ANE CAROLINA SANTOS DE ALMEIDA[1]
(coautora)
Resumo: O presente estudo de caso limita-se a analisar a questão do afastamento da responsabilidade solidária de integrante de grupo familiar beneficiário de auxílio emergencial concedido na Pandemia da Covid-19 e que, no entanto, no referido período, já era integrante de outro grupo familiar devido ao casamento. Neste caso, poderia o Estado solicitar, de forma solidária a esse ex-integrante de grupo familiar beneficiário de referido auxílio, por constituir nova família e ter mudado sua renda per capita para padrão de classe média, a devolução de tal benefício? Conclui-se pela negatividade e apresenta-se, em referido artigo, vários argumentos que rebatem de forma razoável as possíveis alegações da União em ações que discutam tal questão.
Palavras-chave: Auxílio Emergencial. Pandemia. Covid-19. Devolução. Responsabilidade Solidária.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho analisa uma situação fática verídica e, contudo, preserva-se a identidade dos envolvidos por questões de ética. Assim, o presente estudo de caso limita-se a analisar a questão do afastamento da responsabilidade solidária de integrante de grupo familiar beneficiário de auxílio emergencial concedido na Pandemia da Covid-19 e que, no entanto, no referido período, já era integrante de outro grupo familiar devido ao casamento. Neste caso, poderia o Estado solicitar, de forma solidária a esse ex-integrante de grupo familiar beneficiário de referido auxílio, por constituir nova família e ter mudado sua renda per capita para padrão de classe média, a devolução de tal benefício?
O fato ocorre da seguinte forma:
Ao concluir e enviar a Declaração de IRPF de 2021, o contribuinte foi surpreendido pela abertura em tela de seu computador de mensagem com o título – DEVOLUÇÃO DO AUXÍLIO EMERGENCIAL – o que não se qualificava como notificação ou intimação – ante a ausência de número identificador (o que o impossibilitou de impugnar administrativamente, de plano, haja vista que o sistema do e-cac exige tal número de notificação para cadastramento de solicitações) e que, também, o levou a entrar em pânico para tentar desvendar o que aconteceu – se foi fraude de pessoa próxima ou terceiros – levando a situações de discussões familiares, até que, depois de muita “quebra-cabeça” foi identificado o real motivo, conforme Comprovante de Cadastramento que juntou aos autos: a autora, antes de se casar, era integrante de núcleo familiar de baixa renda, e, após 2018, não houve atualização do cadastro nos órgãos responsáveis por esse benefícios sociais, por parte da Responsável Familiar, que não é a esposa do contribuinte, mas sua sogra, posto que aquela sempre esteve em tais cadastros como dependente, na qualidade de filha.
Pelo curto período de conhecimento de tal situação – o contribuinte tinha certeza que não havia nada a se preocupar, por isso deixou para o último dia para declarar seu IR – e por não consegui pagar o valor cobrado em lotéricas e no horário bancário, perdeu o prazo – 31.05.2021 – teve que imprimir novo boleto Darf com nova data de vencimento e acrescentado de multa.
Ato contínuo, o contribuinte entrou em contato com o Ministério da Cidadania, conforme orientação constante no próprio boleto do Darf, em anexo, que informa que “Em caso de não concordância ou dúvida favor entrar em contato com o Ministério da Cidadania por meio do site https://www.gov.br/cidadania/pt-br/serviços/auxilio-emergencial. O que foi realizado em 31.05.2021. Dia 17.06.2021 foi consultado se havia resposta, porém, até aquele momento a demanda estava esperando análise da central de relacionamento, conforme documento em anexo. Contudo, em 18.09.2021, após nova tentativa o site em comento informou que a página não existe mais, conforme anexo.
De certo, ante a situação sui generis relativa a cobrança de valores não tributários e de incerto auferimento, a Receita Federal ou mesmo o Ministério da Cidadania poderia ter enviado carta para os contribuintes com antecedência, dando-lhes oportunidade inclusive de se justificar. E, mais, enviar carta direcionada a possível devedor, e não cobrança direcionada ao contribuinte que, no caso, em nenhuma hipótese, poderia ser responsabilizado, pois nunca foi dependente de núcleo familiar de baixa renda ou coabitou com os mesmos, sendo, pois, constrangido ao receber cobrança indevida para devolver Auxílio Emergencial.
O contribuinte, pois, sentiu-se coagido a pagar, posto que em tal mensagem, que se intitula DEVOLUÇÃO DO AUXÍLIO EMERGENCIAL, não havia indicação de quem deveria pagar, mas vinculação a sua declaração de Imposto de Renda por presumir que a esposa do contribuinte recebeu ou se beneficiou de tal valor. Presunção esta que não poderia ser reconhecida uma vez que a Receita Federal tinha conhecimento desde 2018 que esposa do contribuinte coabitava – por ser casada – com aquele em endereço distinto da responsável familiar de seu núcleo anterior.
É de se surpreender tal cobrança, haja vista que o contribuinte e sua esposa nunca receberam em suas contas bancárias tais valores; e desde o ano de 2018, passaram a coabitar juntos, nunca se beneficiando de qualquer valor de Auxílio Emergencial em tela. Mesmo, porque, não faz parte dos valores morais dos mesmos se favorecerem de algo que vai fazer falta para quem passa fome e demais necessidades básicas. Inclusive a esposa do contribuinte não recebeu qualquer valor relativos a Auxílio Emergencial – haja vista que apenas foi abrir conta bancária no ano de 2021, o que nos leva a crer que a Receita Federal deveria ter sido prudente e ter cobrado de quem efetivamente recebeu – a Responsável Familiar.
O contribuinte, ainda, conhecido na cidade de pequeno porte, se sentiu altamente constrangido e humilhado ao enfrentar uma fila de banco, e ao se deparar cara a cara com o caixa do banco – que o conhece – o olhou com olhos arregalados, e ante o constrangimento, ficou em silencio baixando a cabeça, limitando-se a pedir seu CPF.
Depois de referido fato, uma família de 05 pessoas (a prole do contribuinte) – sendo destas, três crianças – ficaram em dificuldade financeira, haja vista que o provedor da família, aqui contribuinte, teve que desembolsar uma quantia correspondente a quase metade de seu salário para pagar tal valor, passando a viver, a partir aquele momento, dos dois cartões de crédito que mensalmente passou a pagar no valor da integridade de seu salário, posto que desde o ocorrido sua vida financeira passou a ser descontrolada.
Contudo, houve lançamento de ofício, por tal fato, em 04.10.2021 – Processo nº. 2021/xxxxxxxxxxxxx – e o autor o impugnou em 22.10.2022. Apesar de toda a justificativa retromencionada e, também, apresentada na impugnação em comento, passados mais de 01 ano – não houve qualquer pronunciamento decisório por parte da Receita Federal. Não havendo, pois, outra solução que não a de recorrer à Justiça. O que foi feito.
Passemos a analisar a possibilidade de afastamento da responsabilidade tributária solidária no caso exposto.
DA NÃO INCIDÊNCIA DA RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA
Desde 2018, conforme Declarações de IRPF do contribuinte, a Receita Federal, no caso em tela, tinha a informação de que esposa do contribuinte está casada com o mesmo, e, por obvio, exerce a convivência more uxorio, ou seja, atende ao dever de coabitação. Sendo, repito, por obvio, que a esposa do contribuinte não coabita com sua genitora e irmãos desde 2018, não havendo, pois, responsabilidade solidária da mesma, haja vista que desde o referido ano não há interesse comum entre a autora em comento e o núcleo familiar de sua origem.
Mesmo porque não teria sido a esposa do contribuinte – ex-integrante do núcleo familiar beneficiário do auxílio emergencial em comento – que se dirigiu ao órgão responsável de cadastramento do auxílio retromencionado, mas sim a Responsável Familiar. Não se pode exigir da esposa do contribuinte, criança de 1997 até 2015, atualizasse tal cadastro. Também não se pode exigir da mesma no período entre 2015 e final de 2017 posto que não era de seu conhecimento tal cadastro, haja vista que quando criança não foi informada que era cadastrada em referido programa de política pública.
Por outro lado, a União não poderia se vitimizar alegando que: seria até mesmo paradoxal penalizar a União por se utilizar do seu cadastro, criado e mantido com a finalidade de identificar pessoas em situação de vulnerabilidade, em um momento de grave crise social, com a que o País enfrenta atualmente.
Paradoxal, em verdade, seria a União, Pessoa Jurídica de Direito Público, dotada de capacidade econômica incomparável, mover a máquina pública para cobrar devolução de quantia relativa a auxílio emergencial de terceiro estranho a relação jurídica tributária – que nem sequer é responsável solidário – e condená-lo ao caos e dificuldade financeira. Reconhecer o argumento vitimizante da União é como se sensibilizar com médico que não atende a pessoa com risco de morte por ter trabalhado muito em um dia. Ninguém pode se omitir ao socorro. Analogicamente, a União não pode se justificar na sua própria ineficiência. Pois eficiência é seu dever constitucional!
Reconhece-se, contudo, que o referido cadastro é alimentado pelos Municípios, seja para o cadastro inicial das famílias, seja para a constante atualização dos dados cadastrais. Para a tarefa de inscrição das famílias de baixa renda, é necessário que o agente público do Município realize entrevista com o responsável familiar, que irá prestar pessoalmente todas as informações da sua família, bem como irá fornecer os documentos obrigatórios para a comprovação das informações prestadas.
Se terceiro causou danos à União – no caso o Município –, portanto, dele é que aquela deve cobrar. E não dos autores que em nada se aproveitaram de referidos valores. Posto que constituem grupo familiar distinto da responsável familiar esposa do contribuinte, desde 2018, data anterior à concessão do referido auxílio. O Município responsável pelo cadastro é quem deveria, através de seus agentes públicos ser diligente e colher as informações prestadas pela responsável familiar realizando entrevistas e exigir comprovação das informações prestadas. É uma exigência legal!
Se o Município levou a União a erro, isso não afasta a responsabilidade da mesma no presente caso. A uma que a União deveria ter cautela, uma vez que tinha desde 2018 informação de que a esposa do contribuinte é sua dependente; A duas que o cadastro realizado pelo Município não impede o Auditor Federal de ter cautela e analisar o caso detidamente, e verificar as informações nas declarações de IR do contribuinte; A três, inclusive, torna-se tautologia explicar o ponto anterior quando a própria Receita Federal cobrou do contribuinte quantia que aquela acha que foi auferida pela dependente, sua esposa (A Receita Federal não precisou do Município para chegar a equivocada conclusão de cobrar do contribuinte quantia que a mesma acha ser vinculada por também equivocada responsabilidade solidária); A quatro, que se ouve danos ao contribuinte e sua esposa estes devem cobrar de quem indevidamente os cobram, e se a União foi levada a erro pelo Município cabe a ela acionar este para lhe indenizar.
O que se confirma pela regulamentação exposta no art. 6º do Decreto nº 6.135, de 2007[2] (Brasil, 2007), e pela Portaria nº 177, de 16 de junho de 2011 (Brasil, 2011), do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, que define procedimentos para a gestão do CadÚnico, e assim dispõe: (...) Art. 22. Cabe ao município e ao Distrito Federal responder pela integridade e veracidade dos dados das famílias cadastradas.
Se cabe ao Município responder pela integridade e veracidade dos dados das famílias cadastradas, então, indubitavelmente, no presente caso, cabe a União entrar com Ação de Indenização por danos ao erário e cobrar do Município tais valores aqui em tela, posto que foi este último que repassou à União dados de família cadastrada que não condiziam com a realidade fática.
É importante salientar que não há fraude no presente caso. Mas sim ineficiência tanto da União como do Município que cadastra as famílias que demandam tais benefícios, posto que da União esperar-se-ia uma conduta de cautela ante o indiscutível fato de que tinha a informação prévia de que a esposa do contribuinte não mais constituía o grupo familiar de sua genitora; e do Município que tinha o dever de homologar a concessão do referido auxílio exigindo-se comprovações, quando da entrevista. Nem mesmo pode-se imputar fraude à genitora da esposa do contribuinte – responsável titular do núcleo familiar originário daquela, posto que o benefício foi concedido automaticamente com base em cadastro prévio do CadÚnico, que conforme já citado foi realizado desde 2002. Na verdade, há uma certa contradição da União quando reconhece que o agente do município tem que realizar uma entrevista e verificar a elegibilidade dos beneficiários, pois é requisito legal, e ao mesmo tempo diz que o auxílio foi pago automaticamente. Contradição esta que beira a confissão de ineficiência!
Assim como ninguém pode se beneficiar de sua torpeza, analogicamente podemos dizer que nenhuma Pessoa Jurídica de Direito Público pode se beneficiar de sua ineficiência.
Logo, havendo o conhecimento prévio da situação de casada; seu endereço em função dos filhos (conforme Declaração de IR 2018 para cá) e do dever de coabitação exigido pelo Código Civil[3], informações estas previamente conhecidas pela Receita Federal; indubitável é o afastamento da Responsabilidade Solidariedade no presente caso; conclusão outra não há, pois, que houve erro no serviço por falta de prudência e razoabilidade.
DA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA VERDADE MATERIAL E INDEVIDA PRESUNÇÃO DE ATO ILÍCITO
O princípio da verdade material deverá subsidiar o processo administrativo, devendo a autoridade julgadora buscar a realidade dos fatos. Nesse sentido, uma vez impugnado o lançamento a autoridade julgadora na esfera administrativa deveria considerar a realidade dos fatos. No entanto, a Receita Federal, frequentemente, queda-se por mais de ano a silenciar.
A Receita Federal, quase que frequentemente, o que é reconhecido por quem vivencia a prática tributária, por mais de ano atrasa a julgar a impugnação ao lançamento de casos como o aqui exposto, talvez, porque não queira se deparar com tal princípio e solicitar mais informações aos autores. É possível a autoridade julgadora diligenciar em processo administrativo e fazer prevalecer o princípio da verdade material. Se isso fosse feito, inexoravelmente teria que reconhecer a verdade dos fatos e devolver a quantia indevidamente cobrada.
Em monografia publicada no I PRÊMIO CARF DE MONOGRAFIAS EM DIREITO TRIBUTÁRIO – 2010, pela própria Fazenda da União, reconhece-se que:
A verdade material é o princípio através do qual se busca desvendar os fatos ocorridos, sobre os quais se enfrentam os sujeitos da relação jurídico-tributária, tanto nos processos de auto de infração, como nas decisões administrativas em pedidos de restituição, compensação, etc.[4] (Brasil, 2010, p. 4)
A professora Cleide Previtalli Cais argúi que: Nas palavras de Alberto Xavier, "o processo administrativo de impugnação tem por fim a descoberta da verdade material relativa aos fatos tributários; nele, os particulares intervêm na produção das provas no exercício de um direito de audiência; é conduzido pela Administração fiscal que nele enverga as roupagens de órgão judicante; desenvolve-se segundo um princípio contraditório; e culmina com a prática de um ato estritamente vinculado, que traduz um juízo subjuntivo de aplicação da lei, em muitos pontos semelhante à sentença de um tribunal".[5] (Brasil, 2010, p. 18-19)
Por fim, a referida monografia tem por conclusão que:
Por outro lado, os órgãos de julgamento administrativo, ao examinarem os atos administrativos submetidos a sua apreciação, não devem ter como única finalidade a manutenção do crédito tributário ou a punição dos infratores.[6] (Brasil, 2010, p. 68)
Conclui-se, pois, que no presente caso da Receita Federal não quer reconhecer seu erro, mesmo flagrante e sendo de seu conhecimento a verdade material, no intuito de a qualquer custo receber seu crédito.
DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DO DEVER DO SERVIDOR QUE APUROU A INCONSISTÊNCIA DE SER DILIGENTE
Apesar de no processo administrativo, sobretudo o impulsionado pela Receita Federal, não haver a garantia do contraditório e da ampla defesa, é dever ético do servidor público federal – e no caso também do servidor que fez a apuração da inconsistência que levou a cobrança – de ser eticamente comprometido com a verdade. Toda pessoa tem direito à verdade.
Assim reza o Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal:
VIII - Toda pessoa tem direito à verdade. O servidor não pode omiti-la ou falseá-la, ainda que contrária aos interesses da própria pessoa interessada ou da Administração Pública. Nenhum Estado pode crescer ou estabilizar-se sobre o poder corruptivo do hábito do erro, da opressão ou da mentira, que sempre aniquilam até mesmo a dignidade humana quanto mais a de uma Nação. (DECRETO Nº 1.171, DE 22 DE JUNHO DE 1994. Aprova o Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal.) (Brasil, 1994).
Depreende-se, pois, que o servidor público não pode omitir a verdade – in casu, previamente conhecida pela Receita Federal em Declarações de IR do contribuinte – mesmo que contrárias aos interesses da Administração Pública. No momento da apuração do fato, o servidor, ao cruzar dados, com certeza, na maioria dos casos, se atem apenas em reaver o valor devido, presumindo, in casu, que por ser declarada como dependente, a esposa do contribuinte teria responsabilidade solidária.
A verdade, porém, facilmente identificada – o que poderia ser realizada por servidor um pouco mais diligente – é que a esposa do contribuinte, no caso aqui analisado, de fato, não coabita com a Responsável Familiar beneficiária do Auxílio Emergencial cobrado.
No momento da concessão, também, o servidor poderia ter sido mais cuidadoso e ter verificado nos dados fornecidos pela Receita Federal – conforme §1º do art. 7º do Decreto nº 10.661, de 26 de março de 2021 (Brasil, 2021); Art. 8º da Medida Provisória nº 1.000, de 2 de setembro de 2020 (Brasil, 2020a) – se a beneficiária do Auxílio Emergencial em comento, e seus dependentes, atendiam aos requisitos legais de elegibilidade. O que não foi feito, posto que se fosse o contrário, o contribuinte e sua esposa não estariam sofrendo tal cobrança.
No mais, segundo o Manual de Conduta do Agente Público Civil do Poder Executivo Federal, divulgado pela Portaria nº. 15.543, de 02 de julho de 2020, são Princípios Básicos, além de outros, que informam o conjunto de condutas esperadas no exercício de suas atribuições, nos termos da legislação vigente:
Justiça: como ideal de interação social, baseado no equilíbrio, na razoabilidade e na imparcialidade;
Honestidade: como atributo daquele que age com franqueza e se compromete com a verdade (Brasil, 2020b);
Depreende-se, pois, que flagrante é, no caso supramencionado, o total descomprometimento com a verdade dos servidores envolvidos na apuração da inconsistência alegada, seja na fase de concessão de auxílio, seja na fase de cobrança. Verdade facilmente identificável no caso em comento.
O fato de ser legal a não abertura para o contraditório e ampla defesa em procedimentos de apuração da Receita Federal não exime o servidor público federal do dever de honestidade e comprometimento com a verdade.
Ainda que de não intencional – que se daria por servidor que preza pelo interesse da administração pública a qualquer custo – tal conduta não é eticamente esperada do servidor público, que diante de informação pública e de seu conhecimento não deve omiti-la ou desconsiderá-la a fim de resguardar o interesse público, e assim, ainda que não intencional, prejudicar o administrado.
Tal conduta, flagrante no caso aqui delatado, é totalmente e eticamente repudiada na administração pública, capaz de ferir grosseiramente a dignidade humana dos administrados, que tem o direito inconteste da verdade. Não garantir tal direito é macular pessoas honestas ao julgamento e descrédito social perante seus pares.
Sendo, pois, dever o comprometimento com a verdade, nesse caso específico, deveria agir com prudência e razoabilidade a Receita Federal ou o Ministério da Cidadania e permitir uma justificativa prévia para que a pessoa que foi colocada como dependente por terceiro tenha a oportunidade de se justificar.
DA RESPONSABILIDADE DO ÓRGÃO CONCESSOR DE VERIFICAR A ELEGIBILIDADE DOS BENEFICIÁRIOS
Cremos que a atividade de cruzar dados, a fim de identificar inconsistências no auferimento de renda em tela, não pode ser uma atividade simplista e desarrazoada, em que a simples constatação de que um dependente é possivelmente solidário a um eventual devedor beneficiário de auxílio emergencial, podendo-lhe imputar a qualidade de beneficiário e devedor.
É necessária prudência por parte da Receita Federal para que não haja constrangimentos como os sofridos em casos semelhantes ao aqui analisado. Não se pode presumir que uma pessoa declarada como dependente por terceiro seja, de plano, considerada solidária por se pensar que tem interesse comum com este último.
A Receita Federal deve adotar uma postura prudente, nesse caso específico, que se distingue completamente dos casos de devedores de tributos ou não de débitos de Dívida Ativa, em que tais presunções são perfeitamente coerentes com o ordenamento pátrio.
Desse modo, observamos que várias normas pós Pandemia estabeleceram que a responsabilidade de verificar as condições para auferir tal auxílio emergencial seria sempre dos órgãos responsáveis pela concessão do benefício, como por exemplo:
MEDIDA PROVISÓRIA Nº 1.000, DE 2 DE SETEMBRO DE 2020
Art. 8º Os órgãos públicos federais disponibilizarão as informações necessárias à verificação da manutenção dos requisitos para concessão do auxílio emergencial residual constantes das bases de dados de que sejam detentores, observadas as disposições da Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018. (Brasil, 2020a).
MEDIDA PROVISÓRIA Nº 1.039, DE 18 DE MARÇO DE 2021[7]
Art. 1º. [...] § 2º O Auxílio Emergencial 2021 não será devido ao trabalhador beneficiário indicado no caput que:
[...]
IV - seja membro de família que aufira renda mensal total acima de três salários mínimos;
[...]
§ 3º Para fins da verificação do não enquadramento nas hipóteses previstas no § 2º, serão utilizadas as informações mais recentes disponíveis nas bases de dados governamentais no momento do processamento, conforme disposto em ato do Ministro de Estado da Cidadania.
§ 4º O cidadão que tenha sido considerado elegível na verificação de que trata o § 3º terá sua elegibilidade automaticamente revisada nos meses subsequentes por meio da confirmação do não enquadramento nas hipóteses previstas nos incisos I, II, X e XII do § 2º (Brasil, 2021b).
DECRETO Nº 10.661, DE 26 DE MARÇO DE 2021
[...]
Art. 4º O Auxílio Emergencial 2021 não será devido ao trabalhador que, no momento da verificação dos critérios de elegibilidade:
[...]
IV - seja membro de família que aufira renda mensal total acima de três salários mínimos;
[...]
VI - no ano de 2019, tenha recebido rendimentos tributáveis acima de R$ 28.559,70 (vinte e oito mil quinhentos e cinquenta e nove reais e setenta centavos);
IX - tenha sido incluído, no ano de 2019, como dependente de declarante do Imposto sobre a Renda de Pessoa Física enquadrado nas hipóteses previstas nos incisos VI, VII ou VIII, na condição de:
a) cônjuge;
[...]
§ 3º Para fins de verificação do não enquadramento nas hipóteses previstas no caput, serão utilizadas as informações mais recentes disponíveis nas bases de dados governamentais no momento do processamento, conforme o disposto em ato do Ministro de Estado da Cidadania.
[...]
Art. 6º Para a execução do disposto neste Decreto, compete:
[...]
II - ao Ministério da Economia, autorizar empresa pública federal de processamento de dados a utilizar as bases de dados previstas neste Decreto necessárias para a verificação dos critérios de elegibilidade dos beneficiários, e a repassar o resultado dos cruzamentos realizados à instituição financeira federal responsável pela operacionalização do pagamento e ao Ministério da Cidadania; e
[...]
Art. 7º Os critérios de elegibilidade de que trata o art. 4º serão avaliados para fins de concessão do Auxílio Emergencial 2021, observadas as seguintes regras:
[...]
V - não ter renda familiar per capita acima de meio salário-mínimo, consideradas as informações de renda dos componentes do grupo familiar contidas nas bases de dados oficiais, observado o disposto no § 2º; (Brasil, 2021a).
É de se notar que se a responsabilidade é dos órgãos federais de concessão do referido benefício de verificar a elegibilidade para auferi-lo, não se pode presumir que uma ex-dependente seja responsável por atualizar os dados cadastrais do órgão concessor, cobrando-o, solidariamente, valores que o mesmo nunca auferiu ou se beneficiou, sob pena de se referendar uma presunção odiosa de que o mesmo fraudou. Pois, se estão cobrando da mesma é porque entendem que ela se beneficiou.
Uma simples conferida nas Declarações de IR do contribuinte aqui exemplificado – e é assim que a Receita Federal consegue direcionar tal cobrança – poderia evitar o grande constrangimento por qual os sujeitos do exemplo neste analisado passaram, posto que a coabitação desde 2018 entre o contribuinte e sua esposa é óbvia, por serem casados.
E mais, tal constrangimento poderia ser evitado se as leis supramencionadas fossem devidamente respeitadas pelos órgãos federais responsáveis pela concessão do benefício em comento, posto que se fosse verificado no momento da concessão, que no exemplo em tela teria sido em 2020, a responsável familiar nem teria recebido tal valores, bem como a sua filha, aqui esposa do contribuinte, não teria recebido tal cobrança.
E pasmem! Conforme o trecho legal do Decreto nº 10.661, de 26 de março de 2021:
Art. 7º Os critérios de elegibilidade de que trata o art. 4º serão avaliados para fins de concessão do Auxílio Emergencial 2021, observadas as seguintes regras: [...] § 1º A SECRETARIA ESPECIAL DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL DO MINISTÉRIO DA ECONOMIA DISPONIBILIZARÁ AS BASES DE DADOS NECESSÁRIAS PARA A VERIFICAÇÃO DOS CRITÉRIOS DE ELEGIBILIDADE A QUE SE REFEREM OS INCISOS VI A IX DO CAPUT DO ART. 4º, FORNECIDAS POR MEIO DE RESPOSTAS BINÁRIAS QUANDO SE TRATAR DE INFORMAÇÃO PROTEGIDA POR SIGILO. (Brasil, 2021a).
Ora! As normas legais exigem que a própria administração pública, no momento da concessão, passe o “pente fino” e verifique a elegibilidade do beneficiário do auxílio em comento.
Nesse sentido, uma pessoa que é colocada num cadastro do governo por terceiro, e sendo obrigação da administração pública federal verificar se tal pessoa se enquadra como dependente, não pode ser responsabilizada por devolução de valores. Nessa verificação, inclusive, poderia ser questionado pelo servidor que colheu os dados a informação fornecida pela Receita Federal de que uma das integrantes do núcleo familiar é casada e, por obvio, coabitam com terceiro, constituindo novo núcleo familiar distinto do primeiro.
Hialino é, pois, o erro da administração nestes casos.
DA RESPONSABILIDADE CIVIL DA UNIÃO POR DANOS MORAIS
Para o reconhecimento da responsabilidade civil por danos morais em casos como o aqui exposto, é necessária a existência dos requisitos a seguir expostos:
a) conduta ilegal e lesiva;
b) dano efetivo e anormal;
c) relação de causalidade entre a conduta e o dano;
d) culpa ou dolo do agente;
e) ausência de causa excludente de responsabilidade.
O que se enquadra perfeitamente no exemplo aqui analisado. Senão, vejamos:
A CONDUTA ILEGAL E LESIVA se configura pelo fato de a Receita Federal se valer de presunção ilegal, sem meios de prova, baseando unicamente no achismo, de forma a lesar terceiro não integrante a relação jurídica que gerou a obrigação de devolver o auxílio emergencial em tela. É indubitável que no caso em tela a esposa do contribuinte não constitui de fato uma integrante de grupo familiar da representante familiar de seu núcleo familiar originário (genitora e irmãos que já não mais coabitam com ela) – fato este conhecido pelo Fisco desde 2018; muito menos seu cônjuge, contribuinte, afastando-se de ambos qualquer alegação de responsabilidade solidária. Acrescente-se a este argumento o fato de que a Receita Federal está fundamentando seu agir com uma presunção relativa, que necessitaria de provas. Age como se tivesse uma presunção legal, que não necessitaria de provas. Não traz nenhuma prova porquê sendo o fato inexistente, não há. E se sua presunção não decorre da lei, e não traz provas, conclusão não há que sua conduta, in casu, foi ilegal e lesiva aos autores;
O DANO EFETIVO E ANORMAL também está presente haja vista que não é normal o cidadão de bem desembolsar quantia que equivale a quase metade de seu salário por mero capricho do Fisco que quer a qualquer custo a devolução de Auxílio concedido equivocamente por culpa sua ou de seus parceiros. O dano é efetivo porque desde o referido fato o contribuinte e sua esposa passaram por dificuldades financeiras e nunca mais se equilibraram. Posto que a partir do mês que desembolsaram quantia alta de sua renda para pagar quantia indevida passaram a viver do cartão de crédito. Não havendo mais margem para planejarem objetivos a longo prazo. Sem falar na discussão no ceio de uma família feliz gerada pela desconfiança de tal cobrança e a vergonha de um contribuinte de reputação ilibada, numa cidade pequena, ter que devolver quantia indevidamente cobrada perante funcionário de banco que o conhece. Não há dúvida que o desembolso de quantia que representa mais de um terço da renda do contribuinte lhe causa danos. Não há dúvidas que um pai de família e sua esposa numa situação como a exposta se sentem totalmente sem chão, ansiosos e oprimidos ante as dificuldades financeiras de ter mais de um terço de suas rendas perdidas para o Fisco, de forma indevida. Com isso, flagrante é a falta de razoabilidade e normalidade no presente caso. Quanto ao dano moral, é normal ir ao banco pagar DARJ de multas; pagar impostos; débitos; etc. Agora ir ao banco pagar DARJ de devolução de Auxílio Emergencial – e no boleto estando expresso a finalidade conforme documentos juntados aos autos – que leva a interpretações: ou de que a pessoa fraudou ou de que imoralmente se beneficiou de auxílio destinado aos pobres e miseráveis, não é nem normal, nem razoável;
O mesmo se observa da RELAÇÃO DE CAUSALIDADE ENTRE A CONDUTA E O DANO, posto que se o servidor da Receita Federal tivesse a paciência de ser diligente e analisar o caso de uma forma mais responsável, constataria facilmente que os autores não são de fato integrantes do grupo familiar que se beneficiou do Auxílio Emergencial indevidamente cobrado. Tal informação, no exemplo aqui exposto, seria de conhecimento da Receita Federal desde as Declarações de IR de 2018. Não havendo como a Fazenda negar. Também se a União fiscalizasse os Municípios, ainda que por amostragem, certamente os órgãos municipais se padronizariam às exigências legais para homologar a elegibilidade dos eventuais beneficiários do Auxílio Emergencial. Se não fosse assim certamente o contribuinte e sua esposa não sofreriam a referida cobrança indevida e não passariam pela dificuldade financeira que passaram em decorrência do retromencionado. Permaneceriam como sempre foi, antes do fato em comento, organizando suas vidas sem precisar da totalidade do cartão de crédito. No mesmo sentido não passariam pela vergonha de devolver valor que moralmente, se o fato fosse realmente verdadeiro, causaria repulsa e nojo à sociedade;
Quanto a CULPA OU DOLO DO AGENTE, devido ao até aqui exaustivamente exposto, bem como a AUSÊNCIA DE CAUSA EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE, pode-se concluir que não estão presentes tais excludentes.
DA NÃO CONFIGURAÇÃO DE MERO ABORRECIMENTO
A situação fática aqui estudada configura desrespeito e abalo que, à toda evidência, supera o mero aborrecimento da vida em sociedade. O fato aqui exemplificado gera diversos sentimentos no contribuinte, e não é preciso um parecer de um psicólogo para constatar isso! Basta empatia!
Qualquer pessoa que se imagine receber uma cobrança indevida, que se fosse verdadeira, configuraria uma constatação de uma conduta imoral dela, certamente se sentiria humilhada, diminuída, e em estado de vergonha profunda.
Saliente-se que o contribuinte, no caso aqui analisado, não recebeu uma simples cobrança e pronto! Isso sim configuraria mero aborrecimento. Ele recebeu além da cobrança – que nem si quer seria de sua titularidade – um boleto Darf com descrição da finalidade: DEVOLUÇÃO DE AUXÍLIO EMERGENCIAL.
Que conclusões o caixa do banco de uma pequena cidade interiorana, em que as pessoas públicas, como o contribuinte que é servidor, se conhecem, teve ao receber tal Darf e efetuar o pagamento?
No mínimo:
a) Esse servidor não precisa desse auxílio e recebeu? Que imoral!;
Ou na pior das hipóteses:
b) que crime!
Logo, vê-se que a mera cobrança – que poderia se configurar mero aborrecimento, está associada a outro constrangimento – o de se dirigir ao banco para pagar um Darf que expressamente revela a finalidade – DEVOLUÇÃO DE AUXÍLIO EMERGENCIAL.
O que o contribuinte passou no caso em tela não se trata de mero aborrecimento cotidiano, insatisfação, desconforto, dissabor ou mágoa. O contribuinte ao se deparar frente a frente com outro servidor público – o caixa do banco – cuja qualidades morais se assemelham, não ficou meramente insatisfeito, magoado ou desconfortável. Se sentiu humilhado ao ser obrigado a devolver valor que não deve, que se fosse devido o colocaria na qualidade de imoral, sem escrúpulos, insensível com a causa social.
E repito! O próprio boleto Darf, por constar a finalidade DEVOLUÇÃO DE AUXÍLIO EMERGENCIAL é flagrante e comprovador de toda a humilhação que contribuinte passou ao desembolsar tal valor frente ao caixa do banco.
É difícil imaginar que haja argumentos para dizer que isso é mero aborrecimento! Pois é flagrante a exposição vexatória ou ridícula que o autor passou perante o meio social em que vive.
O ilícito aqui denunciado exacerba a naturalidade dos fatos da vida. Todo dia a Receita Federal cobra indevidamente de cidadãos que não são isentos de IR, por exemplo, por algum erro de cálculo ou edificação do sujeito passivo. Mas pode-se garantir que no cotidiano de referidos casos com certeza os injustiçados “devedores” não pagam Darf’s descrevendo a finalidade DEVOLUÇÃO DE AUXÍLIO EMERGENCIAL (que repito, conduta enseja interpretações no sentido de julgá-lo alguém que é ou criminoso ou imoral).
O que observamos nos Darf’s frequentemente editados pela Receita Federal é a informação que se refere a quotas ou multa. Não se vê Darf’s informando o motivo da multa ou o fato que gerou a imposição do pagamento da quota. E isso é notório para quem realiza todo ano a Declaração de IR e um ano ou outro cai na malha fina.
Desse modo não é forçoso concluir que o contribuinte teve grande abalo aos seus Direitos da Personalidade: sua imagem perante a sociedade; sua dignidade de homem honesto e trabalhador; bem como sua honra e sua intimidade, posto que foi exposto a situação vexatória de pagar Darf com a menção expressa de sua finalidade: DEVOLUÇÃO DE AUXÍLIO EMERGENCIAL.
Está mais que demonstrado o abalo psíquico que, inclusive, supera as raias do mero aborrecimento da vida em Sociedade.
Destarte, a demora de mais de um ano para solucionar a falha no serviço, na verdade resistida pela Receita Federal que ainda contesta perante a Justiça, é, por si só, ensejadora de dano moral indenizável (in re ipsa).
No mais, em complemento ao retromencionado, diante da inércia da Receita Federal em solucionar a questão, deixando o contribuinte sem a devida recomposição do seu patrimônio dentro de um prazo razoável, o que seria mero aborrecimento passa a se caracterizar como dano moral passível de indenização.
Entendimento contrário, contudo, não observa os requisitos argumentativos que frequentemente são aludidos na jurisprudência, limitando-se a apenas classificar os fatos como mero aborrecimento, sem se ater aos fatos e argumentos supracidados.
É o que se depreende das seguintes jurisprudências:
RESPONSABILIDADE CIVIL. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. PERMANÊNCIA EM FILA DE BANCO. MERO ABORRECIMENTO. DANO MORAL INDEVIDO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA REFORMADA. RECURSO DA CEF PROVIDO
1.[...].
2. A permanência em fila do banco, por maior incômodo que cause, não é capaz de atingir a dignidade da pessoa humana, tendo em vista que, considerando as regras de experiência, não é capaz de causar uma dor íntima capaz de justificar uma condenação a título de dano moral.
3. Assim, no caso dos autos, em sua petição, a parte autora alega apenas a falha na prestação do serviço bancário, não apontando qualquer abalo que viesse a condenar da instituição bancária em danos morais.
4.Esta Turma Recursal entende que, o simples fato de ter esperado por atendimento bancário por tempo superior ao previsto ordinariamente, desassociada de outro constrangimento, consubstancia mero aborrecimento que não enseja indenização por danos morais.
5. Assim, inexistente prova ou demonstração de abalo moral ou situação constrangedora decorrente do tempo de espera em fila de banco, é de se reconhecer como indevida a condenação em danos morais.
6. Súmula do julgamento: A Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais da Seção Judiciária da Paraíba, reunida em sessão de julgamento ocorrida na data constante da aba “Sessões Recursais” destes autos virtuais, por unanimidade de votos, deu provimento ao recurso da CEF para julgar improcedente o pedido da parte autora.
(Primeira Turma – JFPB; Data de Julgamento: 04/06/2021 Recurso provido; nº. do Processo: 0500178-06.2021.4.05.9820; Relator: RUDIVAL GAMA DO NASCIMENTO) (Brasil, 2021c).
Observa-se, portanto, que para que se afaste a hipótese de MERO ABORRECIMENTO, deve-se apontar o abalo bem como demonstrar situação constrangedora. E é justamente o que hialinamente se demonstra pelos fatos narrados até aqui, em especial o boleto Darf com a expressa finalidade: DEVOLUÇÃO DE AUXÍLIO EMERGENCIAL.
Do mesmo modo, se observa em outros diversos julgados:
RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MORAIS. CEF. COMPRA NÃO AUTORIZADA NO CARTÃO DE CRÉDITO DA AUTORA. PROBLEMA TRANSITÓRIO NA TARJA MAGNÉTICA. MERO ABORRECIMENTO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DOS DANOS. APELAÇÃO IMPROVIDA. 1. O dano moral, apesar de sua subjetividade, não deve ser confundido com um mero aborrecimento, irritação, dissabor ou mágoa. Ele só se caracteriza quando a dor, o vexame, o sofrimento ou a humilhação fuja da realidade de uma maneira que chegue a interferir intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústias e desequilíbrio em seu bem estar. 2. Falha na tarja magnética do cartão de crédito reconhecida. Problema de ordem transitória. Ausência de comprovação de dano moral. Mero aborrecimento. 3. Apelação improvida. (AC 200481000207161, Desembargador Federal Rogério Fialho Moreira, TRF5 - Primeira Turma, DJ - Data::18/03/2009 - Página::375 - Nº::52.)
Civil. Responsabilidade civil. A pretensão recursal visa ao pagamento de indenização por danos morais, decorrentes da negativa de autorização de compra, por parte da operadora do Cartão de Crédito Mastercard, e duplo lançamento na fatura em relação ao mesmo débito, que teria culminado com a inscrição de nome em cadastro de inadimplentes [SINAD]. 1. A negativa da autorização de compra em cartão de crédito, por si só, não é causa de agressão a auto-estima e a valores subjetivos da pessoa, sem que dele haja outras conseqüências, como, por exemplo, a inclusão do nome em órgão de proteção ao crédito, cuidando-se de situação causadora de mero aborrecimento, desconforto e insatisfação ao autor, sem representar exposição vexatória ou ridícula perante o meio social em que vive, não havendo lugar para indenização por danos morais. 2. No caso, a inclusão do nome da parte autora em cadastro de inadimplentes da Caixa Econômica Federal [SINAD] tem motivação em outros débitos do cartão de crédito, sem nenhuma relação com o valor das compras não autorizadas, objeto desta ação, não incorrendo a instituição financeira em ilícito capaz de resultar em dano moral. 3. Apelação improvida. (AC 200480000033600, Desembargador Federal Vladimir Carvalho, TRF5 - Terceira Turma, DJE - Data::14/10/2010 - Página::594.)
É indubitável, pois, que para se classificar um fato como mero aborrecimento deve-se constatar a existência das situações negritadas nos Acórdão acima citados.
Ora!
Como não dizer que o contribuinte, no caso aqui analisado, não passou por EXPOSIÇÃO VEXATÓRIA ao se dirigir ao banco, numa cidade pequena onde todos se conhecem, e apesentar ao caixa um Darf com expressa menção da finalidade: DEVOLUÇÃO DE AUXÍLIO EMERGENCIAL? Como não reconhecer que referida situação é HUMILHANTE para um servidor público que tem como dever atuar com moralidade e legalidade? Como não admitir que o recorrente não ficou AFLITO ao ter que desembolsar quantia quase metade de seu salário? E, pelo mesmo motivo, teve DESEQUILÍBRIO DE SEU BEM ESTAR?
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O caso aqui analisado, decorrente de uma situação verídica, é o que acontece frequentemente com vários administrados. É algo que não se pode admitir ante ao flagrante desrespeito à dignidade humana dos contribuintes. A administração pública não pode engendrar uma cobrança de valores supostamente devidos – muitas vezes por motivações meramente em interesses de reaver receita a qualquer custo – baseada unicamente em suposições ou presunções.
O princípio da verdade também deve ser respeitado pelo servidor público que a partir de sua decisão pode modificar, prejudicar ou desequilibrar a vida do administrado/contribuinte. Não se pode dar caráter de validade a presunções que incriminam ou desqualificam moralmente o administrado/contribuinte. Tais presunções não são admitidas no Direito.
Destarte, flagrante e indubitável o erro, é dever da administração pública – mesmo a da área fiscal – revogar seus atos e reestabelecer o status quo do administrado/contribuinte, sob pena de contribuir para situações injustas em que há desmoralização da personalidade e/ou comprometimento da capacidade financeira daquele.
O presente trabalho, pois, abre a discussão para estudarmos situações semelhantes e criarmos critérios que afastem tal conduta odiosa da administração pública em casos semelhantes.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Juizados Especiais Federal da Paraíba. RESPONSABILIDADE CIVIL. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. PERMANÊNCIA EM FILA DE BANCO. MERO ABORRECIMENTO. DANO MORAL INDEVIDO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA REFORMADA. RECURSO DA CEF PROVIDO. Primeira Turma – JFPB; Data de Julgamento: 04/06/2021c. Recurso provido; nº. do Processo: 0500178-06.2021.4.05.9820; Relator: Rudival Gama do Nascimento.
BRASIL. Decreto nº 1.171, de 22 de junho de 1994. Aprova o Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal. Brasília, 22 de junho de 1994. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d1171.htm. Acesso em: 31 ago. 2025.
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Brasília, 10 de janeiro de 2002. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em: 31 ago. 2025.
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BRASIL. Decreto nº 6.135, de 26 de junho de 2007. Dispõe sobre o Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal e dá outras providência |
Brasília, 26 de junho de 2007. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/decreto/d6135.htm. Acesso em: 31 ago. 2025.
BRASIL. Tribunal Regional Federal da 5ª região. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MORAIS. CEF. COMPRA NÃO AUTORIZADA NO CARTÃO DE CRÉDITO DA AUTORA. PROBLEMA TRANSITÓRIO NA TARJA MAGNÉTICA. MERO ABORRECIMENTO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DOS DANOS. APELAÇÃO IMPROVIDA. AC 200481000207161, Desembargador Federal Rogério Fialho Moreira, TRF5 - Primeira Turma, DJ - Data::18/03/2009 - Página::375 - Nº::52.
BRASIL. Tribunal Regional Federal da 5ª região. Civil. Responsabilidade civil. A pretensão recursal visa ao pagamento de indenização por danos morais, decorrentes da negativa de autorização de compra, por parte da operadora do Cartão de Crédito Mastercard, e duplo lançamento na fatura em relação ao mesmo débito, que teria culminado com a inscrição de nome em cadastro de inadimplentes [SINAD]. AC 200480000033600, Desembargador Federal Vladimir Carvalho, TRF5 - Terceira Turma, DJE - Data::14/10/2010 - Página::594.)
BRASIL. Fazenda. A preclusão e a verdade material no processo administrativo tributário. I prêmio CARF de monografias em Direito Tributário – 2010. Disponível em: http://idg.carf.fazenda.gov.br/publicacoes/monografias/paf-a-preclusao-e-a-verdade-material-no-paf.pdf. Acesso em: 31 ago. 2025.
BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Portaria nº 177, de 16 de junho de 2011. Brasília, 20 de junho de 2011. Disponível em: https://www.gov.br/mds/pt-br/acesso-a-informacao/legislacao/antigos/portaria-ndeg-177-de-16-de-junho-de-2011/copy_of_Portarian177MDSde16dejunhode2011_ATUALIZADA.pdf. Acesso em: 31 ago. 2025.
BRASIL. Medida Provisória nº 1.000, de 2 de setembro de 2020. Institui o auxílio emergencial residual para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (covid-19) responsável pelo surto de 2019, a que se refere a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020. Brasília, 2 de setembro de 2020. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/Mpv/mpv1000.htm. Acesso em: 31 ago. 2025.
BRASIL. Ministério da Economia. Portaria nº. 15.543, de 02 de julho de 2020. Manual de Conduta do Agente Público Civil do Poder Executivo Federal. Brasília, 06 de julho de 2020b. Disponível em: https://www.gov.br/mec/pt-br/media/acesso_informacacao/pdf-portarias/portaria-me-n-15-543-de-2-jul-2020-manual-de-conduta.pdf/view. Acesso em: 31 ago. 2025.
BRASIL. Decreto nº 10.661, de 26 de março de 2021. Regulamenta a Medida Provisória nº 1.039, de 18 de março de 2021, que institui o Auxílio Emergencial 2021 para o enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (covid-19). Brasília, 26 de março de 2021a. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/decreto/d10661.htm. Acesso em: 31 ago. 2025.
BRASIL. Medida Provisória nº 1.039, de 18 de março de 2021. Institui o Auxílio Emergencial 2021 para o enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (covid-19). Brasília, 18 de março de 2021b. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/mpv/mpv1039.htm. Acesso em: 31 ago. 2025.
BRASIL. Decreto nº 11.016, de 29 de março de 2022. Regulamenta o Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal, instituído pelo art. 6º-F da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993. Brasília, 29 de março de 2022. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2022/Decreto/D11016.htm#art15. Acesso em: 31 ago. 2025.
[1] Pós-graduada em Ciências Penais pela Universidade Anhanguera – Uniderp, em parceria com Instituto Panamericano de Política Criminal - IPAN; Graduada em Direito pela Associação Caruaruense de Ensino Superior (2008). Foi Conciliadora e Mediadora do TJPE de 2012 à 2013. É Auditora Fiscal de Receitas do Município de Pesqueira-PE. E-mail: ancrms@hotmail.com. Lattes: https://lattes.cnpq.br/7197740471939969
[2] Foi revogado pelo Decreto nº 11.016, de 29 de março de 2022 e que regulamenta o Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal, instituído pelo art. 6º-F da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993 (Brasil, 2022).
[3] CC/2002: Art. 1.548. É nulo o casamento contraído: [...] V - realizado pelo mandatário, sem que ele ou o outro contraente soubesse da revogação do mandato, e não sobrevindo coabitação entre os cônjuges; [...]. Art. 1.576. A separação judicial põe termo aos deveres de coabitação e fidelidade recíproca e ao regime de bens.
[4] http://idg.carf.fazenda.gov.br/publicacoes/monografias/paf-a-preclusao-e-a-verdade-material-no-paf.pdf
[5] http://idg.carf.fazenda.gov.br/publicacoes/monografias/paf-a-preclusao-e-a-verdade-material-no-paf.pdf
[6] http://idg.carf.fazenda.gov.br/publicacoes/monografias/paf-a-preclusao-e-a-verdade-material-no-paf.pdf
[7] ATO DECLARATÓRIO DO PRESIDENTE DA MESA DO CONGRESSO NACIONAL Nº 53, DE 2021. O PRESIDENTE DA MESA DO CONGRESSO NACIONAL, nos termos do parágrafo único do art. 14 da Resolução nº 1, de 2002-CN, faz saber que a Medida Provisória nº 1.039, de 18 de março de 2021, que "Institui o Auxílio Emergencial 2021 para o enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (covid19)", teve seu prazo de vigência encerrado no dia 15 de julho de 2021. Congresso Nacional, em 16 de julho de 2021. Senador Rodrigo Pacheco
Presidente da Mesa do Congresso Nacional. Este texto não substitui o publicado no DOU de 19.7.2021.
Mestre em Ciências Jurídicas pela Veni Creator Christian University - VCCU; Pós-graduando em Direito Público: Constitucional, Administrativo, Tributário e Previdenciário pela UFPE - Universidade Federal de Pernambuco (Turma TJPE/ESMAPE); É Pós-graduado em Advocacia na Fazenda Pública pela LEGALE; em Execução de Ordens Judiciais pelo Centro Universitário Mário Pontes Jucá - UMJ; em Direito Processual Civil pela UNINASSAU, em parceria com a ESA-PE/OAB-PE; em Direito Público e em Direito do Estado pela Universidade Anhanguera-Uniderp; em Direito Ambiental pela Faculdade Venda Nova do Imigrante - FAVENI; em Perícia Judicial e Extrajudicial e Perícias de Avaliação Patrimonial de Bens e Direitos, pela FACUMINAS; e em Docência e Gestão da Educação a Distância pela Faculdade FOCUS. Graduando em Licenciatura em História pela Universidade Federal Rural de Pernambuco - UFRPE. Bacharel em Direito pela Associação Caruaruense de Ensino Superior - ASCES. É Oficial de Justiça do Tribunal de Justiça de Pernambuco - TJPE.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ALMEIDA, Wellington Santos de. Devolução do auxílio emergencial da pandemia covid-19 por pessoa não mais integrante do grupo familiar: ausência de responsabilidade solidária Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 dez 2025, 04:33. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/69935/devoluo-do-auxlio-emergencial-da-pandemia-covid-19-por-pessoa-no-mais-integrante-do-grupo-familiar-ausncia-de-responsabilidade-solidria. Acesso em: 30 dez 2025.
Por: SABRINA DA SILVA RAMOS
Por: SILVIO LAGO DE MORAES
Por: Alexandre S. Triches

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