pessoa que cometeu o “injusto penal” do convívio social.
E é neste diapasão que se deve prescrutar se no fim o objetivo mor não seja apenas este mesmo, tirar da sociedade aquele que causa certa consternação.
Foucault, traz em assunto fazendo uma visita a história humana, e não é de se estranhar que seu texto traga certa semelhança com o que se vê na sociedade moderna;
É sabido que o século XVII criou vastas casas de internamento; não é muito sabido que mais de um habitante em cada cem da cidade de Paris viu-se fechado numa delas, por alguns meses. É bem sabido que o poder absoluto fez uso das cartas régias e de medidas de prisão arbitrárias; é menos sabido qual a consciência jurídica que poderia animar essas práticas. A partir de Pinel, Tuke, Wagnitz, sabe se que os loucos, durante um século e meio, foram postos sob o regime desse internamento, e que um dia serão descobertos nas salas do Hospital Geral, nas celas das "casas de força"; percebe-se também que estavam misturados com a população das Workhouses ou Zuchthdusern. Mas nunca aconteceu de seu estatuto nelas ser claramente determinado, nem qual sentido tinha essa vizinhança que parecia atribuir uma mesma pátria aos pobres, aos desempregados, aos correcionários e aos insanos. E entre os muros do internamento que Pinel e a psiquiatria do século XIX encontrarão os loucos; é lá — não nos esqueçamos — que eles os deixarão, não sem antes se vangloriarem por terem-nos "libertado". A partir da metade do século XVII, a loucura esteve ligada a essa terra de internamentos, e ao gesto que lhe designava essa terra como seu local natural. (FOUCAULT, 1978, p.55). (Destaques nosso).
Nesta visita ao século XVII, proporcionada por Foucault, se percebe que muito pouco se alterou quanto a questão de internação, seja a motivação, seja a questão jurídica, que levaram naquela ocasião, todos aqueles que eram incômodos sociais, a uma sumária internação.
Não se está longe desta realidade nos dias atuais, mesmo porque como já visto, as internações sob a alegação de medida de segurança, não tem sido eficaz.
Nesta linha é possível entender o que é dito;
Verificamos, de modo geral, que, nos casos em que se apresentam indícios de transtorno mental, o direito recorrerá ao laudo de especialista para atestar as evidências que virão a subsidiar o entendimento penal do autor do crime. Se o laudo afirmar a doença mental como elemento que deu causa ao ato, será decretada a não responsabilidade penal e a consequência dessa condição será o estabelecimento da presunção de periculosidade, que exigirá medidas de contenção do agente, tendo em vista a proteção social, seja como for. Todo tipo de arbitrariedade é registrado nesses casos, e o que agrava mais o quadro é a dificuldade dos indivíduos, vítimas das mais variadas injustiças, de terem suas queixas consideradas, registradas e encaminhadas para o devido esclarecimento e estabelecimento das medidas cabíveis. Nada de acessibilidade às soluções instituídas na civilização como garantias mínimas que edificariam um sentido compartilhado para as condições pactuadas de humanidade... Aos loucos infratores restou, como manifestação da humanidade, apenas o seu pior... Apenas o silêncio, o isolamento, o massacre cotidiano da sua condição subjetiva e o sequestro institucional dos direitos fundamentais válidos para qualquer pessoa humana. (BARROS-BRISSET, 2010, p.19). (Destaques nosso).
É muito importante extrair do texto em comento que “Aos loucos infratores restou, como manifestação da humanidade, apenas o seu pior... Apenas o silêncio”, as pessoas sejam familiares, amigos e colegas, o deixam a margem, e como uma vez emitido o laudo médico, há a tarja de periculosidade que é imposta de forma taxativa.
E como a estrutura não é feita para sequer tratar, muito menos trazer a cura do diagnóstico apresentado, a pessoa está praticamente condenada de forma perpétua de exclusão social.
Nesta linha é bom relembrar o que é dito neste texto;
Os deficientes mentais, discriminados e estigmatizados, sofrem internações em instituições totais, em tudo semelhantes as prisões. Ao contrário de todas as recomendações da moderna psiquiatria os manicômios continuam sendo a regra de um suposto tratamento. A própria lei penal consagra esta distorção, ao estabelecer a internação como regra para aqueles que, cometendo algum injusto, sejam, pela deficiência mental, incapazes de culpabilidade, consagrando também o preconceito, ao presumi-los perigosos. (KARAM, 1991, p.158).
Neste repto a realidade atual é de se fazer refletir sobre a importância da internação e sua eficácia, mas também sobre qual alternativa oferecer para um problema real.
Não é acabando com um problema que o resolverá, há de se oferecer alternativa viável para que se possa minorar a dor das famílias e pessoas envolvidas na medida de segurança, lhe ofertando algo digno e efetivo para que de fato e de verdade ocorra um tratamento.
4.A EVOLUÇÃO À INTERNAÇÃO E A RESOLUÇÃO DO CNJ
É importante nesta análise considerar como é a visão da sociedade a aplicação da medida de segurança e como estas pessoas que são indicadas a aplicação desta medida devem ser tratadas.
O discurso ideológico não deve ter espaço, uma vez que não contribui de forma progressiva para uma análise séria, mas sim traz em seu cerne a visão da política rasteira, que não é cabível num assunto desta magnitude.
Num movimento brusco e incompreensível se percebe que a sociedade está com um senso assaz de punição, novamente voltado a questão politiqueira e não de solução a um problema real e que se faz necessário resolver.
Para tanto cumpre observar o que existe de melhor mesmo que seja fora do Brasil e se pode buscar como alternativa viável;
Existem boas práticas – na Itália e no Brasil – a demonstrar que, naqueles contextos em que foi desafiado o paradigma de exclusão com base no hospital psiquiátrico, o atendimento sociossanitário do paciente autor de crime, por meio de uma psiquiatria comunitária, é capaz de resolver as exigências de tratamento do louco criminoso. Mas, ainda subsiste a necessidade de uma radical renovação do direito, sem a qual todas as respostas se mostram frágeis e mistificáveis. Devo dizer, a propósito, que muito me fez refletir a seguinte consideração de Virgílio de Mattos (2006): a suspensão de direitos e garantias mínimos é excepcionalmente prevista em todas as constituições somente em um estado de guerra ou de grave ameaça para a sobrevivência da democracia. A exceção se aplica, portanto, somente em relação a um inimigo que ponha em risco nossa própria existência. É assim essa a imagem que o Estado italiano faz do paciente psiquiátrico? A de um inimigo, um “anormal”? É ele, junto com o extracomunitário, para quem são previstas exceções ao direito de cidadania, o inimigo que devemos temer e de quem devemos nos defender? (RESPONSABILIDADES, 2012/2013, p.242). (Destaques nosso).
Relembrando que não é papel primal do Direito Penal conviver com a ideia de retirada de direitos e garantias mínimos, muito pelo contrário o Direito em sua gênese existe para definir a existência de garantia.
Com isso em mente, como manter a medida de segurança no arcabouço do direito sem privar a pessoa de seus direitos básicos?
Desta forma cumpre relembrar;
A reação punitiva, como o estilo único de controle de situações problemáticas ou conflitivas - consequência da intervenção do sistema penal - já se mostrou inidônea para solucionar tais situações demonstrou ser aquele sofrimento órfão de racionalidade de que fala Zaffaroni. Uma atitude mais racional e mais humana aponta para caminhos outros que não os de penas e prisões. Uma atitude mais racional e mais humana aponta para respostas e para estilos, que favoreçam não os interesses de manutenção e -reprodução de sistemas desiguais e perversos, mas que sim permitam a libertação e a emancipação do homem. (KARAM, 1991, p.192). (Destaques nosso)
O texto muito embora trate de penas e prisões pode muito bem, sem nenhum esforço ser emprestado para a sanção da medida de segurança, que não pode ser olvidada em nome de não ser uma penalização.
A bem da verdade na medida de segurança a pessoa que se submete a ela perde sim sua liberdade em favor do Estado, e fica sim na dependência deste mesmo, determinar quando e se pode voltar ao convívio social.
Há um movimento vivo de desinternação das medidas de segurança estabelecido notoriamente na década de 80, assim sendo não há nenhuma novidade em qualquer proposta recente, assim se pode ver;
Nos anos 1980, certamente sentindo a influência dos movimentos antimanicomiais e antipsiquiátricos, começa a surgir no seio do sistema penitenciário, mais precisamente por meio dos próprios funcionários ligados à execução da medida de segurança, a ideia de se transformar a internação do inimputável que entrou em conflito com o ordenamento jurídico. Segundo Ferrari (2001b, p.169-70): No período de 1981 a 1984, o hospital de custódia e Tratamento Psiquiátrico de Franco da Rocha iniciou visitas experimentais, admitindo que os pacientes-delinquentes passassem os fins-de--semana junto a seus familiares, resultando em concretos ganhos terapêuticos. Tal ensaio, todavia, foi suspenso judicialmente sob a alegação de ausência de amparo legal. [...]. O apego ao formalismo jurídico, contudo, não venceu a imaginação e a resistência dos bem intencionados, inaugurando-se em 1989, em Franco da Rocha, um pavilhão destinado ao implemento de uma progressividade na execução da medida de segurança de internamento, constituindo-se num modelo transitório entre a situação de hospitalização em regime fechado e o retorno ao meio social mais amplo. (CIA, 201, p.116). (Destaques nosso)
No texto em comento se extraí algumas lições importantes, a primeira é que há muito tempo este estado de situação de medida de segurança e internação absoluta, incomoda aqueles que ali trabalham, entendendo que se poderia mudar este estado de coisas.
Em segundo lugar, a alternativa oferecida, de os internados passarem o fim de semana com a família, é um processo sim de ressocialização e reintegração ao convívio social, ou seja, um processo terapêutico necessário a medida de segurança.
E em terceiro lugar, a total ausência à época da justiça de buscar dados deste experimento, para implementá-lo, o que certamente atrasou e muito a possível evolução.
Nesta esteira percebe-se a o que à época se estava propiciando;
Como se vê, a iniciativa da criação da desinternação progressiva não se deu no meio jurídico, mas sim no meio médico, a julgar por sua primeira denominação – alta progressiva e programada. essa questão não é importante apenas do ponto de vista histórico, mas é fundamental porque projeta consequências para a própria dinâmica atual da desinternação progressiva, caracterizada por um forte viés médico e terapêutico. (Op. Cit. p. 117). (Destaques nosso)
Como se pode observar a iniciativa foi de ordem médica, afinal, por que não deveria ser? A medida de segurança não tem como lastro um diagnóstico, através de um laudo médico?
Assim sendo é evidente que nesta equação, a presença da medicina, na pessoa do médico não só é importante, mas deve se salientar é fundamental, uma vez que é o sujeito que tem a capacidade de analisar de forma real se a pessoa submetida a medida de segurança está em condições ou não de estar em convívio social.
A Resolução CNJ nº 487/2023 estabeleceu as medidas necessárias a serem tomadas em relação aos hospitais de custódia passando ao atendimento ambulatorial para tratamento das pessoas sujeitas as medidas de segurança.
Cumpre salientar que a Resolução do CNJ não é para que as pessoas internadas para cumprimento de medida de segurança sejam soltas, mas sim, altera o paradigma que era de internação para tratamento, entendendo que deve se manter o tratamento só que na modalidade ambulatorial.
Evidentemente há um avanço considerável no aspecto da medida de segurança, uma vez que desde sua origem a ideia era mesmo tratar as pessoas que cometessem ilícito penal, para readequação a sociedade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É importante observar que a Medida de Segurança tem um viés terapêutico desde sua origem e que a Resolução do CNJ traz de volta este caráter único desta sanção.
Se percebe que há uma necessidade de evolução na questão de entender que as sanções penais, seja pena, seja medida de segurança, não deve possuir o condão de vingança.
Se retirada esta ideia de retribuição vingativa destas sanções, fica bem mais fácil aceitar que as pessoas a elas submetidas deverão voltar a sociedade e por conseguinte, o tratamento dispensado a elas deve ser regado a dignidade, ao respeito e a certeza que os direitos e garantias estabelecidos na Constituição Federal, não decaíram.
Há todo um processo necessário de conscientização sobre a questão da compreensão em torno do ilícito que deve ser melhor interpretada, para que a sociedade consiga enxergar onde está o problema.
No caso das pessoas que são destinadas a medida de segurança, elas tem problemas de ordem mental, ou seja, são doentes.
Por esta doença mental elas não conseguem entender a ilicitude praticada, o que para o Direito Penal não a qualifica para ser penalizada, pois, toda pessoa que comete crime tem que compreender o caráter ilícito de seu ato e do fato praticado.
Assim sendo, como um bem jurídico foi atingido, sem a devida compreensão, a alternativa viável é a aplicação da medida de segurança.
Até então a compreensão da medida de segurança trazia a internação compulsória sem alternativa contrária, o que ao longo dos anos se demonstrou completamente ineficaz.
Com a Resolução do CNJ, desativando os Hospitais de Custódia, e efetivamente trazendo de volta a ideia única de tratamento para aqueles que forem direcionados a medida de segurança.
Desta feita, o Brasil retorna ao tratamento direcionado as pessoas que possuem diagnóstico fechado de doença mental, e que praticam ilícito penal, isso traz o sentido a ideia de tratamento e não punição, o que de fato é o ideal penal apregoado tanto no Código Penal como na Constituição Federal.
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KARAM, Maria Lucia. De crimes, penas e fantasias – Niterói RJ: Luam Ed., 1991.
Responsabilidades: revista interdisciplinar do Programa de Atenção Integral ao Paciente Judiciário - PAI-PJ Belo Horizonte: Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, 2012/2013.
Doutorando em Ciência Criminal, Mestre em Filosofia do Direito e do Estado (PUC/SP), Especialista em Direito Penal e Processo Penal (Mackenzie/SP), Bacharel em teologia e direito, professor de Direito e pesquisador da CNPq .
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Marcos Antonio Duarte. A Medida de Segurança, tratamento ou penalização? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 ago 2025, 04:56. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/69391/a-medida-de-segurana-tratamento-ou-penalizao. Acesso em: 16 ago 2025.
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