INTRODUÇÃO
O crescimento da demanda por vagas nos estabelecimentos penais e o acúmulo de problemas que, há anos cercam o sistema carcerário nacional, tem desafiado a Administração Pública na área da execução penal. Essa falha do Estado na gestão do sistema carcerário aliado ao estigma social caracteriza-se como principais fatores para a ineficácia da lei de execução penal, ocasionando assim o aumento de índices de reincidência, enraizando cada vez mais a crise carcerária no Brasil.
Existem diversos fatores que podem contribuir para a reincidência, incluindo o ambiente prisional, a qualidade dos programas de reabilitação disponíveis, a falta de apoio após a liberação e a estigmatização social. As condições precárias, como superlotação, falta de higiene, violência, negligência médica e falta de acesso as atividades recreativas e educacionais que deveriam ser disponibilizadas, acarretam gravemente a deterioração da saúde mental e física dos detentos, aumentando a probabilidades de comportamentos desajustados.
Em contraposição, tem-se que as condições prisionais mais humanas, como celas limpas e arejadas, nutrição adequada, acesso a cuidados médicos e psicológicos, bem como, o acesso a programas de educação e reabilitação, acarretam na redução na reincidência penitenciária. Isso porque, essas condições permitem que os detentos tenham uma maior sensação de dignidade, respeito e autoestima.
Outro fator importante é a qualidade do apoio pós-liberação oferecido aos detentos também é um fator crítico na redução da reincidência penitenciária. Nesses termos, a ausência de apoio financeiro, moradia, emprego e cuidados de saúde e aconselhamento psicológico, dificultam a reconstrução e reinserção na sociedade, acarretando no imediato retorno à vida criminal.
A inserção do processo educacional e a preparação para a volta ao trabalho podem representar nos estabelecimentos penais brasileiros uma medida útil para a reaproximação dos presidiários à sociedade, posterior ao cumprimento da pena, se dando de forma gradual, desde o momento que o presidiário ainda cumpra pena, para amenizar os efeitos do afastamento da sociedade no período recluso.
A ressocialização é um processo que deve ser concluído em fases, demorado, com incremento de várias medidas para se aproveitar e transformar a conduta do infrator, dando a ele a ciência da necessidade de mudança de conduta, mudando os hábitos e passando a agir conforme a sociedade preceitua. Nesse contexto, temos que as vivências ocorridas no interior do presídio, ou a não aceitação pelos demais membros da sociedade, configuram-se como papéis importantes para a ocorrência de comportamentos reincidentes.
Desta forma, o presente trabalho busca analisar as condições prisionais e seu impacto significativo na reincidência penitenciária, ou seja, na probabilidade de um detento reingressar no sistema prisional, visando discutir soluções e caminhos para uma execução digna da pena e alternativas de políticas públicas para a reintegração social do egresso, de forma a diminuir a criminalidade na sociedade. Para isso, utiliza-se da metodologia dogmática jurídica, na compreensão da legislação que rege a execução penal, e da pesquisa descritiva bibliográfica para a construção do referencial teórico necessário a análise dos problemas atualmente existentes e para a reflexão de novas possibilidades para a garantia do cumprimento da lei, que prima pelos direitos fundamentais das pessoas em execução penal.
A lei de execução penal, cuida-se da atividade jurisdicional, voltada a tornar efetiva a pretensão punitiva do estado, em associação à atividade administrativa, a qual é a fornecedora dos meios materiais para tanto. Portanto, trata-se de fase processual em que o Estado faz valer a pretensão executória da pena, tornando efetiva a punição do agente e buscando a concretude das finalidades da sanção penal.
Com o trânsito em julgado da decisão, a sentença torna-se título executivo judicial, passando-se do processo de conhecimento ao processo de execução da pena. Sendo assim, em seu sentido amplo, a execução penal é a concretização do mandamento contido na sentença criminal, ou seja, o conjunto dos atos judiciais ou administrativos por meio dos quais se efetiva a sentença.
1.1 Natureza jurídica da execução penal
A doutrina e a jurisprudência apontam divergências sobre a natureza jurídica da execução penal, isso porque, pode-se dizer que a execução penal é atividade complexa que se desenvolve nos planos administrativos e jurisdicional. Para Kuehne (2013), a execução penal advém de natureza mista, pois contempla normas que repercutem no direito penal, processual penal, administrativo e de execução propriamente dito.
Para outros doutrinadores, como Marcão (2016), a execução penal possui natureza jurisdicional, mesmo com a decorrente abrangência da atividade administrativa que a envolve, isso porque, o título que funda a execução decorre da atividade jurisdicional no processo de conhecimento, decorrendo de sentença penal condenatório ou absolutória imprópria só podendo ser feita pelo Poder Judiciário. Nesta toada, embora existam diversas divergências doutrinárias, o Código de Processo Penal classifica a execução penal como mista, sendo o jurisdicional correspondente aos incidentes da execução e administrativamente a imposição de medida de segurança.
Ao dispor sobre a natureza jurídica da execução da pena, Grinover (1987, p.348) afirma que a existe a intervenção do Direito Administrativo, embora seja necessário frisar a importância do Direito Penal e Processual Penal:
Na verdade não se nega que a execução penal é uma atividade complexa, que se desenvolve, entrosadamente, nos planos jurisdicional e administrativo. Nem se desconhece que dessa atividade participam dois Poderes estaduais: o Judiciário e o Executivo, por intermédio, respectivamente, dos órgãos jurisdicionais e dos estabelecimentos penais.
Logo, verifica-se que que o Direito Penal, possui sua natureza vinculada à sanção cominada e aplicada, enquanto o direito processual penal pauta-se nos títulos executivos, a sentença e a validade. Nesse sentido, o direito administrativo surge como a expiação da pena entregue às autoridades administrativas. Neste mesmo diapasão, conclui-se, portanto, que a natureza da execução penal é mista, uma jurisdicional que cabe ao Estado que administra os estabelecimentos penais e outra que cabe ao Judiciário que cuida das questões processuais da execução da pena.
Afonso Silva sustenta que a igualdade constitui signo fundamental da democracia. Não admitindo privilégios e distinções que um regime simplesmente liberal consagra. É nesta toada, que o princípio da igualdade se consolidou como um dos pilares da democracia.
Esse princípio refere-se aos direitos fundamentais e o respeito pelas diferenças e a compensação de desigualdades, o que traduz na proibição de que, em razão de orientação sexual, raça, credo religioso ou de convicções políticas, se estabeleçam distinções quanto ao estado jurídico ou se criem privilégios, de qualquer espécie.
O direito de igualdade é um princípio jurídico, constitucionalmente em vigor no Brasil e consagrado no artigo 5º da Constituição Federal de 1988.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (Constituição da República Federativa do Brasil).
A isonomia como sinônimo de igualdade, aflora no campo jurídico do Direito Penal e Processual, em síntese, trazendo para a Execução Penal, uma dicotomia entre lei normativa e a realidade do espaço em que a execução penal ganhar fórmula e vida, diante da abstração absoluta da lei escrita.
Capez ressalta que as partes devem ter, em juízo, as mesmas oportunidades de fazer valer suas razões, e ser tratadas igualitariamente, na medida de suas igualdades, e desigualmente na proporção de suas desigualdades. Desse modo, na execução penal e no processo penal, esse princípio sofre atenuações pelo princípio favor rei, postulado segundo o qual o interesse do acusado goza de alguma prevalência em contraste com a pretensão punitiva.
Portanto, o princípio da isonomia, frisa que não deve haver distinção entre os presos, assegurando o tratamento igual àqueles em semelhante situação e desigual aos juridicamente desiguais. A análise de cada caso concreto deve ser pormenorizada e procedida de forma razoável. Deve haver correlação entre o critério de diferenciação e a pessoa discriminada, por assim dizer, devendo tal diferenciação ser pautada nos princípios constitucionais e dentro dos limites da Lei de Execuções Penais.
Neste pensamento, a igualdade para o Direito, na Execução Penal, vai de encontro a uma série de fatos e sistematizações que se desconstrói diante da realidade e precarização dos Sistemas Penitenciários Estaduais.
1.1.2 O princípio da dignidade da pessoa humana
O princípio da Dignidade da Pessoa Humana, trata-se de um preceito constitucional inspirado na Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovado pela Assembleia Geral das Nações Unidas, de 10 de dezembro de 1948, em sintonia com os direitos naturais, inalienáveis e sagrados do homem.
Esse princípio aflora o princípio da humanidade das penas, que apregoa que qualquer pena que colida com a dignidade da pessoa do apenado deve ser abolida do sistema jurídico brasileiro. Compreende-se que o valor da pessoa humana, independente de o ato por esta cometido ter sido ou não revestido de crueldade, deve prevalecer sobre a pena aplicada.
O princípio da humanização da pena é de fundamental importância para a compreensão da finalidade ressocializadora da execução penal. De acordo com o entendimento de Ferrajoli (2001, p. 318),
Acima de qualquer argumento utilitário, o valor da pessoa humana impõe uma limitação fundamental em relação à qualidade e quantidade da pena. É este o valor sobre o qual se funda, irredutivelmente, o rechaço da pena de morte, das penas corporais, das penas infames, e por outro lado, da prisão perpétua e das penas privativas de liberdade excessivamente extensas. Um Estado que mata, que tortura, que humilha um cidadão não só perde qualquer legitimidade, senão que,contradiz sua razão de ser, colocando-se no nível dos mesmos delinquentes.
Importante ressaltar, que a Constituição Federal de 1988 vedou a adoção de qualquer pena desumana ou cruel, tendo em vista que o princípio de humanidade é o que dita a inconstitucionalidade de qualquer pena ou consequência do delito que crie um impedimento físico permanente.
Assim, este princípio constitucional é o reconhecimento de que todos detêm qualidades morais que exigem um respeito, definidoras que são de um ser único na espécie.
1.1.3 O princípio da legalidade
O princípio da legalidade da Execução Penal é aquele pelo qual o processo executivo obedece estritamente às disposições legais reguladoras da matéria, estatuído pelo art. 5º XXXIX, da CF (item 1.4, alínea a), valendo-se como garantia ao correto desenvolvimento da execução penal.
Com efeito, o princípio da legalidade, também chamado de reserva legal, é um dos princípios fundamentais para o Estado Democrático de Direito, implicando na limitação estatal do direito de ir e vir do cidadão. No tocante à execução penal, o magistrado deve observar o preenchimento dos requisitos previstos em lei para que possa conceder ao apenado os benefícios legais.
1.1.4 O princípio da individualização da pena
Esse princípio, trata-se de uma das garantias essenciais para o condenado quando do cumprimento das penas, previsto no art. 5º, XLVI, 1ª parte e na Lei de Execução Penal em seu art. 5º. O princípio da individualização destina-se principalmente ao legislador infraconstitucional, que ao estabelecer penas para determinados crimes, deve observar o que dispõe o texto constitucional em relação às sanções possíveis para o sistema de penas brasileiro, como a privação ou restrição da liberdade.
Portanto, cabe ao legislador observar o princípio supracitado ao condenar e aplicar uma pena ao apenado, devendo escolher uma das espécies de pena dentre aquelas cominadas na lei para o crime cometido, fixando, em seguida, a quantidade da pena e, posteriormente o regime inicial para o cumprimento da pena aplicada.
Nesse sentido, a cada indivíduo cabe uma pena, e para sua particularização, a lei haverá que balizar-se nos parâmetros, cada qual com suas particularidades, peculiaridades e suas características objetivas que os individualizam.
1.1.5 O princípio da ressocialização
O princípio da ressocialização do apenado consolida o escopo primordial da execução da pena, ou seja, a reintegração do apenado à sociedade. Importante ressaltar, que a execução da pena não tem como único objetivo a exclusão do sentenciado do convívio social, pondo a salvo, desta forma, a sociedade de atos contrários à legislação, vez que o Estado deve tutelar os bens jurídicos dos indivíduos.
Desta feita, a execução tem pena de caráter de sanção, mas também de oferecer condições ao apenado em reintegrar-se ao seio da comunidade. Logo, a Lei de Execução Penal brasileira é clara quanto à finalidade ressocializadora da pena, embora se observe que os estabelecimentos penais brasileiros não disponibilizem programas efetivos para que este processo se concretize.
Neste contexto, Nogueira (1996, p.7), pontifica que a “pretensão de transformar a pena em oportunidade para promover a reintegração social do condenado esbarra em dificuldades inerente ao próprio encarceramento.
Destarte, não há dúvidas sobre a necessidade de se respeitar os direitos dos reclusos, embora muitos adeptos ao radicalismo defendam que a legislação carcerária brasileira é protecionista, é notório que a vida nos presídios não respeita os mínimos indícios do direito fundamental da dignidade da pessoa humana.
1.2 A evolução do sistema penitenciário no Brasil
A prisão na explicação filosófica diz respeito à confinação, o preso é separado da sociedade, da família, dos amigos e de outros contatos socialmente significativos, espera-se que o preso, no seu dia a dia confinado, possa vir a refletir sobre seu ato criminoso. Inobstante, o objetivo em si das prisões é a ressocialização do preso, para que quando exercida o cumprimento de sua pena, este poderá retornar a sociedade “liberto” dos atos criminosos que foram praticados.
Nesta toada, o Direito Penal em seu âmbito tem como finalidade regularizar e controlar a convivência entre os indivíduos, determinando as regras e normas na sociedade. De acordo com Cesare Beccaria (2007, p.30) em seu livro “Dos Delitos e das Penas”:
levantou-se em nome da humanidade e da razão, contra a tradição jurídica e a legislação penal de seu tempo, denunciando os julgamentos secretos, as torturas empregadas como meio de se obter a prova do crime, a prática de confiscar os bens do condenado”. Uma de suas teses é a igualdade, perante a lei, dos criminosos que cometem o mesmo delito. Suas ideias se difundiram rapidamente em todo o mundo civilizado, sendo aplaudidas por Voltaire, Diderot e Hume, entre outros, e sua obra exerceu influência decisiva na reformulação da legislação vigente da época, estabelecendo os conceitos que sucederam. (BECCARIA, 2007, p.30)
Beccaria (1999) ainda afirma que não houve quem se ocupasse suficientemente para reformar as irregularidades dos processos criminais, a legislação tão importante. Assim, demonstrando já de início onde se encontra a falha com as prisões, os presos, o sistema, o Estado, entre outros exemplos. Raramente se procurou desarraigar, em seus fundamentos, as séries de erros acumulados desde há historicidade das prisões no Brasil, e muito poucas pessoas procuraram reprimir e ter a autoridade suficiente para tentar a resolução dos erros ou falhas do sistema prisional.
O sistema penitenciário brasileiro foi marcado por episódios que apontam para o descaso em relação às políticas públicas na área penal, bem como para a edificação de modelos aos quais se tornaram inviáveis quando de sua aplicação. Em 1830, o Brasil, devido a colonização portuguesa, ainda não tinha um Código Penal próprio. O que acarretou sua subordinação às Ordenações Filipinas, pautada nas penas de morte, penas corporais, degredo para as galés e outros lugares, confisco de bens e multa, recheados de humilhações públicas.
Nos primórdios da colonização o sistema penal brasileiro estava contido nas ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas. Elas consagravam a desigualdade de classes perante o crime, devendo o juiz aplicar a pena de acordo com a gravidade do caso e a qualidade da pessoa. Os nobres, em regra, eram punidos com multa; aos peões ficavam reservados os castigos mais pesados e humilhantes. (TELES, 1999, p. 59)
Em 1824, com a nova Constituição, o Brasil, começa a reformar o seu sistema punitivo próprio. Portanto, banem-se as penas de açoite, tortura e outras penas cruéis, onde foi determinada que as cadeiras devessem ser seguras, com uma boa proteção, boa higienização e bem arejadas, havendo inúmeras casas para a separação dos réus, conforme a circunstância e a natureza dos seus crimes cometidos. Todavia, a abolição não foi devidamente cumprida, pois se tratava da época em que os escravos ainda estavam sujeitos a elas.
No Brasil, foi a partir do século XIX que se deu início ao surgimento das primeiras prisões, marcadas com celas individuais e oficinas de trabalho, bem como arquitetura própria a pena de prisão. O Código Criminal do Império em 1830 implantou a pena de prisão no Brasil, dividindo-a em prisão com trabalho e prisão simples, não sendo mais estabelecido nenhum sistema penitenciário especificadamente, ficando assim, a cargo dos governos provinciais com a autoridade para escolher o tipo determinado de prisão e regulamentação.
Com a notoriedade da precariedade das prisões do Brasil, em 1828, foi determinada uma comissão pela Lei Imperial, a qual determinava que visitassem as prisões civil, militares e eclesiásticas para verificar o estado das prisões com a consequente realização de melhoramentos. Nesse sentido, com essa Lei Imperial, São Paulo em abril de 1829 foi o primeiro a relatar os problemas que existem até os dias atuais, são eles, a falta de espaço para os detentos e os que ainda aguardavam por julgamentos.
Com a construção das casas de correção no Estado de São Paulo e Rio de Janeiro, implantou-se modelos estrangeiros, como o sistema da Filadélfia e o de Aubum, ocorrendo as primeiras mudanças no sistema penitenciário brasileiro, introduzindo as oficinas de trabalho, pátios e celas individuais.
Com o advento do Código Penal de 1890, possibilitou-se o estabelecimento de novas modalidades de prisão, considerando que não mais haveria penas perpétuas ou coletivas, limitando-se às penas restritivas de liberdade individual, com penalidade máxima de até trinta anos, bem como prisão celular, reclusão, prisão com trabalho obrigatório e prisão disciplinar.
Em relação à execução das penas privativas de liberdade, temos a existência de três sistemas penitenciários, o sistema Filadélfia, o de Auburn, já supramencionados e por fim, o sistema Progressivo. Este último surgiu na Inglaterra no século XIX e considerava o comportamento e aproveitamento do preso, verificando sua boa conduta e trabalho e dividindo seu período em estágios, tendo por fim a liberdade condicional.
O sistema supramencionado é o que mais se aproxima do sistema adotado no Brasil. Nesta toada, o artigo 32 do Código penal apresenta os três tipos de penas previstas em nosso sistema, sendo elas, as penas privativas de liberdade, as restritivas de direitos e as penas de multa. Com o Código de 1890, a maioria dos crimes cometidos previa a pena de prisão celular, envolvendo trabalhos dentro da prisão, mas não havia estabelecimentos suficientes, ocorrendo um grande déficit de vagas.
Ocorre que esse problema enfrentado, diferenciava, como de costuma, a lei prevista e a realidade carcerária, o que acarretou a deterioração do ambiente prisional.
No ano de 1906, por exemplo, foram condenados 976 presos no estado de São Paulo à prisão celular, mas existiam apenas 160 vagas, portanto 816 presos (90,3%) cumpriam pena em condições diversas àquela prevista no Código Penal vigente.(SANTIS; ENGBRUCH, 2016, online).
Em 1905, é aprovada uma nova lei para substituição da antiga penitenciária, o novo estabelecimento previa 1.200 vagas, oficinas de trabalho, tamanho de celas adequado com boa ventilação e iluminação. Ocorre que o prédio foi entregue na data prevista, mas incompleto.
Desse modo, notório que o modelo de prisão acima exposto é adotado até os dias de hoje, onde também se encontra diversos déficits no estabelecimento, na lei e no sistema carcerário brasileiro. Logo, percebe-se que são muitos os fatores que fizeram que o sistema carcerário brasileiro chegasse à precariedade em que se encontra atualmente. Os pontos mais graves são: o abandono, a falta de investimento e o descaso do poder público.
1.3 A Lei nº 13.167/2015
A Lei nº 13,167/2015 alterou a LEP – Lei de Execuções Penais (Lei nº 7.210/84), desde sua redação original, sempre previu que, dentro do estabelecimento prisional, os presos provisórios deverão ficar separados dos presos condenados definitivamente. Esta determinação esta insculpida no art. 84, caput “Art. 84. O preso provisório ficará separado do condenado por sentença transitada em julgado.”.
Em síntese, o preso condenado definitivamente é aquele que foi condenado e a sentença já transitou em julgado, enquanto o preso provisório é aquele que ainda não foi condenado com a sentença transitada em julgado, estando, portanto, preso em virtude de uma prisão cautelar (provisória).
Nessa toada, a Lei nº 13.167/2015 criou critérios para a separação dos presos no estabelecimento prisional. Portanto, além de separar os presos em provisórios e condenados, o legislador entendeu necessário separá-los de acordo com a espécie do crime imputado.
O legislador estabeleceu essa medida com o propósito de promover a reintegração social dos reeducandos, impedindo que pessoas acusadas ou condenadas por crimes menos graves e violentos compartilhem o convívio cotidiano com aqueles que enfrentam acusações de crimes hediondos e violentos. Essa abordagem visa prevenir que criminosos habituais ou perigosos exerçam influência sobre os condenados que estão no início do seu processo de reeducação, os quais, em teoria, teriam uma maior probabilidade de se reintegrarem positivamente à sociedade.
Essa abordagem é comum em sistemas penitenciários e é baseada na ideia de que a convivência de infratores menos experientes com criminosos mais perigosos pode aumentar o risco de influência negativa, violência e reincidência. A segregação de presos com base na gravidade de seus crimes ou em seu histórico criminal é uma medida que visa a segurança dentro das prisões e a oportunidade de reabilitação para aqueles que estão mais propensos a se reintegrarem à sociedade.
2.O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO
De acordo com Machado e Guimarães (2014), o sistema prisional brasileiro possui como finalidade a ressocialização combinada com a punição da criminalidade. Nessa toada, o Estado assume o dever de combater os crimes, retirando o criminoso da sociedade, por meio do sistema prisional, privando este de sua liberdade.
Nesse contexto, de acordo com Mirabete (2014):
A falência de nosso sistema carcerário tem sido apontada, acertadamente, como uma das maiores mazelas do modelo repressivo brasileiro, que, hipocritamente, envia condenados para penitenciárias, com a apregoada finalidade de reabilitá-lo ao convívio social, mas já sabendo que, ao retornar à sociedade, esse indivíduo estará mais despreparado, desambientado, insensível e, provavelmente, com maior desenvoltura para a prática de outros crimes, até mais violentos em relação ao que o conduziu ao cárcere. (MACHADO; GUIMARÃES, 2014, p.569)
Portanto, de acordo com os autores supracitados, é visível que o Estado tem o compromisso de cumprir as normas estabelecidas a Lei de Execução penal nº 7.210/198412. Conforme ressalta possidente (2017), o sistema prisional brasileiro sofre vários tipos de precariedades, com isso há uma grande dificuldade para tornar real os direitos basilares do cidadão-preso, resultando em um déficit no sistema carcerário, entre elas, a superlotação nos presídios, falta de assistência médica, jurídica e social e os maus tratos sofridos pelos presos e suas famílias.
Os autores Olímpio e Marques (2015) trazem consigo o mesmo entendimento:
Atualmente, para a sociedade brasileira, o preso passou por um processo de animalização. Este último decorre da perda da natureza humana do apenado, proveniente de um processo discriminatório histórico, bem como dos altos índices de violência e criminalidade que assolam o país. Assim, diante de tal cenário, a sociedade acaba por vislumbrar a pena privativa de liberdade como uma vingança, devendo o apenado permanecer isolado, sofrendo todas as consequências de sua ação delitiva, sem primar por sua reinserção no seio social, caracterizando um recuo no que concerne aos princípios e fundamentos penais e sociais da prisão.
Desse modo, a chamada "animalização" dos detentos pelos autores supracitados, na qual a sociedade os vê como menos humanos devido a uma série de fatores, é um problema que tem raízes profundas na história do país e é agravado por altos índices de violência e criminalidade. Essa percepção pode resultar em uma abordagem punitiva excessiva em relação aos presos, onde a pena privativa de liberdade é vista como uma forma de vingança, em vez de um meio para a ressocialização e a reintegração na sociedade.
Na realidade do atual sistema carcerário vigente, as penitenciárias tornaram-se locais inadequados para ressocializar o condenado, sendo um ambiente competente para a potencialização dos delinquentes e organização de criminosos clássicos, no caso, daqueles designados criminosos eventuais. O presídio, portanto, atua de maneira negativa sobre o detento, de forma antagônica ao seu precípuo objetivo ressocializador. Portanto acerca da necessidade do cuidado com os detentos, Sarlet (2002, p. 62) assevera o seguinte:
A qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos (SARLET, 2002 p.62).
O poder que o Estado possui para punir é inegável, é até mesmo vital para a manutenção da harmonia social, no entanto, essa essencialidade não torna esse poder absoluto ou mesmo arbitrário. Cabe sim ao Estado aplicar a lei, mas também cabe a ele, garantir ao punido, direitos básicos, que apenas objetivam manter aquele infrator, que, diga-se de passagem, ainda é um cidadão, dentro de um círculo essencial de proteção.
Dadas as peculiaridades de cada Unidade Prisional ao estabelecer normas aos indivíduos privados de liberdade, a Lei de Execução Penal os garante a assistência social, que tem por finalidade o amparo e a preparação para o retorno à liberdade, sendo-lhes oferecida a recreação pelos meios disponíveis nas Unidades. Essa recreação é desenvolvida nas Unidades Prisionais, objetivando momentos de lazer que trabalhem a ressocialização dos indivíduos (DULLIUS, HARTMANN, 2011).
Portanto, visível que o sistema prisional brasileiro tem como objetivo a ressocialização e punição da criminalidade. O Estado assume a responsabilidade de combater os crimes, isolando o criminoso da sociedade através da prisão, privando-o de sua liberdade. Sobre esse posicionamento, Foucault (1987, p.102) ensina que:
[...] a reforma propriamente dita, tal como ela se formula nas teorias do direito ou que se esquematiza nos projetos, é a retomada política ou filosófica dessa estratégia, com seus objetivos primeiros: fazer da punição e da repressão das ilegalidades uma função regular, extensiva à sociedade; não punir menos, mas punir melhor; punir talvez com uma severidade atenuada, mas para punir com mais universalidade e necessidade; inserir mais profundamente no corpo social o poder de punir.
O nosso sistema carcerário é revestido de falências conforme expressa Mirabete (2014), sendo uma das maiores mazelas ao modelo repressivo brasileiro, que envia condenados para penitenciárias, com a mera finalidade de reabilitá-lo ao convívio social, mas sabendo que ao retornar à sociedade, esse indivíduo estará mais despreparado, desambientado, insensível e com maior desenvoltura para a prática de crimes.
2.1 A Violação dos direitos humanos no sistema carcerário brasileiro
Primeiramente, faz-se importante definir o conceito de direitos humanos como um conjunto de normas que protegem e reconhecem as condições mínimas de existência de todos os seres humanos. Desse modo, os direitos humanos regulam o modo como os cidadãos convivem no meio social e em suas relações privadas, assim como seu vínculo com o Estado e as obrigações que o Estado tem para com os indivíduos.
Posto isto, têm-se que os direitos humanos são direitos inerentes a todas as pessoas, independentemente de raça, gênero, religião, origem étnica, orientação sexual, nacionalidade ou qualquer outra característica. Esses direitos são universalmente reconhecidos e protegidos e incluem o direito à vida e à liberdade de opinião e expressão, direito ao trabalho e à educação, entre muitos outros.
Sendo assim, são direitos que detém a característica da universalidade e que se direcionam tanto aos que tiverem submetidos ao encarceramento, independentemente do crime a qual cometeram, como aos que se encontram em liberdade. Por conseguinte, apesar dos direitos humanos deterem a função de resguardar a integridade física e moral dos seres humanos diante das ações e omissões estatais, verifica-se que diversos desses direitos são negados à aqueles que se encontram sob a custódia estatal, conforme assegurado pela Carta Magna Brasileira de 1988:
Art. 5° Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante; [...] XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral; (BRASIL, 1988)
Conforme o conteúdo do referido artigo, é possível concluir que o Estado ainda não conseguiu garantir de forma eficaz os direitos dos detentos, levando a violações frequentes desses direitos. O principal fator por trás disso é a falta de atendimento às necessidades básicas dos presos, o que resulta em uma clara violação de sua integridade física e moral.
A infringência aos direitos humanos do contingente segregado no Brasil pode ser considerada uma constante. A não observância das condições básicas à vida digna transforma o sistema prisional nacional em espaço geograficamente delimitado de afronta às diretrizes da Constituição Federal de 1988 e da Lei de Execução Penal. (CASTRO; WERMUTH, 2021, p. 30)
Portanto, vê-se que a garantia dos direitos dos detentos é uma responsabilidade do Estado e das autoridades prisionais, a falta de assistência material adequada e condições higiênicas prejudica não apenas a integridade física e a saúde dos presos, mas também a sua reabilitação e reintegração à sociedade após o cumprimento da pena.
Segundo a Lei de Execução Penal em seus artigos 12 e 14 o preso ou internado, terá assistência material, em se tratando de higiene, a instalações higiênicas e acesso a atendimento médico, farmacêutico e odontológico. No entanto, a realidade atual não é bem assim, pois muitos dos presos estão submetidos a péssimas condições de higiene. Ressaltando-se que as condições higiênicas em muitos estabelecimentos prisionais são precárias e deficientes, além do acompanhamento médico inexistir em alguns presídios. (MACHADO; GUIMARÃES, 2014, p. 08)
Dessa forma, como destacado pelos autores, o sistema prisional brasileiro enfrenta atualmente um cenário caótico, marcado por condições precárias e desorganização. Essa situação é resultado do descaso do Estado, da superlotação e da ausência de uma estrutura adequada, o que, por sua vez, dificulta o processo de reabilitação dos detentos e mina os esforços para promover sua reintegração à sociedade.
2.2 As principais causas da reincidência criminal no contexto brasileiro
Primeiramente, é importante estabelecer o conceito de reincidência criminal, que se refere à ocorrência de um novo delito após um indivíduo ter sido condenado por um crime anterior, desde que não tenham transcorrido cinco anos entre o cumprimento ou a extinção da pena pelo delito anterior e a prática do novo crime. É relevante observar que esse conceito jurídico se encontra claramente regulamentado nos artigos 63 e 64 do Código Penal.
Art. 63 - Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) (BRASIL, 1940) Art. 64 - Para efeito de reincidência:
I - não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
II - não se consideram os crimes militares próprios e políticos. (BRASIL, 1940).
Os artigos supramencionados regulam a reincidência e estabelecem requisitos necessários para justificação na incidência da agravante da reincidência, tendo como marco inicial a contagem do período delimitador da reincidência, o cumprimento ou a extinção da pena imposta pela sentença condenatória, e não o seu trânsito em julgado.
Todavia, somente depois do trânsito que a condenação se torna definitiva e caso o acusado cometa nova infração penal, poderá ser considerado reincidente, contando que não tenha ultrapassado o período depurador. Ademais, no que diz respeito ao índice de reincidência legal, tem-se um levantamento realizado pelo Departamento de Pesquisas Judiciárias do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que expõe:
O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) indicou ser senso comum a informação de que o fenômeno no país tivesse uma taxa em torno de 70%, isto é, a cada dez pessoas liberadas do sistema prisional, sete voltariam a cometer novos crimes e, portanto, seriam detectadas e processadas por órgãos do sistema de justiça criminal. (BRASIL, CNJ, 2019)
Conclui-se acerca da citação mencionada, que o Brasil possui uma alta taxa de reincidência criminal, ou seja, após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, grande maioria dos condenados voltam a cometer novo crime, o que caracteriza um sistema carcerário falho que não cumpre com a sua função ressocializadora e nem promove a garantia dos direitos intrínsecos dos apenados.
A Lei de Execução Penal tem muitos instrumentos para contribuir na problemática da reincidência, possuindo recursos necessários para alterar o panorama em que hoje se encontra o sistema prisional. Se fosse literalmente aplicada, alcançaria benefícios não só para os detentos, mas para a sociedade de uma forma geral. (ABBADIE; ARÃO; MATTOS, 2021)
De acordo com os autores, a reincidência está principalmente ligada a omissão do próprio texto legal, isso se dá porque embora a LEP disponha expressamente acerca de inúmeras garantias aos em que se encontram em pena privativa de liberdade, ela não é integralmente aplicada, ocasionando o insucesso na recuperação do indivíduo.
Um dos fatores que podem ser analisados para constatar o fracasso das prisões, é o elevado índice de reincidência, apesar de presumir que exista um trabalho de reabilitação do preso, já que a principal função do sistema prisional é ressocializar, a prática vem mostrando diferente. O que de fato ocorre nas prisões não só no Brasil, como também em grande parte do mundo é que a realidade violenta e opressiva só serve para reforçar os valores negativos do condenado. (BITENCOURT, 2011, p. 164)
Resumidamente, o Estado detém o direito de aplicar sanções como resposta a atos criminosos, além de buscar a reintegração social do condenado como meio de prevenir a reincidência. No entanto, apesar da existência de uma série de recursos na Lei de Execução Penal (LEP) para atingir esses objetivos, o Estado não disponibiliza a infraestrutura necessária para efetivar tais disposições. Isso resulta na falta de cumprimento eficaz dos dispositivos legais pertinentes.
Segundo Goofman (1975) o estigma é definido como uma marca (visível ou não) que torna a pessoa diferente do que a sociedade espera dela. O estigma abre pouca possibilidade à mudança e vem carregado de uma série de valores de maneira que quem o carrega provavelmente sempre irá carregar e a sociedade esperará deste indivíduo uma conduta compatível a todos os portadores deste estigma.
No Brasil, existem diversos estudos sobre estigma que, de alguma forma, fazem referência a Goffman (1975). O conceito de estigma tem raízes antigas, remontando à Grécia Antiga, quando eram utilizadas marcas corporais para identificar e segregar ladrões ou escravos. O estudo de Goffman (1975) trouxe uma revolução ao destacar que, na sociedade moderna, os estigmas não se limitam mais apenas a marcas físicas visíveis, mas também englobam características, identidades ou condições que levam à estigmatização social, afetando a maneira como as pessoas são percebidas e tratadas. Goffman (1975) enfatizou a importância do estigma como uma construção social que pode levar à exclusão e ao preconceito, tendo um impacto significativo na vida das pessoas.
Dessa forma, Omote (2004, p. 295) mostra como se deu esta substituição:
Se as marcas corporais eram produzidas com a finalidade de sinalizar às pessoas que o seu portador era um ladrão, traidor ou escravo, alguém de status moral inferior, com quem deveria ser evitado qualquer contato mais próximo, evidentemente a sua imediata e inconfundível visibilidade era imprescindível. A marca social que representa hoje o estigma não é visível, mas a manipulação que se faz do estigma e o tratamento especializado dispensado ao estigmatizado podem aumentar a visibilidade da condição especial desse indivíduo.
Schilling e Miyashiro (2008) definem o estigma como uma marca, mancha, ou algo considerado indigno ou vergonhoso. Omote (2004, p.294) descreve o termo como uma condição social de desgraça e descrédito, referindo-se a ele como uma "marca social", uma espécie de mancha ou mácula social que distingue alguém como diferente das pessoas consideradas comuns, frequentemente com conotação depreciativa, classificando a pessoa como inferior.
É importante ressaltar que o estigma se diferencia do preconceito em relação à sua aceitação social. Enquanto o preconceito é amplamente considerado politicamente incorreto, o estigma é frequentemente profundamente naturalizado, assemelhando-se a uma espécie de condição congênita, algo que é largamente aceito pela sociedade, tornando-se parte integrante de como as pessoas são percebidas e tratadas.
Se o preconceito é algo que emerge nas falas dos entrevistados como algo que incomoda e provoca indignação, o estigma evidencia algo que extrapola uma atitude de prejulgamento, como “sinal infamante, indigno e desonroso, mancha infamante na reputação de alguém” pressupõe a contaminação, o contágio, a transmissão, tornando urgente e necessário o isolamento do agente contaminador. Essa ideia de contágio parte em alguma medida da crença de que algo foi herdado ou adquirido no convívio social. (SCHILLING e MIYASHIRO, 2008, p. 248)
Portanto, neste contexto, torna-se óbvio que os detentos carregam estigmas, já que eles retratam exatamente o que a sociedade não espera de seus membros. Além do mais, a população encarcerada costuma ser excluída socialmente, pois já carregam os estigmas da miséria e da segregação.
A pobreza e o estereótipo da marginalidade são associados muitas vezes ao crime. A pobreza é vista como a causa da criminalidade e os pobres como os seus autores. O medo do crime acaba se tornando medo dos pobres, que também são estigmatizados. O sistema penal alcança mais depressa os pobres e os negros. (KOSMINSKY; PINTO; MIYASHIRO, 2005, p. 56)
Dessa forma, a pobreza frequentemente é erroneamente considerada como a raiz da criminalidade, e as pessoas de baixa renda são estigmatizadas como potenciais perpetradores. Esse estigma muitas vezes resulta no medo do crime, que, por sua vez, se transforma em medo das pessoas economicamente desfavorecidas, que também sofrem estigmatização. É notável que o sistema penal, de maneira desproporcional, atinge mais rapidamente e com maior frequência indivíduos pobres e de etnia negra. Isso evidencia as disparidades e preconceitos presentes no sistema de justiça criminal.
Para Goffman (1975, p.57), “uma pessoa com ordem de prisão pode contaminar legalmente qualquer um que seja visto em sua companhia, expondo-o à prisão como suspeito”. O estigma do preso pode se estender para toda a rede de relações que o cercam, sendo que as pessoas que o visitam recebem o rótulo pejorativo de “mulher de preso”
O estigma — que pressupomos cercar os presidiários — se estende para além do indivíduo encarcerado, passando para as pessoas que se relacionam diretamente com eles, seus familiares ou amigos, o que permite à sociedade considerá-los uma só pessoa. A sociedade os vê de maneira fundida: a mulher de presidiário ou o filho de presidiário. Com base nesses pressupostos, podemos concluir que o olhar estigmatizante que é direcionado à família do presidiário é uma extensão do estigma que o cerca (SCHILLING e MIYASHIRO, 2008, p. 248).
Portanto, é verdade que um preso estigmatizado frequentemente enfrenta dificuldades significativas na reintegração à sociedade e na retomada de atividades legítimas. Essas barreiras sociais e econômicas podem aumentar a probabilidade de que o indivíduo retorne ao crime. O estigma e a falta de apoio adequado podem criar um ciclo vicioso que torna difícil para ex-detentos encontrar emprego, moradia e apoio social, levando muitos deles a recorrer novamente a atividades criminosas como uma alternativa para sobreviver.
Os presidiários são estigmatizados pela sociedade, desacreditados, são tratados de maneira sub-humana nos presídios superlotados e o cumprimento da pena não os torna socialmente aceitos. A marca de ex-presidiário coloca barreiras no convívio social, impossibilitando acesso, entre outras coisas, ao mercado de trabalho. (KOSMINSKY; PINTO; MIYASHIRO, 2005, p. 51)
Concordo que não apenas a falta de reinserção, mas a própria experiência no sistema prisional pode, em alguns casos, estimular a reincidência criminal. O que observamos é que as instituições muitas vezes falham em seus esforços de ressocialização dos detentos, e os estigmas associados à figura do ex-detento apenas agravam essa situação. Além disso, a população dos municípios que abrigam prisões frequentemente enfrenta o medo e a preocupação relacionados a essa figura estigmatizada. Portanto, é evidente que existem desafios significativos tanto na ressocialização quanto na aceitação da sociedade em relação aos ex-detentos, e é fundamental abordar essas questões para promover uma reintegração bem-sucedida e para reduzir o impacto negativo nas comunidades.
2.4 A prisão como método de vingança
Roxin (2004, p.57) define que "o estabelecimento da paz jurídica é o único que legitima a pena, que deve adquirir um sentido construtivo." O caráter retributivo e ressocializador da pena está intrinsecamente ligado à própria ideia de prisão, pois esta é uma consequência de condutas antijurídicas que violam preceitos legais e, por conseguinte, são consideradas socialmente perigosas. No entanto, a concepção de prisão não pode se restringir unicamente ao aspecto retributivo. Mais importante do que simplesmente punir o crime é proporcionar ao infrator a oportunidade de ressocialização.
Nesse sentido, o artigo 10 da Lei de Execuções Penais é esclarecedor ao afirmar que "A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade." Isso ressalta o caráter ressocializador da prisão, como Roxin (2004) descreve "construtivo". A razão para a segregação do indivíduo do convívio social é precisamente possibilitar a reconstrução de seus princípios morais e éticos, com o propósito de reintegrá-lo posteriormente à sociedade, prevenindo assim a reincidência criminosa e o desajuste social. No entanto, como já é amplamente conhecida, a teoria e a prática frequentemente se distanciam substancialmente.
Na sociedade brasileira contemporânea, observa-se que o preso muitas vezes é submetido a um processo de "animalização". Esse fenômeno decorre da perda da dignidade e da humanidade do indivíduo condenado, um processo enraizado em discriminações históricas, além dos elevados índices de violência e criminalidade que afetam o país. Diante desse cenário, a sociedade passa a enxergar a pena privativa de liberdade não como uma oportunidade para a reintegração do apenado na comunidade, mas sim como uma forma de vingança, na qual o condenado é visto como merecedor de isolamento e de todas as consequências de seu delito.
Essa perspectiva representa um retrocesso em relação aos princípios e objetivos originais do sistema penal e das instituições sociais da prisão. A disseminação dessas ideias é um reflexo do sistema falho que frequentemente não atinge seus objetivos e, em vez disso, tenta normalizar a situação. A sociedade, assim, é constantemente condicionada a pensar dessa maneira, incapaz de enxergar alternativas eficazes para abordar o problema da criminalidade e da justiça penal.
Portanto, a pena privativa de liberdade muitas vezes é percebida e utilizada como uma forma de vingança, em vez de cumprir seu propósito original de retribuição, ressocialização e prevenção. Essa perspectiva, que enfatiza o sofrimento e o castigo do infrator, pode levar a um ciclo de retribuição que não contribui eficazmente para a reintegração do condenado na sociedade nem para a redução da reincidência criminal. É importante que o sistema de justiça criminal busque equilibrar a punição com a possibilidade de reabilitação e reintegração, a fim de cumprir seus objetivos mais amplos e promover uma abordagem mais justa e eficaz para lidar com a criminalidade.
A realidade brasileira evidencia uma ressocialização deficitária, considerando diversos fatores que permitem avaliar essa forma de reintegração do preso à sociedade e a maneira como o Estado, enquanto responsável por essa ressocialização, vem implementando essas transformações com base na Lei de Execução Penal e demais legislações processuais penais existentes.
As penas privativas de liberdade, que antes eram vistas como uma solução para o problema da violência e ilegalidade, passam a ser desmistificadas e analisadas sob uma nova perspectiva, sendo enquadradas em outro contexto. Atualmente, são consideradas ineficazes para promover mudanças na condição do preso durante o cumprimento da pena.
A reclusão do preso, afastando-o do convívio social para evitar a reincidência e proteger a sociedade, ainda é um aspecto positivo das penas privativas de liberdade. Elas atuam diretamente na contenção daqueles que possuem um perfil mais questionável, representando uma ameaça aos outros membros da sociedade.
Contudo, a privação de liberdade é um dos poucos elementos que ainda justificam as penas privativas de liberdade em determinadas situações, especialmente em crimes de grande potencial lesivo, que demandam punições mais severas. A pena privativa de liberdade é considerada a pena mais elevada dentro do sistema penal brasileiro.
No entanto, no âmbito do trabalho e, sobretudo, para a sociedade de forma concreta, as penas privativas de liberdade não têm alcançado consistência e não têm favorecido positivamente a ressocialização daqueles que cumprem penas em estabelecimentos penais, especialmente os condenados por crimes de maior gravidade.
A ineficácia da legislação processual penal brasileira, associada à falta de ação do Estado e ao descaso da sociedade, tanto na participação no processo de ressocialização quanto na exigência de posicionamento do Estado para solucionar essas deficiências, são desafios significativos para a efetiva reintegração.
A ressocialização depende da união de todos os membros da sociedade e do Estado. O Estado seria responsável por financiar e gerenciar essa reintegração, enquanto a sociedade desempenharia um papel crucial ao acolher o detento, desde a fase de cumprimento da pena, para que ele se adapte novamente à convivência social. Dessa forma, ao final do cumprimento da pena, estaria preparado para reintegrar-se plenamente à sociedade.
Portanto, conclui-se que embora existam diversas medidas para tentativa de ressocialização e integração do preso à sociedade, essas alternativas não são efetivamente
aplicadas, tornando o meio social dos presídios brasileiros um verdadeiro caos e inferno dantesco, deixados à margem do crime e da estigmatização social.
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graduando em Direito. Assistente jurídico .
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SAMPAIO, GABRIEL CANNIZZA PELLON. Os efeitos das condições prisionais sobre a reincidência penitenciária: uma análise sobre os impactos da superlotação prisional e da estigmatização social Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 nov 2025, 04:12. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/69875/os-efeitos-das-condies-prisionais-sobre-a-reincidncia-penitenciria-uma-anlise-sobre-os-impactos-da-superlotao-prisional-e-da-estigmatizao-social. Acesso em: 11 nov 2025.
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