FERNANDA FREITAS DE SOUZA DELEGÁ
(orientadora)
RESUMO: Este trabalho analisa a concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC), um direito social garantido pela Constituição Federal de 1988, no âmbito da assistência social, com fundamento na dignidade da pessoa humana. O BPC é concedido a idosos com 65 anos ou mais e a pessoas com deficiência que comprovem não possuir meios de prover o próprio sustento nem receber auxílio familiar, estando em condição de vulnerabilidade socioeconômica. Dessa forma, este estudo busca compreender os critérios adotados para a caracterização da miserabilidade do requerente, fator determinante para a concessão do benefício. Além disso, investiga os motivos mais recorrentes para a negativa do pedido por parte da Previdência Social. A pesquisa foi desenvolvida por meio de revisão bibliográfica, utilizando livros, artigos científicos, doutrinas e jurisprudências, adotando o método dedutivo. O objetivo é evidenciar quais parâmetros são empregados na análise do requerimento e de que maneira as decisões administrativas e judiciais têm interpretado a legislação vigente.
PALAVRAS CHAVE: BPC. Dignidade da Pessoa Humana. Assistência Social. Miserabilidade.
ABSTRACT: This paper analyzes the granting of the Continuous Benefit Payment (BPC), a social right guaranteed by the Federal Constitution of 1988, within the scope of social assistance, based on the dignity of the human person. The BPC is granted to elderly people aged 65 or over and to people with disabilities who prove that they do not have the means to provide for their own sustenance or receive family assistance, and are in a condition of socioeconomic vulnerability. Thus, this study seeks to understand the criteria adopted to characterize the poverty of the applicant, a determining factor for the granting of the benefit. In addition, it investigates the most common reasons for the denial of the request by the Social Security. The research was developed through a bibliographic review, using books, scientific articles, doctrines and case law, adopting the deductive method. The objective is to highlight which parameters are used in the analysis of the request and how administrative and judicial decisions have interpreted the current legislation.
KEYWORDS: BPC. Human Dignity. Social Assistance. Poverty.
A Constituição Federal de 1988 estabelece os direitos sociais, entre os quais se destacam a previdência e a assistência social, previstos nos artigos 203 e 204. Tais dispositivos asseguram a prestação desses benefícios àqueles que deles necessitam, independentemente de contribuição prévia, seja para a seguridade ou para a previdência social. O objetivo central é garantir proteção e a promoção de uma existência digna, em conformidade com o princípio da dignidade da pessoa humana.
A previdência e a assistência social integram o sistema da seguridade social, sendo essenciais para a efetivação dos direitos fundamentais voltados à proteção da coletividade. Nesse contexto, a seguridade social visa amparar e resguardar o indivíduo e sua família diante de contingências como desemprego, enfermidade, idade avançada e extrema vulnerabilidade econômica.
A Lei nº 8.742/1993, posteriormente alterada pela Lei nº 12.435/2011 e por legislações subsequentes, disciplina a concessão de um benefício assistencial equivalente a um salário mínimo para indivíduos com impedimentos de natureza intelectual, física, mental ou sensorial, que dificultem ou impeçam sua participação plena na sociedade e no mercado de trabalho. Da mesma forma, o benefício é devido a idosos com 65 anos ou mais que não possuam meios próprios de subsistência nem recebam amparo familiar.
Para a concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC), exige-se a comprovação da condição de miserabilidade, adotando-se como critério principal a renda familiar per capita inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo, conforme previsto no artigo 20, § 3º, da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS). Esse parâmetro é aplicado pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) na análise dos requerimentos.
Diante desse contexto, o presente estudo tem como foco a inconsistência na aferição do critério econômico para a concessão do BPC. Busca-se evidenciar como a hipossuficiência do requerente é mensurada e de que forma essa análise impacta a efetivação do direito ao benefício assistencial. Ademais, pretende-se demonstrar que o critério de renda atualmente exigido não reflete as reais necessidades da população em situação de vulnerabilidade, considerando a realidade socioeconômica brasileira e o princípio constitucional da proteção social.
Além disso, destaca-se o Cadastro Único (CadÚnico) como instrumento central na identificação e triagem dos beneficiários, sendo sua correta utilização um fator determinante para a efetividade do direito ao BPC. Erros cadastrais, desatualizações e dificuldades de acesso ao sistema configuram entraves relevantes à concessão do benefício.
1.CONCEITO DE BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA (BPC)
No contexto das políticas públicas de assistência social, o Estado desempenha um papel essencial na redução das desigualdades e na promoção do bem-estar coletivo, com foco especial na população mais vulnerável. Os benefícios assistenciais, sobretudo os programas de transferência de renda, são ferramentas fundamentais no combate à pobreza e na garantia de condições dignas de vida.
Entre essas iniciativas, destaca-se o Benefício de Prestação Continuada (BPC), regulamentado pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS). Conforme Monnerat, Gama e Almeida (2020), trata-se de uma política de proteção social que assegura uma renda mínima a idosos e pessoas com deficiência em situação de extrema pobreza, promovendo sua inclusão social e garantindo um nível básico de dignidade.
O BPC foi instituído pela Constituição Federal de 1988 e regulamentado pela Lei nº 8.742/1993 (LOAS). Administrado pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e vinculado ao Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), o benefício se destina a pessoas que não possuem meios de prover sua própria subsistência nem recebem apoio financeiro familiar suficiente (BRASIL, 1993).
1.1 ORIGEM E EVOLUÇÃO
Antes da criação do BPC, a assistência social brasileira contava com a Renda Mensal Vitalícia (RMV), instituída pela Lei nº 6.179/1974. Esse benefício previdenciário atendia pessoas com 70 anos ou mais e indivíduos com incapacidade permanente para o trabalho, desde que atendessem a critérios rígidos de renda e dependência econômica. A RMV foi extinta em 1996, sendo substituída pelo BPC, que ampliou a cobertura e flexibilizou os requisitos de acesso.
A implementação do BPC enfrentou desafios financeiros e administrativos, sendo efetivada somente em 1996, apesar de sua previsão legal desde 1993. Sua operacionalização envolve a participação de diferentes órgãos, com o MDS repassando recursos do Fundo Nacional de Assistência Social (FNAS) ao INSS, responsável pela concessão e pagamento do benefício. Além disso, a Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social (Dataprev) processa os dados e gera estatísticas sobre o programa.
1.1 REQUISITOS E FUNCIONAMENTOS
O BPC garante um salário mínimo mensal a idosos a partir de 65 anos e pessoas com deficiência de qualquer idade, desde que comprovem não ter meios de subsistência. A deficiência, conforme o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015), caracteriza-se por impedimentos de longo prazo, sejam físicos, mentais, intelectuais ou sensoriais, que dificultem a participação plena na sociedade (BRASIL, 2015).
Para acessar o benefício, o requerente deve comprovar que a renda familiar per capita é inferior a ¼ do salário mínimo vigente. No entanto, decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) vêm flexibilizando esse critério, considerando outros fatores para avaliar a vulnerabilidade social do solicitante.
Diferentemente da aposentadoria, o BPC não exige contribuição previdenciária. Contudo, ele não inclui o pagamento de 13º salário e não gera pensão por morte. Além disso, desde a publicação do Decreto nº 8.805/2016, a inscrição no Cadastro Único (CadÚnico) tornou-se obrigatória para a concessão e manutenção do benefício.
1.2 DESAFIOS E IMPACTOS SOCIAIS
Apesar de sua importância, o BPC enfrenta desafios na concessão e revisão dos benefícios. O INSS frequentemente lida com alta demanda e dificuldades operacionais, o que pode resultar em atrasos na análise dos pedidos e na realização de perícias médicas. Para muitos beneficiários, especialmente aqueles com deficiência, o acesso ao benefício é burocrático e pode envolver longos períodos de espera.
Outro desafio está na comprovação da renda familiar, que nem sempre reflete a real vulnerabilidade do requerente. Muitas famílias enfrentam dificuldades para reunir a documentação exigida ou para manter seus dados atualizados no CadÚnico, correndo o risco de ter o benefício suspenso.
O Cadastro Único (CadÚnico), instituído pelo Decreto nº 3.877/2001, é a principal ferramenta de identificação das famílias de baixa renda no Brasil. No entanto, erros cadastrais, exclusões indevidas e a falta de atualização periódica têm sido apontados por órgãos como a Defensoria Pública da União (DPU) como causas recorrentes da negativa indevida de benefícios assistenciais, o que evidencia a necessidade de maior eficiência na sua gestão.
Por outro lado, estudos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2021) demonstram que o BPC tem impacto positivo na redução da pobreza e na melhoria da qualidade de vida dos beneficiários e suas famílias. Ao garantir uma renda mínima, o benefício possibilita acesso à alimentação, saúde e outras necessidades básicas, promovendo maior inclusão social de grupos historicamente marginalizados.
De acordo com Freitas, Souza e Martins (2013), a origem do BPC remonta a uma emenda popular (PE00077-6), apoiada por movimentos sociais, que reuniu mais de 48 mil assinaturas em defesa da concessão de um salário mínimo a idosos e pessoas com deficiência sem recursos financeiros para sua manutenção. Esse caráter de conquista social reforça a necessidade de aprimoramento contínuo do benefício e da redução das barreiras de acesso.
2. OS CRITÉRIOS UTILIZADOS PARA A CONCESSÃO DO BPC
O Benefício de Prestação Continuada (BPC) é uma assistência do governo federal destinada a idosos e pessoas com deficiência em situação de vulnerabilidade social e sem condições de prover sua própria subsistência. Para a concessão desse benefício, há uma série de critérios que devem ser observados, envolvendo aspectos médicos, financeiros e sociais. A seguir, analisamos os requisitos legais que envolvem esse processo, destacando as peculiaridades e os desafios relacionados à concessão do benefício para idosos e pessoas com deficiência.
2.1 O BPC PARA PESSOAS COM DEFICIÊNCIA E A LEGISLAÇÃO
A legislação brasileira estabelece que, para o recebimento do BPC, uma pessoa deve ser considerada deficiente de acordo com a definição da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, incorporada ao ordenamento jurídico do Brasil por meio do Decreto Legislativo nº 186/2008. De acordo com essa convenção, uma pessoa com deficiência é aquela que apresenta impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, que, em interação com barreiras do ambiente, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade.
No Brasil, o Decreto nº 6.949/2009 regulamenta a implementação dessa convenção, e a Lei nº 12.435/2011 detalha que, para ser considerada deficiente para os fins de concessão do BPC, a pessoa deve apresentar um impedimento de longo prazo que afete sua capacidade de gestão da vida cotidiana, de acordo com o conceito de deficiência adotado internacionalmente.
Para que uma pessoa com deficiência tenha acesso ao BPC, é necessário que seja realizada uma avaliação médico-social. O critério médico é conduzido pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que avalia as limitações funcionais da pessoa. Já o critério social é realizado por assistentes sociais que verificam como as barreiras sociais, econômicas e ambientais impactam a vida do indivíduo. Essa análise conjunta foi formalizada pelo Decreto nº 8.805/2016, que tornou obrigatória a avaliação biopsicossocial da deficiência.
Embora a deficiência seja definida com base em aspectos médicos, sua avaliação também leva em conta fatores sociais, como a condição de vida do requerente. A avaliação médica não se restringe à presença de um problema físico ou mental, mas sim à análise de como esse problema afeta a capacidade da pessoa de viver de forma independente. Além disso, é fundamental que a pessoa com deficiência comprove a renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo, o que caracteriza a situação de vulnerabilidade social e permite a concessão do benefício.
Exemplo: Em um caso recente no STJ, foi discutido o direito de uma pessoa com deficiência intelectual a receber o BPC, apesar de ser capaz de realizar algumas atividades cotidianas com apoio. O tribunal entendeu que a limitação funcional e a necessidade de apoio constante na vida diária justificavam a concessão do benefício, apesar de a pessoa com deficiência ter alguma autonomia.
2.2 O BPC PARA IDOSOS E A LEGISLAÇÃO
O BPC também está disponível para idosos com 65 anos ou mais, desde que atendam aos requisitos legais, que incluem não receber outro benefício previdenciário e ter uma renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo. A solicitação do BPC pode ser feita diretamente ao INSS, sem a necessidade de intermediários, e o requerente deve apresentar seus documentos pessoais, como RG, CPF e comprovante de residência.
Uma parte importante da análise dos requisitos para idosos é a verificação da situação de pobreza. De acordo com a LOAS (Lei nº 8.742/1993), o critério de miserabilidade para a concessão do benefício é caracterizado pela renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo. No entanto, essa exigência tem sido alvo de debates no Judiciário. Em 2020, o STF discutiu a possibilidade de ampliar esse limite para ½ do salário mínimo, com o objetivo de atender mais pessoas em situação de vulnerabilidade, mas a proposta foi rejeitada pelo Executivo, que alegou questões orçamentárias.
Embora o critério da miserabilidade tenha sido reafirmado, o Judiciário tem flexibilizado essa exigência em casos específicos, permitindo que pessoas com renda ligeiramente superior a ¼ do salário mínimo, mas em condição de vulnerabilidade, também tenham direito ao benefício.
O papel das prefeituras e dos assistentes sociais nas orientações e na coleta de informações sobre a situação da família do solicitante é essencial. O Formulário de Declaração da Composição e Renda Familiar é um documento fundamental para que a solicitação seja processada, e, em casos de necessidade, é possível que um representante legal receba o benefício em nome do idoso, desde que haja procuração ou documentação que comprove a autoridade legal do representante.
Exemplo: Em um caso recente, um idoso que residia com filhos e netos, mas que tinha renda superior a ¼ do salário mínimo, teve o benefício concedido após o juiz entender que ele vivia em uma situação de vulnerabilidade e dependia do apoio de familiares para suprir suas necessidades básicas.
A concessão do BPC é uma medida importante para a inclusão social de pessoas com deficiência e idosos em situação de vulnerabilidade. No entanto, os critérios legais e as avaliações feitas pelo INSS e pelos assistentes sociais, muitas vezes, exigem uma análise detalhada da condição de vida de cada requerente. A flexibilização do critério de renda, como discutido nos tribunais, reflete a necessidade de adaptar a política pública às realidades socioeconômicas do Brasil, onde a desigualdade social é uma questão central.
A legislação brasileira, incluindo a LOAS e as normas decorrentes da Convenção de Nova York, assegura que as pessoas com deficiência e os idosos tenham seus direitos garantidos, mas ainda há desafios quanto à implementação e a análise precisa das condições de vida desses cidadãos.
O uso de uma abordagem biopsicossocial para avaliar a deficiência e a situação de pobreza é um avanço importante, mas, como vimos, a aplicação desses critérios na prática exige um equilíbrio entre a letra da lei e as realidades sociais e econômicas enfrentadas pelos solicitantes.
De forma geral, a concessão do BPC, embora baseada em critérios técnicos, exige uma sensibilidade tanto por parte dos profissionais envolvidos quanto da legislação, para que se possam atender de forma mais justa e eficaz as pessoas que realmente necessitam dessa assistência.
3. ANALISE DO PEDIDO DE CONCESSÃO DO BPC
A concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC) passou por diversas mudanças ao longo dos anos, especialmente com a implementação da Portaria Conjunta nº 7/2020. Essa normativa trouxe avanços para agilizar a análise dos pedidos, permitindo a aceitação de cópias de documentos do requerente e de seus familiares, com a possibilidade de solicitação dos originais apenas quando necessário. Além disso, foram promovidas medidas para a integração de dados entre os sistemas governamentais e o Cadastro Único, o que, em teoria, otimizaria a verificação pelo INSS e possibilitaria que o requerimento fosse assinado por um procurador ou representante legal.
No entanto, apesar desses avanços, é fundamental analisar se tais mudanças resultaram, de fato, em uma maior acessibilidade ao benefício para os grupos mais vulneráveis. Embora a digitalização tenha acelerado processos burocráticos, há desafios ainda presentes, como a dificuldade de acesso à tecnologia por parte da população idosa e de baixa renda. Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, a maior parte das informações agora é transmitida digitalmente ao INSS, e as despesas familiares são automaticamente deduzidas da renda declarada. Entretanto, a exclusão digital pode representar um obstáculo significativo, limitando o acesso ao direito garantido pela Constituição.
3.1 O PAPEL DO INSS
A avaliação para concessão do BPC não se restringe à perícia médica. Ela também envolve a análise social, conduzida por assistentes sociais do INSS, que têm a responsabilidade de identificar barreiras no ambiente físico, social e atitudinal que possam prejudicar a inclusão da pessoa com deficiência na sociedade. A perícia médica, por sua vez, foca nos aspectos clínicos, como prognóstico adverso, comprometimento da estrutura corporal e limitações funcionais de longo prazo (SILVA, 2021).
Ainda que esses procedimentos sejam essenciais para garantir que o benefício seja concedido a quem realmente necessita, o processo de avaliação apresenta certa subjetividade. A falta de critérios objetivos e uniformes pode levar a decisões divergentes entre diferentes profissionais, tornando o resultado do pedido incerto para os requerentes. De acordo com um levantamento da Defensoria Pública da União (2022), cerca de 30% dos indeferimentos de BPC são revertidos na esfera judicial, o que evidencia a inconsistência nos critérios adotados pela administração pública.
Outro ponto sensível refere-se à inexistência de uma lista oficial de doenças que determinam o grau de incapacidade da pessoa com deficiência. Atualmente, a concessão do benefício se baseia na comprovação da incapacidade laborativa por um período superior a dois anos. Esse critério pode ser problemático, pois nem sempre o profissional responsável pelo diagnóstico tem como prioridade avaliar a duração e a abrangência da condição do paciente, o que pode prejudicar o requerente no momento da perícia (SILVEIRA, 2022).
3.2 EXCLUSÃO DIGITAL E OBSTÁCULOS PRÁTICOS
Embora a legislação tenha evoluído para assegurar o direito ao BPC, as dificuldades enfrentadas pelos beneficiários ainda são um obstáculo significativo. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2023), cerca de 60% das pessoas que tentam acessar o benefício enfrentam barreiras burocráticas, sendo os principais desafios:
a) Dificuldade de acesso à internet e falta de suporte digital, especialmente para idosos e pessoas com deficiência que vivem em áreas rurais;
b) Exigências documentais excessivas, que tornam o processo de solicitação moroso;
c) Longos prazos de espera, apesar do prazo legal de 45 dias estipulado pelo Artigo 174 do Decreto nº 3.048/1999.
Dessa forma, embora o INSS desempenhe um papel essencial na regulamentação e fiscalização do benefício, há um descompasso entre as diretrizes estabelecidas e a realidade enfrentada pelos cidadãos que dependem do BPC para garantir sua subsistência.
3.3 JUDICIALIZAÇÃO DO BPC
O direito ao Benefício de Prestação Continuada está consagrado na Constituição Federal de 1988, no artigo 203, inciso V, que estabelece:
"A garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei." (BRASIL, 1988).
Cinco anos após a promulgação da Constituição, a Lei nº 8.742/1993, conhecida como Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), consolidou esse direito, determinando que a assistência social é um dever do Estado e não depende de contribuições prévias à Previdência Social. O artigo 1º da LOAS prevê que a assistência social tem caráter não contributivo e busca garantir os mínimos sociais, por meio de um conjunto integrado de ações públicas e privadas.
A implementação desse direito, contudo, enfrenta desafios na sua operacionalização. A descentralização dos órgãos responsáveis e a falta de comunicação entre os entes federativos dificultam a efetividade da política pública. A Defensoria Pública da União aponta que, entre 2021 e 2022, mais de 200 mil solicitações de BPC foram negadas por motivos que posteriormente foram revertidos judicialmente, demonstrando a necessidade de aprimoramento dos critérios de avaliação.
Dessa forma, embora a legislação tenha avançado na garantia do BPC como um direito fundamental, sua efetivação ainda encontra barreiras que comprometem o acesso ao benefício. A modernização do processo de análise dos pedidos trouxe avanços, mas a exclusão digital e a subjetividade na avaliação demonstram que há um longo caminho a ser percorrido para que esse direito seja plenamente acessível a todos que dele necessitam.
3.3 CadÚNICO E A BARREIRA INVISÍVEL
Embora o Cadastro Único (CadÚnico) tenha sido concebido como a principal ferramenta de identificação das famílias de baixa renda no Brasil, na prática, ele se revela muitas vezes como uma barreira invisível ao acesso ao Benefício de Prestação Continuada (BPC). Instituído pelo Decreto nº 3.877/2001, o CadÚnico reúne informações socioeconômicas das famílias brasileiras em situação de vulnerabilidade e é requisito obrigatório para a concessão do BPC desde a edição do Decreto nº 8.805/2016.
Contudo, diversos fatores têm comprometido a eficácia desse instrumento. Um dos principais entraves está na necessidade de revalidação e atualização periódica dos dados cadastrais, o que exige do beneficiário não apenas conhecimento sobre essa exigência, mas também acesso físico e digital aos canais de atendimento. Muitas famílias sequer são informadas sobre os prazos de atualização, o que leva à suspensão indevida de benefícios já concedidos.
Além disso, a exclusão digital é um obstáculo significativo, especialmente entre idosos, pessoas com deficiência e moradores de áreas rurais. A crescente digitalização dos serviços públicos, embora avance em termos de modernização, não é acompanhada por políticas inclusivas que garantam o acesso à tecnologia por parte dos grupos mais vulneráveis.
Outro problema recorrente está na baixa qualificação dos operadores municipais do CadÚnico, que muitas vezes não recebem treinamento contínuo ou suporte técnico adequado. Isso pode resultar em erros cadastrais, lançamentos inconsistentes de dados e orientações equivocadas aos usuários. Como consequência, pedidos de BPC são indeferidos ou suspensos por motivos que poderiam ser evitados com uma gestão mais eficaz do cadastro.
Portanto, embora o CadÚnico seja um instrumento essencial para a execução das políticas de assistência social, sua estrutura atual ainda impõe barreiras burocráticas e tecnológicas que excluem justamente aqueles que mais precisam do benefício. Superar essas limitações exige investimentos em capacitação, acessibilidade digital e transparência nos processos de gestão cadastral.
3.5 INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL, ALGORITMOS E O RISCO DA EXCLUSÃO AUTOMATIZADA
Recentemente, surgiram debates sobre o uso de algoritmos e inteligência artificial (IA) no cruzamento de dados entre o CadÚnico e os sistemas da Previdência Social. Essas ferramentas tecnológicas têm sido utilizadas para automatizar a identificação de inconsistências cadastrais, prevenir fraudes e acelerar o processo de análise de benefícios. No entanto, essa automatização levanta preocupações importantes quanto à falta de transparência, à ausência de supervisão humana adequada e ao risco de exclusões automáticas indevidas, especialmente em um contexto de fragilidade cadastral.
O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2023) alerta que, sem garantias mínimas de contraditório e ampla defesa, a adoção de algoritmos pode agravar ainda mais a exclusão de pessoas vulneráveis do sistema de proteção social. Muitos beneficiários sequer compreendem os motivos de um indeferimento automático, tampouco têm acesso facilitado a canais para contestar decisões administrativas baseadas em processamento de dados.
Nesse cenário, o uso da inteligência artificial deve estar atrelado a mecanismos de revisão humana, a critérios claros e públicos e a protocolos de correção de erros, de modo a assegurar que a tecnologia amplie — e não limite — o acesso aos direitos sociais. A modernização da gestão pública não pode ocorrer à custa da dignidade daqueles que mais precisam da proteção do Estado.
CONCLUSÃO
O Benefício de Prestação Continuada (BPC) representa um dos pilares da assistência social no Brasil, garantindo amparo à pessoa idosa e à pessoa com deficiência em situação de vulnerabilidade. A pesquisa demonstrou que, apesar dos avanços normativos e tecnológicos, o acesso ao benefício ainda enfrenta desafios significativos, sobretudo no que se refere à burocracia, à subjetividade na análise dos pedidos e à ausência de critérios uniformes de elegibilidade.
A modernização dos processos, impulsionada pela Portaria Conjunta nº 7/2020, trouxe mudanças importantes, como a digitalização dos requerimentos e a integração com bancos de dados governamentais. Contudo, permanece a indagação: essas inovações realmente facilitaram o acesso ao benefício para aqueles que mais necessitam? A análise crítica indica que, embora a informatização tenha reduzido algumas etapas burocráticas, persistem entraves estruturais que comprometem a efetivação do direito, como a limitação do acesso digital entre pessoas em extrema pobreza e a subjetividade envolvida na avaliação da deficiência e da incapacidade.
Ademais, a inexistência de uma lista nacional consolidada de doenças e impedimentos funcionais que definam o grau de incapacidade contribui para interpretações divergentes entre os avaliadores, tanto médicos quanto assistentes sociais. Essa falta de padronização impacta diretamente a concessão do benefício e reforça a insegurança jurídica para os requerentes. Soma-se a isso a escassez de dados estatísticos detalhados, que dificulta a avaliação precisa da efetividade das medidas implementadas até o momento.
Diante desses desafios, propõe-se a adoção de medidas legislativas e administrativas que promovam maior equidade e inclusão no acesso ao BPC. Entre elas, destaca-se: (i) a atualização do critério de renda para fins de aferição da miserabilidade, considerando o custo real de vida; (ii) a criação de uma lista nacional de enfermidades e impedimentos funcionais, que traga maior segurança jurídica à avaliação biopsicossocial; e (iii) a modernização do Cadastro Único, com auditorias periódicas, integração mais eficaz entre os sistemas municipais e federais, e ampliação do atendimento presencial para populações excluídas digitalmente.
Portanto, para que o BPC cumpra integralmente sua função social, faz-se necessário o aprimoramento contínuo das políticas públicas, com foco na transparência dos critérios de avaliação e na ampliação do acesso aos mecanismos assistenciais. A construção de uma assistência social mais eficiente e inclusiva exige não apenas recursos tecnológicos, mas, sobretudo, um olhar atento às reais necessidades da população vulnerável, reafirmando o compromisso com o princípio da dignidade da pessoa humana, consagrado na Constituição Federal de 1988.
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graduanda em Direito pela Fundação Educacional de Fernandópolis .
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RAMOS, SABRINA DA SILVA. Cadastro único e BPC: entre a inclusão social e a dificuldade de acesso. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 set 2025, 04:39. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/69552/cadastro-nico-e-bpc-entre-a-incluso-social-e-a-dificuldade-de-acesso. Acesso em: 04 set 2025.
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