 
        ANTÔNIO AUGUSTO SOUZA DIAS JÚNIOR[1]
(coautor)
RESUMO: Não incidência de tributos sobre os softwares de jogos eletrônicos. Necessidade de identificar e diferençar software de suporte físico. Análise do Regulamento Aduaneiro e sua respectiva interpretação por parte da Administração Fazendária. Jurisprudência aplicável
INTRODUÇÃO
A indústria de jogos eletrônicos[2] movimenta cifras consideráveis, sendo um setor de entretenimento ainda mais pujante do ponto de vista econômico que a indústria do cinema e da música juntos[3]. Aliada a essa expressiva rentabilidade, as constantes evoluções tecnológicas encontram terreno fértil no mundo dos “games”.
Inicialmente, os jogos eletrônicos eram corporificados em cartuchos, como os utilizados nos consoles caseiros e portáteis “Atari”, “Master System”, “Mega Drive” e “Super Nintendo”, que dominaram esse mercado entre o final da década de 1970 e a primeira metade da década de 1990. Entre os anos 1994 e 1995, foi lançado o console “PlayStation”, com jogos em “CompactDisk” (CD), alavancando a popularização desse formato para os videogames[4].
A conexão com a internet, por sua vez, foi outra relevante inovação, ao permitir que jogadores de diferentes partes do mundo possam interagir, simultaneamente, em uma mesma plataforma. Finalizando esse breve histórico, merece menção ainda a difusão dos jogos pela tecnologia blockchain no segundo semestre de 2021, como é o caso do “Axie Infinity”[5], que se vale do conceito “play-to-earn”[6], onde os jogadores recebem recompensas em criptomoedas para jogar com personagens e itens (tokens não fungíveis) registrados na rede blockchain.
A “pegada econômica” da indústria de videogames, portanto, guarda estrita relação com o desenvolvimento tecnológico desse setor, diante das variadas formas de se desenvolver essa atividade. Por essa razão, a contextualização de suas diferentes manifestações pode ser relevante para a interpretação das normas jurídicas aplicáveis, inclusive no âmbito aduaneiro e tributário, como se verá adiante.
A Lei 14.852/2024 estabelece o novo marco legal para o desenvolvimento e comercialização no Brasil, mas trata de aspectos não especificamente relacionados ao desembaraço aduaneiro.
Atualmente o desembaraço aduaneiro para os jogos eletrônico no Brasil está jungido a um novo marco regulatório, a Lei 14.852/2024, que visa a fomentar o mercado.
A lei em comento trouxe um arcabouço regulatório que tem por escopo modernizar o tratamento que os jogos eletrônicos vinham recebendo.
O objetivo do novo marco regulatório é exatamente a inovação do setor, no momento em que se busca reduzir a burocracia e simplificar os tributos sobre a importação de componentes e dos jogos em si.
De acordo com a jurisprudência brasileira, vem sendo consolidado o entendimento, com base no Regulamento Aduaneiro - Decreto 6.759/2009 - de que para jogos em mídia física (como cartuchos ou discos), a base de cálculo deve versar apenas sobre o suporte físico, deixando, portanto, de computar o software dos jogos.
No presente estudo, será analisada a norma internalizada no ordenamento brasileiro a respeito do valor aduaneiro de suporte físico que contenha dados ou instruções para equipamento de processamento de dados (art. 81 do Regulamento Aduaneiro - Decreto 6.759/2009) e sua aplicação aos jogos de videogame.
Diante da multiplicidade de formas de manifestação da realidade econômica desse setor, será levantado o questionamento sobre a possibilidade da norma em comento ser aplicada de forma diferente de acordo com o estágio de evolução do setor de jogos eletrônicos.
Nessa linha, inicialmente, cumpre enfrentar a redação do dispositivo abordado:
Art. 81. O valor aduaneiro de suporte físico que contenha dados ou instruções para equipamento de processamento de dados será determinado considerando unicamente o custo ou valor do suporte propriamente dito (Acordo de Valoração Aduaneira, Artigo 18, parágrafo 1, aprovado pelo Decreto Legislativo no 30, de 1994, e promulgado pelo Decreto nº 1.355, de 1994; e Decisão 4.1 do Comitê de Valoração Aduaneira, aprovada em 12 de maio de 1995).
§ 1º Para efeitos do disposto no caput, o custo ou valor do suporte físico será obrigatoriamente destacado, no documento de sua aquisição, do custo ou valor dos dados ou instruções nele contidos.
§ 2º O suporte físico referido no caput não compreende circuitos integrados, semicondutores e dispositivos similares, ou bens que contenham esses circuitos ou dispositivos.
§ 3º Os dados ou instruções referidos no caput não compreendem as gravações de som, de cinema ou de vídeo.
Trata-se de norma diretamente inspirada na decisão 4.1 do Comitê de Valoração Aduaneira do GATT, posteriormente foi ratificado pelo Comitê de Valoração Aduaneira da OMC em 12 de maio de 1995. Tal decisão diz respeito à importação de software para equipamentos de processamentos de dados nos seguintes termos:
DECISÃO 4.1
VALORAÇÃO DOS SUPORTES FÍSICOS CONTENDO SOFTWARE PARA EQUIPAMENTOS DE PROCESSAMENTO DE DADOS
Em sua Décima Reunião, celebrada em 24 de setembro de 1984, o Comitê de Valoração Aduaneira adotou a seguinte decisão:
O Comitê de Valoração Aduaneira DECIDE o seguinte:
1. Reafirma-se que o valor de transação constitui a base primeira de valoração, segundo o Acordo sobre a Implementação do Artigo VII do GATT (doravante denominado “Acordo"), e que sua aplicação com respeito aos dados ou instruções (software) registrados em suportes físicos para equipamentos de processamento de dados está em plena conformidade com o Acordo.
2. Dada a situação única do gênero em que se encontram os dados ou instruções (software) registrados em suportes físicos para equipamentos de processamento de dados, e dado que algumas Partes têm buscado uma abordagem diferente, estaria também em conformidade com o Acordo que as Partes que assim o desejarem possam adotar a seguinte prática:
Na determinação do valor aduaneiro dos suportes físicos importados que contenham dados ou instruções, será considerado unicamente o custo ou valor do suporte físico propriamente dito. Portanto, o valor aduaneiro não compreenderá o custo ou valor dos dados ou instruções, desde que estes estejam destacados do custo ou valor do suporte físico.
Para os efeitos da presente Decisão, a expressão "suporte físico" não compreende os circuitos integrados, os semicondutores e dispositivos similares ou os artigos que contenham tais circuitos ou dispositivos; a expressão "dados ou instruções" não inclui as gravações de som, cinema ou vídeo.
3. As Partes que adotarem a prática mencionada no parágrafo 2 desta Decisão deverão notificar o Comitê sobre a data de início de sua aplicação.
4. As Partes que adotarem a prática mencionada no parágrafo 2 da presente Decisão deverão aplicá-la com base no princípio da nação mais favorecida (NMF), sem prejuízo de que qualquer Parte possa seguir recorrendo à prática do valor de transação.
Ao adotar a decisão acima, o Brasil introduziu uma disciplina peculiar para a determinação do valor aduaneiro dos bens e produtos físicos que possuem dados ou instruções para equipamento de processamento de dados. Por exemplo, uma mídia que contenha um software (dados ou instruções, nos termos da Decisão 4.1) a ser executado em um computador[7].
Segundo o racional da Decisão 4.1, inserida no art. 81 do Regulamento Aduaneiro, a situação única “em que se encontram os dados ou instruções (software) registrados em suportes físicos para equipamentos de processamento de dados” justificaria uma “abordagem diferente” para a determinação do valor aduaneiro dos produtos físicos que possuem tais dados ou instruções (software).
Em tais casos, o valor aduaneiro deve ser determinado considerando-se unicamente o custo ou valor do suporte físico propriamente dito.
Exclui-se do valor aduaneiro, portanto, o valor que poderia ser atribuído ao custo ou valor dos dados ou instruções, desde que estes estejam destacados do custo ou valor do suporte físico.
O art. 81, § 2º do Regulamento Aduaneiro acrescenta que o suporte físico beneficiado por esse regime especial de determinação de seu valor aduaneiro não compreende circuitos integrados, semicondutores e dispositivos similares, ou bens que contenham esses circuitos ou dispositivos.
E para definir melhor o que poderia ser entendido por “dados ou instruções” para processamento de dados, o § 3º do mesmo art. 81 explicita que tal expressão não compreende as gravações de som, de cinema ou de vídeo, não se aplicando a valoração aduaneira diferenciada para mídias contendo músicas ou filmes, por exemplo.
Introduzida a realidade econômica dos jogos de videogame e uma compreensão inicial do art. 81 do Regulamento Aduaneiro cumpre enfrentar a seguinte questão: os suportes físicos que veiculam jogos de videogames são abrangidos pela regra especial do dispositivo ora comentado?
A seguir serão apresentadas diferentes respostas, conforme a visão a ser adotada.
ARGUMENTOS PRÓ-CONTRIBUINTE:
Ao interpretar o art. 81 do Regulamento Aduaneiro, os contribuintes defendem sua aplicação à importação de jogos de videogames em mídias físicas como “CD”, “DVD” (Digital Video Disc) ou “Blu-Ray”. De acordo com essa interpretação, os jogos eletrônicos são classificados como “dados”, os quais devem ser excluídos da valoração aduaneira pelo art. 81 do Regulamento Aduaneiro. Essa posição pode ser verificada na seguinte passagem[8]:
Em suma, o caráter ambivalente dos jogos eletrônicos reforça a ideia de que, em última análise, são dados incutidos em um suporte, tais como um parecer jurídico ou uma fotografia, o que corrobora a nossa posição de que os tributos alfandegários apenas podem recair sobre o valor do suporte físico. De mais a mais, o suporte físico é essencial para a operação de importação dos jogos eletrônicos, de modo que faria sentido que o valor aduaneiro fosse pautado pelo meio, corroborando a prática internacional. A rigor, a discussão instaurada no presente ensaio serviu para definirmos que os jogos eletrônicos não são obras audiovisuais, pura e simplesmente, mas, em última análise, são dados, nesse caso, gravados em um suporte físico, o que impõe à Receita Federal do Brasil o dever de enquadrá-los na regra do caput do artigo 81, do Regulamento Aduaneiro.
Como se vê do trecho acima reproduzido, seus autores rechaçam a classificação de jogos eletrônicos como obras audiovisuais para fins da incidência do art. 81, § 3º do Regulamento Aduaneiro. Explicitam, ainda, que a lei do software (Lei 9.609/1998) seria aplicável aos jogos eletrônicos:
Em suma, a proteção dos jogos eletrônicos via lei de software é assentada, em virtude de 3 (três) razões (sem prejuízo de demais aspectos que deixaram de ser abordados): são comparáveis a programas de computadores; são comparáveis a obras literárias, eis que possuem roteiros próprios, estão criptografados no código-fonte e possuem um processo criativo; e o software é essencial para desenvolver interatividade e aprendizado, pois fornece instruções ao jogador. Assim, parece-nos inegável que os jogos eletrônicos são um tipo de software.[9]
Ainda como argumento favorável aos contribuintes, pode ser mencionado que não há no dispositivo do Regulamento Aduaneiro uma restrição à espécie de “dados ou instruções para equipamentos de processamento de dados”, estando a função de processamento de dados presente nos consoles de videogame.
No segmento sobre os argumentos favoráveis ao fisco, este artigo explorará uma outra linha de discussão, ligada a uma interpretação finalística do artigo 81 do Regulamento Aduaneiro, notadamente do seu § 2º.
ARGUMENTOS PRÓ-FISCO:
Os argumentos favoráveis ao fisco podem ser encontrados em Soluções de Consulta da Receita Federal do Brasil e em acórdão do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. Este último será abordado apenas no tópico a respeito da jurisprudência, evitando-se repetições desnecessárias.
Ao enfrentar o questionamento sobre a aplicação do art. 81 do Regulamento Aduaneiro aos jogos de videogame, a Receita Federal se manifestou pela impossibilidade de se excluir o valor do software (dados ou instruções) quando da valoração aduaneira. Conforme a ementa da Solução de Consulta 446/2007 da Cosit:
Assunto: Imposto sobre a Importação - II
BASE DE CÁLCULO. VALOR ADUANEIRO. JOGOS DE VIDEOGAME.
O valor aduaneiro dos jogos de vídeo destinados ao uso em consoles e máquinas de jogos de vídeo da posição 95.04 do Sistema Harmonizado de Designação e Codificação de Mercadorias compreende o custo ou valor total da transação, incluídos o valor do software e do suporte físico.
Portando (sic), não se aplica aos referidos jogos a regra de exceção estabelecida para valoração aduaneira de suporte físico que contenha dados ou instruções para equipamento de processamento de dados.
Dispositivos Legais: Decreto Legislativo nº 71, de 1988; Decreto Legislativo nº 30, de 1994; Decreto Legislativo nº 496, de 2009; Decreto nº 97.409, de 1988; Decreto nº 1.355, de 1994; Decreto nº 7.030, de 2009; e Decreto nº 6.759, de 2009, art. 81; que tem por base a Decisão 4.1 do Comitê de Valoração Aduaneira, de 1984.
Na fundamentação da Solução de Consulta, é possível identificar a relevância do contexto histórico em que surgiu a decisão 4.1 do Comitê de Valoração Aduaneira, aprovada em 1995. A Solução de Consulta 446/2017 da COSIT descreve o cenário tecnológico e as razões que motivaram a decisão 4.1 (grifos adicionados):
“Examinando-se o texto da Decisão 4.1, fica evidenciado seu caráter excepcional o qual, inicialmente, deve ser analisado à luz do contexto no qual a decisão foi firmada a fim de que os termos e expressões nela contidos sejam interpretados corretamente e haja uma delineação precisa de seu alcance.
Para tanto, é importante lembrar que à época da referida decisão os consoles de jogos de videogame utilizavam cartuchos os quais só mais tarde foram substituídos pelos CD ou DVD. Além disso, não é escusado lembrar que os cartuchos de jogos de videogames continham circuitos integrados semicondutores de memória, o que significa que os suportes físicos contendo jogos de videogame originalmente não foram contemplados pela referida decisão.
Acrescente-se a este fato que, ao tempo em que a Decisão 4.1 foi celebrada, estavam surgindo os primeiros computadores pessoais (Personal Computers – PC) acessíveis à população. Obviamente que se buscou, no âmbito do GATT/OMC, adotar medidas destinadas a incentivar o comércio internacional dos novos produtos desenvolvidos para os PC, sendo a Decisão 4.1 um exemplo.
Tal entendimento revela que o Comitê de Valoração Aduaneira objetivou estabelecer um critério para valoração de suportes físicos contendo programas de computador (softwares) para equipamentos de processamento de dados em sentido estrito. Por óbvio, os avanços tecnológicos ocorridos após a decisão devem ser analisados à luz do contexto em que foi firmada a Decisão, pois do contrário se estaria afrontando os objetivos colimados pelo referido Comitê.” .
A consideração do momento histórico em que surgiu a decisão 4.1 do Comitê de Valoração Aduaneira deixa clara a impropriedade de sua aplicação a jogos de videogame. Como se viu acima, não havia, àquele tempo, jogos de videogame comercializados por CDs ou DVDs. Impossível, portanto, se admitir que a finalidade da decisão 4.1 fosse incentivar o comércio internacional de jogos de videogames.
Muito pelo contrário, a decisão 4.1 (adotada no art. 81 do nosso Regulamento Aduaneiro) determina expressamente a inclusão do valor do software na composição do valor aduaneiro se o suporte físico (hardware) contiver circuitos integrados, semicondutores ou dispositivos similares. Veja-se mais uma vez a redação do art. 81 do Regulamento Aduaneiro, frisando essa importante exceção:
Art. 81. O valor aduaneiro de suporte físico que contenha dados ou instruções para equipamento de processamento de dados será determinado considerando unicamente o custo ou valor do suporte propriamente dito (Acordo de Valoração Aduaneira, Artigo 18, parágrafo 1, aprovado pelo Decreto Legislativo no 30, de 1994, e promulgado pelo Decreto nº 1.355, de 1994; e Decisão 4.1 do Comitê de Valoração Aduaneira, aprovada em 12 de maio de 1995).
§ 1º Para efeitos do disposto no caput, o custo ou valor do suporte físico será obrigatoriamente destacado, no documento de sua aquisição, do custo ou valor dos dados ou instruções nele contidos.
§ 2º O suporte físico referido no caput não compreende circuitos integrados, semicondutores e dispositivos similares, ou bens que contenham esses circuitos ou dispositivos.
Ora, os jogos de videogames, quando da adoção da decisão 4.1, eram fabricados com suportes físicos que continham circuitos integrados semicondutores, os “cartuchos” ou “fitas de videogame”[10]. O Manual Técnico do console “Super Nintendo”, que utilizava tais cartuchos, não deixa qualquer dúvida sobre a utilização de circuitos integrados e semicondutores (equipamentos expressamente excluídos da regra do art. 81 do Regulamento Aduaneiro, como se vê do § 2º acima transcrito):
“Cartucho do Jogo do Super NES. Os cartuchos de Jogo contêm Circuitos Integrados (CIs) semicondutores de memória. Também se acha incluído nos Cartuchos de Jogo um Circuito Integrado Especial (CIC). O CIC se comunica com um CIC correspondente no Console para evitar que um software não autorizado opere no Console.”[11] (g.n.)
A realidade dos jogos de videogame (suportes físicos que utilizam circuitos integrados e semicondutores), portanto, foi expressamente excluída da decisão 4.1 e do art. 81 do Regulamento Aduaneiro.
Essa vontade de excluir os jogos de videogame fica clara quando se constata que o primeiro console de videogame a utilizar CD (suporte físico alcançado pela regra mais benéfica do art. 81 do Regulamento Aduaneiro) só foi lançado nos Estados Unidos em 09 de setembro de 1995 e na Europa em 29 de setembro de 1995[12].
A decisão 4.1 do Comitê de Valoração Aduaneira só veio à lume no décimo encontro deste Comitê, realizado em 24 de setembro de 1984[13], quando jamais se poderia imaginar em jogos de videogame comercializados em CD.
Áquela época, os jogos de videogame eram comercializados em cartuchos compostos por circuitos integrados e semicondutores, repita-se, excluídos expressamente da regra. No Brasil, a decisão 4.1 foi aprovada em 12 de maio de 1995.
Pretender aplicar a norma da decisão 4.1 aos jogos de videogame é desconhecer ou ignorar a vontade expressa de excluir tais mercadorias do regime de exclusão do software do valor aduaneiro. É fazer valer aquilo que os países do Comitê expressamente rechaçaram. Em síntese, é contrariar a finalidade da norma, cabalmente demonstrada acima.
Não se pode esquecer, tampouco, que o art. 81, § 3º do Regulamento Aduaneiro, ao excluir da regra de valoração aduaneira apenas da mídia física as gravações de som, de cinema ou de vídeo explicitou a intenção de não aplicar a regra especial a produtos que especificamente se voltam para o entretenimento, como é justamente o caso dos jogos de videogame.
A respeito da interpretação teleológica e evolutiva no Direito, merece menção a doutrina de Karl Larenz:
A parte da subsunção lógica na aplicação da lei é muito menor do que a metodologia tradicional supôs e a maioria dos juristas crê. É impossível repartir a multiplicidade dos processos da vida significativos sob pontos de vista de valoração jurídicos num sistema tão minuciosamente pensado de compartimentos estanques e imutáveis, por forma a que bastasse destacá-los para os encontrar um a um em cada um desses compartimentos. Isto é impossível, por um lado, porque os fenômenos da vida não apresentam fronteiras tão rígidas como as exige o sistema conceptual, mas formas de transição, formas mistas e variantes numa feição sempre nova. É impossível ainda, porque a vida produz constantemente novas configurações, que não estão previstas num sistema acabado. É também impossível, por último, porque o legislador, como várias vezes sublinhamos, se serve necessariamente de uma linguagem que só raramente alcança o grau de precisão exigível para uma definição conceptual. [...] O facto de um ideal não poder ser plenamente realizado, não se pronuncia, todavia, contra o desiderato de dele nos aproximarmos o mais possível.[14]
Assim, a interpretação a ser privilegiada no presente caso deve buscar a finalidade da norma introduzida pelo art. 81 do Regulamento Aduaneiro, atentando-se ao seu momento histórico e a sua relação direta intrínseca com o patamar de desenvolvimento tecnológico daquele período.
Essa adaptação do texto normativo à evolução social é inclusive agasalhada pelo Supremo Tribunal Federal em matéria tributária, como se pode perceber do julgamento da Medida Cautelar na ADI 1945 (j. 26.05.2010):
“[...] O Tribunal não pode se furtar a abarcar situações novas, consequências concretas do mundo real, com base em premissas jurídicas que não são mais totalmente corretas. O apego a tais diretrizes jurídicas acaba por enfraquecer o texto constitucional, pois não permite que a abertura dos dispositivos da Constituição possa se adaptar aos novos tempos, antes imprevisíveis [...]”.
Não deve causar estranheza, portanto, a defesa de uma interpretação que adote o texto apenas como ponto de partida, jamais como o destino final do intérprete ou julgador.
JURISPRUDÊNCIA
Na pesquisa de julgamentos na esfera administrativa, foi encontrado apenas um acórdão do CARF, que adotou uma posição favorável ao fisco:
Ementa(s)
CLASSIFICAÇÃO DE MERCADORIAS
Ano-calendário: 2007, 2008, 2009, 2010 IMPORTAÇÃO. BASE DE CÁLCULO. JOGOS ELETRÔNICOS.
Os jogos eletrônicos que contém gravações de som, imagem e vídeo em seus softwares, cuja característica essencial é o entretenimento, não estão sujeitos a apuração da base de cálculo nos termos do que dispõe o artigo 81, caput, do Decreto nº 6.759/2009 (RA/2009), por expressa vedação do §3º do mesmo artigo.
A apuração do valor aduaneiro deve ser efetuada com base no 1º Método de Valoração Aduaneira – o valor da transação, ou seja, o preço total efetivamente pago pelas mercadorias (meio físico e direitos do autor/ “copyright fee”).
MULTA DE OFÍCIO. CABIMENTO.
A multa de ofício é devida uma vez que restou plenamente tipificada a conduta – falta de pagamento ou recolhimento dos tributos – prevista no artigo 44, inciso I, da Lei 9.430/96.
MULTA DO CONTROLE ADUANEIRO. NÃO CONFIGURAÇÃO.
A conduta praticada pelo contribuinte não se subsume a hipótese normativa prevista no artigo 633 do Decreto 4.543/2002 (artigo 169 do Decreto-Lei 37/66, com a redação dada pela Lei 6.562/78), uma vez que houve a declaração correta nas faturas dos valores das mercadorias importadas, segregando o valor do suporte físico (CD/DVD) do valor do chamado “copyright free” (direitos de propriedade intelectual/direitos do autor). JUROS DE MORA. INCIDÊNCIA.
Os juros moratórios são cabíveis nos termos do que dispõe o artigo 61, § 3º, da Lei nº 9.430, de 27/12/1996, em relação aos débitos decorrentes de tributos e contribuições administrativos pela SRF cujos fatos geradores tenham ocorrido a partir de 1º de janeiro de 1997, não pagos nos prazos previstos na legislação específica. Súmula CARF no. 4.
PROVA. DOCUMENTO ELABORADO EM LÍNGUA ESTRANGEIRA SEM TRADUÇÃO ELABORADA POR TRADUTOR JURAMENTADO. NÃO CONHECIMENTO.
Não se toma conhecimento de documento em idioma estrangeiro es acompanhado da respectiva tradução juramentada, seja ele produzido pelo sujeito passivo ou por agente da administração tributária (art. 157 do Código de Processo Civil).
Recurso de ofício provido em parte.
O entendimento que prevaleceu pode ser sintetizado no voto do Conselheiro Luís Eduardo Barbieri, abaixo reproduzido parcialmente:
(...) A meu sentir, os jogos eletrônicos importados não podem ser equiparados aos “programas de computador”/“software”, pelos seguintes motivos:
 não contém meramente um conjunto de instruções codificadas, mas também gravações de sons, imagens e vídeos, atributos estes que lhe dão a sua característica essencial de jogos eletrônicos;
 necessariamente não são empregados em máquinas automáticas de tratamento de informação e processamento de dados, uma vez que podem ser utilizadas em aparelhos de reprodução de imagens/som – os consoles dos jogos, por exemplo;
 não têm a característica de fazer funcionar de modo e para fins determinados (programação) as máquinas automáticas de processamento (computadores).
Os jogos eletrônicos em questão enquadramse na definição de obra audiovisual, constante do artigo 1º, inciso I, da MP 2.219/2001, verbis:
I  obra audiovisual: produto da fixação ou transmissão de imagens, com ou sem som, que tenha a finalidade de criar a impressão de movimento, independentemente dos processos de captação, do suporte utilizado inicial ou posteriormente para fixálas ou transmitilas, ou dos meios utilizados para sua veiculação, reprodução, transmissão ou difusão;
Com toda razão a fiscalização quando argumenta que jogos eletrônicos importados, além de também conterem gravações de som, de cinema e de vídeo em seus softwares, visam exclusivamente o entretenimento, assim como os CDs de música e os DVDs de filmes. (...) Destarte, em se tratando de jogos eletrônicos contendo gravação de som, imagem ou vídeo, a apuração da base de cálculo não pode ser feita nos termos do que dispõe o caput do artigo 81 do Regulamento Aduaneiro (Decreto nº 6.759/2009), por expressa vedação legal constante no §3º do mesmo artigo. A apuração do valor aduaneiro deve ser efetuada com base no 1º Método de Valoração Aduaneira – o valor da transação, ou seja, o preço total efetivamente pago pelas mercadorias (meio físico e direitos do autor/“copyright fee”), como corretamente apurou a fiscalização.
O Tribunal Regional Federal da 3ª Região, a seu turno, possui decisões favoráveis aos contribuintes, como se pode ver dos acórdãos abaixo:
APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO (1728) Nº 5005577-37.2018.4.03.6105
RELATOR: Gab. 19 - DES. FED. FÁBIO PRIETO
APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
APELADO: TRIEX BRASIL IMPORTACAO EXPORTACAO E COMERCIO LTDA - ME
MANDADO DE SEGURANÇA – DIREITO ADUANEIRO – DESEMBARAÇO ADUANEIRO – JOGOS DE VIDEOGAME – VALOR ADUANEIRO: SUPORTE FÍSICO.
1. O Regulamento (Decreto n.º 6.759/2009) determina que deve ser considerado apenas o suporte físico para a fixação do valor aduaneiro. Não traz qualquer distinção quanto ao objeto do “software” nele inserido.
2. O desembaraço aduaneiro de jogos eletrônicos deve ocorrer nos estritos termos do artigo 81, “caput”, do Regulamento Aduaneiro. A hipótese é de simples subsunção normativa, inexistindo qualquer ato de interpretação ampliativa ou restritiva. Precedentes desta Corte.
3. Apelação e remessa necessária desprovidas.
TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. DESEMBARAÇO ADUANEIRO. CLASSIFICAÇÃO. SOFTWARE. DVD DE JOGOS. SUPORTE FÍSICO. ART. 81, CAPUT, E § 3º, DO REGULAMENTO ADUANEIRO. SENTENÇA CONCESSIVA DA SEGURANÇA MANTIDA. REMESSA OFICIAL E APELAÇÃO NÃO PROVIDAS.
- Nos termos do art. 81 do Regulamento Aduaneiro e do art. 1º da Lei nº 9.609/98 o valor aduaneiro dos softwares ou programas de computador será definido utilizando o custo do suporte físico. Ademais, pode-se concluir que os jogos de videogame são softwares, visto que há subsunção da descrição legal a eles, tratando-se de conjunto de instruções processadas em suporte físico com necessidade de associação ao console de videogame ou computador que, na qualidade de hardware, permitem o fluxo contínuo dos dados e seu processamento.
- Por esse motivo, inclusive, incabível eventual alegação de que se aplica a exceção prevista no § 3º do art. 81 do Regulamento Aduaneiro, pois os jogos de videogame não se constituem meramente som, vídeo ou cinema, já que dependem da interação ativa do usuário.
- Também é de se destacar que a finalidade do software é irrelevante para o enquadramento legal, não se afigurando escorreita a interpretação extensiva pratica pela autoridade coatora.
- Nos termos do artigo 81 do Regulamento Aduaneiro e artigo 1º da Lei nº 9.609/98, os jogos de vídeo devem ser classificados como softwares, pois inexiste na legislação qualquer restrição ou distinção quanto aos fins do programa, não cabendo à autoridade fazê-lo. Ademais, convém ponderar que a divergência quanto à classificação fiscal não justifica a retenção da mercadoria.
- Precedentes (TRF 3ª Região, QUARTA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 346718 - 0012949-35.2012.4.03.6105, julgado em 15/08/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:26/09/2018 e TRF 3ª Região, SEXTA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 335151 - 0004185-94.2011.4.03.6105, Rel. JUIZA CONVOCADA LEILA PAIVA, julgado em 31/01/2019, e-DJF3 Judicial 1 DATA:08/02/2019).
- Recurso e remessa não providos.
(TRF 3ª Região, QUARTA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 351600 - 0014040-29.2013.4.03.6105, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL MÔNICA NOBRE, julgado em 25/04/2019, e-DJF3 Judicial 1 DATA:09/05/2019)
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5005635-40.2018.4.03.6105
RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA
APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
APELADO: R. SOUSA LEITE ELETRONICOS - ME
TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. DESEMBARAÇO ADUANEIRO. CLASSIFICAÇÃO. SOFTWARE. JOGOS. INCIDÊNCIA DO ART. 81 DO DECRETO 6.759/09 À MÍDIA DE VÍDEO GAME.
1. Os jogos de videogame são softwares e não obras audiovisuais, visto que são frutos da linguagem técnica digital, que objetivam não o movimento, mas a interação entre usuário e o programa previamente instalado no console onde se desenvolve, conforme a programação técnica de um programador por força de derivação de um resultado particular fornecido pelo usuário quando do seu uso.
2. Conclui-se que os jogos de videogame são um conjunto de instruções processadas em suporte físico com necessidade de associação ao console de videogame ou computador que, na qualidade de hardware, permitem o fluxo contínuo dos dados e seu processamento.
3. Por esse motivo, inclusive, mostra-se incabível eventual alegação de que se aplica a exceção prevista no § 3º do art. 81 do Regulamento Aduaneiro, pois os jogos de videogame não se constituem meramente em som, vídeo ou cinema, já que dependem da interação ativa do usuário.
4. Apelo e remessa oficial desprovidos.
MANDADO DE SEGURANÇA. TRIBUTÁRIO. CLASSIFICAÇÃO ADUANEIRA. DVD DE JOGO. SOFTWARE.
1 - Os jogos de vídeo devem ser classificados como softwares, de acordo com a leitura do artigo 81 do Regulamento Aduaneiro cumulado com o artigo 1º da Lei nº 9.609/98.
2 - É incontroverso que os DVDs de jogos não são meras gravações de som, cinema e vídeo, mas softwares, nem suportes com circuitos integrados, semicondutores e dispositivos análogos, mas suportes para leitura óptica.
3 - O art. 1º da Lei nº 9.609/98 não estabeleceu restrição alguma quanto aos fins do programa, não cabendo à autoridade fazê-lo.
4- Precedentes desta 4ª Turma.
5 - Apelação e remessa oficial improvidas.
(TRF 3, ApReeNec - APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA - 333273 / SP
0006315-49.2010.4.03.6119. Relator(a) DESEMBARGADORA FEDERAL MARLI FERREIRA. Órgão Julgador QUARTA TURMA. Data do Julgamento 03/05/2012. Data da Publicação/Fonte e-DJF3 Judicial 1 DATA:17/05/2012)
AGRAVO LEGAL EM APELAÇÃO E REEXAME NECESSÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. TRIBUTÁRIO. REFORMATIO IN PEJUS. RECONHECIDO. INCIDÊNCIA DO ART. 81 DO DECRETO 6.759/09 À MÍDIA DE VIDEO GAME. CONFIGURAÇÃO COMO SOFTWARE. AGRAVO LEGAL PARCIALMENTE PROVIDO.
SENTENÇA MANTIDA EM SEUS TERMOS.
1.Como a impetrante não se insurgiu quanto à necessidade de pagamento dos tributos devidos referentes as mídias de videogame então retidas e posteriormente consideradas abandonadas, não cabe discuti-la em sede recursal, não obstante posicionamento balizado pelo STJ pelo ilegalidade do próprio ato de retenção tendo por objeto meramente a reclassificação fiscal.
2. Restringindo o objeto recursal ao enquadramento da mídia de videogame para fins da incidência do art. 81 do Decreto 6.759/09, mister reconhece-la como software, já que se amolda ao conceito previsto no art. 1° da Lei 9.609/98.
3. A tese de que a finalidade da mídia como entretenimento afastaria a aplicação do art. 81 deve ser refutada. Do cotejo das duas normas aventadas, conclui-se não haver qualquer restrição quanto à finalidade do software, seja para sua definição ou para a abrangência da delimitação de sua base de cálculo como o custo do suporte físico, não cabendo à Administração, sponte sua, restringir uma determinação legal.
4. A especificidade de classificação presente na NCM (950410) não abala o argumento, visto ter por finalidade a uniformização das categorias aduaneiras utilizadas pelos membros do MERCOSUL, em nada interferindo na legislação interna quanto ao cálculo da incidência de tributos internos.
5. O fato da mídia do videogame conter imagens, vídeos e som não implica na aplicação do § 3° do referido art., claramente destinado a mídias com capacidade restrita à reprodução daquelas informações, como DVD's de filmes, shows, etc.
6. Agravo legal parcialmente provido. Sentença mantida em seus termos.
(TRF-3 - SP 2010.61.19.009253-7, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL JOHONSOM DI SALVO, Data de Julgamento: 07/04/2016, SEXTA TURMA)
AGRAVO DE INSTRUMENTO - MANDADO DE SEGURANÇA - LIBERAÇÃO DE MERCADORIA - SOFTWARE - DVD DE JOGO.
1 - Os jogos de vídeo devem ser classificados como softwares, de acordo com a leitura do artigo 81 do Regulamento Aduaneiro cumulado com o artigo 1° da Lei n° 9.609/98.
2 - É incontroverso que os DVDs de jogos não são meras gravações de som, cinema e vídeo, mas softwares, nem suportes com circuitos integrados, semicondutores e dispositivos análogos, mas suportes para leitura óptica.
3 - O art. 1° da Lei n° 9.609/98 não estabeleceu restrição alguma quanto aos fins do programa, não cabendo à autoridade fazê-lo.
4 - Precedente: Al n° 2010.03.00.024342-8, julgado na Sessão de 10.03.2010, por esta 4' Turma. 4 - Agravo de instrumento provido.
(TRF-3- AI: 27758 SP 2010.03.00.027758-0, Relator: DESEMBARGADORA FEDERAL MARLI FERREIRA, Data de Julgamento: 28/04/2011, QUARTA TURMA)
No TRF da 2ª Região, também é possível encontrar acórdão favorável ao contribuinte:
TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. JOGOS ELETRÔNICOS EM BLU-RAY PARA APARELHOS DE VIDEOGAME. NATUREZA JURÍDICA. SOFTWARES (PROGRAMAS DE COMPUTADOR). BASE ECONÔMICA DO IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO. VALOR DO SUPORTE FÍSICO. REGULAMENTO ADUANEIRO, ARTIGO 81, CAPUT. INCIDÊNCIA.
1. A autoridade coatora está exigindo a retificação da base de cálculo do valor declarado, no que toca à composição do valor aduaneiro, nos jogos para videogames em blu-ray importados, por entender que, em razão de sua finalidade de entretenimento, eles se assemelhariam aos conteúdos audiovisuais previstos no parágrafo 3º do artigo 81 do Regulamento Aduaneiro (Decreto 6.759/2009), e, portanto, estariam sujeitos à carga tributária mais alta, ou seja, a base econômica do imposto de importação não se cingiria ao valor do suporte físico, para fins do valor aduaneiro (base de cálculo do II). 2. Com efeito, como se extrai da Lei n. 12.485/2011, os conteúdos audiovisuais consistem em “resultado da atividade de produção que consiste na fixação ou transmissão de imagens, acompanhadas ou não de som, que tenha a finalidade de criar a impressão de movimento”. 3. Os jogos para videogames não se limitam à “fixação ou transmissão de imagens, acompanhadas ou não de som, que tenha a finalidade de criar a impressão de movimento”, razão pela qual não podem ser enquadrados na definição contida no art. 2º, VII, da Lei 12.485/2011. 4. Os jogos para videogames, também denominados de jogos digitais, são, indubitavelmente, programas de computadores com linguagem codificada, contida em suporte físico, e que podem ser empregados em computadores ou máquinas próprias (videogames), em que há interação com os usuários, que os utilizam para um finalidade específica: lazer (entretenimento) e/ou atividade lúdica e educacional. 5. Dessa feita, tendo os jogos para videogame natureza jurídica de programas de computador, a base econômica do imposto de importação deverá ser aquela prevista no art. 81, caput, do Decreto nº 6.759/2009: “O valor aduaneiro de suporte físico que contenha dados ou instruções para equipamento de processamento de dados será determinado considerando unicamente o custo ou valor do suporte propriamente dito (Acordo de Valoração Aduaneira, Artigo 18, parágrafo 1, aprovado pelo Decreto Legislativo no 30, de 1994, e promulgado pelo Decreto nº 1.355, de 1994; e Decisão 4.1 do Comitê de Valoração Aduaneira, aprovada em 12 de maio de 1995)”. 6. Apelo interposto por HYPER MEGA IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO LTDA – ME a que se dá provimento.
(TRF 2ª Região, Processo 0014986-96.2014.4.02.5101, 3ª Turma Especializada. DJ 21.06.2019)
O TRF da 4ª Região, a seu turno, possui decisões que não admitem a dicussão da matéria em sede de mandado de segurança, tendo em vista a necessidade de produção de perícia técnica para esclarecer a natureza dos objetos importados:
TRIBUTÁRIO E ADUANEIRO. MANDADO DE SEGURANÇA. IMPORTAÇÃO. SOFTWARE. SUPORTE FÍSICO. ART. 81, CAPUT E § 3º, DO REGULAMENTO ADUANEIRO. PROGRAMAS DE JOGOS. PLAYSTATION. CLASSIFICAÇÃO NO SISTEMA HARMONIZADO. PERÍCIA MERCEOLÓGICA. NECESSIDADE. EXTINÇÃO DO FEITO.
1. Segundo o caput do artigo 81 do Regulamento Aduaneiro (Decreto nº 6.759/2009), o valor aduaneiro de suporte físico contendo dados ou instruções para equipamentos de processamento de dados será determinado considerando unicamente o custo ou valor do suporte propriamente dito.
2. O § 3º do mesmo artigo exclui, da hipótese de incidência do caput, os suportes contendo gravações de som, cinema ou vídeo.
3. Extinção do mandamus sem julgamento do mérito, por inadequação da via eleita, em face da imprescindibilidade da produção de prova pericial apta à demonstração do direito alegado.
(TRF 4ª Região, APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 5017297-78.2013.4.04.7000/PR, 2ª Turma. J. 06/10/2015)
TRIBUTÁRIO E ADUANEIRO. MANDADO DE SEGURANÇA. IMPORTAÇÃO. SOFTWARE. SUPORTE FÍSICO. ART. 81, CAPUT E § 3º, DO REGULAMENTO ADUANEIRO. PROGRAMAS DE JOGOS. PLAYSTATION. CLASSIFICAÇÃO NO SISTEMA HARMONIZADO. PERÍCIA MERCEOLÓGICA. NECESSIDADE. DILAÇÃO PROBATÓRIA. VIA ELEITA. INCOMPATIBILIDADE. INDEFERIMENTO DA INICIAL. 1. Segundo o caput do artigo 81 do Regulamento Aduaneiro (Decreto nº 6.759/2009), o valor aduaneiro de suporte físico contendo dados ou instruções para equipamentos de processamento de dados será determinado considerando unicamente o custo ou valor do suporte propriamente dito. 2. O § 3º do mesmo artigo exclui, da hipótese de incidência do caput, os suportes contendo gravações de som, cinema ou vídeo. 3. Caso tratando de importação de jogos para videogame - tipo Playstation - no qual a sentença indeferiu a inicial, ante a necessidade de dilação probatória incompatível com a via do mandamus. 4. Manutenção da sentença recorrida, em face da imprescindibilidade da produção de laudo merceológico apto a demonstrar a certeza e liquidez do direito alegado. (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 5000593-24.2012.404.7000, 2ª TURMA, Des. Federal OTÁVIO ROBERTO PAMPLONA, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 12/06/2012)
É possível também encontrar orientação favorável ao contribuinte no mesmo TRF da 4ª Região:
TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. DESEMBARAÇO ADUANEIRO. DESVINCULAÇÃO E EXCLUSÃO DOS VALORES REFERENTES AO "SOFTWARE", PARA CONSIDERAR-SE APENAS A IMPORTÂNCIA RELATIVA AO SUPORTE FÍSICO NA AFERIÇÃO DO VALOR ADUANEIRO.
Para fins aduaneiros, os jogos eletrônicos para aparelhos de videogame gravados em suporte físico (CD/DVD) devem ser classificados como softwares, na forma do art. 81, caput, do Decreto n° 6.759/09, cumulado com o art. 1° da Lei n° 9.609/98, e não como arquivo audiovisual similar a CD musical ou DVD de filme. Precedentes.
(TRF-4 - AC: 50403578020134047000 PR 5040357-80.2013.404.7000, Relator: IVORI LUIS DA SILVA SCHEFFER, Data de Julgamento: 01/07/2015, PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: D.E. 02/07/2015)
Da compilação dos julgamentos acima expostos, é possível entender que, enquanto o CARF possui orientação contrária aos contribuintes, a jurisprudência majoritária tem aplicado de forma literal o art. 81 do Regulamento Aduaneito, entendendo os jogos de videogame como software. Tal entendimento não leva em consideração a interpretação teleológica aqui defendida.
CONCLUSÃO
A economia criada pelos jogos de videogame é relativamente recente dentro da indústria do entretenimento, se compararmos com os setores da música e do cinema, por exemplo. Não obstante, o capital movimentado pelos jogos eletrônicos obteve um crescimento exponencial nas últimas décadas, destacando-se ainda o seu avanço tecnológico.
Uma das discussões jurídicas envolvendo tais jogos diz respeito à aplicação do art. 81 do Regulamento Aduaneiro, o que abrange não apenas a subsunção dos jogos ao conceito de software, mas também uma análise finalística da norma que pretendeu reduzir a base de cálculo dos tributos aduaneiros incidentes sobre mídias utilizadas na indústria da computação e informática.
Na visão aqui defendida, a importação de jogos de videogame não podem ser alcançadas pela regra especial de valoração aduaneira prevista no art. 81 do Regulamento Aduaneiro.
Primeiro, porque tal norma, ao excluir de sua aplicação os dispositivos com semicondutores, pretendeu excluir justamente os jogos de videogame, que ao tempo da edição do texto legal eram veiculados em cartuchos que se utilizavam de circuitos integrados e semicondutores.
Segundo, porque a expressão “dados ou instruções para processamento de dados” destinava-se a fomentar a comercialização internacional de dispositivos voltados à aplicação em computadores pessoais e profissionais, não abarcando produtos voltados ao lazer. Tal interpretação é corroborada pela disposição explícita do art. 81, § 3º do próprio Regulamento Aduaneiro, que exclui da regra especial de valoração aduaneira os dispositivos que contenham gravações de sons, imagens e vídeos.
Apesar de os julgados encontrados no âmbito de Tribunais Regionais Federais simplesmente equipararem jogos de videogame a software, admitindo a aplicação da regra do caput do art. 81 do Regulamento Aduaneiro, defende-se aqui que uma interpretação histórica e teleológica aponta justamente na direção contrária. Não se pode admitir, sob pena de violação ao desiderato da norma introduzida pelo art. 81 do Regulamento Aduaneiro, que o valor aduaneiro dos jogos de videogame leve em consideração apenas as mídias físicas.
REFERÊNCIAS
LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. Tradução: José Lamego. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997.
NAVARRO. Carlos Eduardo de Arruda; SILVEIRA, João Vitor Kanufre Xavier da. Jogando com o conceito de valor aduaneiro: um estudo sobre a valoração aduaneira na importação de jogos eletrônicos. In: FARIA, Renato Vilela; SILVEIRA, Ricardo Maitto da; MONTEIRO, Alexandre Luiz Moraes do Rêgo (Coordenadores). Tributação da Economia Digital. Desafios no Brasil. São Paulo: Saraiva, 2018.
[1]Procurador da Fazenda Nacional. Mestre em Direito Tributário Internacional pelo IBDT
[2]“Jogo eletrônico”, neste trabalho, será tratado como sinônimo de “videogame”, sendo utilizada a definição segundo a qual “(...) jogo eletrônico, videojogo ou videogame é aquele que usa a tecnologia de computador. Ele pode ser jogado em computadores pessoais (dentre eles tablets e telefones celulares), em máquinas de fliperama ou em consoles. Um console é um computador pequeno que serve basicamente para jogar videogame”. Disponível em: “https://www.cerquilho.sp.gov.br/public/admin/globalarq/uploads/files/SUGEST%C3%83O%206%20e%207%20anos%20jogos%20eletr%C3%B4nicos-convertido.pdf”. Acesso em 28/07/2021.
[3]“(...) a indústria de jogos está avaliada em US$ 163,1 bilhões. Com isso, o setor é responsável por mais da metade do valor da indústria de entretenimento, confirmando a já conhecida estatística de que é maior que o mercado de cinema e música juntos.” Mercado de games agora vale mais que indústrias de música e cinema juntas. Disponível em: “https://canaltech.com.br/games/mercado-de-games-agora-vale-mais-que-industrias-de-musica-e-cinema-juntas-179455/”. Acesso em 28/07/2021.
[4]“Tecnicamente, o PlayStation não foi o primeiro console de videogames a utilizar CDs: o primeiro mesmo foi o Philips CD-i, em 1990; seguido do Sega CD, em 1993; e do Saturn, um mês antes do lançamento do console da Sony. Mas, mesmo sendo apenas o quarto videogame de CD a chegar ao mercado, foi o PlayStation que inaugurou essa nova era para os videogames, pois ele foi o único dos quatro a fazer sucesso.” 25 anos do PlayStation | O videogame que revolucionou o mercado para sempre. Disponível em “https://canaltech.com.br/consoles/25-anos-do-playstation-o-videogame-que-revolucionou-o-mercado-para-sempre-156949/”. Acesso em 28/07/2021.
[5]“Axie Infinity explora o mercado de “jogar para ganhar”, que está ganhando terreno no mundo dos jogos. Os jogadores têm que coletar recompensas no jogo que podem ser posteriormente vendidos no mundo real. Os jogadores que se aventuram no Axie acabam sendo conquistados pelo projeto depois de ver que podem ganhar a moeda Smooth Love Potion (SLP) quando vencem batalhas contra outros jogadores.” Axie Infinity viraliza, número de usuários explode e criptomoeda SLP dobra de preço. Disponível em: “https://livecoins.com.br/axie-infinity-viraliza-slp-dobra-de-preco/”. Acesso em 28/07/2021.
[6]“The key difference between Axie and a traditional game is that Blockchain economic design is used to reward our players for their contributions to the ecosystem. This new model of gaming has been dubbed ‘play to earn’.” Official Axie Infinity Whitepaper, last updated December 2020. Disponível em: “https://whitepaper.axieinfinity.com/”. Acesso em 28/07/2021.
[7]“(...) a posição contida na Decisão 4.1 (...) reconhece a existência de dois bens distintos: um corpóreo, sujeito a valoração aduaneira, que é o suporte físico, e um incorpóreo, que é a produção intelectual (...) o valor do software jamais poderia ser incluído no conceito de valor aduaneiro, pois ele é bem diverso do importado (suporte físico). Para fins aduaneiros, não importa se um CD é ‘virgem’, se contém um software, um parecer jurídico ou um projeto de engenharia; em todos os casos, o bem importado é apenas o CD.” NAVARRO. Carlos Eduardo de Arruda; SILVEIRA, João Vitor Kanufre Xavier da. Jogando com o conceito de valor aduaneiro: um estudo sobre a valoração aduaneira na importação de jogos eletrônicos. In: FARIA, Renato Vilela; SILVEIRA, Ricardo Maitto da; MONTEIRO, Alexandre Luiz Moraes do Rêgo (Coordenadores). Tributação da Economia Digital. Desafios no Brasil. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 433.
[8]NAVARRO. Carlos Eduardo de Arruda; SILVEIRA, João Vitor Kanufre Xavier da. Jogando com o conceito de valor aduaneiro: um estudo sobre a valoração aduaneira na importação de jogos eletrônicos. In: FARIA, Renato Vilela; SILVEIRA, Ricardo Maitto da; MONTEIRO, Alexandre Luiz Moraes do Rêgo (Coordenadores). Tributação da Economia Digital. Desafios no Brasil. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 446.
[9]NAVARRO. Carlos Eduardo de Arruda; SILVEIRA, João Vitor Kanufre Xavier da. Jogando com o conceito de valor aduaneiro: um estudo sobre a valoração aduaneira na importação de jogos eletrônicos. In: FARIA, Renato Vilela; SILVEIRA, Ricardo Maitto da; MONTEIRO, Alexandre Luiz Moraes do Rêgo (Coordenadores). Tributação da Economia Digital. Desafios no Brasil. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 441.
[10]“Os grandes videogames como Xbox 360, Nintendo Wii e PlayStation 3, utilizam hoje mídia ótica como forma de leitura dos seus jogos. Porém, boa parte da história desta indústria pode ser contada através de cartuchos - pequenas caixas com circuitos internos que, por muito tempo, foram sinônimo de diversão.” (g.n.). Disponível em:“https://www.techtudo.com.br/noticias/noticia/2012/11/conheca-evolucao-dos-cartuchos-de-videogame.html”. “Os cartuchos consistem, em geral, em memórias do tipo ROM (do inglês Read-only Memory, ou memória somente de leitura). Elas são formadas por inúmeros circuitos integrados.” (g.n. ) Disponível em: “https://www.gameblast.com.br/2018/05/cartuchos-discos-eterna-disputa.html”. Acesso em 09/04/2019.
[11]“https://retroscans.org/scans/manuais/super_nintendo/manuais_full/manual_tecnico_super_nintendo.pdf”. Acesso em 09/04/2019.
[12]“https://pt.wikipedia.org/wiki/PlayStation_(console)”. Acesso em 09/04/2019.
[13]“http://www.wcoomd.org/-/media/wco/public/global/pdf/topics/valuation/instruments-and-tools/decisions/wto_val_decision_4_1.pdf?la=en”. Acesso em 09/04/2019.
[14]LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. Tradução: José Lamego. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, p. 645.
Tabeliã e Registradora no Estado do Rio de Janeiro. Mestre em Direito Civil pela Faculdade de Direito de Campos dos Goytacazes - FDC/RJ
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BIVAR, Mônica. Importação de jogos de videogames e a interpretação do art. 81 do Regulamento Aduaneiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 31 out 2025, 04:37. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/69857/importao-de-jogos-de-videogames-e-a-interpretao-do-art-81-do-regulamento-aduaneiro. Acesso em: 31 out 2025.
Por: RAFAEL REIS BARROSO
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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