PABLO JUAN ESTEVAM MORAIS: Advogado Tributarista
RESUMO: O judiciário tem se posicionado em favor do Contribuinte, excluindo aplicação de alíquota de 18% de ICMS sobre operações de empresas optantes pelo Simples Nacional. Este artigo examina a decisão proferida nos autos do Processo nº 5004965-61.2023.8.13.0431, na qual foi reconhecida a ilegalidade da aplicação da alíquota de 18% de ICMS a microempresa optante pelo Simples Nacional, quando as operações já se encontravam acobertadas por documentos fiscais, especificamente pelas informações prestadas pelas administradoras de cartões de crédito e débito.
1. Introdução:
A cobrança de ICMS fora das regras do Simples Nacional a empresas optantes pelo regime especial tem sido objeto de intensos debates, especialmente quando fundamentada em suposta ausência de documento fiscal. A decisão analisada representa mais um precedente relevante, ao afastar a aplicação da alíquota de 18%, prevista para operações desacobertadas de documentação fiscal, em casos nos quais as informações prestadas pelas administradoras de cartões já configuram documento fiscal nos termos da legislação estadual.
2. Contexto Fático:
Uma Microempresa foi intimada pelo Estado de Minas Gerais acerca de inconsistências entre as informações declaradas no regime do Simples Nacional e os dados fornecidos pelas administradoras de cartão de crédito e débito.
Em razão da divergência, foi lavrado o Termo de Autodenúncia nº 05.000320655-91, aplicando-se alíquota de 18% sobre as operações. A autuação considerou que tais operações estariam desacobertadas de documento fiscal, enquadrando-as no art. 15, VII, “a”, da Lei Estadual nº 15.219/2004 e no art. 13, §1º, XIII, “f”, da Lei Complementar nº 123/2006.
Geralmente, os empresários ao serem intimados, são coagidos a assinar o referido termo de Autodenúncia, sendo alertados pela autoridade que o não parcelamento, além de aumentar o valor da multa, implica em instauração de procedimento criminal em seu desfavor; deste modo, aceitam o valor apurado pelo Estado e iniciam o parcelamento, sem questionar o montante da dívida.
3. Dos Fundamentos Jurídicos:
3.1 Da Natureza das informações prestadas por administradoras de cartões
Ocorre que o artigo 132, III, do RICMS/MG dispõe expressamente que as informações fornecidas pelas administradoras de cartão de crédito ou débito “são consideradas documentos fiscais” para todos os efeitos legais. O mesmo teor foi reproduzido no art. 93, III, do RICMS/2023.
Assim, havendo documento fiscal - ainda que de natureza distinta da nota fiscal convencional - não se configura hipótese de “operação desacobertada de documento fiscal” que justificaria a aplicação da alíquota diferenciada do regime comum.
3.2 Aplicação do art. 13, §1º, XIII, “f” da LC 123/2006:
O referido dispositivo determina que o recolhimento pelo Simples Nacional “não exclui a incidência do ICMS na operação ou prestação desacobertada de documento fiscal”.
A interpretação conferida pelo Estado, de que a mera divergência entre declarações equivaleria à ausência de documento fiscal, foi afastada pelo juízo, com fundamento de que o caso envolvia confronto entre dois documentos fiscais válidos que são as informações das administradoras de cartão de crédito/débito em confronto com a Declaração do Simples Nacional.
3.3 Capacidade contributiva e base de cálculo:
O magistrado também reconheceu violação ao princípio da capacidade contributiva (art. 145, §1º, CF), uma vez que o faturamento considerado não correspondia ao montante efetivamente auferido pela empresa. Parte das vendas envolvia animais de propriedade de terceiros, revertendo à autora apenas um percentual do valor total.
4. Jurisprudência Relevante:
O decisum alinhou-se à orientação consolidada do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, especialmente nos seguintes precedentes:
4.1 -TJMG – Apelação Cível nº 1.0000.19.016429-3/001 (Rel. Desª Alice Birchal, j. 03/07/2019): reconheceu que, havendo documento fiscal (informações de administradora de cartão), não se aplica a alíquota prevista para operações desacobertadas.
4.2 - TJMG – Apelação Cível nº 1.0000.19.079249-9/001 (Rel. Des. Armando Freire, j. 12/11/2020): determinou a desconstituição da dívida e o recálculo do ICMS conforme a alíquota do Simples Nacional.
4.3 -TJMG – Reexame Necessário e Apelação nº 1.0000.20.582645-6/001 (Rel. Des. Wander Marotta, j. 25/02/2021): reafirmou a impossibilidade de aplicar alíquota de empresa não optante do Simples quando as operações estão acobertadas por documentos fiscais.
Além disso, o STJ, no REsp nº 1.133.027/SP (repetitivo), firmou entendimento de que vícios na constituição do crédito tributário não são convalidados pela posterior confissão de dívida.
5. Dispositivo da Sentença:
O Juízo julgou procedente o pedido para:
a) Declarar a nulidade do crédito tributário no que tange à aplicação da alíquota de 18%;
b) Determinar o recálculo do ICMS conforme o regime do Simples Nacional e base de cálculo efetiva;
c) Condenar o Estado à repetição do indébito com juros e correção monetária.
6. Considerações Finais:
A decisão reitera a necessidade de interpretação restritiva das hipóteses de exclusão do tratamento diferenciado do Simples Nacional, em consonância com o art. 170, IX, da Constituição Federal. A caracterização de “operação desacobertada de documento fiscal” não pode ser presumida a partir de divergências formais, sob pena de afronta ao princípio da legalidade tributária e da capacidade contributiva.
Empresas optantes pelo Simples que se encontrem em situação semelhante devem analisar com rigor técnico os fundamentos da cobrança e, se necessário, buscar a via judicial para garantir a correta aplicação da legislação.
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