Aproveitando o calor das discussões em torno do ICMS-DIFAL, reacendidas pelo julgamento do Tema 1.266 no Supremo Tribunal Federal, convém destacar um aspecto técnico que tem gerado embates complexos — e, não raras vezes, confusos — nos tribunais estaduais: a definição da base de cálculo no Estado de destino quando a operação é destinada a contribuintes do imposto. Não obstante, a proposta deste artigo é lançar luz sobre esse ponto sob um ângulo pouco explorado pela doutrina e pelos debates judiciais, mas cujos reflexos são significativos para a segurança jurídica e para a preservação do equilíbrio federativo.
Com efeito, o ICMS-DIFAL foi introduzido pela Emenda Constitucional nº 87/2015, que redesenhou a partilha do imposto nas operações interestaduais destinadas a consumidor final. A alteração buscou atenuar a concentração de receitas nos Estados de origem, promovendo maior equilíbrio na arrecadação. O dispositivo constitucional é claro ao estabelecer que:
VII – nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final, contribuinte ou não do imposto, localizado em outro Estado, adotar-se-á a alíquota interestadual e caberá ao Estado de localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna do Estado destinatário e a alíquota interestadual. (art. 155, § 2º, VII, CF)
Apesar da nova norma constitucional, a disciplina específica aplicável a contribuintes surgiu apenas com a Lei Complementar nº 190/2022. Para definir a grandeza a ser tributada, o art. 13, § 6º, nos incisos I e II, previram uma sistemática própria: no Estado de origem, a base de cálculo é composta considerando a alíquota interestadual; no Estado de destino, a base é recomposta com fundamento na alíquota interna.
Ipsis litteris, a chamada técnica da “dupla base” trabalha do seguinte modo:
I – a alíquota interestadual serve de parâmetro para a base de cálculo no Estado de origem;
II – a alíquota interna serve de parâmetro para a base de cálculo no Estado de destino.
O impacto prático pode ser ilustrado com exemplo simples. Imagine operação de R$ 10.000,00, sujeita a alíquota interestadual de 12% e interna de 18% no destino. Na origem, aplica-se a fórmula prevista na Lei Kandir: R$ 10.000 / (1 – 12%) → obtida a base, aplica-se a alíquota de 12%, sendo o tributo devido de R$ 1.363,64. Já no destino, a lei determina que se recomponha a base com a alíquota interna: R$ 10.000 / (1 – 18%), para então aplicar a diferença de alíquotas (18% – 12% = 6%) e recolher o valor de R$ 731,71. Em esforço ilustrativo:
| Estado | Fórmula da Base de Cálculo | Base de Cálculo | Alíquota Aplicável | Valor do Tributo | 
| Origem | 10.000 / (1 – 12%) | R$ 11.363,64 | 12% | R$ 1.363,64 | 
| Destino | 10.000 / (1 – 18%) | R$ 12.195,12 | 6% (DIFAL) | R$ 731,71 | 
Ocorre que essa técnica se afasta do comando constitucional. A Carta é categórica ao vincular o cálculo do ICMS devido ao Estado de destino à diferença entre a alíquota interna e a interestadual. 
Logo, o parâmetro para a definição da base de cálculo não pode ser a alíquota interna pura, mas sim o próprio diferencial, conforme determina o art. 155, § 2º, VII, da CF.  A recomposição da base pela alíquota interna, como impõe a LC nº 190/2022, extrapola os limites constitucionais e produz aumento indevido da carga tributária.
Um passo atrás. Como se sabe, no âmbito do ICMS, é imprescindível compreender o chamado cálculo “por dentro”. Em linhas precisas, a base de cálculo não corresponde ao valor puro da operação, mas este acrescido do próprio imposto — que se encontra embutido na sua formação. Assim, quando a Constituição dispõe que o imposto devido ao Estado de destino deve corresponder exclusivamente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual, o que pretende é limitar a cobrança ao ICMS resultante desse diferencial, sem qualquer ampliação artificial.
Nessa lógica, a recomposição da base de cálculo estado de destino deve considerar o diferencial de alíquotas — e não a alíquota interna —, pois é justamente essa a parcela exigível pelo ente destinatário. Retomando o exemplo: na origem, mantém-se o procedimento da Lei Kandir: 10.000 / (1 – 12%) — obtida a base, aplica-se a alíquota de 12%. Por sua vez, no destino, a técnica correta é: 10.000 / (1 – 6%), sendo 6% o diferencial — famoso DIFAL. Sobre essa base, aplica-se, enfim, a alíquota de 6%, chegando ao montante de R$ 638,30 a ser recolhido ao Estado destinatário. Veja a tabela:
| Estado | Fórmula da Base de Cálculo | Base de Cálculo | Alíquota Aplicável | Valor do Tributo | 
| Origem | 10.000 / (1 – 12%) | R$ 11.363,64 | 12% | R$ 1.363,64 | 
| Destino | 10.000 / (1 – 6%) | R$ 10.638,30 | 6% (DIFAL) | R$ 638,30 | 
Em contrário sensu, o inciso II do § 6º do art. 13 da LC nº 87/1996, na redação dada pela LC nº 190/2022, impõe recomposição pela alíquota interna, gerando efeito multiplicador sobre a arrecadação do Estado de destino. Explica-se: a incidência sobre base recomposta por esse critério produz valor superior ao que resultaria da aplicação direta do diferencial sobre a base original, configurando aumento disfarçado de tributo. Tal engenharia legislativa, embora apresentada como mero método de cálculo, representa alteração de carga tributária e, portanto, demanda respaldo constitucional — que inexiste.
Dito de outra forma: pelo critério adotado pela LC nº 190/2022 — e reproduzido nas legislações estaduais — o valor recolhido ao Estado de destino, no exemplo dado, resulta acrescido em R$ 93,41 além do montante efetivamente autorizado pela Constituição.
Ainda que se argumente que a Lei Kandir dispõe de liberdade para definir a base de cálculo, amparando-se no art. 146, III, da CF, tal justificativa não se sustenta. A Carta Magna não outorga à lei complementar a prerrogativa de inovar para além dos contornos previamente estabelecidos, sobretudo quando a própria Constituição já delimitou, de forma expressa, o critério de cálculo aplicável. No caso em análise, a disciplina infraconstitucional ultrapassa esses limites, ao instituir método que desfigura a determinação constitucional de que o imposto devido ao Estado de destino corresponda unicamente à diferença entre as alíquotas.
Por conseguinte, a conclusão é inequívoca: o art. 13, § 6º, II, da LC nº 87/1996, na forma conferida pela LC nº 190/2022, é inconstitucional por violar o desenho do DIFAL-Contribuintes traçado no art. 155, § 2º, VII, da Constituição. Isso posto, o cálculo devido ao Estado de destino deve incidir sobre o valor operação, recomposto apenas pelo diferencial de alíquotas, preservando o equilíbrio federativo e a proporcionalidade fiscal que inspiraram a EC nº 87/2015.
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