NEY ALEXANDRE LIMA LIRA[1]
(orientador)
RESUMO: O presente Trabalho de Conclusão de Curso visa analisar a aplicabilidade jurídica e social do Benefício de Prestação Continuada (BPC) às pessoas diagnosticadas com Transtorno do Espectro Autista (TEA), à luz do ordenamento jurídico brasileiro. O BPC constitui um benefício assistencial não contributivo voltado a pessoas com deficiência e idosos em situação de vulnerabilidade. O estudo se propõe a investigar a efetividade desse direito às pessoas com TEA, abordando os critérios legais para sua concessão, os desafios enfrentados pelas famílias na sua obtenção e as garantias legais asseguradas às pessoas com deficiência. A metodologia utilizada baseia-se em pesquisa bibliográfica e documental, com base em doutrinas, legislação e jurisprudência. O objetivo deste é contribuir para a compreensão da proteção social do Estado frente à realidade vivenciada por indivíduos autistas, promovendo uma análise crítica sobre os critérios de concessão, o papel da assistência social e os meios jurídicos disponíveis para assegurar a dignidade da pessoa humana.
Palavras-chaves: Benefício de Prestação Continuada. Transtorno do Espectro Autista. Assistência Social. LOAS. Direitos Fundamentais.
1.INTRODUÇÃO
A Constituição Federal de 1988 estabeleceu um marco na consolidação dos direitos sociais ao instituir a seguridade social como um dos pilares do Estado Democrático de Direito. Dentro desse arcabouço, a assistência social surge como um direito do cidadão e dever do Estado, buscando garantir a proteção mínima àqueles em situação de vulnerabilidade. Nesse contexto, o Benefício de Prestação Continuada (BPC), regulamentado pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), representa uma importante ferramenta de inclusão social e de promoção da dignidade da pessoa humana, especialmente quando direcionado a pessoas com deficiência, como é o caso das pessoas diagnosticadas com Transtorno do Espectro Autista (TEA).
O Transtorno do Espectro Autista é uma condição de neurodesenvolvimento que afeta a comunicação, o comportamento e a interação social, e, conforme reconhecido pela Lei nº 12.764/2012, as pessoas com TEA são consideradas pessoas com deficiência para todos os efeitos legais. Tal reconhecimento jurídico é essencial para que esses indivíduos possam acessar políticas públicas específicas, como o BPC. No entanto, a efetiva concessão deste benefício ainda enfrenta entraves práticos e burocráticos que dificultam sua aplicação plena e justa. A análise desses obstáculos é fundamental para compreender como o sistema de proteção social pode ser aprimorado.
A lei como instrumento de proteção à pessoa com transtorno do espectro autista, destaca a importância da legislação como ferramenta de promoção da cidadania e da inclusão. Segundo a autora, a eficácia dos direitos legais atribuídos à pessoa com TEA depende não apenas da existência formal de normas protetivas, mas também de sua real implementação e aplicabilidade na prática cotidiana das famílias. O BPC, nesse sentido, deve ser compreendido como um instrumento que vai além do repasse financeiro, sendo um meio de reconhecimento da dignidade e das necessidades específicas do cidadão autista.
Com base nesse enfoque, o presente trabalho visa analisar criticamente os critérios legais exigidos para a concessão do BPC a pessoas com TEA, confrontando a norma jurídica com a realidade social vivida por essas famílias. A pesquisa adota uma metodologia bibliográfica e documental, amparada em legislação, doutrina e jurisprudência, com o intuito de avaliar a efetividade da assistência social enquanto política pública. Além disso, objetiva-se discutir os mecanismos jurídicos disponíveis para garantir a essas pessoas o acesso aos seus direitos fundamentais.
Dessa forma, espera-se contribuir para a ampliação do debate sobre a aplicabilidade do BPC às pessoas com TEA, reconhecendo os avanços e apontando os desafios ainda existentes. O estudo busca evidenciar que, embora a legislação brasileira reconheça o direito das pessoas com deficiência a uma vida digna, o cumprimento efetivo desse direito depende de ações integradas entre os órgãos da assistência social, do judiciário e da sociedade civil. A compreensão dessa temática é essencial para a construção de um sistema mais justo e inclusivo, que assegure a proteção adequada às pessoas com Transtorno do Espectro Autista.
2. A PERCEPÇÃO GENERALIZADA DA SOCIEDADE SOBRE O TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA, ANALISANDO EXPERIÊNCIAS E A DEVIDA APLICAÇÃO DE BENEFÍCIO DO BPC.
Conforme a análise detalhada da autora a percepção generalizada da sociedade sobre o Transtorno do Espectro Autista (TEA) influencia diretamente a forma como os direitos das pessoas autistas são reconhecidos e garantidos, especialmente no que se refere à aplicação de políticas assistenciais como o Benefício de Prestação Continuada (BPC) do INSS. Ainda prevalece uma compreensão limitada sobre o autismo, muitas vezes centrada em estereótipos que associam o transtorno a uma deficiência visível ou severa, desconsiderando as diferentes manifestações e os desafios menos evidentes enfrentados por essas pessoas. Essa visão distorcida contribui para a dificuldade de acesso ao BPC por parte de muitos indivíduos com TEA, já que tanto a sociedade quanto os órgãos avaliadores frequentemente subestimam os impactos psicossociais do transtorno na vida cotidiana, comprometendo a efetiva aplicação dos critérios legais estabelecidos pela LOAS.
Conforme destacado por Silva (2020), ao analisarem o ingresso e a permanência de estudantes com TEA no ensino superior, evidencia-se que esses indivíduos enfrentam uma série de barreiras sociais, institucionais e emocionais que muitas vezes passam despercebidas. Esses dados reforçam a importância de se considerar, na avaliação para concessão do BPC, não apenas a renda per capita familiar, mas também os aspectos psicossociais e contextuais que afetam diretamente a autonomia e a qualidade de vida da pessoa com autismo. A ausência de uma compreensão mais ampla por parte da sociedade e das instituições responsáveis pela política assistencial contribui para a subnotificação de direitos e para a negação de benefícios a que essas pessoas legalmente têm direito, demonstrando a urgência de maior sensibilização e capacitação dos profissionais envolvidos na análise e concessão do BPC.
2.1 Evolução histórica
A trajetória dos benefícios assistenciais no Brasil revela importantes avanços no reconhecimento e na proteção dos direitos sociais de grupos em situação de vulnerabilidade. Inicialmente voltados exclusivamente aos trabalhadores contribuintes da previdência social, os benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) passaram a contemplar também pessoas que, mesmo sem histórico contributivo, se encontrassem em condições de risco social. Essa mudança ganhou força com a promulgação da Constituição Federal de 1988 e, posteriormente, com a edição da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) em 1993, que instituiu o Benefício de Prestação Continuada (BPC). O BPC se tornou um marco na consolidação da assistência social como direito do cidadão e dever do Estado, voltado especialmente a pessoas com deficiência e idosos em situação de pobreza.
Com o passar dos anos, o conceito de deficiência foi se ampliando, acompanhando os avanços da legislação internacional e da compreensão multidimensional sobre as limitações enfrentadas por esses indivíduos. O reconhecimento do Transtorno do Espectro Autista (TEA) como deficiência, assegurado pela Lei nº 12.764/2012, representou um avanço fundamental para a inclusão dos autistas entre os beneficiários do BPC. A partir de então, passou-se a considerar que o impedimento de longo prazo causado pelas características do TEA — como dificuldades de comunicação, socialização e autonomia — deve ser incluído nas análises para a concessão do benefício, independentemente da existência de deficiência física visível.
De acordo com Almeida (2023), um dos principais desafios enfrentados pelas famílias de pessoas com TEA, especialmente crianças e adolescentes menores de 16 anos, está na interpretação e aplicação do critério de impedimento de longo prazo no âmbito administrativo. A autora ressalta que, muitas vezes, os avaliadores do INSS não reconhecem a gravidade dos impactos do autismo na vida da criança e da família, por adotarem uma visão restrita e técnica da deficiência. Isso resulta na negativa injusta do benefício, mesmo quando estão presentes todas as condições legais. Para Almeida, é essencial que a avaliação biopsicossocial seja efetivamente adotada e que os profissionais envolvidos estejam capacitados para compreender as especificidades do TEA.
Portanto, a aplicabilidade do BPC às pessoas com Transtorno do Espectro Autista exige não apenas respaldo legal, mas também sensibilidade e conhecimento por parte da administração pública. A evolução histórica dos benefícios assistenciais demonstra que o Estado brasileiro tem buscado ampliar a proteção social, mas ainda enfrenta entraves na concretização desses direitos. O caso dos indivíduos com TEA evidencia a importância de políticas públicas inclusivas e de uma atuação administrativa pautada na igualdade material, garantindo que o BPC cumpra sua função de assegurar a dignidade humana e o bem-estar social de todos, especialmente daqueles que dependem dessa proteção para sobreviver com dignidade.
2.2 Natureza jurídica
Oliveira e Cavalcante (2025) abordam em primeiro lugar a natureza jurídica do Benefício de Prestação Continuada (BPC) está fundamentada no direito à assistência social, garantido constitucionalmente no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal de 1988, e regulamentado pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS). Trata-se de um benefício de caráter não contributivo, que visa assegurar a dignidade da pessoa humana por meio da garantia de um salário mínimo mensal às pessoas com deficiência e idosos em situação de vulnerabilidade socioeconômica. No contexto das pessoas pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA), o BPC configura-se como uma política pública essencial de amparo, reconhecendo que o autismo implica limitações significativas no desenvolvimento da autonomia e na participação social, enquadrando-se nos critérios legais estabelecidos para a concessão do benefício.
De acordo com as autoras Oliveira e Cavalcante, as políticas públicas voltadas à proteção jurídica de pessoas com TEA ainda enfrentam grandes desafios em sua efetivação, especialmente em realidades locais como a do município de Dianópolis-TO. As autoras ressaltam que, embora o ordenamento jurídico brasileiro reconheça o direito das pessoas autistas ao BPC, na prática, há uma carência de estrutura administrativa, capacitação técnica e sensibilidade social para atender de forma eficaz essas demandas. A morosidade e a rigidez dos processos de avaliação do impedimento de longo prazo acabam desconsiderando a complexidade das necessidades das pessoas com TEA. Dessa forma, torna-se indispensável compreender o BPC não apenas como um repasse financeiro, mas como um instrumento jurídico de inclusão e equidade, cuja aplicabilidade deve ser garantida por meio de políticas públicas eficazes e acessíveis em todas as regiões do país.
2.3 princípios de proteção da dignidade da pessoa com transtorno do espectro autista - TEA
No contexto a proteção da dignidade da pessoa com Transtorno do Espectro Autista (TEA) é um dos pilares fundamentais do ordenamento jurídico brasileiro e deve se refletir em todas as esferas do cuidado e da cidadania, inclusive no acesso à saúde. Conforme Mendes (2024), um dos principais entraves à concretização desse princípio ocorre quando planos de saúde impõem limites arbitrários às sessões de tratamento essenciais para o desenvolvimento e bem-estar das pessoas com TEA, como terapias comportamentais, fonoaudiologia e psicologia. Essa restrição viola frontalmente o princípio da dignidade da pessoa humana, pois impede o acesso contínuo e adequado ao tratamento que garante qualidade de vida e inclusão social para esses indivíduos.
Os autores defendem que a atuação do Estado deve ser firme na regulamentação e fiscalização desses planos, garantindo que as pessoas com TEA tenham pleno acesso às terapias necessárias, conforme prescrito por profissionais habilitados e com base nas necessidades individuais. O reconhecimento do TEA como uma deficiência, nos termos da Lei nº 12.764/2012, impõe a obrigatoriedade de proteção integral desses direitos, com base nos princípios da igualdade material, da não discriminação e da dignidade humana. Assim, Mendes et al. reforçam que a limitação de sessões representa não apenas uma falha contratual, mas uma afronta ao dever constitucional de assegurar uma existência digna, inclusiva e protegida às pessoas com TEA, exigindo medidas jurídicas efetivas para coibir tais práticas e garantir a plena cidadania desse grupo vulnerável.
2.3.1 princípios violados sobre a pessoa e a dignidade da pessoa com transtorno do espectro autista - TEA
A dignidade da pessoa humana, igualdade e inclusão social ainda é uma realidade preocupante no que se refere aos direitos das crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA), especialmente no âmbito educacional. Conforme Gomes e Santos (2019), apesar do arcabouço jurídico brasileiro assegurar o direito à educação inclusiva, muitas crianças com TEA continuam enfrentando barreiras institucionais, sociais e pedagógicas que comprometem seu pleno desenvolvimento. A ausência de adaptações curriculares adequadas, a escassez de profissionais especializados e a falta de preparo das instituições de ensino para acolher e acompanhar essas crianças de forma individualizada são formas concretas de violação do princípio da dignidade. A omissão do poder público em garantir o suporte necessário perpetua a exclusão e o preconceito, contrariando os dispositivos da Constituição Federal, da Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº 13.146/2015) e da própria Lei nº 12.764/2012, que reconhece os direitos da pessoa com TEA. Além disso, a negligência no cumprimento do direito à educação personalizada, prevista em normas internacionais como a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, acentua a desigualdade material. A garantia da dignidade exige não apenas a presença física do aluno autista na escola, mas sua efetiva inclusão, com respeito às suas particularidades, ritmos e necessidades. A educação deve ser compreendida como um espaço de acolhimento, desenvolvimento e exercício da cidadania, e sua negação implica a marginalização de um grupo já vulnerável. Portanto, torna-se urgente a adoção de políticas públicas eficazes, com investimento em formação docente, infraestrutura e acompanhamento pedagógico contínuo. Sem isso, perpetua-se a violação de princípios fundamentais e compromete-se o projeto de sociedade justa e inclusiva proposto pelo ordenamento jurídico brasileiro.
2.3.2 princípio regular da dignidade da pessoa com transtorno do espectro autista - TEA conforme (art. 1°, incios III, da Constituição Federal de 1988
O princípio regulador conforme estabelecido na Constituição Federal de 1988 estabelece, como fundamento do Estado Democrático de Direito, a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), princípio que orienta todas as ações estatais voltadas à promoção da igualdade e da inclusão social. No caso das pessoas com o Transtorno do Espectro Autista (TEA), esse princípio é reforçado pela Lei nº 12.764/2012, que reconhece o autismo como deficiência para todos os efeitos legais, garantindo o acesso a direitos fundamentais como educação, saúde, assistência social e inclusão plena na sociedade. Conforme Andrighetto e Gomes (2020), as políticas públicas de inclusão escolar devem ser estruturadas de forma a assegurar o respeito à individualidade, ao ritmo de aprendizagem e às necessidades específicas do aluno autista. As autoras ressaltam que a efetivação do princípio da dignidade passa pela eliminação de barreiras físicas, pedagógicas e atitudinais, criando um ambiente educacional acessível, acolhedor e democrático. A omissão do Estado ou das instituições de ensino na garantia desses direitos implica grave violação constitucional, pois priva o indivíduo autista do exercício pleno da cidadania e do desenvolvimento de sua autonomia. Assim, a Constituição, em harmonia com as leis infraconstitucionais, impõe a obrigação de proteger a dignidade das pessoas com TEA por meio de ações concretas e inclusivas, que respeitem suas especificidades e promovam a igualdade material.
3. OS MECANISMOS ASSISTENCIAIS DE BENEFÍCIOS DO BPC PARA PESSOAS TEA MEDIANTE O INSS
Os mecanismos assistenciais previstos para a concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC) às pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) representam uma importante ferramenta de inclusão social e de promoção da dignidade humana. De acordo com Girardi (2024), o BPC, regulamentado pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), é um direito garantido à pessoa com deficiência que comprove não possuir meios de prover sua subsistência nem de tê-la provida por sua família. No caso de indivíduos com TEA, o benefício reconhece as limitações enfrentadas no convívio social e no desenvolvimento da autonomia, mesmo que não estejam associadas a uma incapacidade laborativa estrita. A autora destaca que a análise do impedimento de longo prazo deve considerar os critérios biopsicossociais, levando em conta os efeitos do transtorno na vida cotidiana do requerente, conforme orientações da Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº 13.146/2015).
Ainda segundo Girardi (2024), o processo de solicitação do BPC perante o INSS exige uma avaliação médica e social, que nem sempre compreende, de maneira adequada, as especificidades do autismo. Muitas famílias enfrentam dificuldades na comprovação do grau de comprometimento necessário à concessão do benefício, evidenciando falhas na operacionalização dos mecanismos assistenciais. A autora argumenta que é necessário um olhar mais sensível e qualificado por parte dos profissionais que realizam essas avaliações, além de políticas públicas que fortaleçam a capacitação técnica e a agilidade dos procedimentos. A efetividade do BPC para pessoas com TEA depende da atuação integrada entre a assistência social e o sistema previdenciário, assegurando que o direito não seja apenas formal, mas materialmente exercido, cumprindo sua função de garantir o mínimo existencial e a inclusão das pessoas autistas em situação de vulnerabilidade.
3.1 Falta de posicionamento constitucional
A ausência de um posicionamento constitucional claro e específico sobre os benefícios assistenciais voltados às pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) gera insegurança jurídica e fragilidade na efetivação de direitos fundamentais. Embora a Constituição Federal de 1988 assegure a dignidade da pessoa humana, a igualdade e a proteção às pessoas com deficiência, não há menção expressa ao Transtorno do Espectro Autista como uma condição que demanda proteção especial em matéria de assistência social. Segundo De Araújo (2024), essa lacuna constitucional contribui para interpretações restritivas da legislação infraconstitucional, dificultando a concessão de benefícios como o BPC e comprometendo o princípio da proteção integral.
A Lei nº 12.764/2012, que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com TEA, representa um avanço importante ao reconhecer o autismo como uma deficiência para todos os efeitos legais. No entanto, como destaca De Araújo, o fato de essa proteção ser estabelecida apenas por meio de legislação ordinária e não pela Constituição fragiliza sua aplicação, principalmente diante da resistência de órgãos administrativos na concessão do BPC. Essa realidade impõe às famílias a necessidade de buscar o Poder Judiciário para garantir direitos que, idealmente, deveriam ser acessíveis por vias administrativas, sem a necessidade de judicialização.
Além disso, a autora enfatiza que a ausência de previsão constitucional específica reflete uma omissão histórica do Estado brasileiro quanto ao reconhecimento das particularidades das pessoas com TEA. Essa omissão também se manifesta na falta de políticas públicas estruturadas, no despreparo de profissionais para lidar com a complexidade do autismo e na lentidão dos processos de avaliação social e médica pelo INSS. Como consequência, muitas pessoas com TEA acabam excluídas dos mecanismos de proteção social, aprofundando sua vulnerabilidade e comprometendo sua inclusão plena na sociedade.
A constitucionalização dos direitos da pessoa com TEA, especialmente no que se refere à assistência social, seria uma medida essencial para garantir maior segurança jurídica, isonomia e efetividade na concessão de benefícios como o BPC. De Araújo defende que a inclusão explícita dessas garantias no texto constitucional fortaleceria o compromisso do Estado com os direitos humanos e com a construção de uma sociedade verdadeiramente inclusiva. Isso representaria o reconhecimento formal de que o autismo demanda atenção específica, não apenas como uma questão de saúde ou educação, mas também como um aspecto relevante da política assistencial.
Portanto, a falta de um posicionamento constitucional expresso sobre os direitos assistenciais das pessoas com TEA limita a eficácia das normas existentes e dificulta o acesso equitativo ao BPC. Conforme argumenta De Araújo, é necessário repensar o papel do Estado na proteção dessas pessoas, incorporando suas demandas de forma definitiva na Constituição Federal. Somente assim será possível garantir que o princípio da dignidade da pessoa humana seja plenamente aplicado às pessoas com autismo, assegurando-lhes não apenas direitos formais, mas condições reais de inclusão, autonomia e cidadania.
4.FUNDAMENTOS ADOTADOS PELA JUSTIÇA FEDERAL
A Justiça Federal tem desempenhado papel essencial na garantia dos direitos das pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) no tocante à concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC) pelo INSS. Diante da rigidez dos critérios administrativos e da recorrente negativa por parte do órgão previdenciário, os tribunais federais têm adotado fundamentos mais sensíveis e condizentes com a realidade das famílias de pessoas autistas. Conforme Silva (2022), o Judiciário tem reconhecido que o autismo impõe barreiras significativas à autonomia e à vida social do indivíduo, o que configura um impedimento de longo prazo nos moldes exigidos pela Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência.
Entre os principais fundamentos utilizados pela Justiça Federal, destaca-se o princípio da dignidade da pessoa humana, aliado à igualdade material. Silva (2022) argumenta que o Judiciário tem relativizado a aplicação rígida do critério de renda per capita, quando evidenciado que a família da requerente arca com elevados custos relacionados a tratamentos, terapias e medicações não ofertadas integralmente pelo SUS. Nesses casos, os juízes têm interpretado o direito ao BPC de forma ampliada, observando o contexto social do núcleo familiar e a necessidade de garantir uma existência minimamente digna à pessoa com TEA, ainda que formalmente a renda ultrapasse o limite legal.
Além disso, os pareceres técnicos elaborados por assistentes sociais e profissionais da saúde vinculados ao SUS têm sido fundamentais para embasar decisões judiciais. Conforme enfatiza Silva, o acolhimento e a orientação familiar realizados por esses profissionais contribuem para demonstrar, de forma concreta, a dependência da pessoa autista em relação a terceiros e a necessidade de apoio contínuo. Esses elementos, quando apresentados ao Judiciário, têm reforçado a visão de que o BPC deve ser um instrumento de inclusão social e de proteção contra a vulnerabilidade, reafirmando o compromisso do Estado com os direitos fundamentais das pessoas com deficiência. (SILVA, 2022).
5.CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise desenvolvida ao longo deste trabalho permitiu constatar que o Benefício de Prestação Continuada (BPC), previsto na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) e garantido pelo artigo 203, inciso V, da Constituição Federal de 1988, representa uma das principais políticas públicas de proteção social para pessoas com deficiência, incluindo aquelas com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Conforme Oliveira e Cavalcante (2025), a natureza jurídica não contributiva do BPC reforça seu papel fundamental na promoção da dignidade da pessoa humana, sobretudo em contextos de vulnerabilidade socioeconômica. Todavia, sua efetividade depende da superação de entraves práticos e da correta interpretação dos critérios legais estabelecidos.
A inclusão das pessoas com TEA como beneficiárias do BPC encontra respaldo na Lei nº 12.764/2012, que reconhece o autismo como deficiência para todos os efeitos legais. Esse marco legal é essencial, pois, como ressaltam Almeida (2023) e Mendes (2024), os desafios enfrentados por essas pessoas vão além das limitações visíveis, abrangendo barreiras psicossociais e contextuais que impactam diretamente sua autonomia e inclusão social. A avaliação biopsicossocial adequada, prevista na Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº 13.146/2015), torna-se, assim, indispensável para assegurar que o BPC seja concedido de forma justa.
Entretanto, conforme argumentam Gomes e Santos (2019) e Andrighetto e Gomes (2020), persistem violações ao princípio da dignidade da pessoa humana, especialmente nas áreas da saúde e da educação. A omissão estatal em garantir terapias contínuas ou um ambiente escolar inclusivo compromete não apenas o desenvolvimento pleno da pessoa com TEA, mas também evidencia a fragilidade da proteção social assegurada formalmente pela legislação. Tais falhas demonstram que o reconhecimento legal deve ser acompanhado de políticas públicas eficazes e acessíveis.
Além disso, como pontuado por De Araújo (2024), a ausência de previsão constitucional expressa sobre o TEA gera insegurança jurídica e favorece interpretações restritivas por parte dos órgãos administrativos, resultando em negativa indevida do BPC. Essa lacuna acaba empurrando as famílias para a via judicial, o que agrava ainda mais sua vulnerabilidade e distancia a assistência social de sua função originária de proteção imediata e eficaz. O Estado, ao falhar na concretização do direito, compromete o próprio ideal de justiça social consagrado pela Constituição.
A percepção limitada da sociedade e dos avaliadores do INSS sobre o autismo, conforme discutido por Silva (2020), também contribui para a não efetivação do benefício. Estereótipos e a ausência de compreensão sobre as manifestações menos evidentes do TEA resultam em avaliações superficiais e decisões administrativas inadequadas. Portanto, é urgente a capacitação dos profissionais responsáveis pela análise do BPC e a sensibilização da sociedade quanto à complexidade do transtorno.
Dessa forma, a aplicabilidade do BPC às pessoas com TEA demanda não apenas o cumprimento da legislação existente, mas um compromisso ético, social e institucional com a inclusão, a igualdade material e a dignidade humana. Como destacam Girardi (2024) e Mendes (2024), a integração entre os sistemas de assistência social, saúde, educação e justiça é essencial para a superação das barreiras estruturais e atitudinais que ainda persistem.
Em suma, embora a legislação brasileira tenha avançado no reconhecimento dos direitos das pessoas com Transtorno do Espectro Autista, sua efetivação plena depende de medidas concretas que garantam o acesso equitativo ao BPC. A dignidade da pessoa com TEA só será verdadeiramente respeitada quando os princípios constitucionais forem traduzidos em práticas administrativas justas, acessíveis e humanizadas, garantindo assim o exercício pleno da cidadania e a construção de uma sociedade verdadeiramente inclusiva.
6.REFERÊNCIAS
GUIMARÃES, Luíza. A lei como instrumento de proteção à pessoa com transtorno do espectro autista. 2021.
SILVA, Solange Cristina da et al. Estudantes com Transtorno do Espectro Autista no ensino superior: analisando dados do INEP. Psicologia Escolar e Educacional, v. 24, p. e217618, 2020.
ALMEIDA, Beatriz Victória Albuquerque de. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA À PESSOA COM DEFICIÊNCIA MENOR DE 16 ANOS: ANÁLISE SOBRE O CRITÉRIO DE IMPEDIMENTO DE LONGO PRAZO NO ÂMBITO ADMINISTRATIVO. 2023.
OLIVEIRA, Suzanne Aparecida Sousa; CAVALCANTE, Jéssica Painkow Rosa. AS POLÍTICAS PÚBLICAS VOLTADAS PARA PROTEÇÃO JURÍDICA DE PESSOAS COM TEA (TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA) COM FOCO NA REALIDADE DE DIANÓPOLIS-TO. Revista Ibero-Americana de Humanidades, Ciências e Educação, v. 11, n. 5, p. 1010-1037, 2025.
MENDES, Isia Lima Rosa et al. A proteção jurídica das pessoas portadoras de transtorno do espectro Autista: uma análise sobre a limitação dos planos de saúde quanto às sessões de tratamento do Autista. Revista de Casos e Consultoria, v. 15, n. 1, p. e33696-e33696, 2024.
ANDRIGHETTO, Aline; GOMES, Fernanda Fagundes Ribeiro. Direitos do Portador de Transtorno do Espectro Autista: políticas públicas de inclusão escolar sob a ótica da Lei Federal n. 12.764/2012. Revista da Faculdade de Direito, Universidade Federal de Uberlândia, 2020.
GIRARDI, Gabriela F. Freire. O benefício de prestação continuada (BPC-LOAS) ao autista. 2024.
DE ARAÚJO, Elizabete C. Rabelo. Perspectivas em Direitos Humanos.
SILVA, Ihani Roque Prado da. O acolhimento/orientação familiar de autistas pelo Serviço social através do SUS. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Serviço Social)-Escola de Serviço Social, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2022.
[1] Ney Alexandre Lima Lira,Professor especialista, orientador do Trabalho de Conclusão de Curso do Curso de Direito do Centro Universitário Luterano de Manaus – CEULM/ULBRA/Manaus, AM. E-mail: ney.lira@ulbra.br
Graduando do Curso de Direito do Centro Universitário Luterano de Manaus – CEULM/ULBRA/Manaus, AM .
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MORAES, SILVIO LAGO DE. Benefícios assistenciais do INSS - aplicabilidade do BPC às pessoas com transtorno do espectro autista - TEA Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 jun 2025, 04:38. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/68898/benefcios-assistenciais-do-inss-aplicabilidade-do-bpc-s-pessoas-com-transtorno-do-espectro-autista-tea. Acesso em: 14 ago 2025.
Por: Alexandre S. Triches
Por: Erick Labanca Garcia
Precisa estar logado para fazer comentários.