LETÍCIA LOURENÇO SANGALETO TERRON [1]
(orientadora)
RESUMO: A eficácia do Direito Penal no combate às fraudes eletrônicas e crimes cibernéticos no Brasil depende da constante atualização legislativa, da modernização dos mecanismos investigativos e da atuação integrada entre Estado, sociedade e comunidade internacional. O objetivo geral foi investigar a origem e o crescimento das práticas criminosas no ambiente virtual, com ênfase nas fraudes eletrônicas no Brasil. Enquanto os objetivos específicos forma examinar os principais marcos legislativos aplicáveis aos crimes cibernéticos, como a Lei 12.737/2012, o Marco Civil da Internet, a LGPD e a Lei 14.155/2021, avaliara as dificuldades enfrentadas pelas autoridades na apuração, investigação e punição dessas condutas, especialmente quanto à produção e preservação de provas digitais, discorrer sobre o papel do Direito Penal como instrumento de controle social no ciberespaço, à luz dos princípios constitucionais, e verificaram-se as medidas e propostas voltadas ao aprimoramento da resposta penal, como a cooperação internacional, a capacitação técnica dos operadores do direito e o uso de novas tecnologias investigativas. O presente trabalho trata-se de uma revisão de literatura buscado em bases de dados online com o tempo recorte de 10 anos. Conclui-se que o Direito Penal, isoladamente, não tem se mostrado plenamente eficaz no combate aos crimes cibernéticos. É imprescindível que sua aplicação esteja inserida em uma abordagem multidisciplinar, envolvendo a atualização contínua da legislação, a capacitação técnica dos profissionais da segurança pública e do judiciário, a ampliação da cooperação internacional e o fortalecimento da educação digital da população. Somente por meio de um esforço conjunto entre Estado, sociedade e comunidade internacional será possível enfrentar com eficácia os desafios impostos pela criminalidade no ciberespaço.
Palavras-chave: Crimes Cibernéticos; Fraudes Eletrônicas; Direito Penal; Investigação Criminal Digital; Legislação Brasileira Aplicável.
ABSTRACT: The effectiveness of Criminal Law in combating electronic fraud and cybercrimes in Brazil depends on constant legislative updating, the modernization of investigative mechanisms, and integrated action between the State, society, and the international community. The general objective was to investigate the origin and growth of criminal practices in the virtual environment, with an emphasis on electronic fraud in Brazil. While the specific objectives are to examine the main legislative frameworks applicable to cybercrimes, such as Law 12.737/2012, the Civil Rights Framework for the Internet, the LGPD and Law 14.155/2021, it will evaluate the difficulties faced by the authorities in the investigation, investigation and punishment of these conducts, especially regarding the production and preservation of digital evidence, discuss the role of Criminal Law as an instrument of social control in cyberspace, in the light of constitutional principles, and measures and proposals aimed at improving the criminal response were verified, such as international cooperation, technical training of legal operators and the use of new investigative technologies. The present study is a literature review searched in online databases with a time of 10 years. It is concluded that Criminal Law, alone, has not been fully effective in combating cybercrimes. It is essential that its application is part of a multidisciplinary approach, involving the continuous updating of legislation, the technical training of public security and judicial professionals, the expansion of international cooperation and the strengthening of the digital education of the population. Only through a joint effort between the State, society and the international community will it be possible to effectively face the challenges posed by criminality in cyberspace.
Key-words: Cybercrime; Electronic Fraud; Criminal law; Digital Criminal Investigation; Applicable Brazilian Law.
1.INTRODUÇÃO
A sociedade atual vive uma transformação profunda, resultado direto dos avanços tecnológicos e da digitalização das interações humanas, comerciais e institucionais. A era digital estabeleceu um novo padrão de vida, marcado pela conexão constante, pela circulação rápida de informações e pela integração de serviços pela internet. No Brasil, esse cenário é evidente: smartphones, redes sociais, aplicativos financeiros e o comércio eletrônico se tornaram parte integrante da rotina, influenciando desde tarefas simples até atividades mais complexas.
Ao mesmo tempo, esse ambiente virtual expandido abriu espaço para a prática de crimes cibernéticos em larga escala. O país está entre os que mais registram ocorrências desse tipo, envolvendo fraudes eletrônicas, golpes digitais, invasões de sistemas e vazamento de dados. A ausência de barreiras geográficas, a facilidade de acesso e o anonimato favorecem condutas ilícitas que desafiam a investigação e o controle penal. Estelionatos virtuais, phishing, clonagem de cartões, sequestro de dados e a divulgação de conteúdo ilegal mostram que o ciberespaço se tornou um terreno fértil para atividades criminosas, exigindo respostas rápidas e especializadas.
Essa dependência crescente da tecnologia aumenta a vulnerabilidade das pessoas, já que serviços bancários, dados médicos, comunicações e contratos estão cada vez mais concentrados em plataformas digitais. Embora a digitalização ofereça benefícios significativos, também eleva a exposição a riscos, especialmente quando faltam educação digital à população e mecanismos estatais de proteção compatíveis com a complexidade das ameaças. A hiperconectividade, combinada com lacunas na segurança técnica e jurídica, consolidou o ambiente digital como um dos principais campos de disputa para garantir proteção e aplicar de forma eficaz o Direito Penal.
A escolha por abordar a eficácia do Direito Penal no combate às fraudes eletrônicas e crimes cibernéticos justificou-se pela crescente relevância que essas condutas ilícitas passaram a ter no cenário nacional, especialmente diante do avanço tecnológico e da ampla digitalização das relações sociais e econômicas. Observou-se que, com a intensificação do uso da internet, aumentaram também as vulnerabilidades e os riscos associados à segurança digital, afetando diretamente os direitos fundamentais dos cidadãos. Assim, entendeu-se que analisar a capacidade do ordenamento jurídico penal em responder a essas novas formas de criminalidade seria essencial para compreender seus limites, desafios e possibilidades de aprimoramento.
Mediante ao exposto, levantou-se a seguinte questão norteadora: Em que medida o Direito Penal brasileiro mostrou-se eficaz no enfrentamento às fraudes eletrônicas e crimes cibernéticos diante da crescente complexidade do ambiente digital?
Para responder a problemática o objetivo geral foi investigar a origem e o crescimento das práticas criminosas no ambiente virtual, com ênfase nas fraudes eletrônicas no Brasil. Enquanto os objetivos específicos forma examinar os principais marcos legislativos aplicáveis aos crimes cibernéticos, como a Lei 12.737/2012, o Marco Civil da Internet, a LGPD e a Lei 14.155/2021, avaliara as dificuldades enfrentadas pelas autoridades na apuração, investigação e punição dessas condutas, especialmente quanto à produção e preservação de provas digitais, discorrer sobre o papel do Direito Penal como instrumento de controle social no ciberespaço, à luz dos princípios constitucionais, e verificaram-se as medidas e propostas voltadas ao aprimoramento da resposta penal, como a cooperação internacional, a capacitação técnica dos operadores do direito e o uso de novas tecnologias investigativas.
Este trabalho consistiu em uma revisão de literatura baseada na análise de produções acadêmicas disponíveis em bases de dados e plataformas digitais, com o objetivo de reunir e examinar contribuições teóricas relevantes sobre a eficácia do Direito Penal no enfrentamento às fraudes eletrônicas e crimes cibernéticos no Brasil. Foram utilizados como fontes de pesquisa o Google Acadêmico e Periódicos CAPES.
Foram incluídos artigos científicos, monografias, dissertações e trabalhos de conclusão de curso publicados em português e inglês entre os anos de 2015 e 2025, desde que abordassem de forma direta temas relacionados aos crimes cibernéticos, fraudes eletrônicas, Direito Penal, investigação criminal digital, legislação brasileira aplicável.
Os critérios de inclusão envolveram a relevância temática, a disponibilidade gratuita e integral do texto, e a clareza quanto aos objetivos e fundamentações jurídicas. Foram excluídos trabalhos duplicados, incompletos, que não tratassem diretamente do tema ou que, após leitura completa, não apresentassem contribuições significativas para a análise proposta. O processo de seleção envolveu a triagem por título, resumo e texto completo, priorizando aqueles que apresentavam discussões atuais, dados relevantes e abordagem crítica sobre a temática central do estudo.
2.O CIBERESPAÇO E A NATUREZA TRANSNACIONAL DO CRIME DIGITAL
O ciberespaço, também chamado de mundo virtual ou ambiente digital, pode ser compreendido como uma rede global de informações interligadas por dispositivos eletrônicos e sistemas computacionais, permitindo a comunicação, o armazenamento e o compartilhamento de dados em tempo real. Diferentemente do espaço físico, ele não está submetido a barreiras territoriais ou geográficas, possuindo fronteiras fluidas e, em muitos casos, invisíveis (Xavier, 2025). Essa ausência de limites físicos faz com que o ciberespaço funcione como uma esfera autônoma de interação humana, na qual indivíduos, instituições, empresas e governos compartilham informações, realizam transações e, infelizmente, também cometem crimes (Sá et al., 2025).
A natureza transnacional dos crimes cibernéticos, decorrente justamente da estrutura aberta e descentralizada da internet, impôs uma série de dificuldades jurídicas aos sistemas de justiça em todo o mundo. No caso brasileiro, Nascimento (2024) observa que delitos cometidos por indivíduos localizados fora do país ou por meio de servidores estrangeiros geram obstáculos quanto à jurisdição, à soberania nacional e à cooperação internacional.
Aragão é enfático ao afirmar que “a falta de tratados específicos, a lentidão nos pedidos de cooperação jurídica e a ausência de padronização entre os ordenamentos tornam morosas e, muitas vezes, ineficazes as investigações” (2024, p. 52). Essas dificuldades favorecem a impunidade e incentivam redes criminosas globais a explorar as brechas legais entre países.
Nesse contexto, alguns estudiosos consideram a internet como a chamada “quinta esfera do poder”, ao lado do Executivo, Legislativo, Judiciário e da mídia. Tal concepção aponta para o impacto geopolítico da rede como novo espaço de disputa por controle, influência e dominação global.
Como descreve Martins (2024, p. 77),
O domínio da infraestrutura digital e o acesso privilegiado a dados conferem a determinados países um poder estratégico sem precedentes. Esse poder não se limita à esfera econômica, mas se estende às dimensões militar, política e cultural, exigindo uma regulação internacional robusta que equilibre a soberania nacional com a responsabilização de infratores em escala global.
Assim, o combate aos crimes digitais demanda não apenas leis nacionais eficazes, mas também cooperação técnica e diplomática entre nações, com normas capazes de enfrentar a complexidade e a velocidade das ameaças no ciberespaço.
3.TIPOLOGIA DOS CRIMES CIBERNÉTICOS E SUAS PECULIARIDADES
A crescente digitalização da vida social e a dependência cada vez maior da tecnologia transformaram o ciberespaço em um território fértil para a prática de condutas criminosas. Nesse contexto, os crimes cibernéticos passaram a ser objeto de atenção do Direito Penal, exigindo classificação, estudo e repressão especializada. Para fins de análise jurídica, a doutrina passou a categorizar os delitos informáticos em duas grandes tipologias: crimes informáticos próprios e crimes informáticos impróprios (Lopes et al., 2024).
Os crimes informáticos próprios são aqueles que só podem ser cometidos com o uso da informática, ou seja, que não existiriam fora do ambiente digital (Duarte, 2022). Nessa categoria se enquadram condutas como a invasão de dispositivos informáticos, prevista no artigo 154-A do Código Penal, introduzido pela Lei 12.737/2012 (Lei Carolina Dieckmann), que pune o acesso não autorizado a computadores, celulares ou redes, visando obter, adulterar ou destruir dados (Brasil, 2012). Também fazem parte desse grupo a disseminação de vírus, malwares, ransomwares e spywares, que comprometem a integridade, confidencialidade ou disponibilidade de sistemas. O uso de ransomware, por exemplo, tem sido recorrente em ataques contra instituições públicas e privadas, bloqueando o acesso a dados e exigindo resgates em criptomoedas. Essa prática demonstra não apenas a sofisticação técnica dos criminosos, mas também a urgência de mecanismos estatais capazes de responder à altura da complexidade desses ataques (Duarte, 2022).
Já os crimes informáticos impróprios são aqueles em que a informática é apenas o meio para a execução de delitos já conhecidos pelo Direito Penal tradicional. São práticas que ocorrem também fora do mundo digital, mas que ganharam espaço com o uso de recursos tecnológicos. O estelionato virtual é um dos exemplos mais frequentes e teve sua pena agravada pela Lei 14.155/2021, especialmente quando cometido contra idoso ou por meio de redes sociais e dispositivos eletrônicos (Brasil, 2021). Também se incluem nesse grupo crimes contra a honra, como calúnia e difamação online, e falsidade ideológica na criação de perfis falsos ou manipulação de documentos digitais. Para Charão (2017, p. 93), “as redes sociais funcionam como um catalisador para essas condutas, ampliando seu alcance e garantindo aos ofensores certo grau de anonimato”.
Nesse cenário, torna-se fundamental distinguir os perfis dos agentes envolvidos. Os termos hacker e cracker, frequentemente confundidos, possuem conotações distintas. O hacker, originalmente, é o indivíduo com alto domínio técnico, capaz de explorar sistemas e redes, muitas vezes com fins éticos, como identificar vulnerabilidades para corrigi-las. O cracker, por outro lado, utiliza esse conhecimento para fins ilícitos, como invadir sistemas e causar prejuízos.
Conforme destacam Cunha e Cortizo (2024, p. 58):
Os hackers podem atuar como guardiões da segurança cibernética, sendo contratados para testar e proteger sistemas. Já os crackers são os protagonistas dos ataques maliciosos, empregando técnicas sofisticadas para burlar defesas e explorar vulnerabilidades, quase sempre visando lucro ou dano deliberado.
De acordo com dados do CERT.br (Centro de Estudos, Resposta e Tratamento de Incidentes de Segurança no Brasil), os incidentes mais recorrentes incluem tentativas de phishing, disseminação de códigos maliciosos, fraudes eletrônicas e varreduras de vulnerabilidades. O Relatório Global de Ameaças da Fortinet indica que o Brasil está entre os países mais atingidos por ataques de ransomware na América Latina, especialmente nos setores financeiro e público. O aumento expressivo de fraudes bancárias digitais e golpes via aplicativos de mensagens mostra que o crime cibernético se tornou lucrativo e acessível, até mesmo para ofensores com conhecimentos técnicos limitados (Costa, 2023).
Esses dados evidenciam uma realidade preocupante: a diversidade e complexidade dos crimes cibernéticos dificultam sua tipificação, investigação e punição. A resposta estatal deve acompanhar a evolução tecnológica, por meio da atualização legislativa, da modernização dos instrumentos de persecução penal, da capacitação dos profissionais envolvidos e da cooperação com entes internacionais e empresas de tecnologia. Assim, compreender as tipologias dos crimes informáticos é passo essencial para a construção de uma resposta jurídica eficaz e proporcional às ameaças do ambiente digital.
4.A EVOLUÇÃO LEGISLATIVA BRASILEIRA NO ENFRENTAMENTO AOS CRIMES CIBERNÉTICOS
A legislação brasileira tem avançado de forma significativa no enfrentamento dos crimes cibernéticos, buscando acompanhar o ritmo acelerado das inovações tecnológicas e a crescente incidência de ilícitos no ambiente digital. Um marco relevante foi a promulgação do Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014), que estabeleceu princípios e garantias para o uso da rede no país, como a liberdade de expressão, a proteção da privacidade e a neutralidade (Brasil, 2014). Além disso, a norma fixou responsabilidades para provedores de serviços e regulamentou a guarda de registros de acesso, criando, segundo Aragão (2015), uma base normativa que busca equilibrar liberdade e segurança na esfera digital.
Antes disso, a Lei nº 12.737/2012, conhecida como Lei Carolina Dieckmann, representou avanço importante ao tipificar como crime a invasão de dispositivos eletrônicos, como computadores e celulares, quando realizada sem autorização e com o objetivo de obter, alterar ou destruir dados (Brasil, 2012). Essa norma surgiu como resposta a casos emblemáticos de violação de privacidade e passou a prever penas que incluem detenção e multa. Para Duarte (2022), a tipificação penal da invasão de dispositivos foi um divisor de águas, pois permitiu enquadrar condutas até então tratadas de forma difusa no ordenamento jurídico.
Mais recentemente, a Lei nº 14.155/2021 modificou o Código Penal e agravou penas para crimes eletrônicos, especialmente quando cometidos contra instituições financeiras (Brasil, 2021). A invasão de dispositivos, por exemplo, passou a ter pena de reclusão de um a quatro anos, com aumento de até dois terços se houver prejuízo econômico.
Outro passo importante foi a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei nº 13.709/2018), que estabeleceu regras para a coleta, o uso, o armazenamento e o compartilhamento de dados pessoais (Brasil, 2018). A LGPD impõe às empresas e organizações a obrigação de adotar medidas de segurança e transparência, conferindo aos titulares maior controle sobre suas informações e reduzindo riscos de fraudes e abusos.
Além dessas normas centrais, há dispositivos complementares que fortalecem o combate aos crimes digitais. O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990) prevê punições para crimes como a divulgação de pornografia infantil e o aliciamento de menores pela internet (Brasil, 1990). A Lei de Software (Lei nº 9.609/1998) assegura a proteção dos programas de computador, combatendo a pirataria e a violação de direitos autorais (Brasil, 1998). Já a Lei de Segurança Nacional (Lei nº 7.170/1983), embora de caráter mais amplo, pode ser aplicada a ataques virtuais que ameacem a ordem política, social ou a segurança do Estado (Brasil, 1993).
Assim, a trajetória legislativa brasileira revela um esforço contínuo de adaptação às novas realidades tecnológicas, com o objetivo de proteger direitos, preservar a ordem e criar instrumentos eficazes de repressão aos crimes cibernéticos. Trata-se de um campo em constante evolução, que exige atualização permanente para acompanhar a velocidade das mudanças no ambiente digital.
5.EFETIVIDADE DO DIREITO PENAL FRENTE AOS CRIMES CIBERNÉTICOS
O Direito Penal sempre foi pensado como a última ferramenta de intervenção do Estado, acionada apenas quando outros mecanismos de controle social se mostram ineficazes. Essa lógica tinha como objetivo evitar o uso excessivo do poder punitivo e preservar direitos fundamentais. Hoje, porém, a realidade mudou. A internet e as tecnologias digitais criaram um ambiente em que o crime se reinventa diariamente, explorando brechas técnicas e jurídicas que desafiam os conceitos tradicionais. A velocidade com que novos delitos surgem é maior do que a capacidade do legislador de criar respostas, e isso obriga o Direito Penal a se adaptar de forma quase imediata.
Entre os obstáculos mais relevantes, a identificação da autoria desponta como um dos maiores desafios. Camadas de anonimato proporcionadas por redes privadas virtuais, sistemas de criptografia e perfis falsos tornam o rastreamento de criminosos um processo complexo, especialmente quando envolve jurisdições distintas e servidores localizados em diferentes países (Verlindo, 2022).
A prova digital, por sua vez, é um elemento que exige atenção redobrada. Ao contrário de documentos físicos, que permanecem estáveis, dados eletrônicos podem ser alterados ou excluídos em segundos. Arquivos temporários, mensagens criptografadas e informações em nuvem pedem protocolos ágeis e tecnologias específicas para garantir sua integridade e autenticidade (Souza, 2021).
Outro ponto que raramente recebe a devida atenção é o fator humano. Mesmo com leis modernas e equipamentos adequados, sem profissionais treinados o combate ao crime virtual se torna ineficaz. É fundamental que delegacias, promotorias e varas criminais tenham equipes especializadas e infraestrutura condizente, caso contrário, as investigações se arrastam e a aplicação da lei se torna apenas simbólica.
No plano legislativo, há um embate constante entre a pressão por endurecimento penal e a necessidade de manter o equilíbrio entre eficiência e garantias processuais. Muitas leis criadas para tratar de condutas no ambiente digital nascem sem estudos técnicos profundos, o que prejudica sua aplicação prática (Nascimento, 2024).
Diante desse cenário, não basta multiplicar leis ou agravar penas. É necessário investir em cooperação internacional, atualização tecnológica e capacitação permanente, criando um ecossistema institucional capaz de acompanhar o ritmo da criminalidade digital. Sem isso, a resposta penal continuará lenta e ineficiente, permitindo que a sensação de impunidade se perpetue.
6.INVESTIGAÇÃO E REPRESSÃO PENAL: DESAFIOS E PROPOSTAS
Investigar e reprimir crimes cibernéticos é, sem dúvida, um dos maiores desafios que o sistema de justiça criminal enfrenta hoje. Esses crimes não só exigem conhecimento técnico profundo, como também demandam agilidade para acompanhar a velocidade com que são praticados e a amplitude geográfica que ultrapassa fronteiras nacionais. Portanto, não basta atualizar os tipos penais; o Estado precisa modernizar seus mecanismos de investigação para que a persecução penal seja rápida, eficaz e respeite os direitos fundamentais.
A cooperação internacional surge como um alicerce imprescindível para essa resposta global. A internet, por sua própria natureza descentralizada, faz com que infrações frequentemente envolvam atores, vítimas e servidores em diferentes países. Instrumentos como a Convenção de Budapeste sobre Cibercrime, criada pelo Conselho da Europa, mostram o caminho para a harmonização legislativa e o intercâmbio de informações entre nações. A adesão a esses tratados e a celebração de acordos bilaterais são essenciais para agilizar ordens judiciais e permitir acesso a dados em territórios estrangeiros (Duarte, 2022).
Sem uma equipe técnica preparada, nenhuma legislação por mais avançada que seja surtirá efeito. A análise de provas digitais, o manuseio de dados em nuvem, as técnicas de rastreamento virtual e a compreensão dos protocolos tecnológicos exigem atualização constante dos profissionais do Direito. A disparidade entre o conhecimento dos operadores jurídicos e as ferramentas dos criminosos causa falhas graves na apuração e na condução dos processos. Instituir programas permanentes de capacitação, com suporte de universidades e centros especializados, é questão urgente (Charão, 2017).
Além disso, o acesso aos dados controlados por empresas de tecnologia, muitas vezes sediadas fora do país, é outro ponto crítico. Firmar acordos para o compartilhamento dessas informações com o Estado pode acelerar a obtenção das provas necessárias, desde que respeitados os limites legais e a proteção de dados pessoais. Canais diretos e protocolos padronizados são estratégicos para diminuir o tempo de resposta e garantir o cumprimento das decisões judiciais (Cunha; Cortizo, 2024).
Para combater a facilidade com que informações eletrônicas podem ser apagadas ou modificadas, é essencial implementar protocolos rigorosos de preservação das evidências digitais. Sem normas claras e padronizadas, a validade jurídica dessas provas fica comprometida, dificultando a responsabilização dos infratores. A criação de unidades especializadas e o uso de tecnologia forense avançada são passos indispensáveis para garantir a confiabilidade das evidências em juízo (Costa, 2023).
Por fim, iniciativas legislativas em andamento, como o Projeto de Lei 8.045/2010, buscam atualizar o Código de Processo Penal, adequando-o à realidade tecnológica. Medidas cautelares específicas para coleta de provas digitais, mecanismos de cooperação internacional e maior flexibilidade para tratar crimes complexos são avanços importantes. Porém, a modernização legal só surtirá efeito se for acompanhada de investimentos estruturais e políticas públicas comprometidas com a efetividade do sistema de justiça (Barros, 2023).
6.CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em conclusão, o avanço tecnológico, embora tenha proporcionado inúmeros benefícios à sociedade contemporânea, também criou um ambiente fértil para o surgimento e a disseminação de novas formas de criminalidade. As fraudes eletrônicas e demais crimes cibernéticos cresceram de forma exponencial, ultrapassando fronteiras geográficas e desafiando os mecanismos tradicionais do Direito Penal. No Brasil, constatou-se que, apesar dos avanços legislativos, como a promulgação da Lei Carolina Dieckmann, da Lei 14.155/2021, do Marco Civil da Internet e da LGPD, o enfrentamento penal a essas condutas ainda encontra entraves significativos, especialmente no que diz respeito à identificação da autoria, à produção de provas digitais e à efetividade das investigações criminais.
Observou-se que a natureza transnacional do cibercrime, associada à volatilidade e ao anonimato no ambiente digital, impõe barreiras à aplicação da lei penal, exigindo cada vez mais a atuação integrada entre países e a adoção de estratégias conjuntas de prevenção e repressão. Além disso, a estrutura do Estado brasileiro, ainda carente de recursos técnicos e humanos, dificulta a pronta resposta às infrações virtuais, contribuindo, muitas vezes, para a impunidade. A atuação das autoridades responsáveis, embora tenha avançado em alguns aspectos, ainda precisa de modernização, especialização e diálogo constante com os avanços da tecnologia.
Assim, retomando os objetivos propostos, verificou-se que o objetivo geral, investigar a origem e o crescimento das práticas criminosas no ambiente virtual, com ênfase nas fraudes eletrônicas no Brasil, foi atendido por meio da análise do contexto histórico, da evolução tecnológica e de dados recentes sobre a criminalidade digital. Os objetivos específicos também foram alcançados: examinou-se a legislação aplicável, como a Lei 12.737/2012, o Marco Civil da Internet, a LGPD e a Lei 14.155/2021; avaliaram-se as dificuldades enfrentadas pelas autoridades na apuração, investigação e punição dessas condutas, especialmente quanto à produção e preservação de provas digitais; discutiu-se o papel do Direito Penal como instrumento de controle social no ciberespaço à luz dos princípios constitucionais; e analisaram-se medidas e propostas de aprimoramento da resposta penal, incluindo a cooperação internacional, a capacitação técnica dos operadores do direito e o uso de novas tecnologias investigativas.
Dessa forma, conclui-se que o Direito Penal, isoladamente, não tem se mostrado plenamente eficaz no combate aos crimes cibernéticos. É imprescindível que sua aplicação esteja inserida em uma abordagem multidisciplinar, envolvendo a atualização contínua da legislação, a capacitação técnica dos profissionais da segurança pública e do Judiciário, a ampliação da cooperação internacional e o fortalecimento da educação digital da população.
REFERÊNCIAS
ARAGÃO, D. Crimes cibernéticos na pós-modernidade: direitos fundamentais e a efetividade da investigação criminal de fraudes bancárias no Brasil. Tese (Dissertação) – Mestrado em Direito, Universidade Federal do Maranhão, São Luís, 125 f. 2015. Disponível em: https://tedebc.ufma.br/jspui/handle/tede/667. Acesso em: 04 ago. 2025.
BRASIL. Lei nº 7.170, de 14 de dezembro de 1983. Lei de Segurança Nacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 15 dez. 1983. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7170.htm. Acesso em: 05 ago. 2025.
BRASIL. Lei nº 9.609, de 19 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre a proteção da propriedade intelectual de programa de computador. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20 fev. 1998. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9609.htm. Acesso em: 05 ago. 2025.
BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 16 jul. 1990. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm. Acesso em: 05 ago. 2025.
BRASIL. Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Diário Oficial da União, Brasília, DF, 15 ago. 2018. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709.htm. Acesso em: 05 ago. 2025.
BRASIL. Lei nº 14.155, de 28 de maio de 2021. Altera o Código Penal para agravar a pena de crimes cibernéticos. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 31 maio 2021. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/l14155.htm. Acesso em: 05 ago. 2025.
BRASIL. Lei nº 12.737, de 30 de novembro de 2012. Tipifica crimes informáticos como a invasão de dispositivos eletrônicos. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 03 dez. 2012.
Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12737.htm. Acesso em: 05 ago. 2025.
BRASIL. Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014. Marco Civil da Internet. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 24 abr. 2014. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm. Acesso em: 05 ago. 2025.
BARROS, R. O crescimento dos crimes cibernéticos e do estelionato virtual no Brasil. Tese (Dissertação) – Graduação em Direito, UniSãoJosé, 23 f. 2023. Disponivel em: https://saojose.br/wp-content/uploads/2023/12/TCC-II-Rubens-Matheus-Garcia-barros.pdf. Acesso em: 04 ago. 2025.
COSTA, C. Cibercriminalidade: Os crimes cibernéticos e os limites da punibilidade no ambiente virtual. Tese (Monografia) – Bacharel em Direito, Universidade Católica Minas Gerais, Arcos, 37 f. 2023. Disponível em: http://bib.pucminas.br:8080/pergamumweb/vinculos/00001f/00001fae.pdf. Acesso em: 04 ago. 2025.
CUNHA, V.; CORTIZO, V. Crimes cibernéticos: implicações legais, eficácia das leis existentes e necessidade de adaptação do sistema legal a era digital. Revista acadêmica online, v. 10, n. 51, p. 1-18, 2024. Disponível em: https://www.revistaacademicaonline.com/index.php/rao/article/view/122. Acesso em: 04 ago. 2025.
CHARÃO, J. Os crimes cibernéticos na legislação brasileira e os procedimentos de investigação. Tese (Dissertação) – Bacharel e Direito, Universidade de Santa Cruz do Sul, Santa Cruz do Sul, 63 f. 2017. Disponível em: https://repositorio.unisc.br/jspui/bitstream/11624/1984/1/J%C3%BAlia%20Char%C3%A3o.p df. Acesso em: 04 ago. 2025.
DUARTE, K. Crimes cibernéticos e os impactos da lei geral de proteção de dados. Tese (Monografia) – Bacharel em Direito, UniEvangélica, Anápolis, 38 f. 2022. Disponível em: http://repositorio.aee.edu.br/bitstream/aee/20048/1/Karla%20Lorrany%20da%20Silva%20Du arte.pdf. Acesso em: 06 ago. 2025.
LOPES, L. et al. Crimes cibernéticos e direito penal: a regulação e a resposta jurídica ao crime no ambiente digital. Journal of Business and Management. v. 26, n. 11, p. 1-11, 2024. Disponível em: http://www.iosrjournals.org/iosr-jbm/papers/Vol26-issue11/Ser8/A2611080111.pdf. Acesso em: 06 ago. 2025.
MARTINS, G. A Atuação do direito penal no combate aos cibercrimes: perspectivas para a efetividade da justiça digital. Tese (Dissertação) – Graduação em Direito, Pontifica Universidade católica de Goiás, Goiânia, 22 f. 2024. Disponível em: https://repositorio.pucgoias.edu.br/jspui/bitstream/123456789/7827/1/GEOVANNA%20SAN TOS%20MARTINS.pdf. Acesso em: 06 ago. 2025.
NASCIMENTO, A. Cibercrimes no brasil: respostas legais e sua atuação na proteção dos cidadãos. Tese (Dissertação) – Graduação de Direito, Universidade IBMR, Rio de Janeiro, 30 f. 2024. Disponível em: https://repositorio.animaeducacao.com.br/bitstreams/924ab310-503044c2-8c09-a671ec966e46/download. Acesso em: 05 ago. 2025.
SÁ, A. et al. Cibercrimes no brasil: análise do estelionato virtual e suas implicações jurídicas. Periódicos Brasil. Pesquisa Científica. v. 4, n. 1, p. 2802-2818, 2025. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/392387238_CIBERCRIMES_E_FRAUDES_VIRT UAIS_O_ESTELIONATO_DIGITAL_SOB_A_OTICA_DO_DIREITOCYBERCRIMES_A ND_VIRTUAL_FRAUD_DIGITAL_FRAUD_FROM_A_LEGAL_PERSPECTIVE. Acesso em: 05 ago. 2025.
SOUZA, M. Cibercrimes e os reflexos no direito brasileiro. Tese (Monografia) – Graduação em Direito, Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Goiânia, 43 f. 2021. Disponível em: https://repositorio.pucgoias.edu.br/jspui/bitstream/123456789/2659/1/TCC%20%20MYKAELLY%20SOUZA%20.pdf. Acesso em: 05 ago. 2025.
VERLINDO, L. O papel do estado no combate aos crimes digitais: as mudanças legislativas e suas repercussões. Tese (Monografia) – Bacharel em Direito, Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai, Erechim, 78 f. 2022. Disponível em: https://www.uricer.edu.br/site/inicio_grad?uri=000125000000000020&pagina=publicacoes. Acesso em: 06 ago. 2025.
XAVIER, P. Crimes cibernéticos: desafios e perspectivas na era digital. Tese (Dissertação) – Graduação em Direito, Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Goiânia, 23 f. 2025. Disponível em: https://repositorio.pucgoias.edu.br/jspui/bitstream/123456789/4132/1/GEOVANA%20XAVI ER.pdf. Acesso em: 05 ago. 2025.
[1] Doutora em Direito, orientadora e professora do Curso de Direito do Centro Universitário de Jales (UNIJALES), Jales – SP.
Acadêmico do Curso de Direito, do Centro Universitário de Jales (UNIJALES), Jales – SP
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CARVALHO, João Paulo Batista de. A eficácia do direito penal no combate às fraudes eletrônicas e crimes cibernéticos no Brasil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 out 2025, 04:34. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/69836/a-eficcia-do-direito-penal-no-combate-s-fraudes-eletrnicas-e-crimes-cibernticos-no-brasil. Acesso em: 15 out 2025.
Por: MARCIO FERNANDO MENEZES DE SOUSA
Por: Júlia Nascimento Da Cas
Por: Vítor de Araújo Xavier
Precisa estar logado para fazer comentários.