MARIA RAQUEL DE ALMEIDA GRAÇA SILVA GUIMARÃES
(Orientadora)
RESUMO: A presente dissertação tem como objeto de estudo os smart contracts criados com base na tecnologia blockchain, tomando por contexto a contratação automatizada no âmbito das relações de consumo. Analisa a natureza jurídica dos smart contracts à luz da teoria do negócio jurídico bilateral, bem como as possibilidades e repercussões de seu emprego nas relações com o consumidor, tendo em conta a doutrina e diplomas consumeristas portugueses. Considerando sua natureza imutável, examina os smart contracts de consumo face questões específicas como vulnerabilidade do consumidor, identificação dos contratantes e anonimato na blockchain, direito à informação, cláusulas contratuais gerais e contratos de adesão, cláusulas abusivas e sistema das nulidades e direito de livre resolução.
Palavras-chave: smart contracts, blockchain, direito contratual, direito do consumo, vulnerabilidade.
ABSTRACT: The object of study of this work is the smart contracts created on blockchain technology, taking automated contracting on consumer relations as context. It analyzes the legal nature of smart contracts in the light of the theory of bilateral legal business, as well as the possibilities and repercussions of their use in consumer relations, taking into account Portuguese consumerist doctrine and regulations. Considering its immutable nature, it examines consumer smart contracts in the face of specific issues such as consumer vulnerability, parties identification and anonymity on the blockchain, right to information, general contractual clauses and adhesion contracts, unfair terms and nullity system and right of free resolution.
Keywords: smart contracts, blockchain, contract law, consumer law, vulnerability.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. CAPÍTULO I - O QUE SÃO OS SMART CONTRACTS? 1.1. SMART CONTRACTS E CONTRATOS COMPUTÁVEIS: CONCEITOS E DIFERENCIAÇÕES. 1.2. ANTECEDENTES HISTÓRICOS E ORIGEM DOS CONTRATOS INTELIGENTES. 1.3. BITCOIN E ETHEREUM: DA CRIPTOMOEDA AO CONTRATO INTELIGENTE. CAPÍTULO II - OS SMART CONTRACTS SÃO VEROS CONTRATOS? 2.1. CONTRATOS INTELIGENTES E NEGÓCIOS JURÍDICOS PLURILATERAIS. CAPÍTULO III - QUAL A REPERCUSSÃO DOS SMART CONTRACTS NAS RELAÇÕES DE CONSUMO? 3.1. A VULNERABILIDADE DOS CONSUMIDORES E A CONTRATAÇÃO INTELIGENTE. 3.2. SMART CONTRACTS E ANONIMATO. 3.3. SMART CONTRACTS E DIREITO À INFORMAÇÃO. 3.4. SMART CONTRACTS DE CONSUMO, CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS E CONTRATOS DE ADESÃO. 3.5. SMART CONTRACTS, CLÁUSULAS ABUSIVAS E SISTEMA DAS NULIDADES. 3.6. SMART CONTRACTS E DIREITO DE ARREPENDIMENTO. CONSIDERAÇÕES FINAIS.
Ter um voo atrasado ou cancelado e receber a indenização de forma imediata foi realidade para residentes de alguns dos países da União Europeia durante um curto intervalo. Entre os anos de 2017 e 2019, a seguradora AXA ofertou aos seus potenciais consumidores o pagamento automático do seguro, sem exclusões contratuais, constatada a simples ocorrência de tais eventos[1] [2]. E, uma vez ocorrido o sinistro, não se exigia do consumidor a tomada de qualquer providência para receber o valor correspondente à apólice.
Essa possibilidade, no entanto, não era exclusiva da seguradora francesa. Lançada em 2015, a plataforma eletrônica Ethereum[3] viabiliza a hospedagem de diversos contratos automáticos[4] não apenas no ramo securitário, mas em qualquer acordo que possa ser traduzido para a linguagem computacional. Trata-se dos chamados smart contracts ou, em tradução livre, contratos inteligentes.
Smart contracts são contratos automáticos nos quais a intervenção humana é desnecessária para o cumprimento dos seus termos contratuais, uma vez que estes são executados por códigos de programação, os quais, por sua vez, substituiriam a linguagem jurídica[5].
Como toda nova tecnologia, os contratos inteligentes trouxeram consigo muitas promessas e, de entre elas, a de eliminar as ineficiências dos contratos tradicionais, escritos em linguagem natural e, em consequência, de se tornarem uma alternativa ao sistema judicial de execução dos contratos, podendo até mesmo o tornar dispensável[6].
Contratos executados automaticamente não são, contudo, algo novo por si só. A ideia de criação de dispositivos que executem automaticamente um acordo encontra referências na obra Pneumatika, datada de 62 a.C.. Na referida obra, o matemático Hero descreveu uma máquina que, uma vez inserido determinado valor em moedas, dispensava água sagrada dos templos egípcios[7].
Contratos orientados por códigos de programação igualmente não são novidade, tendo se tornado banal a utilização de contratos automáticos pelas empresas do setor financeiro, tal como ocorre no âmbito do mercado de ações[8]. Ademais, desde os anos 70, as empresas utilizam o sistema de Intercâmbio de Dados Eletrônicos - EDI em suas contratações, o qual, embora tenha sido visto por alguns como uma ferramenta mais eficiente que os contratos tradicionais, não teve o condão de os substituir[9].
O grande diferencial dos smart contracts da atualidade reside na tecnologia que os subsidia, a blockchain ou, em tradução livre, cadeia de blocos, através da qual a ideia de autoexecução ganha novos contornos, em especial, a impossibilidade, ao menos tendencial, de futura intervenção humana lhe interromper ou alterar a execução dos termos acordados inicialmente.
Os smart contracts (SC) baseados na blockchain são o objeto do presente estudo[10]. A natureza jurídica de tais contratos inteligentes, contudo, surge controversa, havendo quem, apesar do nome pelo qual essas figuras se tornaram vastamente conhecidas, se recuse a lhes atribuir a natureza de um vero contrato, não passando os SC de mero código computacional[11]. Outros, por sua vez, colocam em dúvida a capacidade de a tecnologia substituir completamente a atividade humana[12].
A par da euforia inerente às novas tecnologias, é de se observar ainda que, se, por um lado, os contratos inteligentes baseados na blockchain trazem consigo grandes promessas, em especial para as relações B2B, a sua utilização noutros âmbitos traz também algumas preocupações, em especial nas relações B2C.
Desenvolvidos para não serem suscetíveis de admitir intervenções humanas — nas quais se incluem, por certo, eventuais intervenções judiciais corretivas — a utilização de SC nas contratações de consumo pode ensejar conflitos práticos com diversos aspectos da legislação consumerista, cujas premissas basilares residem na existência de uma natural vulnerabilidade do consumidor frente ao profissional e na necessidade de minorar o consequente desequilíbrio nesse tipo de relação.
O presente trabalho tem por objetivo, assim, analisar a figura dos smart contracts, seu lugar na doutrina contratual e, especialmente, suas repercussões no âmbito das relações de consumo.
Para tanto, no capítulo inaugural, serão tecidos comentários acerca do conceito de smart contract, destrinchando suas principais características e diferenças ante outras formas de contratação automatizada. Na oportunidade, percorreremos ainda pela origem e funcionamento da tecnologia que lhe permitiu o surgimento nos termos em que hoje é mundialmente conhecido, a blockchain, a qual foi emprestada de outra figura bastante conhecida da atualidade, a criptomoeda Bitcoin.
No segundo capítulo, passaremos à questão da natureza jurídica dos contratos inteligentes, analisando o seu enquadramento ou não como um vero contrato. No tópico, cotejaremos suas características e forma de funcionamento em face do conceito de negócio jurídico bilateral, figura com a qual a doutrina portuguesa, seguindo a influência do direito alemão[13], identifica os contratos.
Em seguida, no terceiro capítulo, traremos alguns exemplos de possíveis usos dos smart contracts no mercado de consumo e o seu impacto na relação entre profissionais e consumidores. O capítulo apresentará, ainda, as seguintes subdivisões, nas quais abordaremos essencialmente:
(i) A vulnerabilidade do consumidor.
A existência de um desequilíbrio de forças entre consumidores e profissionais no momento da contratação é dado pacífico no âmbito da doutrina consumerista, não devendo passar despercebido na análise do tema. Estará em foco então a repercussão dos contratos inteligentes na natural vulnerabilidade dos consumidores, tendo em conta, especialmente, a complexidade do funcionamento dos SC.
(ii) O anonimato.
Uma das características mais publicitadas das plataformas de comercialização de criptomoedas e de desenvolvimento de contratos inteligentes gira em torno da desnecessidade de os usuários revelarem suas reais identidades para efetuarem as transações. Examinaremos então se tal circunstância se apresentará como elemento perturbador nas relações de consumo que tenham por base contratos inteligentes.
(iii) O direito à informação.
Corolário da proteção do consumidor em face da superioridade do profissional, o direito à informação exsurge como um dos mais caros à legislação consumerista, possuindo inclusive envergadura constitucional. Nessa medida, analisaremos o acesso à informação pelo consumidor diante dos contratos inteligentes, posto que estes são redigidos em linguagem computacional.
(iv) As cláusulas contratuais gerais (CCG) e os contratos de adesão.
Presença recorrente nas contratações de consumo modernas, as CCG e os contratos de adesão são figuras muitas vezes essenciais para a sobrevivência de muitas empresas na atual sociedade de massas. Estará em análise, no tópico, o espaço de tais figuras no âmbito da contratação inteligente.
(v) Cláusulas abusivas e o sistema das nulidades.
Na sequência do tópico anterior, analisar-se-á o controle de conteúdo das cláusulas inseridas nos SC e as consequências de eventuais declarações de nulidade que sobre elas impendam, considerando-se ainda o especial desafio que a pretensa imutabilidade dos contratos inteligentes representa para os operadores do direito.
(vi) O direito de livre resolução.
A possibilidade de o consumidor resolver unilateral e imotivadamente um negócio de consumo, no âmbito da contratação à distância ou fora do estabelecimento comercial, é dos traços mais distintivos da legislação consumerista européia em face do regime comum. Tal particularidade, num primeiro momento, parece confrontar a imutabilidade dos smart contracts, sendo o tópico também merecedor de análise.
I - O QUE SÃO OS SMART CONTRACTS?
1.1. SMART CONTRACTS E CONTRATOS COMPUTÁVEIS: CONCEITOS E DIFERENCIAÇÕES
Smart contracts ou contratos inteligentes são quaisquer acordos cujas cláusulas estejam, total ou parcialmente, “formalizadas” em linguagem computacional, traduzindo-se em scripts ou pequenos programas[14], os quais, uma vez acionados e verificados os eventos desencadeantes pré-determinados pelas partes, são executados automaticamente.
Apenas tais características, no entanto, não seriam suficientes para destacar os smart contracts de outros contratos eletrônicos nos quais se emprega o uso de hardwares e softwares. Muito antes do surgimento dos contratos inteligentes, já existiam os computable contracts (em tradução livre, contratos computáveis), espécies do gênero dos data-oriented contracts (em tradução livre, contratos orientados a dados), sobretudo nas relações firmadas no mercado financeiro. No que concerne aos dois últimos, afirma HARRY SURDEN, ambos se referem a contratos traduzidos total ou parcialmente para a linguagem computacional, processável, portanto, pelos computadores, porém não cognoscível aos seres humanos em geral, eis que diferente da linguagem natural, seja ela o português, o inglês ou outra língua falada ou escrita pelo Homem[15].
Ao criarem um contrato computável, no entanto, as partes não apenas o redigem ou traduzem para a linguagem computacional, mas também configuram instruções para que os computadores destinados a processá-lo atuem de acordo com a finalidade pretendida pelos contratantes. Como exemplo, o autor supracitado aponta um contrato de opção de compra de ações, redigido de forma compreensível a um sistema computacional e no qual as partes consignam a instrução de não permitir o exercício da opção após atingida determinada data de expiração[16].
Para destacar os contratos inteligentes ora analisados dos contratos computáveis em geral, faz-se necessário um complemento ao conceito inicialmente esposado. Além do fato de serem redigidos em linguagem compreensível aos computadores e de serem executados de forma automática, os smart contracts possuem como diferencial o fato de, após acionados, serem imodificáveis e, uma vez verificados os eventos desencadeantes pré-determinados, sua execução se dar de forma imparável. Tudo isso ainda que contra eles pendam ordens judiciais que almejem afetar sua existência ou substância[17].
Do exposto, três são as características elementares dos contratos inteligentes até o momento. Em primeiro lugar, trata-se de programas ou softwares, ou seja, códigos de programação que executam o acordo firmado entre as partes. Devem ser, ainda, autoexecutáveis, de forma que, uma vez implementadas as condições pré-definidas pelas partes, sua execução se dê forma automática, independentemente de qualquer intervenção humana. Por fim, pretendem-se acordos imutáveis, no sentido de que, uma vez implementados, suas condições não podem ser — ou dificilmente o são — alteradas sequer pelos seus criadores ou pela plataforma que os hospeda.
Qualquer acordo que disponha dessas três características, portanto, pode ser classificado como um contrato inteligente, independentemente do formato tecnológico empregado em sua elaboração[18]. O termo smart contract, contudo, é comumente empregado na atualidade para designar aqueles acordos que se utilizam de uma tecnologia específica para alcançar a dita imutabilidade: a chamada blockchain ou cadeia de blocos.
1.2. ANTECEDENTES HISTÓRICOS E ORIGEM DOS CONTRATOS INTELIGENTES
Apesar de ter se tornado mais conhecido nos últimos anos, o termo smart contract foi cunhado ainda na década de 90 através do trabalho de NICK SZABO. Já naquela época, em publicação veiculada na revista Extropy[19], o jurista e criptógrafo americano afirmava que a forma tradicional de contratar — com a utilização de mecanismos de segurança tais como carimbos, selos e assinaturas, bem como o recurso a auditorias contábeis e ao sistema judiciário — implicava no aumento dos custos das relações negociais.
Tais custos, no entanto, poderiam ser reduzidos drasticamente com o recurso aos smart contracts[20]. A ideia do autor era a de que muitas das cláusulas contratuais existentes à época poderiam ser inseridas em softwares e hardwares comuns, com o objetivo de tornar a quebra de contrato custosa ao extremo ou, até mesmo, proibitiva, sem a necessidade do auxílio dos mecanismos de segurança e execução contratual até então conhecidos.
Teorizava NICK SZABO então sobre a programação de contratos, por mais estranha que a combinação das palavras soe, nomeados como smart contracts e conceituados pelo autor como sendo um conjunto de promessas, especificadas em formato digital, incluindo protocolos — sequências de mensagens entre, pelo menos, dois computadores — através dos quais as partes cumpririam tais promessas[21].
Esses protocolos, por sua vez, seriam construídos com o auxílio da criptografia e de outros mecanismos de segurança, de forma a criar uma máquina virtual que executasse o acordado entre as partes. Em vez de depositar a confiança num terceiro intermediário, as partes depositariam sua confiança nessa máquina virtual apta a executar os termos do acordo. A ideia seria semelhante ao funcionamento das populares máquinas de venda automática, nas quais tanto o cliente quanto a empresa responsável confiam que, após a inserção das moedas necessárias, haverá a disponibilização automática do produto ofertado[22].
Como exemplo, NICK SZABO cita ainda os dispositivos de segurança conectados à Internet e capazes de, mesmo à distância, tornar veículos automotores inoperáveis se acionados. A união entre tais dispositivos e um smart contract poderia, segundo o autor, ser utilizada nos casos de veículos dados como garantia de empréstimos, de forma que o protocolo criado o tornaria inoperável caso não realizado o pagamento devido pelo devedor. Por outro lado, uma vez pago o empréstimo na totalidade, esse mesmo protocolo seria capaz de revogar a garantia de forma permanente, afastando quaisquer poderes que o credor eventualmente tivesse sobre o automóvel[23].
O estado da técnica disponível à época não permitia, no entanto, a criação dos smart contracts tal como, nos dias atuais, eles se tornaram mundialmente conhecidos. Mesmo que utilizassem a criptografia para assegurar os acordos, os protocolos então idealizados por NICK SZABO ainda se apresentavam vulneráveis a ataques externos e, portanto, capazes de serem alterados maliciosamente. Em correlato à citada lacuna, faltava à época ainda um mecanismo seguro de transferência eletrônica de valores no qual não fosse necessário recorrer a uma entidade central para validar as transações.
Essas características, responsáveis pela disseminação do tema envolvendo os contratos inteligentes, apenas se tornaram possíveis após o surgimento das criptomoedas, em particular a Bitcoin e a tecnologia que a suporta, a blockchain, sobre as quais discorreremos no próximo tópico.
1.3. BITCOIN E ETHEREUM: DA CRIPTOMOEDA AO CONTRATO INTELIGENTE
Assim como a história dos smart contracts antecede o lançamento da plataforma Ethereum, a ideia de criar moedas virtuais já era discutida bem antes do surgimento da Bitcoin.[24] No entanto, as tentativas prévias à criptomoeda esbarravam em alguns obstáculos, em especial a então dependência de entidades centrais intermediadoras que validassem as transações financeiras no ambiente eletrônico. Afinal, sendo o dinheiro virtual, como assegurar que um indivíduo não o iria gastar duas ou mais vezes?
Tratando-se de dinheiro em espécie, o problema reduz-se, uma vez que a própria tradição implica, em teoria, a impossibilidade física daquele que o entregou voltar a utilizá-lo de forma maliciosa após, e. g., receber o bem adquirido numa relação de compra e venda. E, mesmo em se tratando de notas em papel, faz-se necessário às partes envolvidas confiar numa autoridade central oficial que emita e assegure a veracidade das cédulas e moedas que circulam no mercado.
Nas transações virtuais, por sua vez, há uma necessidade ainda maior de se depositar a confiança em autoridades centrais, normalmente instituições bancárias ou financeiras, que assegurem a validade das operações eletrônicas. Até algum tempo atrás, desse modo, era inviável realizar os mais simples negócios de forma totalmente virtual sem recorrer, ao menos nalguma etapa, aos serviços dos intermediários retrocitados[25].
Ademais, mesmo num sistema que conte com o auxílio de entidades centrais, a reversão das transações eletrônicas ainda se faz possível diante de eventuais disputas judiciais, o que se reflete na crescente necessidade de confiança entre as próprias partes e, por consectário, na elevação dos custos das relações negociais[26].
Tendo em vista as considerações supra e com o intuito de eliminar seja a necessidade de recorrer às referidas autoridades centrais seja a necessidade de haver confiança entre as partes, uma pessoa ou um grupo de pessoas — até o momento sem identificação — divulgou em 2008 o artigo Bitcoin: a Peer-to-Peer Electronic Cash System numa thread de e-mails[27], sob o pseudônimo de SATOSHI NAKAMOTO.
A solução proposta aliou conceitos de criptografia com as ideias de publicidade de todas as transações feitas com a moeda virtual e de criação de um sistema no qual seja necessário aos participantes entrar em consenso acerca da ordem em que tais transações foram realizadas e, portanto, de quais devem ser consideradas válidas e quais devem ser descartadas pela comunidade[28].
No que concerne à primeira proposta, a ideia assemelha-se à de um mesmo livro-razão[29] distribuído entre os diversos participantes da rede, não havendo que se falar na existência de uma cópia central ou mestra[30]. Qualquer pessoa com acesso à internet e que disponha de um computador com o software adequado pode armazenar a base de dados[31], a blockchain, na qual constam todas as transações já realizadas com a criptomoeda, tornando-se assim um nódulo da comunidade Bitcoin[32].
Em termos práticos, na hipótese de, e. g., Alice decidir enviar cerca de 5 bitcoins para Bob, tal comando será propagado para os nódulos pertencentes à rede da criptomoeda, os quais, após atualizarem seus registros, repassarão a informação para outros nódulos, os quais, por sua vez, tomarão as mesmas medidas, e assim sucessivamente[33].
Contudo, a adição de uma nova transação à base de dados compartilhada depende do cumprimento de algumas etapas de segurança. Para movimentar sua carteira de criptomoedas, Alice deve possuir uma assinatura digital, a qual lhe permitirá assegurar aos nódulos que ela foi a verdadeira destinatária de uma prévia transferência de bitcoins que lhe permita enviar a quantidade pretendida da moeda para outro usuário — o qual também deverá possuir uma assinatura digital[34].
Tal operação se dará sem que Alice precise revelar sua verdadeira identidade enquanto pessoa física, e sim apenas uma série de números e letras que representa sua assinatura digital, criada através de um sistema criptográfico assimétrico, possibilitando assim o anonimato dos usuários da Bitcoin, sem impactar na credibilidade do sistema[35].
Havendo a confirmação, pelos nódulos da rede, de que a operação pretendida por Alice é autêntica, a transação será armazenada num bloco de informações, no qual deve constar a data e horário de sua criação, bem como uma referência ao bloco que imediatamente lhe antecede na blockchain[36], e assim sucessivamente, podendo ser rastreado até o primeiro bloco da cadeia, representante da transação inaugural da Bitcoin.
Apenas a concatenação de blocos contendo referência a blocos prévios, no entanto, seria insuficiente para assegurar a integridade da cadeia, uma vez que agentes maliciosos, com relativa facilidade, poderiam alterar um bloco e todos os que lhe seguissem a fim de se beneficiarem com transações de moedas que nunca lhes foram enviadas.
Para contornar o obstáculo, SATOSHI NAKAMOTO lançou mão do conceito de proof-of-work ou, em tradução livre, prova de trabalho. Em continuidade ao exemplo supracitado, quando Alice anuncia a intenção de enviar 5 bitcoins para Bob, parte dos diversos nódulos da rede, chamados de mineradores, passa a competir entre si para verificar a transação e, consequentemente, ser responsável pela inclusão, à cadeia, do novo bloco contendo as informações da transferência[37].
Tal inclusão, no entanto, depende não apenas da verificação de autenticidade da transação, mas também da resolução de problemas criptográficos complexos pelos mineradores, os quais, mesmo dispondo de alto poder de processamento computacional, levarão cerca de dez minutos para resolver tais enigmas. Uma vez enchontrada a solução, o nódulo vencedor acrescentará um bloco à cadeia, sendo remunerado com uma determinada quantidade de bitcoins de forma a tornar economicamente viável seus gastos com energia elétrica, internet e maquinário durante a verificação[38].
Os demais operadores do sistema, por sua vez, receberão o bloco proposto com a resolução dos problemas criptográficos complexos e, após confirmarem sua validade[39], igualmente o acrescentarão à sua cópia da base de dados e passarão a trabalhar sobre a cadeia ao qual aquele foi acrescentado.
Partindo do pressuposto de que a maioria dos nódulos é honesta, a ideia do consenso da rede sobre a ordem cronológica das transações de criptomoedas apoia-se então na cadeia de blocos que se apresentar mais longa. É nesta cadeia que toda a rede continuará trabalhando e acrescentando novos blocos, descartando eventuais bifurcações de menor de extensão[40] [41].
Dessa forma, para que um agente malicioso consiga reverter o consenso estabelecido pela rede seria necessário alterar não apenas o bloco pretendido, mas também toda a cadeia que o segue até tornar essa segunda cadeia maior que a legítima, ocasionando assim a migração dos mineradores honestos. Como a inclusão de novas transações depende de uma prova de trabalho que demanda cerca de dez minutos por bloco para ser alcançada, o agente malicioso precisaria então possuir mais de cinquenta por cento da capacidade de processamento da rede bitcoin para conseguir seu intuito, a tempo de superar a inserção de um novo bloco na cadeia legítima[42], o que, apesar de não ser impossível, mostra-se bastante improvável, sendo economicamente mais rentável minerar bitcoins de forma honesta e manter a integridade do sistema.
Como já pontuado, parte dos conceitos e tecnologias supracitadas já existia, ou era ao menos discutida, à época do surgimento da Bitcoin, mas foi apenas com a divulgação do mecanismo proposto por SATOSHI NAKAMOTO que tais elementos foram orquestrados de forma a possibilitar a criação de uma moeda virtual segura e independente de entidades centrais. Com a criptomoeda e os mecanismos que lhe possibilitaram o funcionamento, em especial a blockchain, adveio também a tecnologia que faltava à implementação dos smart contracts, teorizados décadas antes por NICK SZABO.
Anunciada no final do ano de 2013, através da publicação do texto Ethereum White Paper: a next generation smart contract & decentralized application platform[43], a plataforma co-fundada por VITALIK BUTERIN viria a ser pioneira na criação de contratos inteligentes ou, nas palavras do russo-canadense, “systems which automatically move digital assets according to arbitrary pre-specified rules”[44].
Enquanto a cadeia de blocos relativa à Bitcoin se limita a transações financeiras com a criptomoeda, a cadeia de blocos pertencente à Ethereum possibilita o armazenamento não apenas das informações relativas à sua criptomoeda própria, o Ether, como também dos já mencionados scripts ou pequenos programas autoexecutáveis, os quais, por estarem armazenados numa blockchain, são — ao menos tendencialmente — imutáveis, não podendo ser modificados após sua inserção nem mesmo pela pessoa responsável por lhes programar.
Tomando como exemplo o seguro de viagem citado introdutoriamente, para o implementar através de um smart contract, os contratantes devem criar um script que funcione através da lógica “se X, então Y”, em que X equivale à ocorrência de atraso ou cancelamento de determinado voo e Y ao pagamento da indenização prometida. A esse contrato, as partes devem ainda atribuir suficientes criptomoedas, a fim de possibilitar tanto o pagamento do prêmio quanto o do eventual valor segurado.
Uma vez que o contrato inteligente tenha sido inserido na blockchain e verificada a ocorrência de um dos eventos desencadeantes mencionados, nem mesmo a seguradora teria como impedir a autoexecução do script e o consequente pagamento da indenização ao segurado, ainda que os eventos deflagradores tenham ocorrido em razão de caso fortuito ou força maior.
À exceção, portanto, da hipótese de domínio de mais de cinquenta por cento do poder de processamento da rede que armazena e fomenta os contratos inteligentes — constituída, repita-se, por inúmeros nódulos espalhados ao redor do mundo que se orientam unicamente pelo consenso da comunidade — nem mesmo através de uma ordem judicial seria possível parar a execução de um smart contract armazenado na blockchain[45] [46].
II - OS SMART CONTRACTS SÃO VEROS CONTRATOS?
2.1. CONTRATOS INTELIGENTES E NEGÓCIOS JURÍDICOS PLURILATERAIS
Ultrapassada a explanação acerca do funcionamento e tecnologia que subsidiam os smart contracts, faz-se ainda imprescindível analisar a natureza de tais scripts ou pequenos programas do ponto de vista estritamente jurídico e, em consequência, se estes podem ser, de fato, acolhidos no seio acadêmico e forense enquanto contratos.
À partida, o fato de o acordo existente num smart contract ser, efetivamente, um software descentralizado poderia impelir-nos a descaracterizá-lo como um contrato. Tal aplicação descentralizada, no entanto, nada mais é que um texto escrito em linguagem inteligível aos computadores, os quais, por sua vez, atuarão de acordo com os comandos determinados por aquele código.
A linguagem computacional, embora de forma mais limitada que as línguas naturais, possui significantes e significados, os quais, embora não sejam inteligíveis para a maioria das pessoas, podem ser traduzidos, ao menos em termos gerais, por aqueles que deles entendam. É que o funcionamento dos SC possui uma lógica do tipo “se X, então Y”, ou, no caso do exemplo do contrato de seguro suscitado no capítulo anterior, “se verificado atraso na decolagem igual ou superior a X horas, então transferência de Y criptomoedas”, comandos estes que, ainda que escritos em linguagem computacional, podem ser traduzidos para um texto compreensível para as pessoas em geral[47].
Em diversos Estados dos Estados Unidos da América, tais como Arizona, Tennessee, Ohio, Nova Iorque e Nebraska, já foram propostos projetos de leis reconhecendo a possibilidade de se utilizar os contratos inteligentes no comércio, consignando-se ainda que, às transações contratuais, não se pode negar efeitos legais, validade ou força executória somente em razão de conterem termos relativos aos smart contracts[48].
Em Malta, embora os esforços governamentais tenham se centrado mais no desenvolvimento da tecnologia blockchain[49] [50] do que propriamente na regulação dos smart contracts, é possível encontrar uma definição legal desta última figura na Lei de Ativos Financeiros Virtuais, segundo a qual um SC pode representar um acordo concluído total ou parcialmente em formato eletrônico, automatizado e executável através de um código informático, ainda que algumas de suas partes possam exigir a inserção de dados e controle por seres humanos ou possam ser executadas por métodos jurídicos comuns ou por uma mistura de ambos[51].
Sobre os textos legislativos portugueses já existentes acerca do tema, até o depósito da presente dissertação, encontrou-se a Lei n.º 03/2020, de 31 de março, promulgada no exercício da competência constitucional para edição de leis sobre as grandes opções dos planos nacionais[52].
Através da referida lei, a Assembleia da República portuguesa, reconhecendo a necessidade de dar um salto tecnológico, apoiando o uso das tecnologias emergentes, bem como de preparar a sociedade e as instituições para esta realidade, garantindo os direitos fundamentais dos cidadãos, determina que o Governo irá “fomentar a participação e celebração de protocolos de cooperação europeia, entre todos os Estados-Membros, para a criação, avaliação, estandardização e regulamentação de serviços e tecnologias baseados em blockchain”.
De recente publicação, os frutos da referida legislação ainda não puderam, logicamente, ser colhidos, porém a menção à cadeia de blocos demonstra que o legislador português não está alheio às oportunidades trazidas pela tecnologia. A amplitude das tecnologias incluídas no âmbito da Lei n.º 03/2020, de 31 de março[53], contudo, não traz uma garantia de que os estudos se voltarão para os smart contracts.
A ausência de legislação específica sobre a contratação inteligente baseada na blockchain, contudo, não impede a análise de tais institutos à luz da legislação vigente. A norma jurídica, tomando de empréstimo as palavras de CHAVES DE FARIAS e NELSON ROSENVALD, é algo vivo, não se limitando a um dado, sendo construída inclusive a partir das condições de tempo e lugar[54] em que sua análise, em cotejo ao caso concreto, é demandada.
Ab initio, em ordenamentos jurídicos como o português, não se exige, para a validade das declarações negociais, a observância de uma forma especial, salvo quando a lei assim o determinar, conforme disciplinado no artigo 219.º do Código Civil português, razão pela qual o fato de um contrato ser redigido em linguagem computacional não pode, por si só, obstar à sua validade[55].
Acresce ao princípio geral da liberdade de forma que a Diretiva n.º 2000/31/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de Junho de 2000[56], determinou, no artigo 9.º-1, que os Estados-Membros da União Europeia assegurem que seus regimes jurídicos aplicáveis ao processo contratual não representem obstáculos à utilização da via eletrônica, nem privem os acordos eletrônicos de efeitos ou validade pelo simples fato de estes serem celebrados eletronicamente.
Ao realizar a transposição da diretiva, o legislador português editou o Decreto-Lei n.º 7/2004 de 7 de janeiro, no qual estabeleceu, no artigo 25.º-1, um princípio geral da admissibilidade da contratação eletrônica, segundo o qual é livre a celebração de contratos por via eletrônica, sem que a validade ou eficácia destes seja prejudicada pelo simples motivo de se utilizarem daquele meio. Em Portugal, portanto, não é o fato de o acordo ter sido formalizado através de um script que ocasionará a sua descaracterização como um contrato.
Seguindo a influência do direito alemão, as obras portuguesas tradicionalmente abordam os temas acerca da forma e formação dos contratos no seio da teoria geral do negócio jurídico, eis que este seria o gênero do qual aqueles seriam espécie, faltando aos contratos uma teoria geral verdadeiramente autônoma, a qual, contudo, vem sendo retomada no início do século XXI[57].
De acordo com a abordagem tradicional, utilizada por GALVÃO TELES, enquanto espécie do gênero negócio jurídico bilateral ou plurilateral, os contratos devem antes ser, por consectário lógico, fatos jurídicos lato sensu, ou seja, eventos produtores de efeitos jurídicos; obedecem, portanto, à regra de Direito pela qual, a determinada hipótese, traduzida sempre num fato material, corresponde determinada estatuição[58]. Noutras palavras, devem os contratos representar fatos materiais cuja verificação atraia algum tratamento jurídico.
Face à afirmação, de proêmio, é possível afastar da circunferência dos contratos, os smart contracts que não conclamem a aplicação de qualquer tratamento jurídico. Ainda que todos os scripts ou pequenos programas armazenados na blockchain recebam o nome de smart contracts[59], apenas parte deles faz jus à natureza contratual.
É possível, por exemplo, que um programador deposite na blockchain uma aplicação que, uma vez verificada determinada condição pré-definida, exiba no monitor daquele que a acionou a mensagem “Olá, Mundo!”. Tal aplicação depositada na blockchain, embora possa ser definida, sob o ponto de vista puramente técnico, como um contrato inteligente, não traduz quaisquer fatos jurídicos, sendo, portanto, smart contracts juridicamente irrelevantes[60].
Nesse toar, TUR FAÚNDEZ propõe inclusive a separação terminológica entre os contratos inteligentes e os contratos legais inteligentes, ainda que reconheça a redundância na colocação do termo legal visto que este adjetivo encontrar-se-ia implícito no substantivo contrato.
De acordo com o autor, a pura expressão smart contract batizaria erroneamente situações em que o referido instituto jurídico não existe. Contudo, sendo uma expressão já amplamente difundida, a inclusão do qualificativo legal permitiria diferenciar as aplicações que não passam de meros softwares daquelas que conclamam algum tratamento jurídico e possuem eficácia obrigacional entre as partes[61] [62].
Ainda na abordagem tradicional, enquanto espécies do gênero negócio jurídico plurilateral, os contratos são atos jurídicos, opondo-se, neste aspecto, aos fatos jurídicos stricto sensu. Enquanto nesta categoria abrigam-se tanto condutas humanas quanto naturais — desde que, em sua apreciação, o ordenamento jurídico despreze a análise volitiva —, naquela primeira encontram-se as condutas humanas nas quais o ordenamento considera a vontade que as impulsiona[63].
Nos negócios jurídicos bilaterais ou plurilaterais, portanto, verificar-se-á o aspecto voluntarista, devendo as partes saber os efeitos jurídicos dos seus atos e querer sua produção[64]. A verificação desse aspecto, contudo, deve se dar de forma objetiva, tendo em conta os usos da vida, convenções entre as partes ou disposições legais; devendo o problema da não correspondência da substância psicológica à conduta exteriorizada no mundo real ser solucionado por outros institutos[65], posteriores, tais como o dolo, a coação, o erro, entre outros.
Desse modo, tendo em conta que os scripts ou pequenos programas que representam os smart contracts são decorrentes de condutas humanas[66], dotadas objetivamente da vontade de atrair efeitos jurídicos ao ato, não haveria objeção, sob este viés, em sua inclusão de entre os atos jurídicos e, em consequência, em sua configuração como negócio jurídico bilateral ou plurilateral.
E, mesmo que se teorize sobre a criação de um smart contract que programe novos smart contracts, a conduta humana voluntária terá sido necessária ao menos na gênese dessa cadeia contratual, ou seja, na criação do primeiro SC. Haverá nesses contratos inteligentes, portanto, alguma atuação humana a que se possa atribuir, ainda que retroativamente, a vontade objetiva da prática daquele ato e dos efeitos que dele são decorrentes[67].
Ainda seguindo a classificação inicialmente referida, os contratos devem representar atos jurídicos lícitos e, assim, haver correspondência entre o tratamento dado pelo ordenamento jurídico e os efeitos jurídicos pretendidos pelas partes. Dessa forma, para que correspondam a negócios jurídicos plenamente válidos e eficazes, da mesma forma como ocorre nos contratos tradicionais, os smart contracts devem ser lícitos[68].
Sobre o tema, é de se pontuar que, ao contrário de alguns outros ordenamentos, em Portugal, os acordos podem ser fonte de constituição, transmissão, modificação e extinção tanto de obrigações ou direitos de crédito quanto de direitos reais, familiares e sucessórios[69]. Ocorre que a supracitada Diretiva n.º 2000/31/CE, de 8 de Junho de 2000, estabeleceu que os Estados-Membros da União Europeia podem determinar que o princípio geral da admissibilidade da contratação eletrônica[70] não se aplique a negócios jurídicos familiares, sucessórios, reais imobiliários, a exceção do arrendamento, de entre outras exclusões.
Tal foi o caso em Portugal, país em que o legislador optou por adotar o elenco de exceções proposto pela diretiva e no qual não se admite a celebração de negócios jurídicos pela via eletrônica — e, em consequência, de smart contracts — cujo objeto envolva direitos familiares[71], sucessórios, reais imobiliários, à exceção do arrendamento, bem como de outros contratos que incidam nas exclusões elencadas no artigo 25.º-2 do Decreto-Lei n.º 7/2004, de 7 de janeiro.
Ademais, para determinados contratos, há de ser observada ainda a exigência de formas especiais, conforme disposto no artigo 219.º do Código Civil. Nesse sentido, tomando-se como exemplo o contrato de casamento, para as declarações de vontade com finalidade matrimonial serem válidas em Portugal, exige-se forma especial, solene, conforme o artigo 1615.º do CC, condição esta que atrai a incidência do artigo 220.º desse mesmo diploma, não sendo válida a declaração de vontade expressa de forma diferente da legal.
Dentro da modalidade dos atos jurídicos lícitos, os contratos ainda se posicionam no subconjunto dos negócios jurídicos. Estes teriam base na ideia de autonomia da vontade, também conhecida por autonomia privada, a qual, por sua vez, traduziria a liberdade de os sujeitos, de acordo com suas vontades, estabelecerem e conformarem situações jurídico-privadas, sem que, para tanto, deles seja exigível alguma justificação por suas opções[72].
Nesse sentido, enquanto nos fatos jurídicos stricto sensu os efeitos jurídicos recaem sobre os sujeitos em decorrência da lei, em manifestação de conformação heterônoma, nos negócios jurídicos, tais efeitos jurídicos pesam sobre os sujeitos por causa da vontade deles próprios, havendo uma conformação, portanto, autônoma[73].
Para que haja verdadeira manifestação dessa conformação autônoma, contudo, faz-se necessário que o sujeito tenha a intenção de, com o negócio jurídico por ele firmado, produzir efeitos jurídicos vinculativos para ele próprio ou, no caso dos contratos, que os sujeitos tenham a intenção de firmar um acordo vinculativo, que coloque ambos sob a alçada do Direito, não sendo suficiente um mero acordo de amizade ou cortesia[74].
No tópico, cumpre assinalar que a finalidade propulsora da origem dos smart contracts suscita alguma ponderação. É que, adjacente à ideia de criar contratos que prescindam da intervenção de terceiros, há também a intenção das partes de não precisar recorrer aos trâmites judiciais para verem cumpridos seus acordos, eis que os scripts ou pequenos programas são autoexecutáveis e imutáveis. Noutras palavras, poder-se-ia dizer que, com a inserção de um smart contract na blockchain, as partes não pretendem que ele seja juridicamente vinculativo, pelo contrário, buscam prescindir da alçada do Direito para obter o objeto acordado[75].
No entanto, ainda que pretendam estabelecer um acordo que prescinda do Direito para ser implementado, as partes não estão imunes a esta ciência. Ao firmarem um smart contract, as partes possuem o intuito expresso de que aquele seja tecnologicamente vinculante, mas dessa afirmativa não se pode inferir que essas mesmas partes tenham como objetivo que o acordo não seja juridicamente vinculante.
Pretender que os contratos inteligentes não sejam juridicamente vinculantes seria os equiparar a meros acordos de amizade ou cortesia ou assemelhados. Tais figuras, porém, são incompatíveis com a ideia de autoexecutabilidade e imutabilidade inerentes aos SC, características estas que traduzem claramente a intenção de amarra das partes ao acordo.
Ademais, o fato de buscarem, nos contratos inteligentes, estabelecer um acordo que seja autoexecutável e imodificável não significa que as partes não poderão ou não necessitarão se socorrer do Direito na eventualidade de algo não ir conforme o desejado[76]. Num contrato tradicional, mesmo que os contraentes pretendam estabelecer e conformar nos mínimos detalhes a situação jurídico-privada que os une, jamais ser-lhes-á possível prever todas as situações adversas que podem decorrer daquele acordo.
De semelhante forma, num smart contract, mesmo que haja uma garantia de execução automática, as adversidades poderão ocorrer. A imperfeição característica da natureza humana, seja das partes que travam as negociações para chegarem a um acordo ou dos próprios programadores que traduzirão os termos acordados num script ou pequeno programa a ser inserido na blockchain, implica a possibilidade de falha[77], de divergências entre o pensado, o dito e o programado, situações em que o Direito será, indiscutivelmente, conclamado para pacificar os futuros conflitos.
A eventual impossibilidade de alteração do script ou pequeno programa inserido na blockchain, ainda que se apresente como desafio, não pode representar uma barreira às partes do acesso ao Direito e aos tribunais para terem seus direitos e interesses legalmente protegidos, conforme, inclusive, disposto no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.
Por fim, no que tange à conceituação dos contratos como negócios jurídicos bilaterais ou plurilaterais, GALVÃO TELES inclui na categoria aqueles em que a manifestação de vontade advém de mais de uma parte[78]. Para o autor, cada uma das partes deve ser entendida como titular dos variados interesses em causa, podendo ainda ser formada por uma pessoa, quando os interesses têm caráter singular, ou várias, quando os interesses apresentam caráter comum ou coletivo[79]. Deve haver nos contratos, de acordo com MENEZES LEITÃO, duas ou mais declarações negociais contrapostas[80], porém concordantes entre si e de onde resulte uma unitária estipulação de efeitos jurídicos[81].
O smart contract, contudo, é inserido na plataforma Ethereum — ou noutras eventuais blockchains destinadas a armazená-los — por meio de apenas um único usuário[82]. Noutras palavras, do ponto de vista técnico, apenas uma pessoa dará o pontapé inicial para acionar aquele script ou pequeno programa que traduz os termos acordados entre as partes, podendo questionar-se, desse modo, se tal fato implicaria negativamente na classificação dos contratos inteligentes enquanto negócios jurídicos bilaterais ou plurilaterais.
Com efeito, haverá casos em que os smart contracts, na acepção atécnica, porém difundida, do termo, traduzem scripts ou pequenos programas que correspondam a negócios jurídicos unilaterais. Em ordenamentos jurídicos em que é permitida a contratação eletrônica em questões sucessórias, pode haver a programação de uma aplicação para, sendo verificado o falecimento de determinada pessoa, transferir determinada quantidade de criptomoedas da carteira de um usuário para a de outro, numa espécie de testamento descentralizado. Noutras hipóteses, contudo, ainda que sejam inseridas por um ato singular, essas aplicações descentralizadas poderão se referir a negócios jurídicos bilaterais ou plurilaterais.
Se considerarmos o caso das máquinas de vendas automáticas, o gesto de inserir moedas no equipamento ou de escolher o item desejado é tomado como expressão da aceitação da proposta. De semelhante forma, se tomarmos o exemplo de uma aplicação descentralizada que traduz um contrato de seguro[83], ainda que apenas a seguradora seja a responsável por inserir o script ou pequeno programa na cadeia de blocos, deve a parte segurada realizar o aporte de criptomoedas suficiente para o funcionamento da aplicação conforme os termos acordados[84], devendo este gesto ser tido como manifestação da vontade de uma parte cujos interesses não coincidem com os daquela empresa.
A plurilateralidade nos negócios jurídicos também pode ser identificada, por exemplo, nos smart contracts voltados ao financiamento coletivo[85].
De forma parecida com a proposta da plataforma Kickstarter[86], porém sem a necessidade de os financiadores ou os financiados depositarem a confiança num terceiro para administrar as doações, qualquer pessoa interessada em angariar fundos para determinada causa ou empreendimento pode criar um smart contract que receba criptomoedas de financiadores. Tal SC seria programado para, uma vez alcançada a quantia estipulada, transferir os fundos angariados para aqueles a serem financiados ou, expirado sem sucesso o prazo estipulado, devolver os fundos de cada um dos pretensos financiadores[87]. Tudo isso de forma automática, sem a possibilidade de modificação ou necessidade de recurso seja a uma terceira entidade seja a atuações posteriores das próprias partes.
No caso supra, assim como no do contrato de seguro descentralizado, ainda que o smart contract que traduz os termos do contrato de financiamento coletivo seja inserido na blockchain pela ação de um único usuário, a alocação de criptomoedas pelos financiadores representa inegavelmente uma manifestação de vontade de parte cujos interesses são diversos daqueles mantidos pelos potenciais financiados.
Independentemente da forma como os scripts ou pequenos programas são inseridos na blockchain, portanto, a evidência da plurilateralidade do negócio jurídico deve ser depreendida do conjunto das ações dos intervenientes naquela relação jurídica, considerando-se, por certo, os usos da vida, convenções entre as partes ou disposições legais.
Em suma, tendo em conta todo o caminho trilhado, perpassando pelos conceitos de fato jurídico lato sensu, ato jurídico lícito e negócio jurídico, chega-se finalmente ao conceito de negócio jurídico bilateral ou plurilateral, com o qual se identifica o contrato, acordo vinculativo, o qual, segundo ANTUNES VARELA, ainda que assente sobre duas ou mais declarações de vontade contrapostas, são perfeitamente harmonizáveis entre si e visam estabelecer uma composição unitária de interesses[88].
Tal conceito afigura-se plenamente compatível com a ideia que envolve os smart contracts, desde que, sob a rubrica da expressão, considere-se unicamente os scripts e pequenos programas com relevância jurídica, cujos objetos se apresentem lícitos e para os quais concorram uma pluralidade de partes, as quais, tomando empréstimo das palavras de ALMEIDA COSTA, pese prossigam distintos interesses e fins, ajustam-nos reciprocamente para produzir um resultado unitário[89].
III - QUAL A REPERCUSSÃO DOS SMART CONTRACTS NAS RELAÇÕES DE CONSUMO?
3.1. A VULNERABILIDADE DOS CONSUMIDORES E A CONTRATAÇÃO INTELIGENTE
Devido à própria origem e estrutura de funcionamento, parte considerável dos exemplos de utilização dos smart contracts, seja na concepção meramente técnica ou na concepção jurídica do termo, diz respeito a contratos que envolvem o setor financeiro, no âmbito das relações B2B, tais como aqueles relativos a valores mobiliários, derivativos financeiros, operações de hedging[90], etc.
No entanto, outros tipos de contratos que não abrangem transações financeiras sofisticadas como as suprarreferidas podem ser associados à esfera da contratação automatizada com base na blockchain, a exemplo dos smart contract relativos a coberturas securitárias, já mencionados, bem como aqueles que envolvem transmissão de bens imóveis[91], arrendamento, fornecimento de serviços básicos e de telecomunicações, prestação de serviços e fornecimento de bens e mercadorias, transportes, entre outros[92].
Tais exemplos envolvem, em sua maioria, o conceito de Internet of Things ou, em tradução livre, Internet das Coisas. No âmbito da IoT, prevê-se que os mais diversos objetos poderão ser conectados à Internet, tais como eletrodomésticos, meios de transporte, portas ou mesmo edifícios inteiros, de forma que, através da coleta e processamento dos dados emitidos durante o uso desses itens, cada aspecto da vida humana seja computável[93].
Associados à Internet das Coisas, os smart contracts poderiam auxiliar as pessoas na realização de pequenos negócios da vida cotidiana, como a transmissão da propriedade de um smartphone ou a manutenção do estoque domiciliar de sabão líquido para lavagem de roupas.
Na primeira situação, as partes poderiam criar um smart contract que, constatada a transferência do valor acordado pelo telemóvel, transmita a possibilidade do uso deste objeto do estabelecimento comercial para o respectivo consumidor que adquiriu o bem[94]. A autorização para utilização do aparelho, no caso, corresponderia a um token de valor[95], cuja operação de transmissão seria registrada na blockchain sempre que as condições pré-estabelecidas fossem alcançadas. Dessa forma, apenas aquele que detivesse tal token de valor conseguiria utilizar o telemóvel, o qual, por sua vez, apresentar-se-ia inoperável para as demais pessoas.
Já na segunda situação, aventa-se a possibilidade de o possuidor de uma máquina de lavar roupas e uma loja que comercialize sabão líquido firmarem um smart contract que, sempre que constatada a diminuição da quantidade deste último produto, ordene a aquisição de mais do mesmo e, uma vez identificado o pagamento, envie o bem adquirido para a respectiva residência[96].
Ambas as hipóteses são previstas para um futuro em que os objetos das transações estejam amplamente conectados à Internet, possibilitando a coleta e processamento de dados de forma a viabilizar a atuação do smart contract “dentro” dos mais diversos bens que, atualmente, fazem parte do nosso cotidiano[97].
Porém, mesmo fora do âmbito futurístico da IoT, outros exemplos de smart contracts em situações cotidianas podem ser citados. Um deles é o já mencionado contrato de seguro para o caso de atrasos ou cancelamentos de voos. Ainda no âmbito securitário, KEVIN WERBACH e NICOLAS CORNELL citam a programação de um smart contract entre uma seguradora e um produtor rural pelo qual fica acordado que, uma vez constatada a diminuição ou o aumento da temperatura da região em que se localiza a plantação[98], para além de um patamar pré-definido, seja realizado o pagamento automático de uma indenização àquele agricultor em razão da perda de sua safra[99].
Os smart contracts podem ser encontrados também no âmbito da compra e venda de bens digitais, e. g., um contrato inteligente criado para, uma vez realizado o pagamento do valor atribuído a um e-book[100], disponibilizar automaticamente o referido arquivo digital ao respectivo comprador.
Em comum, os exemplos supracitados possuem o fato de potencialmente envolverem relações B2C, sempre que, por certo, estejam presentes os requisitos necessários para caracterizar uma das partes enquanto consumidora e, a parte contrária, enquanto profissional.
Sobre o tema, FERREIRA DE ALMEIDA aponta os elementos subjetivo, objetivo, teleológico e relacional como nortes para o enquadramento da noção de consumidor, a depender do diferente texto normativo que esteja sob análise[101]. Embora consigne a possibilidade de, em determinadas normas, algum destes quatro elementos se encontrar esvaziado, também MORAIS CARVALHO faz referência às componentes subjetiva, objetiva, teleológica e relacional para o exame do conceito de consumidor[102].
De acordo com DIAS OLIVEIRA, o elemento subjetivo se refere à exigência de o consumidor ser pessoa em sentido jurídico, sujeito de direito, abrangendo, em consequência, tanto as pessoas físicas quanto jurídicas[103]. O elemento objetivo, por sua vez, diz respeito aos bens e serviços adquiridos pelo consumidor e, o teleológico, à finalidade com a qual aqueles foram adquiridos por este último, sendo necessário que se destinem ao seu uso pessoal ou privado[104]. Por fim, o elemento relacional remete à contraparte com a qual o consumidor travou o negócio jurídico, pressupondo-se que aquela consista numa empresa ou entidade profissional[105]. Quanto ao último aspecto, MORAIS CARVALHO ainda acrescenta ser irrelevante a circunstância de a atividade envolver o exercício de uma profissão liberal[106].
No ordenamento português, tais elementos podem ser identificados em uma das definições mais relevantes de consumidor, encontrada no artigo 2.º-1 da Lei n.º 24/1996, de 31 de julho, a chamada Lei de Defesa do Consumidor - LDC[107], segundo a qual considera-se consumidor todo aquele (elemento subjetivo) a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos (elemento objetivo), destinados a uso não profissional (elemento teleológico), por pessoa que exerça com carácter profissional uma atividade econômica que vise a obtenção de benefícios (elemento relacional)[108].
Conforme assinalado anteriormente, o fato de um acordo ser firmado através de um smart contract não obsta, per si, a sua classificação como negócio jurídico bilateral. Da mesma forma, uma vez presentes a totalidade, ou, a depender do diploma normativo, uma parcela significativa dos elementos suprarreferidos, inexistem óbices para que os scripts ou pequenos programas armazenados na blockchain — da plataforma Ethereum ou de outra semelhante[109] — sejam enquadrados como provenientes de uma relação de consumo.
Em se tratando de contratos inteligentes de consumo, portanto, estarão tais negócios igualmente sob a alçada da legislação consumerista[110], com tanto fundamento quanto os contratos de consumo em geral, eletrônicos ou não. Ainda que os smart contracts sejam por vezes apontados como mecanismo de fortalecimento dos consumidores perante os profissionais[111], um dos fundamentos mais tradicionais para a edição da legislação do consumo[112] também se encontrará presente, qual seja, a existência de um desequilíbrio de forças entre os contraentes.
Se, por um lado, a promessa de execução automática profetiza uma retomada de poder pelos consumidores nas negociações, levando a que os profissionais não mais tenham como descumprir as obrigações que acordaram, outros aspectos que caracterizam o desequilíbrio nesse tipo de relação continuarão presentes.
Os consumidores em geral encontram-se numa natural posição de vulnerabilidade perante os fornecedores de bens ou prestadores de serviços, podendo aquela ser analisada a partir de quatro vertentes: a vulnerabilidade técnica, a jurídica ou científica, a fática ou socioeconômica e a informacional.
Consoante as lições de LIMA MARQUES, a vulnerabilidade técnica diz respeito à ausência de conhecimentos técnicos específicos, pelo consumidor não profissional, em relação ao bem ou serviço a ser adquirido ou prestado, razão pela qual este sujeito da relação pode ser mais facilmente ludibriado do que aqueles que os detém[113]. Ainda consoante a autora, a vulnerabilidade jurídica ou científica corresponde à falta de experiência e de conhecimentos jurídicos, de contabilidade e de economia, relacionados ao negócio pelo consumidor não profissional, em especial no que se refere à compreensão de conteúdo contratual em cujo bojo se empreguem termos muito específicos daqueles ramos do saber[114]. A vulnerabilidade fática ou socioeconômica, por sua vez, diz respeito à posição de superioridade do fornecedor, na relação de consumo, decorrente do seu monopólio fático ou jurídico, do seu elevado poderio econômico ou mesmo da essencialidade do serviço a ser prestado[115].
Conquanto possa ser tida como desdobramento da vulnerabilidade técnica, a vulnerabilidade informacional, segundo LIMA MARQUES, traduz, nos dias atuais, em que as fronteiras do consumo se encontram alargadas pelos meios de comunicação em massa[116], um novo tipo de fragilidade[117]. Nas palavras da autora, “Hoje, porém, a informação não falta, ela é abundante, manipulada, controlada e, quando fornecida, nos mais das vezes, desnecessária”[118]. Desta feita, a proteção dessa vertente da vulnerabilidade demanda um controle da qualidade da informação prestada pelos fornecedores aos consumidores, permitindo-lhes a sua real compreensão.
Nos contratos inteligentes de consumo, assim como nos contratos de consumo em geral, tais vulnerabilidades estarão igualmente presentes, senão agravadas pelo recurso aos smart contracts e a complexidade a eles inerente. Às vertentes técnica e jurídica, será acrescida, considerando-se o consumidor médio, a ausência de conhecimento informático e computacional sobre o próprio funcionamento em abstrato de um SC, bem como a incapacidade de compreensão da linguagem computacional utilizada no contrato inteligente a ser depositado na blockchain.
Intrínseca à sociedade da informação, a vulnerabilidade informacional, com ainda mais razão, estará presente nas relações de consumo envolvendo smart contracts, em especial se considerado o “habitat natural” destas, a Internet, e todo o marketing que envolve a contratação inteligente, assunto que se tornou moda nos últimos anos e que nem sempre envolve a prestação de informações de qualidade pelos profissionais aos consumidores.
Por fim, embora o recurso aos smart contracts implique a impossibilidade, ao menos tendencial, de descumprimento do acordo, o mero emprego dos SC não deve ter o condão de afastar a posição de superioridade do fornecedor, continuando aquele a ditar os termos contratuais, sem que haja possibilidade de negociação pelos consumidores, com o recurso a cláusulas negociais gerais prévia, unilateralmente elaboradas e rigidamente impostas[119].
3.2. SMART CONTRACTS E ANONIMATO
Nas considerações iniciais acerca da origem e funcionamento da Bitcoin, afirmou-se que as transações com a referida criptomoeda podem ser realizadas sem a necessidade de expor a verdadeira identidade dos contraentes, os quais, através de um sistema criptográfico assimétrico, podem revelar ao público — assim como à contra-parte — apenas uma série de números e letras que representam sua assinatura digital[120].
A possibilidade do anonimato é uma característica que, igualmente, pode ser transposta para os usuários da plataforma Ethereum nas transações financeiras envolvendo os smart contracts armazenados nessa blockchain[121]. O completo anonimato, contudo, é uma característica que, a priori, provoca incertezas quando posta no âmbito das relações de consumo.
Logo à partida, o dito anonimato encontra obstáculo prático na própria definição de consumidor. Como explanado, para que estejamos diante de uma relação de consumo, faz-se necessária a presença de uma série de elementos, alguns dos quais demandam, para serem aferidos, o conhecimento da identidade dos contraentes e das finalidades que envolvem seja a aquisição seja a oferta do bem ou serviço objeto do acordo.
Sendo desconhecidas as identidades dos detentores das assinaturas digitais envolvidas num determinado negócio de consumo, como analisar a presença, de um lado, de uma pessoa física ou jurídica[122] ou mesmo que esta adquiriu o bem ou serviço para os destinar a um uso não profissional? Da mesma forma, como analisar a presença, do outro lado do acordo, de pessoa que exerce com carácter profissional uma atividade econômica que vise a obtenção de benefícios? As partes estariam, assim, às cegas no que se refere à qualidade das pessoas com as quais estão travando o negócio.
Tal obstáculo, contudo, refere-se mais a um plano hipotético, uma vez que, na prática, dificilmente se realizará um acordo nesse âmbito sem conhecer informações básicas dos envolvidos[123], especialmente acerca do profissional que fornece o bem ou serviço disponível on-line. Isso porque serão necessárias interfaces gráficas que viabilizem o encontro e a interação entre os potenciais consumidores e os contratos inteligentes inseridos na blockchain pelos profissionais e cujas funcionalidades sejam por aqueles desejadas[124].
Sem a existência dessas interfaces gráficas, disponíveis através de aplicações em sítios na web, os scripts ou pequenos programas armazenados na blockchain permaneceriam ininteligíveis às pessoas em geral, que não compreendem a linguagem de programação[125]. Impossibilitados de perceber o próprio conteúdo do bem ou serviço ofertado, ou mesmo de até a eles chegar, dificilmente os consumidores concluiriam os negócios de consumo, frustrando-se assim a própria finalidade para a qual tais smart contracts teriam sido desenvolvidos.
Ademais, em tais sítios na web, da mesma forma que nas contratações eletrônicas em geral, há a obrigação legal de disponibilizar ao consumidor informações básicas sobre o profissional com o qual aquele estará entabulando o negócio jurídico bilateral, a exemplo do artigo 8.º, alínea b) da LDC, pelo qual o fornecedor de bens ou prestador de serviços tem a obrigação, seja ao tempo da negociação seja ao tempo da celebração do contrato, de prestar informações claras, objetivas e adequadas acerca da sua própria identidade, as quais englobam seu nome, firma ou denominação social, endereço geográfico e número de telefone.
De semelhante forma, o Decreto Lei n.º 24/2014, de 14 de fevereiro, no artigo 4.º-1, alínea a), dispõe que, antes de o consumidor se vincular ao contrato celebrado à distância ou fora do estabelecimento comercial, o fornecedor de bens ou prestador de serviços deve facultar-lhe, em tempo adequado e de forma clara e compreensível, informações sobre sua identidade, nas quais o legislador inclui as informações já citadas, além do endereço eletrônico, caso exista, de modo a permitir que o consumidor possa contactá-lo e comunicar-se de forma rápida e eficaz.
No artigo 10.º-1 do Decreto-Lei n.º 7/2004, de 7 de janeiro, que trata do Comércio Eletrônico no Mercado Interno e Tratamento de Dados Pessoais, é previsto ainda o dever de o prestador de serviços da sociedade da informação estabelecido em Portugal disponibilizar, permanentemente em linha, elementos que possibilitem sua identificação, tais como as já mencionada informações sobre nome, denominação social e endereço geográfico, além de informações sobre suas inscrições nos registros públicos e número de identificação fiscal.
Ademais, para que ocorram as interações com a interface gráfica, armazenada no front end e provedora de dados para o contrato inteligente armazenado no back end[126], poderão ser demandadas dos usuários mais informações sobre suas verdadeiras identidades de forma a permitir sua identificação[127], tal como já ocorre comumente na contratação celebrada através da internet em geral na qual, no mais das vezes, exige-se do consumidor o preenchimento de formulário, ou mesmo a abertura de uma conta de usuário, com informações pessoais básicas sobre si.
Na prática, portanto, o dito anonimato das partes permanecerá apenas no que tange às transações registradas no livro-razão compartilhado pela rede, uma vez que elas estarão registradas na blockchain e associadas somente às assinaturas digitais daqueles que depositaram o smart contract na cadeia de blocos. Diferentemente, para que ocorra a interação necessária à conclusão do acordo de consumo, serão necessárias interfaces gráficas, as quais exibam informações pessoais do profissional, bem como demandem informações pessoais do consumidor.
3.3. SMART CONTRACTS E DIREITO À INFORMAÇÃO
Conforme mencionado, no ordenamento jurídico português não se exige, para a validade das declarações negociais, a observância de uma forma especial, salvo quando a lei assim o determinar, conforme disciplinado no artigo 219.º do Código Civil. Ademais, no artigo 25.º-1 do Decreto-Lei nº 7/2004, de 7 de janeiro, o legislador português estabeleceu um princípio geral da admissibilidade da contratação eletrônica, segundo o qual é livre a celebração de contratos por via eletrônica, sem que a validade ou eficácia destes seja prejudicada pelo simples motivo de se utilizarem daquele meio.
Estabelecidos tais pressupostos, chegou-se à conclusão de que, atendidos os requisitos necessários à formação de um negócio jurídico bilateral, inexistiriam óbices à consideração dos smart contracts como contratos pelo simples fato de estes serem redigidos em linguagem computacional e de se destinarem ao ambiente digital. Contudo, conforme adverte PINTO GOMES, as boas práticas recomendarão que, adjacente ao contrato redigido em linguagem computacional, seja disponibilizada uma versão do contrato em linguagem corrente e, portanto, inteligível a ambos os contratantes[128].
No âmbito das relações de consumo, por sua vez, a existência de uma versão do contrato em linguagem corrente, de forma a possibilitar a compreensão dos termos contratuais pelos consumidores, deixa de ser uma recomendação de boa prática para se tornar um imperativo porquanto o direito à informação é primordial à legislação consumerista, possuindo, inclusive, envergadura constitucional, conforme artigo 60.º-1 da CRP.
Nesse sentido, a Lei de Defesa do Consumidor prevê o direito do consumidor, genericamente, à informação para consumo (art. 3.º-d) e um especial dever de informação, por parte do profissional, quanto às principais cláusulas do contrato a celebrar, e cujo descumprimento, em razão da falta de informação, informação insuficiente, ilegível ou ambígua, implica um direito de retratação pelo consumidor do contrato (art. 8.º-1-4 da LDC)[129]. Não basta, contudo, que a informação seja prestada de qualquer forma, devendo haver clareza, objetividade e adequação em seu fornecimento. Faz-se imprescindível a prestação de informação com qualidade, e não apenas quantidade.
A preocupação constante com o direito de informação do consumidor e o consequente dever de informar do profissional decorrem da já mencionada discrepância de forças entre tais personagens. Nesse contexto, a informação traduz-se como uma das formas mais eficazes de proteger o consumidor ao mitigar sua posição de desvantagem na relação, proporcionando assim comportamentos mais responsáveis e esclarecidos.
No que tange aos contratos celebrados à distância e fora do estabelecimento comercial, o Decreto-Lei nº 24/2014, de 14 de fevereiro, impõe ainda a obrigação para os profissionais, em benefício dos consumidores, de confirmar a celebração do contrato através da entrega, em suporte duradouro, das informações pré-contratuais (art. 6.º-1), estando em causa aqui uma confirmação do conteúdo essencial do negócio jurídico, ou seja, uma formalização de suas principais cláusulas[130].
Por sua vez, na já mencionada norma acerca do Comércio Eletrônico no Mercado Interno e Tratamento de Dados Pessoais, é previsto um dever de comunicação, pelo profissional, dos termos contratuais e das cláusulas gerais referentes ao negócio de consumo de maneira a permitir ao destinatário, eventualmente um consumidor, armazená-los e reproduzi-los[131].
De pouco adiantaria, contudo, o mero envio ao consumidor, ainda que em suporte duradouro, do algoritmo utilizado no smart contract, na medida em que o texto seria ininteligível àquele porquanto escrito em linguagem computacional. Limitando-se o profissional ao envio do script que compõe o SC, não estaria se desincumbindo do dever de comunicar o conteúdo essencial do negócio jurídico.
A informação a ser prestada ao consumidor, repita-se, deve ser clara, objetiva e adequada, a fim de lhe possibilitar a real compreensão dos termos do negócio jurídico. A comunicação dos principais termos contratuais em linguagem incompreensível, ao menos para o consumidor médio, seria inócua e descumpridora de deveres impostos em diversos diplomas consumeristas, tais quais os supracitados.
No tópico, cumpre mencionar o Decreto-Lei n.º 238/86, de 19 de agosto, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 42/98, de 6 de fevereiro. Embora os smart contracts de consumo, sequer imaginados à época da edição primeva do texto normativo, sejam escritos em linguagem computacional, a qual não se trata, propriamente, de uma língua estrangeira, suas determinações quanto a esta última podem ser aqui utilizadas analogicamente[132] uma vez que as razões justificativas da dita regulamentação também se encontram na hipótese.
Parte o DL n.º 238/86 do princípio de que o crescente alargamento do mercado português a produtos ou serviços de origem estrangeira, quando desacompanhado do emprego da língua portuguesa, inviabiliza na prática o exercício do direito à informação, considerado um dos mais relevantes direito do consumidor.
Estabelecidas tais premissas, determina o legislador então a obrigatoriedade de as informações sobre a natureza, características e garantias dos bens ou serviços oferecidos ao público no mercado português serem prestadas em língua portuguesa (art. 1.º do DL n.º 238/86), sendo obrigatória, nos casos de ditas informações estarem redigidas em língua estrangeira, a adição de sua tradução integral aos meios informativos utilizados (art. 2.º do DL n.º 238/86).
Determina também que, sem prejuízo da versão em língua estrangeira, os contratos que se destinem à venda de bens ou produtos ou à prestação de serviços no mercado português, bem como a emissão de faturas ou recibos, devem ser redigidas em língua portuguesa (art. 3.º do DL n.º 238/86)[133].
No caso dos smart contracts, também a disponibilização, exclusivamente em linguagem computacional, de informações essenciais do bem ou serviço, bem como dos termos contratuais, inviabiliza, na prática, o exercício do direito à informação posto que não permite ao consumidor a real compreensão do negócio jurídico firmado. A linguagem estrangeira referida no DL n.º 238/86, portanto, pode ser objeto de um esforço analógico para abarcar também a linguagem computacional.
Desta feita, de uma leitura conjunta das diversas leis consumeristas, é possível concluir que, nas contratações de consumo que recorram a smart contracts no mercado português, será imprescindível que os termos contratuais redigidos em linguagem computacional sejam acompanhados de uma versão escrita (em papel ou contida num outro suporte duradouro) em língua portuguesa[134].
A necessidade de uma versão do smart contract escrita em língua corrente é medida relevante também para determinar o real conteúdo do acordo firmado entre as partes[135]. Afinal, os códigos que comporão um smart contract serão desenvolvidos por uma pessoa, sendo a falibilidade inerente à condição humana. Tal programador precisará transpor para uma linguagem computacional os termos contratuais desejados pelas partes contratantes, processo este que poderá levar a discrepâncias entre o almejado por aqueles e o que de fato foi escrito no script.
Em se tratando de uma relação de consumo, na hipótese de o código do smart contract apresentar discrepâncias face o conteúdo das informações escritas em linguagem natural e disponíveis aos usuários e potenciais consumidores, devem estas últimas prevalecer sobre o conteúdo do script ou pequeno programa, eis que foram determinantes para a emissão da declaração de vontade de contratar pelo consumidor[136].
Ademais, a linguagem computacional possui uma natureza objetiva incompatível com os subjetivismos da linguagem natural falada pelos Homens. Nessa medida, embora os smart contracts possuam a mesma lógica condicional dos contratos, a linguagem computacional não lhes permite captar todas as nuances dos contratos redigidos em linguagem natural, em especial se considerada a complexidade de boa parte dos termos contratuais da sociedade contemporânea[137].
Com efeito, até mesmo a aplicação informática mais avançada em termos de processamento de linguagem natural, afirma HARRY SURDEN, apresenta-se limitada quando comparada às habilidades de leitura e compreensão de uma pessoa alfabetizada comum[138]. Desta feita, por impossibilidade técnica de traduzir todos os termos contratuais da linguagem natural para a computacional, diversos aspectos[139] que compõem o negócio jurídico devem ficar de fora do script que compõe o smart contract[140].
Cumpre então fazer um acréscimo à afirmação realizada no bojo do capítulo anterior, qual seja, de que o conceito de negócio jurídico bilateral se afigura plenamente harmonizável com a ideia que envolve os SC. É que, ainda que seja possível em teoria redigir um contrato em forma de script, na ampla maioria dos casos, especialmente nos casos de smart contracts de consumo, apenas parte do acordo deverá se apresentar através da linguagem computacional[141].
No tópico, é de se destacar que as interfaces gráficas, mencionadas em momento anterior, cumprirão o papel não apenas de indicar aos usuários e potenciais consumidores a identidade da empresa ou profissional responsável, mas também de lhes fornecer informações relativas ao bem ou serviço ofertados.
No caso dos smart contracts, tais informações devem incluir não apenas dados como as características principais dos bens ou serviços, preço, formas de pagamento, vigência contratual, etc., mas também sobre a própria lógica de funcionamento por trás do respectivo script, eis que o automatismo e a tendencial imutabilidade que os envolvem são traços fundamentais e distintivos dessa forma de contratar.
Estando os consumidores em posição de desigualdade na relação, muitas das vezes não apenas a nível econômico, mas também no que tange ao próprio funcionamento do negócio, é através do acesso à informação que se possibilita algum fortalecimento daqueles indivíduos perante as empresas e profissionais, evitando a contração de obrigações indesejadas ou até mesmo abusivas, dentre outros aspectos negativos.
Nesse sentido, diversos são os diplomas normativos portugueses que consagram o direito à informação dos consumidores acerca dos produtos ofertados no comércio, tal como o artigo 8.º-1 da Lei de Defesa do Consumidor, pelo qual, inclusive, não basta que a informação seja prestada de qualquer forma, devendo haver clareza, objetividade e adequação nessa prestação, sendo imprescindível, portanto, a prestação de informação com qualidade, e não apenas quantidade. Ademais, de acordo com a LDC, o contrato de consumo também é integrado pelas informações concretas e objetivas disponibilizadas em mensagens publicitárias do bem, serviço ou direito emitidas anteriormente à conclusão do acordo.
Consoante o teor do artigo 4.º-3 do Decreto-Lei n.º 24/2014 de 14 de fevereiro, ainda fazem parte do contrato as informações pré-contratuais fornecidas no âmbito das contratações celebradas à distância e fora do estabelecimento comercial, tais como aquelas acerca de características essenciais dos bens ou serviços, preço, modalidades de pagamento e entrega, dentre outras[142].
Ao utilizar interfaces gráficas ou mesmo publicidades em suporte físico que tornem o conteúdo de um smart contract compreensível e atrativo aos consumidores, as informações naquelas contidas deverão ser consideradas como integrantes do contrato, de forma que o negócio jurídico bilateral firmado não compreenda somente o script ou pequeno programa armazenado na blockchain, e sim o produto da soma das informações obtidas naquelas interfaces e publicidades e dos códigos que compõem o smart contract[143].
A tendência no momento, portanto, é de que os contratos inteligentes de consumo assumam uma forma mista, em que parte do acordo se encontra escrita em linguagem natural, dando conta de aspectos essenciais à informação ao consumidor, seja em suporte físico ou eletrônico, e, a outra parte, em linguagem computacional, a qual, ao tempo que estabelece verdadeiras cláusulas contratuais através de sua lógica de funcionamento “se X, então Y”, estabelece também comandos compreensíveis e auto-executáveis pelos computadores[144].
3.4. SMART CONTRACTS DE CONSUMO, CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS E CONTRATOS DE ADESÃO
A ideia propulsora das criptomoedas, que viabilizaram a criação dos contratos inteligentes, surgiu da necessidade de eliminar a dependência de entidades centrais intermediadoras em transações financeiras eletrônicas, sem, contudo, abalar a confiança das partes acerca do operação financeira realizada. A eliminação de tais figuras, através do recurso à já mencionada rede de dados distribuída, teria reflexos na redução dos custos das transações financeiras[145].
Contudo, e especialmente no que tange aos contratos inteligentes, apesar de afastada a necessidade de entidades centrais para validar as operações financeiras, outros intervenientes e, consequentemente, outros custos[146] foram acrescentados ao iter contratual. Isso porque, além de não eliminar a necessidade da presença dos operadores do direito, o emprego dos smart contracts dependerá, indubitavelmente, do auxílio de profissionais da computação especializados no tema — ou, no mínimo, de juristas que também tenham a programação dentre os seus leques de conhecimento.
Aos custos inerentes à contratação de juristas e programadores aptos a desenvolver contratos inteligentes, as empresas e profissionais mais prudentes acrescentariam, ainda, as despesas referentes a auditorias e testes dos scripts ou pequenos programas a serem depositados na blockchain, a fim de evitar eventuais defeitos nos códigos que impliquem em perdas financeiras irremediáveis[147].
A combinação de todos esses fatores pode elevar os custos de desenvolver um smart contract para um patamar entre U$7.000, para aplicações menos elaboradas, até U$45.000 ou mais, para aquelas mais complexas[148], tornando o acesso seguro ao mundo dos contratos inteligentes, muitas vezes, algo não cogitável para empresas e profissionais de pequeno ou mesmo médio porte financeiro e estrutural.
A complexidade inerente à criação dos contratos inteligentes e os altos custos envolvidos nessa operação implicam que o recurso ao automatismo será mais vantajoso quando realizado em série ou em grande volume[149], levando a crer que, ao menos no âmbito das relações de consumo, tais aplicações serão mais comumente utilizadas nas chamadas contratações em massa, nas quais, por certo, os custos de desenvolvimento serão repassados e diluídos entre as centenas de consumidores a contratar.
É pouco provável, portanto, que os smart contracts sejam utilizados no âmbito das relações de consumo de forma personalizada, adaptando-se os scripts e pequenos programas ao resultado das negociações realizadas entre os consumidores e os profissionais. Diante desse cenário, a ideia de que os contratos inteligentes devolveria aos consumidores o poder nas negociações torna-se algo distante. O mais provável é que as empresas e profissionais utilizem uma mesma aplicação para abarcar uma pluralidade de distintos consumidores.
A inviabilidade de adaptar os smart contracts às necessidades específicas de cada consumidor e o seu destino às contratações em massa remetem a dois conceitos bastante conhecidos do direito dos contratos em geral, mas também, e especialmente, do direito do consumo, quais sejam, os contratos de adesão e as cláusulas contratuais gerais[150].
A gênese de ambas as figuras remonta ao surgimento da sociedade industrial, a qual, a partir do século XIX, trouxe consigo o aumento das concentrações urbanas e, consequentemente, a massificação das relações jurídicas e econômicas, com a chamada sociedade de massas, tornando inviável a conservação do modelo de negociação contratual estritamente individualizado[151], incompatível com as necessidades de maior racionalização, planejamento, celeridade e eficácia do processo produtivo e distributivo das empresas[152].
A larga escala de produção e consumo de bens e serviços, inerente à sociedade de massas, implicou, nas palavras de OLIVEIRA ASCENSÃO, num distanciamento do diálogo, com a “balança contratual” pendendo em favor da parte econômica e socialmente mais forte, a qual predispunha os termos da avença, restando à parte contrária a total anuência aos termos propostos ou a não contratação[153].
Nessa mesma linha de pensar, ANA PRATA define os contratos de adesão como aqueles acordos nos quais uma das partes se encontra diante de uma proposta contratual não alterável, restando-lhe, como alternativas possíveis, ou a completa aceitação ou a total rejeição do conteúdo contratual[154].
A passividade na postura do destinatário, salvo pela possibilidade de aderir ou não ao contrato proposto pelo mais forte na relação[155], representa, para PINTO MONTEIRO, a essência dos chamados contratos de adesão, marcados pela predisposição unilateral e rígida dos termos contratuais por uma das partes, não havendo espaço para negociação pela outra parte[156].
No que tange às cláusulas contratuais gerais, FERREIRA DE ALMEIDA nos remete à ideia de repetição de um determinado conteúdo contratual para diferentes contraentes, dando ensejo a que os contratos com recurso àquelas ficassem conhecidos como contratos padronizados ou standard[157].
Ainda de acordo com o autor, duas são as características essenciais para a classificação das CCG, a predisposição unilateral e a generalidade, havendo ainda uma característica tendencial, porém de presença não obrigatória, a rigidez[158] [159].
Enquanto a primeira característica se refere à elaboração das cláusulas em momento anterior à própria contratação, por apenas um dos contraentes e com a intenção de as utilizar em contratações futuras, o segundo atributo diz respeito à pluralidade de contraentes potenciais, ainda que seja possível, de antemão, delimitar-lhes a quantidade[160]. Por fim, no que tange à terceira qualidade, a rigidez apresenta-se como apenas tendencial na medida em que, ainda que improvável, resta possível à contraparte a eliminação ou alteração de parte do clausulado, sendo necessária a manutenção, contudo, das demais como cláusulas contratuais gerais[161].
Tal propensão à rigidez é uma das razões pelas quais as cláusulas contratuais gerais estão frequentemente associadas aos contratos de adesão, uma vez que aquelas estão fortemente presentes nestes últimos. Nesse sentir, MOTA PINTO afirma que os contratos de adesão, em sua maioria, apresentarão em seu conteúdo cláusulas cuja elaboração prévia e unilateral pela parte mais forte se deu com o intuito de servir como modelo para todos ou parte dos contratos a serem firmados por determinada empresa ou profissional[162].
Também sobre o tema, ENGRÁCIA ANTUNES discorre sobre os contratos de adesão como envolvendo uma situação na qual um dos contraentes — o empresário ou o profissional — define o conteúdo contratual de forma unilateral e apriorística, sendo este último composto de cláusulas contratuais uniformes ou padronizadas cujo público-alvo recairia sobre uma massa indeterminada de indivíduos — os consumidores — aos quais restaria unicamente a rejeição ou acolhimento em bloco daquele conteúdo contratual[163].
Pelo exposto, depreende-se que os contratos de adesão são figura mais ampla que as CCG, não se tratando, consoante SOUSA RIBEIRO, de conceitos inteiramente sobreponíveis uma vez que aqueles abarcam todos os casos em que há imposição unilateral de cláusulas elaboradas previamente, ainda que tal imposição se refira a um único contrato[164], possibilidade esta que não se enquadra na noção de CCG, as quais não prescindem da generalidade e indeterminação.
Considerando-se o cenário que envolve o desenvolvimento e utilização dos smart contracts em cotejo com os conceitos supra expostos, é possível concluir que os contratos inteligentes de consumo serão, em sua maioria, contratos de adesão compostos de cláusulas contratuais gerais, eis que não caberá aos consumidores negociar com a empresa ou profissional a fim de chegar a um acordo que se adéque especificamente às suas necessidades. Isso porque, ao menos para as empresas e profissionais que pretendam disponibilizar no mercado de consumo contratos livres de problemas operacionais não previstos e indesejados, a elaboração e auditoria dos scripts necessários ao funcionamento dos smart contracts compreende um processo oneroso, do qual participam não apenas profissionais do âmbito jurídico, mas também profissionais da computação. O alto custo inerente ao desenvolvimento da contratação inteligente deve conduzir, via de regra, à utilização dos smart contracts para as contratações de massa e, em consequência, no recurso aos contratos de adesão e CCG.
Com ainda mais razões do que ocorre nas contratações de consumo em geral, também restará ao consumidor, parte mais frágil do negócio, a total rejeição ou o total acolhimento do conteúdo dos contratos inteligentes de consumo, sendo estes últimos, portanto, contratos de adesão. Ademais, não sendo nem logística nem financeiramente viável a elaboração e alteração dos scripts ou pequenos programas de forma individualizada, tais contratos inteligentes devem ser utilizados de forma padronizada pelo profissional, o qual se encontra em posição de vantagem aos seus destinatários, para uma série indeterminada de consumidores, razão pela qual os smart contracts igualmente estarão sujeitos às cláusulas contratuais gerais e às problemáticas destas decorrentes, e. g., a estipulação de cláusulas abusivas, conforme veremos no tópico a seguir.
3.5. SMART CONTRACTS, CLÁUSULAS ABUSIVAS E SISTEMA DAS NULIDADES
A contratação em massa, com o consequente recurso aos contratos de adesão e às cláusulas contratuais gerais, propicia a estipulação de cláusulas abusivas nos contratos de consumo porquanto envolvem a predisposição unilateral e rígida de termos contratuais por uma parte mais forte, o fornecedor bens ou prestador de serviços, perante uma contraparte mais fraca, o consumidor, o qual nem sempre possui o conhecimento técnico e jurídico necessário para a proteção de seus próprios interesses.
Tais circunstâncias, aliadas por vezes à indispensabilidade do bem ou serviço objeto do contrato de consumo, acabam por fomentar a imposição de cláusulas abusivas pelas empresas e profissionais, que redigem as CCG que farão parte dos contratos de adesão da forma que lhes é mais conveniente[165], ainda que dando margem a um exagerado desequilíbrio contratual.
Não se descuida, por certo, que a utilização dos contratos de adesão e das cláusulas contratuais gerais é necessária à racionalização, planejamento, celeridade e eficácia do processo produtivo e distributivo das empresas da atual sociedade de massas[166]. Tais figuras serviram, e servem até hoje, como importantes instrumentos para a sobrevivência das empresas, sendo razoável presumir que todo contratante almeja obter vantagem com o contrato[167].
O problema exsurge quando a vantagem perquirida com as cláusulas contratuais gerais inseridas nos contratos de adesão se mostra exagerada, afetando o equilíbrio do negócio de consumo, momento no qual se faz necessário o decote dos excessos, o qual pode se dar através da prévia edição de legislação reguladora ou mesmo através da revisão judicial, dentre outros meios de controle[168]. Para ser abusiva, é primordial, portanto, que a cláusula provoque, em detrimento do consumidor, um significativo desequilíbrio entre os direitos e deveres dos contratantes[169].
No ordenamento português, o diploma que regulamenta o conteúdo das cláusulas contratuais gerais é o Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro, a ser interpretado em harmonia com o teor da Diretiva n.º 93/13/CEE, de 5 de abril[170] [171], e cuja intentio visa impedir o abuso da liberdade de conformação do contrato, compensando assim os efeitos negativos advindos da predisposição unilateral dos termos contratuais e da impossibilidade de o consumidor influir no conteúdo do negócio[172].
No que se refere ao controle de conteúdo das cláusulas contratuais gerais, MORAIS CARVALHO afirma que tal deve se dar num quarto momento, ultrapassadas as questões referentes à formação do negócio jurídico, ou seja, após o controle da sua conexão com o contrato, da sua comunicação ao aderente e do esclarecimento a este prestado[173].
O controle de conexão diz respeito à existência de conexão entre a cláusula sob análise e o contrato, não havendo sentido prosseguir para a análise dos demais elementos se se tratar de dispositivo desligado do teor do negócio[174]. O Decreto-Lei n.º 446/85, de 5 de outubro, prevê ainda o dever do proponente de informar ao aderente dos aspectos compreendidos nas cláusulas contratuais gerais cuja aclaração se justifique (art. 6.º-1), bem como de comunicar a integralidade das CCG contidas no contrato, de forma adequada e com antecedência necessária para possibilitar o conhecimento completo e efetivo pelo aderente que use de comum diligência (art. 5.º-1-2).
A inobservância de tais preceitos possui como consequência jurídica a desconsideração, dos contratos singulares, das cláusulas neles incluídas em desconformidade com os deveres de informação e comunicação (art. 8.º-a-b do DL n.º 446/85). Desta feita, apenas passando por esse controle triplo, pontua MORAIS CARVALHO, é que a cláusula contratual se considerará inserida no contrato, estando apta a passar pelo controle da abusividade ou não de seu conteúdo[175].
Para a sindicância do conteúdo das cláusulas contratuais gerais, a lei portuguesa estabelece, inicialmente, nas palavras de ALMENO DE SÁ, um princípio geral de controle, com enfoque no conceito de boa-fé e, posteriormente, um catálogo de cláusulas proibidas[176].
Segundo esse princípio geral de controle, são proibidas as CCG contrárias à boa-fé (art. 15.º do DL n.º 446/85), conceito indeterminado cuja concretização deve observar os parâmetros do art. 16.º-a-b do DL n.º 446/85, tais como a ponderação dos valores fundamentais do direito, relevantes na situação concreta, a confiança suscitada nas partes pelo sentido global das cláusulas ou pelo processo de formação do contrato singular e o objetivo almejado pelas partes com o negócio.
No particular caso das relações entre profissionais e consumidores, deve também ser utilizado, como parâmetro de concretização do conceito de boa-fé, o dever de fornecedores de bens e prestadores de serviço de não inserir, na pré-elaboração dos contratos, cláusulas que originem significativo desequilíbrio em detrimento do consumidor, conforme previsão do art. 9.º-2-b da LDC[177].
Após estabelecer o princípio geral de controle com base na boa-fé, a lei portuguesa passa a especificar, de forma exemplificativa, as CCG proibidas, dividindo-as em função da natureza da relação entre as partes — a depender de se tratar de relação entre empresários ou entidades equiparadas ou de relação com consumidores finais[178] —, havendo ainda subdivisão em função da intensidade da proibição — a depender de se tratar de cláusulas absolutamente proibidas e cláusulas relativamente proibidas[179].
Enquanto as cláusulas absolutamente proibidas são aquelas cláusulas proibidas em qualquer caso, inexistindo margem para juízo de valor pelo julgador[180], nas cláusulas relativamente proibidas, demanda-se a apreciação do contexto ou circunstâncias em que inserido o negócio jurídico[181], razão pela qual uma mesma disposição pode ser tida como abusiva num determinado caso e, noutro, não.
O reconhecimento do caráter abusivo de uma cláusula nos contratos de consumo implica a não vinculatividade do consumidor aos seus termos, tendo a diretiva comunitária deixado sob crivo dos Estados-membros a definição da categoria jurídica mais adequada ao escopo da referida sanção[182]. No caso português, optou-se pela aplicação do instituto da nulidade, aplicando-se o regime comum previsto no Código Civil (art. 24.º do DL n.º 446/85), com os desvios previstos nos artigos 13.º e 14.º do DL n.º 446/85[183].
Da aplicação do regime geral previsto no Código Civil, decorre o efeito retroativo da declaração de nulidade do negócio, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, inviabilizada a restituição em espécie, o valor correspondente (art. 289.º do CC). Em determinadas situações, contudo, tal solução, ao invés de proteger o aderente, poderia ter o condão de o conduzir a uma situação mais gravosa razão pela qual, com o intuito de evitar a hipótese, o legislador do DL n.º 446/85 assegurou-lhe, num primeiro momento, a possibilidade de manter o contrato singular quando apenas algumas de suas cláusulas sejam nulas (art. 13.º-1)[184], prestigiando assim o princípio do aproveitamento dos negócios jurídicos. Com efeito, trata-se essa solução de uma opção, disponibilizada ao aderente, de um regime especial e que visa uma maior proteção de seus interesses que a mera aplicação do regime geral da nulidade[185].
Optando o aderente pela manutenção do contrato, as partes afetadas serão consideradas desprovidas de efeitos jurídicos, sendo substituídas pelas normas legais supletivas do CC, tais como aquelas relativas ao lugar da prestação, ao prazo e à imputação do cumprimento[186], aplicando-se ainda, quando necessário, as regras de integração dos negócios jurídicos, nos termos do art.º 239.º do CC.
Apenas quando não desejada a manutenção do contrato pelo aderente ou quando, ainda que o seja, a manutenção implique em desequilíbrio gravemente atentatório à boa-fé, o artigo 14.º do DL n.º 446/85 determina a aplicação do regime geral da redução, pelo qual se mantém o negócio, amputado da parte viciada[187]. O regime geral da redução, previsto no artigo 292.º do CC, tem como requisitos a parcialidade da nulidade ou anulação e a vontade das partes, na medida em que aquele que se opõe à manutenção do contrato pode demonstrar que, sem a parte viciada, o negócio não teria sido concluído[188].
Ultrapassadas as breves explicações sobre o controle das cláusulas contratuais gerais e voltando ao plano específico dos smart contracts, é de se reafirmar que, embora os smart contracts profetizem uma retomada de poder pelos consumidores em face dos profissionais[189], o recurso a essa forma de contratar não deve afastar a utilização de contratos de adesão compostos por CCG.
O alto custo inerente ao desenvolvimento dos contratos inteligentes deve cumprir o papel de afugentar as negociações individualizadas nesse tipo de contratação de consumo[190], levando a que os profissionais se aproveitem de um mesmo script ou pequeno programa para uma generalidade de consumidores e, de forma semelhante ao que ocorre nas contratações de consumo em geral, propiciar a inserção de preceitos abusivos no bojo do negócio jurídico.
O problema, no âmbito dos smart contracts, aprofunda-se na medida em que, nessa forma de contratação, as cláusulas ganham um nível de rigidez ainda mais forte, levando a que, após a inserção e ativação do script ou pequeno programa na blockchain, não mais é dado às partes a sua modificação ou extinção, ainda que sobre eles esteja pendente alguma ordem judicial nesse sentido, circunstância esta que, a priori, parece conflitar com o valor jurídico negativo atribuído pelo DL n.º 446/85 às cláusulas reconhecidas como abusivas[191].
Por um lado, na hipótese de o consumidor optar pela manutenção do contrato singular, não lhe será possível — nem ao fornecedor do bem nem ao prestador do serviço ou mesmo ao desenvolvedor do SC — alterar o script ou pequeno programa depositado na blockchain com a finalidade de aplicar as normas supletivas ou as regras de integração dos negócios jurídicos. O smart contract, uma vez inserido na blockchain e acionado, se reporta apenas aos comandos originais com os quais foi desenvolvido, graças ao já mencionado sistema de consenso da rede que válida a cadeia de blocos[192].
Não sendo exercido o direito de manutenção previsto no art. 13.º do DL n.º 446/85, com a aplicação seja das normas legais supletivas seja das normas de integração, poder-se-ia argumentar que o próprio preceito legal prevê, subsidiariamente, a aplicação do regime geral da redução dos negócios jurídicos. Contudo, o não exercício do direito previsto no preceito refere-se a um desequilíbrio de prestações gravemente atentatório à boa fé decorrente da manutenção do contrato, o qual não se confunde com a impossibilidade técnica de alterar um SC. Ademais, da mesma forma que na hipótese anterior, a impossibilidade de alterar o script obstaria o decote do comando abusivo nele contido[193]. Mesmo se emanada ordem judicial nesse sentido, determinando a aplicação de normas supletivas ou integrativas ao negócio ou o decote de preceitos abusivos, o órgão judicial não disporia de meios para fazer cumprir sua determinação, não havendo como obrigar mais de cinquenta por cento dos nódulos atuantes na rede, espalhados pelo mundo, a acatar a alteração pretendida.
Aqui, a falta de uma entidade central que tome decisões e à qual os nódulos se reportem, ausência esta verificável em plataformas como Ethereum e Bitcoin, representa uma dificuldade para eventuais resoluções de disputas — pese essa mesma característica represente um benefício em termos de eliminação de determinados custos com intermediários e aumento de eficiência[194].
Diante desse cenário, as soluções ao impasse residem em ações mais técnicas que jurídicas. Uma delas, consoante apontam KEVIN WERBACH e NICOLAS CORNELL, seria a elaboração de smart contracts em cujo algoritmo houvesse, desde o princípio, qualquer mecanismo de escape que lhes desse uma maior flexibilidade, reintroduzindo o fator humano em seu funcionamento, a exemplo de um SC cujo script permitisse, em determinados casos, a atuação de um árbitro para dirimir impasses[195].
A ideia de recurso a um árbitro, inclusive, remete à implantação do mecanismo judge as service[196] ou, em tradução livre, julgar como um serviço, pelo qual determinada pessoa ou grupo de pessoas é antecipadamente eleita pelas próprias partes – sendo, portanto, investidas de poderes técnicos para tanto do ponto de vista do script – para atuar em casos de conflitos, analisando o negócio jurídico e atestando sua validade.[197] Tal mecanismo, aduz MEIRELLES MAGALHÃES, seria uma solução conciliatória do problema da imutabilidade em casos de conflito e da necessidade de manutenção da confiança na cadeia de blocos, embora, por certo, contraponha os objetivos da descentralização de poderes[198].
Outra alternativa seria o recurso às cadeias de bloco permissionadas, nas quais, ao contrário das não permissionadas, os nódulos devem possuir autorização, normalmente de alguma autoridade central, para verificar os dados, checar ou adicionar informações à cadeia de blocos[199]. Enquanto em cadeias de blocos não permissionadas, como Bitcoin e Ethereum, qualquer pessoa com acesso à Internet e a um computador com configurações adequadas pode se tornar um nódulo da rede, acrescentando e validando os blocos, nas cadeias permissionadas há um maior controle sobre os nódulos, os quais, para serem autorizados a atuar, poderiam estar contratualmente obrigados a seguir ordens judiciais[200] e a permitir a introdução de alterações na cadeia de blocos e, consequentemente, a alteração dos SC.
ALEXANDER SAVELYEV propõe ainda o conceito de “superusuário” para as autoridades governamentais, de forma a permitir àquelas o direito de modificar o conteúdo da cadeia de blocos de acordo com algum procedimento pré-estabelecido de forma a refletir as decisões do Poder Judiciário[201]. Tais propostas, contudo, são criticadas por afastarem os smart contracts de uma de suas características mais essenciais e publicitadas, qual seja, a imutabilidade, na medida em que aproximam essas figuras dos contratos convencionais, despindo-lhes assim dos benefícios pelos quais se tornaram conhecidos e atrativos para o público[202].
Ademais, ainda que haja tais saídas técnicas, o cenário de um litígio envolvendo um contrato inteligente inserido numa cadeia de blocos não permissionada e cujo código não preveja a possibilidade de futuras alterações continuará ensejando desafios. Isso porque, nessa hipótese, mesmo sendo declarada judicialmente a nulidade do smart contract de consumo como um todo, não seria possível lhe interromper o funcionamento, com o retorno ao statu quo. A despeito da declaração de nulidade, portanto, continuaria o SC em pleno funcionamento na blockchain, nos termos originais, até que verificado algum dos eventos desencadeantes pré-estabelecidos aptos a cessar a sua execução.
Embora a lei atribua à declaração de nulidade eficácia retroativa — pela qual o ato nulo seria desprovido de efeitos desde o início, limitando-se a declaração a pôr essa nulidade em evidência[203] — a execução do smart contract não será abortada. Inevitavelmente, será criada uma situação dicotômica na qual o negócio, embora juridicamente não possua mais efeitos, continua a operar tal qual o inicialmente pactuado, produzindo efeitos no mundo virtual ou mesmo real, nos casos de bens associados à IoT.
Tome-se aqui o já mencionado exemplo do smart contract que, associado a um dispositivo de segurança conectado à Internet, é capaz de tornar inoperável um veículo automotor dado em garantia a um empréstimo. Teorize-se ainda o caso de o script desse SC possuir um comando abusivo que, sem qualquer justificativa (e. g., inadimplemento do consumidor), permita ao predisponente tornar o veículo inoperável. Tal preceito, por si só, já teria o condão de se enquadrar, consoante o quadro negocial padronizado, como uma cláusula relativamente proibida porquanto permite ao predisponente resolver o contrato sem motivo justificado (art. 22.º-1-b do DL n.º 446/85). Acaso, por sua vez, esse mesmo contrato não preveja em seu script a possibilidade de reversão da referida operação[204], essa mesma cláusula consistiria, ainda que implicitamente, na limitação de antemão da possibilidade de requerer tutela judicial (art. 21.º-h do DL n.º 446/85) porquanto, conforme já mencionado, os nódulos da rede não estariam obrigados a seguir eventual comando judicial a fim de fazer aplicar o regime especial do Decreto-Lei n.º 446/85.
Nesses casos, não sendo viável a alteração do script, para fins de aplicação de normas supletivas ou de integração do negócio, nem sendo possível a interrupção do funcionamento desse mesmo script, voltando o consumidor a poder utilizar o veículo cuja disponibilidade lhe foi suprimida indevidamente, a postura das partes em conflito deve se centrar em reivindicações de restituição[205], com a ressarcimento do valor correspondente, nos termos do art. 289.º do Código Civil.
Como forma de mitigar a imutabilidade da cadeia de blocos, RAMOS ALVES menciona ainda a possibilidade de introdução das reverse transactions ou, em tradução livre, transações fictícias, as quais permitiriam um resultado equivalente ao da nulidade na medida em que, embora as transações iniciais continuem registradas na blockchain, seus efeitos seriam tecnicamente revertidos pela inserção de novas transações, em sentido reverso ao daquelas[206], tal como um smart contract que desfaz o que foi feito por outro smart contract. Alerta o autor, contudo, que a inserção de tais operações fictícias estaria num campo material, não traduzindo propriamente um efeito jurídico da nulidade[207] [208], embora apresente resultados práticos equivalentes.
Com efeito, a posterior inserção de um novo smart contract na blockchain, com o objetivo de reverter os efeitos de operações introduzidas por um prévio contrato inteligente ou mesmo de introduzir um novo negócio jurídico, extirpado dos vícios do negócio anterior, não equivale a um vero efeito jurídico da nulidade nem ao da aplicação de normas supletivas ou integrativas do contrato viciado na medida em que o SC original continuará incólume.
Além do que, no contexto dos smart contracts, não é demais supor que nem sempre a inserção de transações fictícias será possível do ponto de vista técnico ou mesmo útil, razão pela qual se retornaria ao ressarcimento pelo valor correspondente, previsto no art. 289.º do Código Civil. Reduzir o deslinde dos conflitos envolvendo smart contracts de consumo a demandas de ressarcimento, contudo, não parece ser a melhor via, causando inevitavelmente não só um sentimento de desproteção nos consumidores, mas a agravação da sua vulnerabilidade.
3.6. SMART CONTRACTS E DIREITO DE ARREPENDIMENTO
Conforme foi salientado, os consumidores estão numa natural posição de vulnerabilidade técnica, jurídica e fática perante os fornecedores de bens e prestadores de serviços. Tal fragilidade se encontra potencializada quando as relações de consumo se dão no ambiente da contratação à distância, em especial no âmbito da Internet.
Se, por um lado, o consumo é facilitado pela praticidade de adquirir bens e serviços sem a necessidade de sair de casa, bastando, muitas vezes, apenas um clique para que a contratação seja efetivada, por outro, essa facilidade pode também fomentar um consumo impensado, fruto da impulsividade e das necessidades criadas pela publicidade massiva a que os consumidores são submetidos nos tempos atuais[209], nos quais a vulnerabilidade informacional se sobressai.
No intuito de evitar as consequências danosas desse modo de proceder, surge o direito de livre resolução contratual[210], o qual, segundo GRAVATO MORAIS, visa afastar tais comportamentos pouco mediatos e até irreflexivos por parte dos consumidores, através da concessão de um “período de reflexão”, permitindo àqueles uma melhor avaliação, certamente mais ponderada e tranquila, sobre os negócios aos quais se vincularam[211].
Também nesse sentido, ROSCOE BESSA aduz que o direito de livre resolução — ou, como é mais comumentemente conhecido, direito de arrependimento — tem como objetivo evitar a contratação por impulso pelo consumidor, o qual não possui contato físico com o produto no momento da aquisição on-line[212], não lhe sendo possível, ainda que diante de diversas fotos, avaliar suas características e qualidades[213].
No tema, FERREIRA DE ALMEIDA coloca sob a alçada do direito de arrependimento todas as hipóteses legais nas quais esteja prevista a prerrogativa, para a parte contraente, de resolver contrato anteriormente firmado com profissional, mediante mera declaração unilateral e sem a necessidade de contrapartida ou motivação, desde que o exercício dessa faculdade se dê dentro do prazo legal[214]. Constitui, assim, direito potestativo do consumidor pelo qual este pode influenciar a situação jurídica do profissional sem a concorrência de vontade deste[215].
No ordenamento português, mais especificamente no âmbito da contratação à distância ou fora do estabelecimento comercial, o direito de arrependimento está previsto nos artigos 10.º a 17.º do Decreto-Lei n.º 24/2014, de 14 de fevereiro, dispondo aquele primeiro artigo que o consumidor possui a liberalidade de resolver o contrato sem arcar com quaisquer custos ou necessitar indicar o motivo pelo qual o faz.
Cabe ao consumidor, contudo, arcar com os custos da devolução do bem, salvo nos casos em que o fornecedor acorde em os suportar ou quando o consumidor não tiver sido previamente informado, pelo fornecedor, do referido dever (art. 13.º do DL n.º 24/2014).
O prazo para exercício dessa prerrogativa é de 14 dias, a contar de determinados marcos temporais, e. g., o dia da celebração do contrato de prestação de serviço, o dia em que o consumidor adquirir a posse física do produto comprado, dentre outros (art. 10.º-1)-a-b) do DL n.º 24/2014). Contudo, falhando o fornecedor de bens ou prestador de serviços em seu dever de informar o consumidor da existência do direito de livre resolução, o prazo para exercício da prerrogativa passa a ser de 12 meses, a contar dos já mencionados marcos temporais (art. 10.º-2 do DL n.º 24/2014).
Para que o consumidor possa, de fato, analisar de forma ponderada o negócio firmado, é beneficiado ainda com o direito de inspecionar, tomando os devidos cuidados, a natureza, características e funcionamento do bem (art. 14.º-1 do DL n.º 24/2014). Optando, finalmente, pela resolução do contrato, deve o consumidor, dentro do prazo de 14 dias, declarar inequivocamente sua decisão por meios suscetíveis de prova, tais como carta, contato telefônico, a própria devolução do bem (art. 11.º-2 do DL n.º 24/2014) ou, quando tal for possível, através do sítio na Internet no qual adquiriu o bem ou serviço, devendo o fornecedor ou prestador de serviços acusar o recebimento da declaração (art. 11.º-4 do DL n.º 24/2014).
Devidamente exercido o direito de arrependimento, cabe ao fornecedor de bens ou prestador dos serviços, reembolsar o consumidor no prazo de 14 dias a contar da data em que informado da decisão de resolução do contrato de todos os pagamentos recebidos, incluindo os custos usuais de entrega do produto (art. 12.º-1 do DL n.º 24/2014).
Explanado, em linhas gerais, o modus operandi do direito à livre resolução, a figura parece ir contra à própria lógica de funcionamento dos SC inseridos na blockchain, porquanto estes se pretendem imutáveis e imparáveis, o que, a priori, representaria um impedimento técnico ao exercício do direito de arrependimento.
Contudo, a forma através da qual os smart contracts de consumo se apresentarão à sociedade em geral tomará contornos próximos ou mesmo idênticos aos daquela com a qual os demais contratos celebrados através da Internet o fazem. Por consectário lógico, situações que normalmente são apontadas como fundamentos para o direito de arrependimento estarão igualmente presentes na contratação inteligente realizada à distância.
Da mesma forma como acontece quanto aos contratos celebrados à distância em geral, poderão os profissionais e empresas cuja atuação envolva os contratos inteligentes se utilizar de técnicas de comercialização que se aproveitem da situação de vulnerabilidade dos consumidores.
Sendo a contratação à distância o cenário mais recorrente para a contratação inteligente, não será incomum o recurso persistente e agressivo às referências publicitárias nos mais diversos e inusitados sítios eletrônicos, os quais muitas vezes sequer pertencem aos fornecedores do bem ou serviço objeto da publicidade[216].
Da mesma forma, a depender do bem ou serviço objeto da contratação inteligente[217], os consumidores poderão não ter tido contato direto prévio com o produto adquirido ou mesmo com o profissional responsável, não lhes sendo possível examinar, ainda que superficialmente, nem as reais características daquele nem a credibilidade deste[218], faltando muitas vezes dados essenciais para a tomada da decisão de contratar.
A tais fatores ainda se alia a já mencionada facilidade com a qual as negociações são firmadas através da Internet, as quais não demandam grandes reflexões do consumidor. Com iguais razões, portanto, são aplicáveis aos smart contracts de consumo as disposições relativas ao direito ao arrependimento nos contratos celebrados à distância[219] [220].
A operacionalização do direito ao arrependimento nos smart contracts depende, contudo, de que a possibilidade esteja prevista no próprio script ou pequeno programa que os compõem[221]. De outro modo, os nódulos que compõem a rede blockchain, essenciais ao funcionamento dos contratos inteligentes, não estariam obrigados a aceitar a reversão ao statu quo.
Ao lançarem mão dos contratos inteligentes no âmbito das relações de consumo, em especial no caso das contratações à distância e fora do estabelecimento comercial, devem os profissionais e empresas ter especial atenção na elaboração dos scripts a serem inseridos na blockchain, sendo necessário que nestes esteja prevista a possibilidade de interromper o funcionamento do respectivo SC, bem como de reverter o resultado da atuação deste.
A evolução da tecnologia e suas influências na vida em sociedade, fatos inevitáveis, não podem ser desconsideradas pelos juristas, embora seja natural alguma resistência ao novo e desconhecido. O smart contract se situa nessa zona de desconforto de muitos operadores do Direito, em parte devido à complexidade de seu funcionamento.
Apesar da descrença, o recurso às plataformas fomentadoras de smart contracts, tal como a Ethereum, encontra-se em pleno crescimento, não podendo ser ignorado pelos juristas, sob pena de a comunidade jurídica estar em descompasso com a realidade. A título ilustrativo, entre os meses de janeiro a maio de 2020, a referida plataforma registrou um total de 82.257.429 contas[222] e de 2.853 aplicações descentralizadas[223], das quais certamente diversas fazem parte de veros negócios jurídicos bilaterais.
Nessa medida, são louváveis iniciativas como a da Lei n.º 03/2020, apoiadora do uso das tecnologias emergentes, como a blockchain, e da preparação da sociedade e das instituições para as novas realidades por vir. Contudo, enquanto não se sabe ao certo se os trabalhos legislativos decorrentes da referida lei redundarão na regulamentação dos contratos inteligentes baseados na cadeia de blocos, cabe-nos analisar os smart contracts de acordo com a legislação vigente.
À partida, consagrada a liberdade de forma para a validade da declaração de vontade e o princípio geral da admissibilidade da contratação eletrônica no ordenamento português, o mero fato de o acordo ser formalizado através de um script não deve ser suficiente para o descaracterizar como um contrato, e sim a sua inadequação ao conceito de negócio jurídico bilateral.
À luz da teoria do negócio jurídico, parte dos smart contracts — e não todos — se adequa à categoria dos contratos porquanto podem envolver eventos produtores de efeitos jurídicos (fato jurídico lato sensu)[224], condutas humanas nas quais o ordenamento considera a vontade que as impulsiona (ato jurídico)[225], atos jurídicos que apresentam correspondência entre o tratamento dado pelo ordenamento jurídico e os efeitos jurídicos pretendidos pelas partes (ato jurídico lícito)[226], manifestações de conformação autônoma da vontade (negócio jurídico)[227] e duas ou mais declarações negociais contrapostas, porém concordantes entre si e de onde resulte uma unitária estipulação de efeitos jurídicos (negócio jurídico bilateral)[228].
De semelhante forma, o mero fato de um acordo ser firmado através de um smart contract não obsta, por si só, no seu enquadramento enquanto contrato de consumo, desde que presentes os requisitos para classificar um dos contratantes como consumidor e, o outro, como profissional. Estando presentes os elementos subjetivo, objetivo, teleológico e relacional, comumente utilizados pela doutrina consumerista para definir a noção de consumidor[229], os contratos inteligentes devem se submeter, tanto quanto outros contratos eletrônicos, à legislação consumerista[230].
Com efeito, também nos contratos inteligentes de consumo, assim como nos contratos de consumo em geral, será possível verificar a existência de um desequilíbrio de forças, quiçá agravado, entre profissional e consumidor no momento da contratação. Nesse sentir, o recurso aos smart contracts no âmbito consumerista levanta alguns questionamentos.
O primeiro deles seria, justamente, a compatibilização do direito à informação — direito de envergadura constitucional e representativo de uma das formas mais eficazes de mitigar o mencionado desequilíbrio na relação de consumo — com o fato de o smart contract se tratar de um acordo redigido em linguagem computacional e, portanto, incompreensível para a maioria dos consumidores.
Uma leitura conjunta da legislação consumerista vigente, em especial do Decreto-Lei n.º 238/86, de 19 de agosto, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 42/98, de 6 de fevereiro, nos leva a concluir que, nas relações de consumo, o envio pelos profissionais de uma versão do contrato redigida em língua portuguesa seria não apenas uma recomendação de boa-prática, mas um imperativo legal.
Ademais, diante da lógica objetiva e condicional da linguagem computacional, não lhe sendo possível, na atualidade, traduzir todos os subjetivismos inerentes à linguagem natural, conclui-se que, ainda que seja possível, em teoria, redigir um contrato em forma de script, na ampla maioria dos casos, e especialmente nos SC voltados para o consumo, os contratos inteligentes deverão apresentar uma natureza mista, na qual apenas parte do acordo está redigida em linguagem computacional.
Aqueles que pretendam recorrer aos smart contracts terão ainda de abrir mão do anonimato, uma das muitas características atrativas possibilitadas por plataformas de criptomoedas, como Bitcoin, e criptocontratação, como Ethereum, sob pena de desrespeitarem a obrigação legal de disponibilizar aos consumidores informações básicas sobre o profissional, prevista na legislação consumerista, a exemplo do art. 8.º-b) da LDC.
Outro aspecto importante diz respeito ao direito de livre resolução ou direito de arrependimento, pelo qual é concedido aos consumidores, nas contratações à distância ou fora do estabelecimento comercial, um período de reflexão que lhes permite uma melhor avaliação sobre o bem ou serviço adquirido[231] e, dentro do qual, lhe é facultada a resolução imotivada e despida de maiores ônus financeiros.
Tal direito, distintivo da legislação consumerista, parece conflitar, num primeiro momento, com a imutabilidade dos SC. Ao recorrerem aos contratos inteligentes no mercado consumidor, devem os profissionais e empresas ter especial atenção na elaboração dos scripts a serem inseridos na blockchain, compatibilizando-os com a mencionada prerrogativa.
Quanto ao alcance dos SC, considerando-se os altos custos inerentes ao desenvolvimento dos scripts que os compõem, afigura-se baixa a probabilidade de sua utilização de forma personalizada no âmbito das relações de consumo com a adaptação dos scripts e pequenos programas ao resultado das negociações realizadas entre os consumidores e os profissionais.
A tendência é, portanto, que os SC sejam utilizados para as contratações de massa, com utilização dos contratos de adesão e das cláusulas contratuais gerais, figuras amplamente difundidas no mercado para consumo da atualidade. Tal perspectiva, contudo, gera preocupação uma vez que, na contratação inteligente, as cláusulas contratuais ganham um nível de rigidez ainda mais forte.
Ainda que seja promanada alguma decisão judicial reconhecendo eventual abusividade de alguma das cláusulas do SC, a efetivação daquele comando restaria prejudicada posto que, após a inserção e ativação do script ou pequeno programa na blockchain, não mais é dado às partes a sua modificação ou extinção, circunstâncias que parecem conflitar com o sistema das nulidades.
Dentre as soluções ao impasse propostas pelos estudiosos da contratação inteligente, algumas se destacam, tais como a introdução de superusuários governamentais[232], a utilização de blockchains permissionadas[233], o recurso a transações fictícias[234] ou mesmo a elaboração de smart contracts cujos scripts contenham “mecanismos de escape”[235].
No ponto, seria positiva a superveniência de regulamentação legislativa acerca do funcionamento dos smart contracts, em especial nas relações de consumo. Por certo, a inclusão de um superusuário governamental ou a imposição de uso das cadeias de blocos permissionadas, ao reintroduzir autoridades centrais nas relações, conflita com a própria gênese do sistema de registro distribuído e, consequentemente, dos contratos inteligentes.
Outras soluções, menos radicais, como a inserção de mecanismos de escape nos próprios códigos a compor os smart contracts, embora aparentemente mitiguem a imutabilidade, parecem conciliar a credibilidade do sistema da cadeia de blocos — posto que não se estaria desrespeitando o código, e sim atuando conforme suas próprias previsões — e a necessidade de composição dos litígios dos contratantes — contendas as quais, certamente, continuarão existindo, a despeito das vantagens anunciadas para a contratação inteligente.
De uma forma ou de outra, seja através das soluções já propostas na atualidade ou de outras futuras, certamente caberá aos juristas, diante dos desafios trazidos pela contratação inteligente, encontrar um meio termo entre a necessidade de compor futuros litígios no âmbito dos SC e continuar incentivando o uso e desenvolvimento de novas tecnologias, aptas a trazer melhorias para a vida em sociedade.
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[1] AXA. Axa goes blockchain with fizzy [Em linha]. 2017. [Consult. 01 Set 2019]. Disponível em WWW: <URL: https://www.axa.com/en/newsroom/news/axa-goes-blockchain-with-fizzy>.
[2] Ao final do ano de 2019, contudo, o projeto da seguradora AXA foi encerrado em razão do baixo interesse da indústria da aviação e de viagens por soluções desse viés. Para mais informações, consultar: ECO SEGUROS. AXA desiste de experiência baseada em blockchain [Em linha]. 2019. [Consult. 28 Jan 2020]. <https://eco.sapo.pt/2019/11/14/axa-desiste-de-experiencia-baseada-em-blockchain/>.
[3] ETHEREUM. Begginers [Em linha]. 2015. [Consult. 08 Out 2019]. Disponível em WWW: <URL:https://www.ethereum.org/beginners/>.
[4] Em que pese a plataforma tenha sido lançada em 2015, o conhecido Ethereum white paper, seu artigo de inauguração, foi publicado no blog pessoal de um de seus fundadores, Vitalik Buterin, em Dezembro de 2013. Até o momento do seu real lançamento em 2015, a plataforma permaneceu em fase experimental. Para mais informações, consultar: BLOCKCHAIN RESEARCH NETWORK. Whitepaper collection [Em linha]. 2019. [Consult. 12 Dez 2019]. Disponível em WWW: <URL: https://www.blockchainresearchnetwork.org/research/whitepapers/>.
[5] CARVALHO, Jorge Morais. “Desafios do Mercado Digital para o Direito do Consumo”, In: Direito do Consumo 2015-2017. Org. GEMAS, Laurinda; PAZ, Margarida; PECORELLI, Ana Rita; RODRIGUES, Gabriela Cunha. Lisboa: Centro de Estudos Judiciários, 2018, p. 116.
[6] SAVELYEV, Alexander. “Contract law 2.0: ‘Smart’ contracts as the beginning of the end of classic contract law”, In: Information & Communications Technology Law. S. I., Vol. 26, N. 2, pp. 121-122, 132-133 (2017).
[7] SEGRAVE, Kevin. Vending machines: an American social history. Jefferson: McFarland & Company, Inc., Publishers, 2002, p. 3.
[8] HENDERSHOTTA, Terrence. MOULTON, Pamela C. “Automation, speed, and stock market quality: The NYSE’s Hybrid”, In: Journal of Financial Markets. S. I., Vol. 14, N. 4, p. 569 (2011).
[9] SKLAROFF, Jeremy M. “Smart contract and the cost of inflexibility”, In: University of Pennsylvania Law Review. S. I., Vol. 166, p. 278 (2017).
[10] Sobre contratos redigidos em linguagem computacional e de execução automática que não utilizam a blockchain, conferir: LEGERÉN-MOLINA, Antonio. “Los contratos inteligentes en España”, In: Revista de Derecho Civil. Madrid, Vol. V, N. 2, abril-junio, pp. 193-241 (2018). Embora muitas das considerações formuladas pelo mencionado autor sejam também aplicáveis aos smart contracts objeto do presente estudo, a blockchain se sobressai, até o momento, como tecnologia que viabiliza a imutabilidade de forma mais satisfatória — ainda que não insuperável, conforme se verá adiante. Os contratos redigidos em linguagem computacional não depositados na blockchain, ainda que possuam alguma automação, podem ser alterados com maior facilidade pela ação humana após implementados, seja para lhe modificar o conteúdo seja para lhe interromper a execução. Nesse sentido, consultar: WERBACH, Kevin: CORNELL, Nicolas. “Contracts Ex Machina”, In: Duke Law Journal. S. I., Vol. 67, pp. 320-324 (2017); LEGERÉN-MOLINA, Antonio. “Retos jurídicos que plantea la tecnologia de la cadena de bloques. Aspectos legales de blockchain”, In: Revista de Derecho Civil. Madrid, Vol. VI, núm. 1, enero-marzo, pp. 222-225 (2019). Ademais, reputando a blockchain como elemento indispensável a qualquer smart contract, ver: YOUNG, Charlotte R. “A Lawyer's Divorce: Will Decentralized Ledgers and Smart Contracts Succeed in Cutting Out the Middleman”, In: Washington University Law Review. S. I., Vol. 96, pp. 653-654 (2018).
[11] BARBRY, Éric. “Smart contracts… Aspects juridiques!”, In: Annales des Mines - Réalités Industrielles. Paris, Août 2017, p. 77 (2017).
[12] SKLAROFF, Jeremy M. “Smart contract and...” Cit., pp. 302-303.
[13] ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Contratos I. Conceitos, Fontes, Formação. Coimbra: Editora Almedina, 6ª ed., 4 v., V. 1, 2018, pp. 13-15.
[14] ECHEBARRÍA SÁENZ, Marina. “Contratos Electronicos autoejecutables (Smart Contract) y pagos con tecnología blockchain”, In: Revista de Estudios Europeos. Valladolid, N. 70, julio-diciembre, p. 70 (2017).
[15] SURDEN, Harry. “Computable contracts”, In: UC Davis Law Review. S. I., Vol. 46, pp. 634-642 (2012).
[16] Ibidem, pp. 634-642.
[17] WERBACH, Kevin: CORNELL, Nicolas. “Contracts Ex...” Cit., p. 333.
[18] ECHEBARRÍA SÁENZ, Marina. “Contratos Electronicos…” Cit. 70.
[19] EIR – EXTROPY INSTITUTE RESOURCES. History and Achievements of ExI from 1988—2005 [Em linha]. 2013. [Consult. 20 Out 2019]. Disponível em WWW: <URL:https://archive.is/zWbhL#selection-979.9-979.26>.
[20] SZABO, Nick. Formalizing and Securing Relationships on Public Networks [Em linha]. 1997. [Consult. 08 Set 2019]. Disponível em WWW: <URL: htpps://nakamotoinstitute.org/formalizing-securing-relationships>.
[21] Idem. Smart contracts: building blocks for Digital Markets [Em linha]. 1996. [Consult. 08 Set 2019]. Disponível em WWW: <URL: http://www.alamut.com/subj/economics/nick_szabo/smartContracts.html>.
[22] Ibidem.
[23] SZABO, Nick. The Idea of Smart Contracts [Em linha]. 1997. [Consult. 19 Mar 2019]. Disponível em WWW:<URL:http://www.fon.hum.uva.nl/rob/Courses/InformationInSpeech/CDROM/Literature/LOTwinterschool2006/szabo.best.vwh.net/idea.html>.
[24] BUTERIN, Vitalik. Ethereum White Paper: a next generation smart contract & decentralized application platform [Em linha]. 2013. [Consult. 25 Out 2019]. Disponível em WWW: <URL: https://cryptorating.eu/whitepapers/Ethereum/Ethereum_white_paper.pdf>.
[25] NAKAMOTO, Satoshi. Bitcoin: A Peer-to-Peer Eletronic Cash System [Em linha]. 2008. [Consult. 12 Abr 2019]. Disponível em WWW: <URL: https://bitcoin.org/bitcoin.pdf?>.
[26] Ibidem.
[27] ASSUNÇÃO, Luís; GONÇALVES, Pedro. Ethereum e Blockchain: desafios jurídicos das plataformas descentralizadas [Em linha]. 2016, p. 184. [Consult. 18 Mar. 2019]. Disponível em WWW: <URL: https://www.academia.edu/29701285/Ethereum_e_Blockchain_Desafios_Jur%C3%Addicos_das_plataformas_descentralizadas>.
[28] NAKAMOTO, Satoshi. Bitcoin: A Peer-to-Peer... Cit.
[29] ASSUNÇÃO, Luís; GONÇALVES, Pedro. Ethereum e Blockchain.... Cit., p. 185.
[30] WERBACH, Kevin: CORNELL, Nicolas. “Contracts Ex...” Cit., p. 325.
[31] A referida liberdade de ingresso na rede diz respeito às cadeias de blocos públicas, sendo possível a configuração de blockchains com características distintas. Com efeito, uma cadeia de blocos pode ter natureza pública, caso em que qualquer pessoa com acesso à Internet e a um computador pode a acessar, ler e acrescentar informações ao seu conteúdo, ou privada, nas quais o acesso é controlado por participantes determinados, como aqueles pertencentes a uma organização ou a um grupo de organizações. As cadeias de blocos podem ainda ser subdivididas em permissionless ou, em tradução livre, não permissionadas, nas quais qualquer usuário, integrante da rede pública ou privada, pode participar do processo de verificação através do consenso, e permissioned ou permissionadas, nas quais apenas determinados usuários possuem autorização, normalmente de uma autoridade central, para verificar dados, checar ou adicionar informação à cadeia de blocos. Para mais informações, consultar: YOUNG, Charlotte R. “A Lawyer's Divorce…”. Cit., pp. 654-657; PETERS, Gareth W.; PANAYI, Efstathios. “Understanding Modern Banking Ledgers through Blockchain Technologies: Future of Transaction Processing and Smart Contracts on the Internet of Money”, In: Banking Beyond Banks and Money: A Guide to Banking Services in the Twenty-First Century, Coord. TASCA, Paolo. ASTE, Tomaso. PELISSON, Loriana. PERONY, Nicolas. S. I.: Springer International Publishing, 2016, p. 244. No tema, LEGERÉN-MOLINA indica ainda a existência de cadeias de blocos híbridas, nas quais todas as transações são públicas, porém os nódulos precisam ser convidados para integrar a rede. Para mais informações, consultar: LEGERÉN-MOLINA, Antonio. “Retos jurídicos que…”. Cit. pp. 179-180.
[32] É importante ter em mente que os registros armazenados pelos nódulos da comunidade Bitcoin não se referem aos saldos de seus proprietários, e sim às transações por eles realizadas. Dessa forma, tais registros darão conta de que, e. g., o usuário X enviou 5 bitcoins para outro usuário Y; e não que o usuário X possui 0 bitcoins e o usuário Y possui 5 bitcoins. Por sua vez, para que X possa mesmo enviar as 5 bitcoins para Y, duas condições serão cumulativamente necessárias: 1) é preciso que conste dos registros dos nódulos que, em momento anterior à pretendida transação, tenha ocorrido a transferência de ao menos 5 bitcoins para X; 2) que, naqueles mesmos registros, não constem, até o momento da pretendida transação, transferências dessas 5 bitcoins. A cada transação efetuada com a criptomoeda, portanto, os nódulos deverão fazer um verdadeiro “encontro de contas” para determinar se a operação pretendida é válida.
[33] CURIOUS INVENTOR. How Bitcoin Works Under the Hood [Em linha] 2013. [Consult. 24 Out 2019]. Disponível em WWW: <URL:https://www.youtube.com/watch?v=Lx9zgZCMqXE&t=388s>.
[34] WITTE, Jan Hendrik. The blockchain: a gentle four page introduction [Em linha]. 2016. [Consult. 18 Mar 2019]. Disponível em WWW: <URL: https://arxiv.org/abs/1612.06244v1>.
[35] O sistema de criptografia assimétrica a que a Bitcoin recorre envolve os conceitos de chave pública e privada. Em breves linhas, tomando os personagens do exemplo já exposto, no sistema de criptografia assimétrica, Alice possuirá uma chave pública e uma privada, as quais são conectadas entre si, pese do conteúdo de uma não seja possível deduzir o da outra. Dentre essas chaves, apenas a pública deverá ser divulgada, tratando-se de mera cadeia alfanumérica de 26 a 35 caracteres, não permitindo, portanto, revelar a real identidade de sua possuidora. Utilizando-se da chave pública divulgada anonimamente por Alice, Bob então poderá criptografar uma mensagem que apenas poderá ser decriptada por aquele que possuir a respectiva chave privada. Dessa forma, sem divulgar nada mais que uma cadeia alfanumérica, Alice conseguirá confirmar ser a real possuidora da chave privada ao decriptar a mensagem de Bob e confirmar, de consequência, ser a real possuidora das bitcoins anteriormente destinadas àquela chave pública. Ao mesmo tempo, então, em que se assegura a credibilidade do sistema, assegura-se também o anonimato dos usuários da Bitcoin. Para mais informações sobre o sistema de criptografia assimétrica, consultar: LEGERÉN-MOLINA, Antonio. “Retos jurídicos que…” Cit., p. 179.
[36] Esse armazenamento das informações em blocos que passarão a fazer parte da blockchain é conseguido através de uma função já conhecida no meio informático, chamada de hash. Através dela, os dados que compõem as informações armazenadas nos blocos é convertida num hash de comprimento determinado, o qual será sempre resultado dos mesmos dados. A modificação destes, por menor que seja, gerará inevitavelmente um hash diferente. Por sua vez, como cada bloco na blockchain contém o próprio hash e o hash do bloco anterior, as eventuais alterações realizadas em um deles serão facilmente detectáveis em razão do novo hash gerado e da sua incompatibilidade com o hash dos blocos que lhe sucedem. Assim como, para alterar os desenhos que compõem um tecido trançado, será necessário desfazer todo o trançado até chegar no desenho que se pretende alterar, para que a alteração maliciosa num bloco já inserido na blockchain seja feita sem ser notada pela comunidade, será necessária a alteração não apenas do bloco desejado, mas de todos aqueles que lhe seguem na blockchain. Para mais informações, consultar: TUR FAÚNDEZ, Carlos. Smart Contracts Análisis Jurídico. Madrid: Editora Reus, 1ª ed., 2018, p. 35.
[37] FULMER, Nathan. “Exploring the legal issues of blockchain application”, In: Akron Law Review. Ohio, Vol. 52, pp. 168-169 (2018).
[38] Ibidem, pp. 168-169.
[39] Ainda que a resposta ao problema criptográfico complexo tenha sido devidamente encontrada por um nódulo, não sendo válida a operação proposta, o bloco que lhe corresponde não será validado pela rede, que continuará trabalhando na cadeia de blocos com operações válidas apenas. Vide: PEREIRA, Tiago da Cunha. “Guia Jurídico para a tecnologia Blockchain”, In: Revista de Direito Financeiro e dos Mercados de Capitais. S. I., Vol. 1, N. 4, p. 359 (2019).
[40] NAKAMOTO, Satoshi. Bitcoin: A Peer-to-Peer... Cit.
[41] Por tal razão, como medida de segurança, a liberação da remuneração em bitcoins do minerador que primeiro conseguiu solucionar os problemas criptográficos complexos depende de o seu bloco ser seguido de 100 outros. Para mais informações, consultar: ECHEBARRÍA SÁENZ, Marina. “Contratos Electronicos autoejecutables…” Cit., p. 84.
[42] Ibidem, p. 84.
[43] BUTERIN, Vitalik. Ethereum White Paper... Cit.
[44] Tradução livre: “sistemas que automaticamente movem ativos digitais de acordo com regras arbitrárias pré-especificadas”.
[45] WERBACH, Kevin: CORNELL, Nicolas. “Contracts Ex…” Cit. p. 332.
[46] Ainda que a blockchain da plataforma Ethereum seja tendencialmente imutável, tal característica não impede que existam brechas nos códigos dos smart contracts que possam ser aproveitadas por usuários maliciosos. Nesse sentido, em junho de 2016, foi reportada uma manobra cibernética que gerou o desvio de criptomoedas em valor equivalente a cerca de 70 milhões de dólares. A cadeia de blocos Ethereum, contudo, jamais foi hackeada na referida manobra, havendo, em verdade, o aproveitamento de uma brecha no código que compunha os smart contracts de uma Organização Autônoma Descentralizada ou DAO (do inglês, decentralized autonomous organization). Tal brecha existente na DAO possibilitou que um usuário anônimo mais atento dela se aproveitasse para realizar uma manobra válida do ponto de vista do código, ainda que moralmente questionável. Para reparar os prejuízos causados aos usuários, foi necessário que a comunidade chegasse ao tão mencionado consenso pela maioria e, desprezando a cadeia de blocos gerada após o desvio das criptomoedas, passasse a trabalhar numa “bifurcação” da blockchain da Ethereum, partindo do momento exatamente anterior ao início dos desvios. Para mais informações, consultar: YOUNG, Charlotte R. “A Lawyer's Divorce…” Cit., pp. 649-679; SIEGEL, David. Understanding the DAO Attack [Em linha]. 2016. [Consult. 12 Dez 2019]. Disponível em WWW: <URL: https://www.coindesk.com/understanding-dao-hack-journalists>.
[47] Nesse sentido, MORAIS CARVALHO chega a afirmar que os códigos de programação substituem, mais enquanto imagem do que na realidade, a linguagem jurídica. Para mais informações, consultar: CARVALHO, Jorge Morais. “Desafios do Mercado Digital…” Cit., p. 116.
[48] Como exemplo, cite-se a House Bill 2417 do Estado do Arizona, proposta em 2017, segundo a qual “Smart contracts may exist in commerce. A contract relating to a transaction may not be denied legal effect, validity or enforceability solely because that contract contains a smart contract term”, chegando a conceituar, ainda, os smart contracts como “an event-drive program, with state, that runs on a distributed, decentralized, shared and replicated ledger and that can take custody over and instruct transfer of assets on that ledger”. Para mais informações, ver: STATE OF ARIZONA. HB2417 [Em linha]. 2017. [Consult. 09 Mar 2020]. Disponível em WWW: <URL: https://www.azleg.gov/legtext/53leg/1r/bills/hb2417p.pdf>.
[49] Com o objetivo de transformar Malta num centro de inovação digital por meio do treinamento, fornecimento de incentivos, investimento e desenvolvimento de uma estrutura legal apoiadora da tecnologia de criptomoeda e blockchain, o governo Maltês fez publicar The Virtual Financial Assets Act, composto de três partes, quais sejam, The Malta Digital Innovation Authority Bill (MDIA), The Technology Arrangements and Services Bill (ITAS) e The Virtual Financial Assets Bill (VFA). Para mais informações, consultar: WELCOME CENTER MALTA. The Virtual Financial Act (VFA) in Malta [Em linha]. 2018. [Consult. 10 Set 2020]. Disponível em WWW:<URL:https://www.welcome-center-malta.com/blockchain-services-in-malta/ico-crypto-regulation-in-malta/the-virtual-financial-act-vfa-in-malta/>. Outro exemplo de iniciativa legislativa europeia no âmbito da regulação da tecnologia blockchain pode ser encontrada no Blockchain Act de Liechtenstein, texto normativo através do qual o dito país pretendeu estabelecer uma estrutura legal para os sistemas de transação com base em tecnologias confiáveis, as quais incluem não apenas as criptomoedas baseadas na blockchain, mas também qualquer representação de bens através de tokens de valor. Sobre o conceito de tokens de valor, v. nota n.º 94. Para mais informações sobre Blockchain Act, consultar: LIECHTENSTEIN. Law of 3 October 2019 on Tokens and TT Service Providers (Token and TT Service Provider Act; TVTG) [Em linha]. 2019. [Consult 10 Set 2020]. Disponível em WWW: <URL: https://www.regierung.li/media/medienarchiv/950_6_08_01_2020.pdf?t=2>. Ademais, desde abril de 2018, diversos Estados-Membros da UE e a Noruega têm se reunido mensalmente com o objetivo de desenvolver, a nível europeu, uma infraestrutura confiável, segura e resiliente de serviços baseada na blockchain, chamada de European Blockchain Services Infrastructure (EBSI). A dita parceria tem como ambição tornar a EBSI acessível para serviços digitais implantados por atores públicos e, eventualmente, também por atores privados. Tal declaração, criadora da European Blockchain Partnership (EBP), contou com a assinatura da Noruega e de então vinte e um Estados-Membros da UE, quais sejam, Áustria, Bélgica, Bulgária, República Tcheca, Estônia, Finlândia, França, Alemanha, Irlanda, Letônia, Lituânia, Luxemburgo, Malta, Holanda, Polônia, Portugal, Eslováquia, Eslovênia, Espanha, Suécia e Reino Unido (à época, ainda oficialmente membro da UE). Desde então, outros países ingressaram na iniciativa, tais como Grécia, Romênia, Dinamarca, Chipre, Itália, Liechtenstein, Hungria e Croácia. Para mais informações, consultar: COMISSÃO EUROPEIA. European countries join Blockchain Partnership [Em linha]. 2020 [Consult. 10 Set 2020]. Disponível em WWW:<URL:https://ec.europa.eu/digital-single-market/en/news/european-countries-join-blockchain-partnership>.
[50] No Brasil, por sua vez, inexistem diplomas normativos destinados a regular seja o recurso à blockchain seja a realização de smart contracts, existindo, contudo, alguns poucos projetos de lei, ainda em trâmite, que têm as moedas virtuais e as criptomoedas como objeto, a exemplo do PL n.º 2.060/2019, de 04 de abril, que “dispõe sobre o regime jurídico de criptoativos” e o PL n.º 2.303/2015, de 08 de julho, que “dispõe sobre a inclusão das moedas virtuais e programas de milhagem aéreas na definição de "arranjos de pagamento" sob a supervisão do Banco Central”. Para mais informações, consultar: CÂMARA DOS DEPUTADOS. PL 2303/2015 [Em linha]. 2015. [Consult. 10 Set 2020]. Disponível em WWW: <URL: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=1555470>; CÂMARA DOS DEPUTADOS. PL 2060/2019 [Em linha]. 2019. [Consult. 10 Set 2020]. Disponível em WWW: <URL: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2196875>.
[51] Do original, encontrado no VFA, Chapter 590 of the Laws of Malta, Article 2: “ [...] smart contract” means a form of innovative technology arrangement consisting of: (a) a computer protocol; and, or; (b) an agreement concluded wholly or partly in an electronic form, which is automatable and enforceable by execution of computer code, although some parts may require human input and control and which may be also enforceable by ordinary legal methods or by a mixture of both”. Para mais informações, consultar: MALTA. Virtual Financial Assets Act [Em linha]. 2018. [Consult. 10 Set 2020]. Disponível em WWW: <URL: https://www.mfsa.mt/wp-content/uploads/2018/12/fintech-main-legislation.pdf>.
[52] Encontrou-se, ainda, a Resolução do Conselho de Ministros nº 29/2020, pela qual se estabelece os princípios gerais para a criação e regulamentação das chamadas Zonas Livres Tecnológicas, nas quais serão promovidas, em Portugal, atividades de investigação, demonstração e teste, em ambiente real, de tecnologias, produtos, serviços, processos e modelos inovadores, dentre as quais se incluem a tecnologia blockchain.
[53] Com efeito, o legislador não delimitou taxativamente as tecnologias que seriam objeto da lei, optando pelo conceito aberto de “tecnologias emergentes”, indicando, a título exemplificativo, a IoT, a blockchain e a Inteligência Artificial, as quais, por si sós, já abrangem uma infinidade de possibilidades para as pesquisas a serem realizadas.
[54] FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: Parte Geral e LINDB. Salvador: Editora Juspodivm, 4 ed. rev., ampl. e atual., 2016, p. 125.
[55] GOMES, Delber Pinto. “Contratos ex machina: breves notas sobre a introdução da tecnologia Blockchain e Smart Contracts”, In: Revista Electrónica de Direito. Porto, N. 3, V. 17, p. 48 (2018).
[56] Diretiva relativa a certos aspectos legais dos serviços da sociedade de informação, em especial do comércio electrónico, no mercado interno («Directiva sobre o comércio electrónico»), publicada no JO L 178 em 17 de julho de 2000, pp. 1-16.
[57] ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Contratos I. Conceitos… Cit., pp. 13-15.
[58] TELES, Inocêncio Galvão. Manual dos Contratos em Geral. Coimbra: Coimbra Editora, 4ª ed., 2002, pp. 9-11.
[59] Acerca das aplicações descentralizadas armazenadas na blockchain Ethereum, um dos co-criadores da referida plataforma, Vitalik Buterin, expressou arrependimento na escolha do termo, chegando a afirmar que deveria as ter nomeado apenas de “scripts persistentes”. BUTERIN, Vitalik. Twitter [Em linha]. 2018. [Consult. 21 Nov 2019]. Disponível em WWW: <URL: https://twitter.com/vitalikbuterin/status/1051160932699770882>.
[60] Programar uma aplicação que exiba a mensagem “Olá, Mundo” é um exercício introdutório básico ao aprendizado da linguagem de programação. Para mais informações, consultar: TUR FAÚNDEZ, Carlos. Smart Contracts Análisis… Cit., p. 56. Um passo a passo de como criar e inserir esse tipo de aplicação na plataforma Ethereum pode ser encontrado em: WAGNER, Nicolas. Hello world on solidity Ethereum [Em linha]. 2020. [Consult. 12 Mai 2020]. Disponível em WWW: <URL: https://medium.com/@w_n1c01a5/hello-world-on-solidity-ethereum-b6a4de6a4258>.
[61] TUR FAÚNDEZ, Carlos. Smart Contracts Análisis... Cit., p. 140.
[62] Em que pese a expressão contratos legais inteligentes não seja aqui adotada, sempre que, na presente dissertação, haja menção aos smart contracts sem ressalvas, tal é feito excluindo-se os scripts ou pequenos programas que se apresentem juridicamente irrelevantes.
[63] TELES, Inocêncio Galvão. Manual dos Contratos... Cit., pp. 12-15.
[64] OLIVEIRA, Nuno Manuel Pinto. Princípios de Direito dos Contratos. Coimbra: Coimbra Editora, 1ª ed., 2011, p. 105.
[65] TELES, Inocêncio Galvão. Manual dos Contratos... Cit., pp. 12-15.
[66] Na elaboração de um smart contract deve haver algum nível de intervenção humana, sendo necessário que alguém elabore o código que representará os termos contratuais, tal qual se elabora um contrato em língua portuguesa, e que tal pessoa o insira na plataforma e vincule suas criptomoedas ao contrato inteligente que está sendo criado. Desta feita, por mais que o instante em que se insere o smart contract na blockchain coincida temporalmente com o momento em que aquele ganha autonomia em face de seus criadores, possivelmente os contratantes, é a sua execução que independe da intervenção humana, e não a vontade de sua contratação.
[67] Considerando que o autômato apenas reproduz a vontade de seu programador ou da pessoa a quem as atuações deste último sejam atribuíveis: CORDEIRO, António Menezes. Tratado de Direito Civil II: Parte Geral: Negócio Jurídico: Formação, Conteúdo e Interpretação, Vícios da Vontade, Ineficácia e Invalidades. Coimbra: Editora Almedina, 4ª ed., 2014, p. 345. Também no sentido de que eventuais declarações emitidas pelo autômato são atribuíveis ao programador, funcionando aquele como longa manus da vontade humana: ALVES, Ramos. “Smart Contracts: entre a tradição e a inovação”, In: FinTech Novos Estudos sobre Tecnologia Financeira. Coord. CORDEIRO, António Menezes. OLIVEIRA, Ana Perestrelo de. DUARTE, Diogo Pereira. Coimbra: Editora Almedina, 2019, p. 219.
[68] OLIVEIRA, Nuno Manuel Pinto. Princípios de Direito… Cit., p. 106.
[69] ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Contratos I. Conceitos... Cit., p. 27.
[70] GOMES, Delber Pinto. “Contratos ex machina... Cit., p. 48.
[71] Na rede, pode-se encontrar publicações com instruções sobre como criar scripts persistentes para sacramentar casamentos, bem como notícias do primeiro casamento celebrado através da blockchain. Sobre os tópicos, ver, respectivamente: LANZ, Christian. Smart Wedding Contract on Ethereum [Em linha]. 2018. [Consult. 05 Dez 2019]. Disponível em WWW: <URL: <https://medium.com/block42-blockchain-company/smart-wedding-contract-on-ethereum-c464570a2713>; NEALE, Spencer. Getting Married and Divorced on the Blockchain [Em linha]. 2018. [Consult. 05 Dez 2019]. Disponível em WWW: <URL: https://www.libertarianism.org/building-tomorrow/getting-married-and-divorced-blockchain>.
[72] CORDEIRO, Menezes. Tratado de Direito Civil II... Cit., p. 39.
[73] OLIVEIRA, Nuno Manuel Pinto. Princípios de… Cit., p. 106.
[74] VARELA, João de Matos Antunes. Das obrigações em geral. Coimbra: Editora Almedina, Vol. I, 10ª ed., 2011, p. 217.
[75] WERBACH, Kevin. CORNELL, Nicolas. “Contracts Ex...” Cit., p. 339.
[76] Ibidem, p. 339.
[77] Além de reconhecer a possibilidade de haver os chamados bugs ou, em tradução livre, erros nos códigos computacionais que suportam os contratos inteligentes, a Câmara de Comércio Digital ainda menciona a possibilidade de as mensagens transmitidas através da internet serem interrompidas, dados serem corrompidos durante a transmissão ou mesmo a apropriação da chave criptográfica privada de um usuário por um ataque hacker. Para mais informações, consultar: CHAMBER OF DIGITAL COMMERCE. Smart Contracts: 12 Use Cases for Business & Beyond [Em linha]. 2016, p. 10. [Consult. 29 Jan 2020]. Disponível em WWW: <URL: http://digitalchamber.org/assets/smart-contracts-12-use-cases-for-business-and-beyond.pdf>.
[78] TELES, Inocêncio Galvão. Manual dos Contratos..., Cit., pp. 27-30.
[79] Ibidem, pp. 27-30.
[80] Os smart contracts, em sentido técnico, podem ser utilizados como sistema de registro de dados financeiros para as instituições que promovam transações financeiras. No exemplo, embora não se possa dizer que tais smart contracts sejam juridicamente irrelevantes como ocorre nas aplicações “Olá, Mundo!”, não há a necessária contraposição de vontades para, do ponto de vista jurídico, classificá-los como um negócio jurídico bilateral. Para mais informações sobre os diversos usos dos SC, consultar: CHAMBER OF DIGITAL COMMERCE. Smart Contracts: 12 Use Cases... Cit., pp. 1-53.
[81] LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. Direito das Obrigações. Volume I. Introdução da Constituição das obrigações. Coimbra: Editora Almedina, 13ª ed., 2016, p. 168.
[82] WERBACH, Kevin. CORNELL, Nicolas. “Contracts Ex...” Cit., p. 343.
[83] Para efeitos do exemplo, considera-se um script ou pequeno programa inserido na blockchain em sua forma “crua”, desconsiderando-se aqueles que estejam conjugados a uma interface que facilite a compreensão dos contratantes, consumidores ou não, dos termos contratuais a que eventualmente estarão aceitando. Esta última possibilidade, contudo, será oportunamente estudada.
[84] Para realizar os pagamentos mensais, a parte contrária poderá, inclusive, utilizar-se de um segundo smart contract, diferente, portanto, daquele primeiro SC inserido pelo profissional, que será responsável pela gestão de sua carteira de criptomoedas e por garantir, mês a mês, o pagamento do prêmio acordado. No caso, contudo, o segundo script estaria funcionando mais como um agente do consumidor que propriamente um contrato. No tema, ver conteúdo da nota n.º 110 in fine.
[85] SIMPLY EXPLAINED - SAVJEE. Smart Contracts - Simply Explained [Em linha]. 2017. [Consult. 01 Dez 2019]. Disponível em WWW: <URL: https://www.youtube.com/watch?v=ZE2HxTmxfrI&t=122s>.
[86] Para mais informações sobre a plataforma, consultar: KICKSTARTER. About us [Em linha]. 2020. [Consult. 29 jun 2020]. Disponível em WWW: <URL: https://www.kickstarter.com/about?ref=global-footer>.
[87] SAVELYEV, Alexander. “Contract law 2.0: ‘Smart’...” Cit., p. 122.
[88] VARELA, João de Matos Antunes. Das obrigações em... Cit., p. 212.
[89] COSTA, Mário Júlio de Almeida. Direito das obrigações. Coimbra: Editora Almedina, 12ª ed. rev. e act., 2018, p. 220.
[90] Em seu artigo de inauguração, a própria Ethereum dividiu as aplicações mais recorrentes na plataforma em três categorias: as financeiras, as semi-financeiras e as não financeiras. Nas primeiras, segundo o texto, estariam incluídas as aplicações envolvendo subdivisas, derivativos financeiros, contratos de hedge, testamentos e, até mesmo, contratos de trabalho. Nas segundas, estariam aquelas aplicações nas quais se envolve dinheiro, mas que também possuem um lado não monetário forte, como, por exemplo, uma aplicação que forneça recompensas automáticas para aqueles que encontrem soluções para determinados problemas computacionais. Na última categoria, por sua vez, estariam aplicações que viabilizariam a criação de sistemas de votação e governos descentralizados. É possível encontrar ainda outros usos das aplicações descentralizadas em blockchains, ainda que não se configurem, numa primeira análise, como negócios jurídicos bilaterais, a exemplo da criação de sistemas gestão de identidade, de aplicações que auxiliem na manutenção de registros no setor público, no compartilhamento de dados de pesquisas científicas no setor da saúde e na gestão da cadeia de abastecimento de empresas, etc. Para mais informações, consultar: ETHEREUM. Begginers... Cit., p. 19; CHAMBER OF DIGITAL COMMERCE. Smart Contracts: 12 ... Cit., pp. 1-53; REAM, John; CHU, Yang; SCHATSKY, David. Upgrading blockchains: smart contract use cases in industry [Em linha]. 2016. [Consult. 28 Jan 2020]. Disponível em WWW: <URL: https://www2.deloitte.com/us/en/insights/focus/signals-for-strategists/using-blockchain-for-smart-contracts.html>.
[91] Por certo, nos países em que a contratação eletrônica sobre a transmissão de bens imóveis é permitida.
[92] GOMES, Delber Pinto. “Contratos ex machina...” Cit., pp. 50-51.
[93] ASSUNÇÃO, Luís; GONÇALVES, Pedro. Ethereum e Blockchain… Cit., p. 198.
[94] Ibidem, p. 198.
[95] Na Ethereum, as transações nos smart contracts não necessariamente envolvem a criptomoeda Ether, podendo dizer respeito aos chamados tokens de valor, os quais podem corresponder tanto a uma sub-unidade monetária no ambiente de uma aplicação descentralizada inserida na plataforma, quanto a um tipo de “bilhete” que permita o uso ou designe a posse de um bem físico ou digital àquele que o detém. Para mais informações, consultar: ASSUNÇÃO, Luís; GONÇALVES, Pedro. Ethereum e Blockchain… Cit., p. 198. A ideia da criação e uso de tokens na blockchain da Ethereum ou em outras cadeias de blocos encontra reflexo no cotidiano, a exemplo de quando compramos entradas para assistir a algum filme no cinema. Ao comprarmos o direito de assistir a uma determinada película em determinado dia e horário, recebemos em troca um bilhete que representa o referido direito, o qual, por sua vez, funciona como um token de valor no ambiente daquele cinema. Para mais informações, consultar: ROSIC, Ameer. What is An Ethereum Token: The Utimate Beginner’s Guide [Em linha]. 2017. [Consult. 09 Fev 2020]. Disponível em WWW: <URL: https://blockgeeks.com/guides/ethereum-token/#comments>.
[96] YOUNG, Charlotte. “A lawyer’s divorce…” Cit., p. 649. No exemplo, a citada autora menciona, como meio de pagamento, o recurso aos já conhecidos meios de pagamento eletrônico através de operadoras de cartão de crédito do possuidor. Contudo, um dos objetivos primordiais da criação de plataformas como Bitcoin e Ethereum envolve a eliminação de tais atores — e dos custos a eles inerentes — das relações contratuais. Dessa forma, para não violar a lógica da contratação com recurso à blockchain, a parte consumidora deveria lançar mão de um segundo script persistente que monitore sua conta de criptomoedas, assegurando que, sempre que constatada a diminuição da quantidade de sabão líquido e ordenada a aquisição deste produto, realize o pagamento, em criptomoedas, do valor correspondente. Nesse sentido, consultar: SKLAROFF, Jeremy M. “Smart Contracts and... Cit., pp. 273-274.
[97] Por certo, os contratos inteligentes não possuem o poder de, por eles próprios, movimentar os bens existentes no mundo material. Nos exemplos supracitados, tanto a entrega do telemóvel ao comprador quanto a do sabão líquido na residência do possuidor da máquina de lavar roupas dependem de condutas humanas não controláveis pelos smart contracts. Assinalam KEVIN WERBACH e NICOLAS CORNELL, assim, que o poder dos contratos inteligentes está limitado àqueles bens e ações que podem ser incorporados ou controlados pela blockchain, ou, tomando novamente os exemplos supracitados, à ativação de um comando virtual que torne o telemóvel inoperável para aqueles que não dispõem do token de acesso, bem como o envio de uma ordem virtual para aquisição de mais sabão líquido. Para mais informações, consultar: WERBACH, Kevin. CORNELL, Nicolas. “Contracts Ex …” Cit., p. 332.
[98] Tal dado seria coletado pelo smart contract com o recurso aos chamados oráculos, pessoas ou plataformas cuja tarefa é o fornecimento de informação do mundo exterior à cadeia de blocos. Tais oráculos, contudo, devem ser operadores de confiança das partes uma vez que as informações por eles fornecidas guiarão a execução do contrato. Para mais informações, consultar: WERBACH, Kevin. “Trust, but verify. Why the blockchain needs the law”. In: Berkeley Tech Law Journal. S. I., Vol. 33, pp. 545-546 (2018).
[99] WERBACH, Kevin. CORNELL, Nicolas. “Contracts Ex…” Cit., p. 331.
[100] BATALHA, Daniel Augusto de Senna Fernandes. Criptocontratação: uma nova forma de contratação automatizada? Orient. PEREIRA, Alexandre Libório Dias. Dissertação apresentada à Faculdade de Direito da Universidade do Coimbra no âmbito do 2.º Ciclo de Estudos em Direito, Coimbra, FDUC, 2018, (inédita), pp. 23-24.
[101] Pese identifique os elementos subjetivo, objetivo, teleológico e relacional como comuns a diversos conceitos técnico-jurídicos de consumidor, seja no âmbito doutrinário seja no legislativo, FERREIRA DE ALMEIDA destaca que a noção de consumidor não se encontra uniformizada, podendo ter contornos variáveis não apenas se comparados conceitos advindos de países distintos, mas também quando estejam em causa aqueles advindos de uma mesma ordem jurídica. Os quatro elementos serviriam então mais como uma forma de enquadrar as diversas nuances da noção de consumidor, havendo tanto cenários em que todos estão presentes como casos em que alguns deles se encontram esvaziados, em especial os elementos objetivo e relacional. Para mais informações, consultar: ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Direito do Consumo. Coimbra: Editora Almedina, 2005, pp. 25-29.
[102] CARVALHO, Jorge Morais. Manual de direito do consumo. Coimbra: Editora Almedina, 5ª ed., 2018, p. 25.
[103] OLIVEIRA, Elsa Dias. A Protecção dos Consumidores nos Contratos Celebrados através da Internet. Coimbra: Editora Almedina, 2002, pp. 49-50.
[104] Ibidem, p. 50.
[105] Ibidem, p. 50.
[106] CARVALHO, Jorge Morais. Manual de direito... Cit., p. 33.
[107] Ibidem, p. 26.
[108] Noutros diplomas, dentro do próprio ordenamento português, tais elementos encontram nuances que reduzem o âmbito do conceito de consumidor. No que se refere ao elemento subjetivo, por exemplo, o Decreto-Lei n.º 24/2014, de 14 de fevereiro, acerca dos Contratos Celebrados à Distância e Fora do Estabelecimento Comercial, apresenta, na alínea c) do artigo 3.º, uma noção de consumidor que restringe essa qualidade apenas às pessoas singulares. A depender do texto normativo, portanto, o âmbito de incidência das disposições protetivas do consumidor pode ser mais ou menos extenso.
[109] Além da Ethereum, atualmente outras plataformas baseadas em blockchains já sustentam a criação de smart contracts, tais como, a plataforma NEO, a QTUM, a Lisk, entre outras. Parte dessas alternativas apresenta nuances no que se refere a questões tecnológicas, tais como a linguagem de programação utilizada, o método para alcance do consenso ou mesmo o respectivo público-alvo. Enveredar pelas particularidades de cada uma das concorrentes existentes no mercado de aplicações descentralizadas com base na cadeia de blocos, contudo, foge do escopo da presente dissertação. Para mais informações, consultar: LIEBKIND, Joe. 4 Blockchain Contenders in Competition with Ethereum [Em linha]. 2019. [Consult. 14 fev. 2020]. Disponível em WWW: <URL: https://www.investopedia.com/news/4-blockchain-contenders-competition-ethereum/>; SIMMONS, Jake. O que é Lisk (LSK) – A alternativa alemã ao Ethereum? [Em linha]. 2019. [Consult. 14 fev 2020]. Disponível em WWW: <URL: https://www.crypto-news-flash.com/pt-pt/o-que-e-lisk-lsk-a-alternativa-alema-ao-ethereum/>.
[110] No sentido da possibilidade da aplicação das normas de direito de consumo aos smart contracts nos quais uma das partes seja identificada como consumidora, consultar: GOMES, Delber Pinto. “Contratos ex machina...” Cit., pp. 48-49; CARVALHO, Jorge Morais. “Desafios do Mercado Digital…” Cit., p. 116; GÓRRIZ LÓPES, Carlos. “Tecnología blockchain y contratos inteligentes”, In: Inteligencia Artificial Tecnología Derecho. Dir. NAVAS NAVARRO, Susana. Valencia, Tirant lo Blanch, 2017, pp. 194-195; TUR FAÚNDEZ, Carlos. Smart Contracts Análisis... Cit., p. 72; LEGERÉN-MOLINA, Antonio. “Retos jurídicos que plantea…” Cit., p. 227-228.
[111] Nesse sentido, JERRY I-H HSIAO afirma que, apesar de acrescentar custos às transações, o fato de as partes poderem contratar programadores para talhar os contratos inteligentes conforme suas necessidades específicas daria de volta aos consumidores o poder de negociar em transações on-line. Para mais informações, consultar: HSIAO, Jerry I-H. “Smart” Contract on the Blockchain-Paradigm Shift for Contract Law?”, In: US-China Law Review. S. I., Vol. 14, N. 685, 2017, pp. 690-691. Nessa linha, ALEXANDER SAVELYEV afirma que, na atualidade, a arquitetura dos smart contracts não permite a proteção das partes mais fracas, em especial os consumidores. Ressalva, contudo, que no futuro os smart contracts, no sentido informático da expressão, podem ser programados pelos consumidores para procurar e selecionar na rede termos contratuais mais favoráveis e que melhor protejam seus interesses, atividade para a qual nem sempre o consumidor tem tempo para dispor. Para mais informações, consultar: SAVELYEV, Alexander. “Contract law 2.0: ‘Smart’...” Cit., pp. 131-132. Também em sentido semelhante, consultar: KATANO, Arthur Yuji. HARO, Guilherme Prado Bohac de. Das consequências jurígeno-econômicas extraídas a partir da utilização dos smart contracts [Em linha]. 2018. [Consult. 11 set 2019]. Disponível em WWW: <URL: http://intertemas.toledoprudente.edu.br/index.php/CONGRESSO/article/view/6877>. Ainda no tema, embora reconhecendo a possibilidade de os smart contracts, no âmbito das relações de consumo, reduzir a força dos consumidores perante contratos de adesão, MEIRELLES MAGALHÃES também cita a programação de aplicações descentralizadas, pelas quais os consumidores possam estabelecer parâmetros mínimos para a contratação se aperfeiçoar, como fator de fortalecimento daqueles. Para mais informações, consultar: MAGALHÃES, Fernanda de Araújo Meirelles. Smart Contracts: o jurista como programador. Orient. GUIMARÃES, Maria Raquel de Almeida Graça Silva. Dissertação apresentada à Faculdade de Direito da Universidade do Porto no âmbito do 2.º Ciclo de Estudos em Direito, Porto, FDUP, 2019, (inédita), p. 10. Contudo, mesmo na hipótese aventada pelos mencionados autores, os consumidores não estariam retomando veramente o poder de negociação, na medida em que o smart contract — no sentido técnico da expressão — estaria programado para encontrar, dentre os contratos de adesão disponibilizados no mercado, aquele que apresentasse melhores condições contratuais de acordo com as preferências do consumidor. O conteúdo do contrato de consumo continuaria inegociável, embora, no longo prazo, o emprego de tais agentes eletrônicos de forma massiva pelos consumidores certamente teria o poder de melhorar as condições contratuais disponibilizadas pelos profissionais. Ademais, na hipótese imaginada pelos autores, ao invés de se tratar de um vero contrato, os smart contracts estariam atuando como verdadeiros agentes eletrônicos, situação esta que foge do escopo do presente trabalho. Para mais informações sobre os smart contracts como agentes de contratação eletrônica, consultar: BATALHA, Daniel Augusto de Senna Fernandes. Criptocontratação: uma nova … Cit., pp. 23-24.
[112] CARVALHO, Jorge Morais. Manual de direito do... Cit., p. 40.
[113] MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, pp. 324-344; MARQUES, Cláudia Lima. MIRAGEM, Bruno. O novo direito privado e a proteção dos vulneráveis. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, pp. 154-162.
[114] Ibidem, p. 154-162.
[115] Ibidem, p. 154-162.
[116] No âmbito da Internet, tais fronteiras se encontram quase que extirpadas, na medida em que o mercado de consumo de diversos países se encontra ao alcance dos consumidores, apenas à distância de um clique, e, em consequência, tais sujeitos são soterrados por informações publicitárias de todo o mundo, havendo verdadeira criação de necessidades que nem sempre correspondem à realidade.
[117] MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código… Cit., pp. 324-344; MARQUES, Cláudia Lima. MIRAGEM, Bruno. O novo direito privado… Cit., pp. 154-162.
[118] MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código… Cit., p. 338.
[119] Apesar de a contratação com recurso a cláusulas negociais gerais prévia, unilateralmente elaboradas e rigidamente impostas consistir em aspecto típico da sociedade industrial moderna, assinala RAMOS ALVES que ela atrai alguns problemas, dentre os quais, o favorecimento da inserção de cláusulas abusivas nos contratos a serem firmados com os consumidores. Estes, a depender do objeto do contrato, muitas vezes se vêem impelidos a contratar, ainda que de forma que lhes seja desfavorável, ante a possibilidade de serem privados do bem ou serviço almejado. Para mais informações, consultar: ALVES, Ramos. “Nótula sobre a Venda à Distância e a Limitação Contratual da Responsabilidade dos Prestadores de Serviços em Rede”, In: Liber Amicorum Mário Frota. A causa dos Direitos dos Consumidores. Org. GRINOVER, Ada Pellegrini. PARDO, Guillermo Orozco. CALAIS-AULOY, Jean. [et. al.]. Coimbra: Editora Almedina, 2012, p. 271. O problema, no âmbito dos smart contracts, aprofunda-se na medida em que, nessa forma de contratação, as cláusulas ganham um nível de rigidez ainda mais forte, levando a que, após a inserção e ativação do script ou pequeno programa na blockchain, não mais é dado às partes a sua modificação, ainda que sobre eles esteja pendente alguma ordem judicial nesse sentido. A questão do emprego de cláusulas negociais gerais prévia, unilateralmente elaboradas e rigidamente impostas, no âmbito da contratação inteligente de consumo, bem como a possibilidade de tal prática resultar no emprego de cláusulas abusivas nessas relações ainda serão analisadas ao longo do presente estudo.
[120] LEGERÉN-MOLINA, António. “Retos jurídicos...” Cit., p. 185.
[121] É de se destacar, contudo, que, apesar de os usuários de plataformas descentralizadas como Bitcoin e Ethereum poderem revelar apenas sua assinatura digital, as quais não representam uma identidade real conforme conhecemos, e sim uma série de números e letras aleatórios — o que, a rigor, configura um pseudônimo, e não o anonimato —, todas as transações realizadas nessas blockchains estão disponíveis ao público. Dessa forma, embora demande relevante esforço investigativo, tratando-se de uma blockchain pública, faz-se possível rastrear todas as transações realizadas através de — ou direcionadas a — uma mesma assinatura digital e, a partir dos dados dessas movimentações, agrupando-os e analisando-os em seus padrões, inferir as verdadeiras identidades dos seus detentores no mundo real. Um exemplo da mencionada situação foi a investigação realizada pelas autoridades norte-americanas que resultou na revelação da identidade de Shaun Bridges, posteriormente condenado pelo furto de milhares de criptomoedas. No âmbito das relações de consumo, as quais, se consideradas individualmente, envolvem negócios não tão vultosos, resta improvável que seja movimentada a máquina estatal para desvendar as identidades reais por trás das assinaturas digitais, salvo, por certo, quando diante de hipóteses com relevante potencial danoso para a sociedade, como no exemplo americano. Para mais informações, consultar: SMITH, Kieran. Mobius to bring anonymity of Monero to Ethereum [Em linha]. 2018. [Consult. 18 fev 2020]. Disponível em WWW: <URL: https://bravenewcoin.com/insights/mobius-to-bring-anonymity-of-monero-to-ethereum>.
[122] Conforme nota anterior, a definição de consumidor poderá variar a depender da lei que esteja sob análise, havendo diplomas normativos que, por exemplo, excluem dessa noção as pessoas jurídicas.
[123] Considerando-se na afirmação, por certo, o consumidor “médio”, que toma cautelas mínimas antes de entabular um negócio, assim como o faz em outros negócios firmados através de meios eletrônicos e até mesmo presenciais, a fim de não se tornar vítima de fraudes, as quais já não estarão mais no âmbito do direito do consumo, e sim do direito penal.
[124] De acordo com TUR FAÚNDEZ, os smarts contracts envolvem a ideia de front end e back end. Enquanto no front end se encontra a interface gráfica com a qual os usuários interagem para obter informações e até mesmo para expressar o consentimento válido à contratação, no back end, estará armazenado o próprio smart contract, o qual, por sua vez, processará os dados obtidos através da interação entre os usuários e a interface gráfica. Ademais, há ainda uma interface que permite aos programadores a interação com a própria cadeia de blocos, conhecida por Remix, a qual, contudo, resulta incompreensível para os usuários que não possuem conhecimento na área da programação. TUR FAÚNDEZ, Carlos. Smart Contracts Análisis... Cit., pp. 58-61.
[125] Ibidem, pp. 58-61.
[126] V. nota n.º 123 supra.
[127] Até o cancelamento pela seguradora AXA, ao final do ano de 2019, de sua linha de seguros para atrasos ou cancelamentos de voos operada através de smart contracts, os consumidores podiam coletar informações e expressar o consentimento à contratação das apólices através da plataforma https://fizzy.axa/. Outro exemplo pode ser encontrado na plataforma Ujo Music, que, com base em smart contracts depositados na Ethereum, viabiliza a compra e download de arquivos de músicas pelos consumidores em troca do pagamento de criptomoedas, as quais são destinadas diretamente aos artistas responsáveis pelas respectivas criações. Para mais informações, consultar: UJO MUSIC. Ujo Music Terms of Service [Em linha]. 2018 [Consult. 15 Mai 2020]. Disponível em WWW: <URL: https://ujomusic.com/>.
[128] GOMES, Delber Pinto. “Contratos ex machina…” Cit., p. 49.
[129] CARVALHO, Jorge Morais. Manual de direito do... Cit., pp. 77-80.
[130] Ibidem, p. 228.
[131] Igualmente prevendo um ônus de comunicação das cláusulas gerais, v. art. 31.º do DL n.º 7/2004 e art. 5.º do DL n.º 446/85, de 25 de outubro.
[132] Através da analogia, assinalam CHAVES DE FARIAS e NELSON ROSENVALD, procede-se a uma comparação das semelhanças entre diferentes casos concretos a fim de se chegar a um juízo de valor, aplicando-se então, a uma hipótese não prevista em lei, disposição referente a um caso semelhante. FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil… Cit., p. 125.
[133] De forma mais ampla, também a Lei de Defesa do Consumidor, no art. 7.º-3, prevê que a informação ao consumidor deve ser feita em língua portuguesa.
[134] Em sentido semelhante, ver: ECHEBARRÍA SÁENZ, Marina. “Contratos Electronicos autoejecutables…” Cit., p. 72; GOMES, Delber Pinto. “Contratos ex machina…”, Cit., p. 49; LEGERÉN-MOLINA, Antonio. “Los contratos inteligentes…” Cit., pp. 218-220.
[135] Não se exclui, repita-se, a possibilidade de o código que compõe o smart contract possuir bugs ou, em tradução livre, defeitos que impossibilitem sua execução da forma desejada pelos contratantes, fato este que, tendo-se em conta a tendencial imutabilidade dos smart contracts, demanda dos programadores e profissionais uma cautela extra. Reconhecidamente, “All code has bugs, and code that cannot be altered needs to be written carefully to try to minimize the number of mistakes, since the bugs can’t be fixed after the fact. Thus, writing a smart contract is like trying to write code for NASA — correctness matters a great deal, and the consequences of bad code can be dire.” SILLS, Katelyn. The promise of smart contracts [Em linha]. 2018. [Consult. 27 jun 2020]. Disponível em WWW: <URL:https://www.libertarianism.org/columns/promise-smart-contracts>.
[136] Entendendo pela prevalência dos termos contratuais redigidos em linguagem natural em detrimento daqueles redigidos em linguagem computacional, consultar: LEGERÉN-MOLINA, António. “Los contratos inteligentes…” Cit., p. 219 e “Retos Jurídicos que…” Cit., pp. 227-228; ECHEBARRÍA SÁENZ, Marina. “Contratos Electronicos autoejecutables…” Cit., p. 72; HSIAO, Jerry I-H. “Smart” Contract on…” Cit., pp. 693-694. Em sentido contrário, KEVIN WERBACH entende que o smart contract representa a totalidade do contrato, não havendo espaço para uma versão escrita do acordo em separado, mesmo que com finalidade explicativa, eis que, ainda que existente, o referido documento não teria qualquer força para invalidar o script ou pequeno programa armazenado na blockchain, atuando os nódulos unicamente em conformidade com o estabelecido no código. Para mais informações, consultar: WERBACH, Kevin: CORNELL, Nicolas. “Contracts Ex…” Cit., p. 351. O problema da impossibilidade prática de reverter ou mesmo de alterar um smart contract, contudo, refere-se mais a uma questão da executabilidade de eventuais ordens judiciais ou arbitrais sobre a aplicação armazenada na blockchain, questão esta que, ainda que represente um desafio ao direito contratual, não deve obstaculizar o acesso à justiça por parte daqueles que se vejam prejudicados pela atuação não desejada de um contrato inteligente.
[137] Devido à natureza condicional da linguagem computacional, que responde apenas à lógica “se X, então Y”, é necessário que todos os termos contratuais estejam explícitos e precisos antes de a execução do smart contract ser iniciada. Dessa forma, conceitos jurídicos indeterminados, que, em certo contexto, podem possuir um significado e, noutro, um significado bastante diferente, usualmente utilizados em contratos tradicionais, não se adequam à lógica dos smart contracts. Para mais informações, consultar: SKLAROFF, Jeremy M. “Smart contract and…” Cit., pp. 277, 291-292.
[138] SURDEN, Harry. “Computable contracts...” Cit., p 643.
[139] Em especial os aspectos contratuais que envolvem conceitos jurídicos que demandem uma atividade interpretativa dos contratantes, sendo necessário inclusive o cotejo das expressões com as condições de tempo e lugar sob as quais o negócio jurídico foi firmado, tal como ocorre com os conceitos de boa-fé, caso fortuito, força maior, entre outros.
[140] HSIAO, Jerry I-H. “Smart” Contract on the…” Cit., pp. 690-693.
[141] Na esteira de sua separação terminológica entre smart contracts e smart legal contracts, TUR FAÚNDEZ afirma que o contrato enquanto categoria jurídica não se circunscreve ao smart contract, posto que este último, por si só, não passa de um programa informático com o qual os usuários interagem. Para constituir-se como um vero contrato, ou seja, um smart legal contract, deverão ser considerados os dados disponibilizados na interface de usuário, a qual possibilita a emissão válida do consentimento das partes. Para mais informações, consultar: TUR FAÚNDEZ, Carlos. Smart Contracts Análisis... Cit., pp. 59-61. Também no tema, RAMOS ALVES afirma que o smart contract, num plano computacional, nada mais é do que mero código. Numa perspectiva legal, para um smart contract ser um contrato, deverá ser analisado o contexto em que o código é executado, carecendo de um acordo anterior das partes prevendo sua utilização. Desta feita, conclui o autor que o código em si não constitui um contrato, mas corresponde a um acordo que lhe dá significado e ao qual serve de expressão. Para mais informações, consultar: ALVES, Ramos. “Smart Contracts: entre…” Cit., p. 224. Em sentido semelhante, LEGERÉN-MOLINA sustenta que, embora a sequência de código que constitui o smart contract, quando restrita a uma perspectiva técnica, não possa ser considerada contrato, este mesmo código pode expressar ou formar parte de um acordo com relevância jurídica, podendo ser conceituado, dessa forma, como uma modalidade de contrato eletrônico. Para o autor, o código seria então o suporte do acordo com relevância jurídica. Para mais informações, consultar: LEGERÉN-MOLINA, Antonio. “Retos jurídicos que…” Cit., p. 227. IBÁÑEZ JIMÉNEZ, por sua vez, entende que, embora os SC não possam ser considerados negócios jurídicos bilaterais por si sós, podem constituir uma fonte material produtora de efeitos jurídicos. Para mais informações, consultar: IBÁÑEZ JIMÉNEZ, Javier Wenceslao. Derecho de Blockchainy de la tecnología de registros distribuidos. Pamplona: Editora Thomson Reuters Aranzadi, 2018, p. 89. Em sentido contrário, ÉRIC BARBRY entende que que o smart contract não pode ser um contrato, não passando de um modo automatizado e seguro de um contrato prévio. Para o autor, a introdução dos smart contracts não opera diferenças, do ponto de vista negocial, posto que continua sendo necessário que as partes cheguem a um acordo sobre qualquer coisa. Apenas a execução desse mesmo acordo é que não mais necessitará da intervenção humana. Para mais informações, consultar: BARBRY, Éric. “Smart contracts…” Cit., p. 77.
[142] De forma semelhante, também a Lei de Defesa do Consumidor estabelece em seu artigo 7.º-5 que as informações concretas e objetivas acerca de determinados produtos, fornecidas através de mensagens publicitárias, devem ser consideradas como integrantes do conteúdo contratual.
[143] TUR FAÚNDEZ, Carlos. Smart Contracts Análisis... Cit., pp. 58-61.
[144] Sobre os espectros possíveis dos smart contracts, consultar: CHAMBER OF DIGITAL COMMERCE. Smart Contracts: 12 Use… Cit., p. 9; LEGERÉN-MOLINA, Antonio. “Los contratos inteligentes…”, Cit., p. 208.
[145] NAKAMOTO, Satoshi. Bitcoin: A Peer... Cit., p. 1.
[146] É de se ressaltar que nenhum contrato é executado na blockchain de forma gratuita, sendo cobrados determinados valores por sua implementação ou hospedagem, os quais podem variar dependendo da quantidade e complexidade das aplicações envolvidas. Dessa forma, para que um smart contract possa ser incluído e até mesmo para que possa auto-executar a prestação acordada, é necessário que aquele que o depositou disponha de criptomoedas suficientes. Consoante seu artigo de inauguração, o Ethereum White Paper, na hipótese de, durante a implementação de um smart contract na plataforma Ethereum, não haver criptomoedas suficientes para completar a transação, todas as mudanças por aquele pretendidas deixarão de ser implementadas. As criptomoedas já utilizadas, contudo, não são reembolsadas. Para mais informações, consultar: ETHEREUM. Begginers... Cit., p. 14.
[147] Toda quantidade de criptomoedas associada a um determinado contrato inteligente permanecerá a ele vinculada até que as condições pré-determinadas pelas partes tenham sido satisfeitas, não havendo como desfazer tal operação, salvo, por certo, através do consenso de mais de cinquenta por cento da rede. Tal fato, associado à irreversibilidade dos gastos com a execução de smart contracts, pode acarretar prejuízos financeiros relevantes na hipótese da criação de smart contracts defeituosos. De acordo com a HOSHO, empresa de auditoria especializada na inspeção nesse ramo, de 100 audições, cerca de 27% dos scripts possuía bugs críticos. Vide: HOSHO. Hosho [Em linha]. 2019. [Consult. 15 Mai 2019]. Disponível em WWW: <URL: www.hosho.io>. Posteriormente, a mesma empresa chegou a afirmar que, de cada quatro contratos inteligentes auditados, ao menos um apresentava vulnerabilidades críticas e, a cada cinco, ao menos três apresentava algum problema de segurança. Para mais informações, consultar: BLARICUM, John Van. Kudelski Security Partners with Hosho To Secure Blockchain Ecosystems [Em linha]. 2019. [Consult. 22 fev 2020]. Disponível em WWW: <URL: https://www.nagra.com/media-center/press-releases/kudelski-security-partners-hosho-secure-blockchain-ecosystems>.
[148] Para mais informações, consultar: IOLITE. Problems & Costs of Smart Contract Development [Em linha]. 2018. [Consult. 22 fev 2020]. Disponível em WWW: <URL:https://medium.com/@iolite/problems-costs-of-smart-contract-development-649d88eedd1f>; SML. Smart Contracts Development: Process and Costs [Em linha]. 2018. [Consult. 22 fev 2020]. Disponível em WWW: <URL: https://softmedialab.com/blog/smart-contracts-development-process-and-costs/>; SHOME, Rushali. How much does it cost to deploy a smart contract on Ethereum? [Em linha]. 2019 [Consult. 22 fev. 2020]. Disponível em WWW: <URL: https://www.btcwires.com/round-the-block/how-much-does-it-cost-to-deploy-a-smart-contract-on-ethereum/>.
[149] LEGERÉN-MOLINA, Antonio. “Los contratos inteligentes…” Cit., p. 207.
[150] Embora estejam frequentemente associados, tais conceitos não se confundem, não devendo, portanto, ser tratados como sinônimos, porquanto existente uma relação de gênero e espécie entre contratos de adesão e cláusulas contratuais gerais, respectivamente: FARIAS, Cristiano Chaves de. ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: contratos. Salvador: Editora JusPodivm, 2016, 6. ed., p. 333-336.
[151] ASCENSÃO, José de Oliveira. “Cláusulas Contratuais Gerais, Cláusulas Abusivas e o Novo Código Civil”, In: Revista da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro - EMERJ. Rio de Janeiro, v. 7, n. 26, 2004, pp. 72-73.
[152] MONTEIRO, António Pinto. “O novo regime jurídico dos contratos de adesão / Cláusulas contratuais gerais” [Em linha], In: Revista Ordem dos Advogados. S. I., Ano 62, Vol I, (2002) [Consult. 15 mai 2020]. Disponível em WWW: <URL: https://portal.oa.pt/publicacoes/revista/ano-2002/ano-62-vol-i-jan-2002/artigos-doutrinais/antonio-pinto-monteiro-o-novo-regime-juridico-dos-contratos-de-adesao-clausulas-contratuais-gerais/>.
[153] ASCENSÃO, José de Oliveira. “Cláusulas Contratuais Gerais e o Novo…” Cit, pp. 72-73.
[154] PRATA, Ana. Contrato de adesão e cláusulas contratuais gerais. Coimbra: Editora Almedina, 2005, p. 17.
[155] Por certo, no que diz respeito ao contratos de adesão cujo objeto sejam serviços essenciais, tais como fornecimento de água e energia, a referida liberdade de celebração — que não se confunde com a liberdade de negociação dos termos contratuais — se encontra deveras mitigada tendo em vista que as alternativas possíveis restantes à parte menos forte da relação são a aceitação ou a impossibilidade de manter uma vida digna.
[156] MONTEIRO, António Pinto. “O novo regime…” Cit.
[157] ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Contratos I. Conceito... Cit., pp. 193-199.
[158] Ibidem, pp. 193-194.
[159] À predisposição unilateral, generalidade e rigidez, CHAVES DE FARIAS e NELSON ROSENVALD acrescentam ainda a abstração como quinta qualidade das cláusulas contratuais gerais. Para os autores, enquanto a generalidade diz respeito à aplicação uniforme das CCG, a abstração se refere ao fato de as cláusulas contratuais gerais se destinarem a um número indeterminado de utilizações. Consignam, contudo, que, eventualmente, as CCG podem se destinar a uma pluralidade determinada de destinatários razão pela qual a referida indeterminação tanto diz respeito ao aspecto subjetivo — contraposição entre uma unidade de sujeito, de um lado, e uma pluralidade de sujeitos, do outro — quanto ao objetivo — aplicação em série das CCG. Para mais informações, consultar: FARIAS, Cristiano Chaves de. ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil… Cit, pp. 333-336.
[160] ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Contratos I: Conceito… Cit. pp. 193-194.
[161] Ibidem, pp. 193-194.
[162] PINTO, Carlos Alberto da Mota. Teoria Geral do Direito Civil. 4ª ed. por MONTEIRO, António Pinto/PINTO, Paulo Mota. Coimbra: Coimbra Editora, 4ª ed., 2005, pp. 113-114.
[163] ANTUNES, José Engrácia. Direito do Consumo. Coimbra: Editora Almedina, 2019, p. 123.
[164] RIBEIRO, Joaquim Sousa. Direito dos Contratos - Estudos. Coimbra: Coimbra Editora, 2007, p. 187.
[165] MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código… Cit., p. 74.
[166] MONTEIRO, António Pinto. “O novo regime…” Cit.
[167] SCHMITT, Cristiano Heineck. Cláusulas abusivas nas… Cit., p. 90.
[168] Ibidem, p. 90.
[169] SÁ, Almeno de. Cláusulas Contratuais Gerais e Cláusulas Abusivas. Coimbra: Editora Almedina, 2 ed. rev. e aum., 2001, p. 19.
[170] Diretiva relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, publicada no JO L 95 de 21 de abril de 1993, pp. 29-34.
[171] Conforme descreve ALMENO DE SÁ, o âmbito de aplicação objetivo do DL n.º 446/85 restringia-se às cláusulas contratuais gerais elaboradas sem prévia negociação individual, estando em descompasso com o âmbito de aplicação da diretiva comunitária, que abrangia não apenas as CCG, mas também aquelas cláusulas não negociadas que se destinavam a uma única utilização. Contudo, após as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 249/99, de 7 de julho, aquele diploma passou a ser aplicável igualmente às cláusulas inseridas em contratos individualizados cujo conteúdo foi prévia e rigidamente estabelecido, não cabendo ao destinatário influir nos termos contratuais. Para mais informações, consultar: SÁ, Almeno de. Cláusulas Contratuais Gerais ... Cit., pp. 34-37.
[172] Ibidem, p. 210.
[173] CARVALHO, Jorge Morais. Manual de Direito do… Cit., p. 151.
[174] Ibidem, pp. 113-113.
[175] Ibidem, pp. 113-113.
[176] SÁ, Almeno de. Cláusulas Contratuais Gerais… Cit., p. 256.
[177] CARVALHO, Jorge Morais. Manual de Direito do… Cit., pp. 153-154.
[178] No primeiro caso, aplicam-se as proibições previstas nos artigos 18.º e 19.º, enquanto, no segundo, aplicam-se, além dos referidos preceitos, as proibições previstas nos artigos 21.º e 22.º do mesmo diploma, conforme preceitua o artigo 20.º, todos referentes ao DL n.º 446/85.
[179] Não sendo o escopo do presente trabalho a enumeração de cada item da lista de proibições expressas pelo DL n.º 446/85, citem-se, a título exemplificativo: i) como cláusulas absolutamente proibidas, aquelas que excluam ou limitem, direta ou indiretamente, a responsabilidade por danos causados à vida, à integridade moral ou física ou à saúde das pessoas (art. 18.º-1) e aquelas que excluam ou limitem, antecipadamente, a possibilidade de se socorrer ao judiciário, em caso de litígio entre as partes (art. 21.º-h); ii) como cláusulas relativamente proibidas, aquelas que consagrem cláusulas penais desproporcionais aos danos a ressarcir (art. 19.º) e aquelas que prevejam prazos excessivos para a vigência do contrato ou para a sua denúncia (art. 22.º).
[180] CARVALHO, Jorge Morais. Manual de Direito do… Cit., p. 155.
[181] Para OLIVEIRA ASCENSÃO, a configuração como cláusula abusiva nos casos das proibições relativas depende da configuração de alguma situação particularmente qualificada, seja ela uma causa agravante da situação sob análise ou mesmo a ausência de uma causa justificativa, a exemplo das já mencionadas proibições à estipulação de prazos excessivos e cláusulas penais desproporcionais. Para mais informações, consultar: ASCENSÃO, José de Oliveira. “Cláusulas Contratuais Gerais, Cláusulas Abusivas e Boa Fé”, In: Revista da Ordem dos Advogados, Ano 60, Vol. II, Lisboa, 2000, pp. 581-582.
[182] SÁ, Almeno de. Cláusulas Contratuais Gerais… Cit., p. 23.
[183] ANTUNES, Ana Filipa Morais. Comentário à Lei das Cláusulas Contratuais Gerais. Coimbra: Editora Coimbra, 2013, pp. 223-232.
[184] CORDEIRO, António Menezes. COSTA, Mário Júlio de Almeida. Cláusulas Contratuais Gerais. Anotação ao Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro. Coimbra: Livraria Almedina, 1991, p. 34.
[185] PINTO, Carlos Alberto da Mota. Teoria Geral do Direito… Cit., p. 638.
[186] ANTUNES, Ana Filipa Morais. Comentário à Lei… Cit., pp. 226-232.
[187] Ibidem, pp. 226-232.
[188] CORDEIRO, Menezes. Tratado de Direito Civil II... Cit., pp. 947-950.
[189] HSIAO, Jerry I-H. “Smart” Contract on…” Cit., p. 691.
[190] Assim como a negociação individualizada com consumidores não é interessante nem viável para as empresas na sociedade moderna, em especial aquelas de médio e grande porte, tendo em vista às já mencionadas necessidades de racionalização, planejamento, celeridade e eficácia de seus processos produtivo e distributivo, igualmente não será viável o desenvolvimento de scripts ou pequenos programas que se adaptem às eventuais - e improváveis - negociações entabuladas entre consumidor e profissional.
[191] ALVES, Hugo Ramos. “Smart Contracts: entre..." Cit., pp. 224-225.
[192] Salvo, por certo, a hipótese em que o próprio algoritmo do SC contemple a possibilidade de sua alteração desde o princípio, antes mesmo de seu depósito e ativação na blockchain. Do contrário, eventuais modificações propostas pelos programadores devem ser rejeitadas pela rede de nódulos por se tratarem de intervenções contrárias ao código e, portanto, indevidas. Aqui utiliza-se o termo “devem” ao invés de “serão” porquanto, embora remota e improvável, existe a possibilidade de se mobilizar a rede que valida os blocos da cadeia de forma a convencer mais de cinquenta por cento dos seus participantes a aceitar a alteração proposta. Para mais informações, consultar: RODRIGUES, Usha. “Law and the Blockchain”, In: Iowa Law Review. S. I., Vol. 104, 2018, p. 6.
[193] Note-se que a impossibilidade técnica de decote de comandos inseridos no SC implica também na impossibilidade técnica de fazer valer a desconsideração, dos contratos singulares, das cláusulas neles incluídas em desconformidade com os deveres de informação e comunicação, prevista no art. 8.º-a)-b) do DL n.º 446/85. Desta feita, também o controle triplo da formação do negócio jurídico de consumo estaria prejudicado.
[194] YOUNG, Charlotte R. “A Lawyer's Divorce..." Cit., pp. 660-661.
[195] WERBACH, Kevin: CORNELL, Nicolas. “Contracts Ex..." Cit., pp. 365-366. Em sentido semelhante, ver: YOUNG, Charlotte R. “A Lawyer's Divorce…” Cit., pp. 660-661. A ideia tem funcionamento semelhante ao recurso aos oráculos mencionados na nota supra n.º 97. Acerca do emprego de oráculos como mecanismos de resolução de disputas, consultar ainda: WERBACH, Kevin. “Trust, but verify...” Cit., pp. 545-546.
[196] Também conhecida como peer-to-peer arbitration (ou, em tradução livre, arbitragem entre as pares), as partes podem ainda estabelecer que o árbitro seja aleatoriamente selecionado dentre os nódulos da rede que compõe a blockchain ao invés de designarem previamente um árbitro específico. Contudo, tal hipótese, conforme pontuado por CUNHA PEREIRA, convive com a submissão das partes a uma resolução de conflitos baseada na sabedoria popular dos nódulos, o que não necessariamente refletirá uma decisão com fundamentos legais e juízos de equidade. Para mais informações, consultar: PEREIRA, Tiago da Cunha. “Guia Jurídico para...” Cit., pp. 372, 395.
[197] CAMARGOS, Rafael Coutinho. GONÇALVES, Pedro Vilela Resende. “Blockchain, smart contracts e ‘judge as a service’ no direito brasileiro”, In: Anais do II Seminário Governança das Redes e o Marco Civil da Internet: globalização, tecnologias e conectividade. Org. ANJOS, Lucas Costa dos. BRANDÃO, Luíza Couto Chaves. POLIDO, Fabrício Bertini Pasquot. Belo Horizonte: Instituto de Referência em Internet e Sociedade, 2017, p. 210.
[198] MAGALHÃES, Fernanda. Smart Contracts: o jurista... Cit., p. 42.
[199] PETERS, Gareth W.; PANAYI, Efstathios. “Understanding Modern Banking Ledgers…” Cit., p. 244. Sobre tipos de cadeias de blocos, v. nota n.º 31supra.
[200] WERBACH, Kevin: CORNELL, Nicolas. “Contracts Ex...” Cit., p. 332.
[201] SAVELYEV, Alexander. “Contract law 2.0: ‘Smart’... Cit., pp. 133-134.
[202] WERBACH, Kevin: CORNELL, Nicolas. “Contracts Ex...” Cit., pp. 365-366; SAVELYEV, Alexander. “Contract law 2.0: ‘Smart’...” Cit., pp. 133-134.
[203] TELLES, Galvão Inocêncio. Manual dos Contratos… Cit., p. 200.
[204] O exemplo citado, por certo, trata de um cenário extremo e, provavelmente, de um smart contract desenvolvido com sérias falhas de arquitetura. Na prática, o mais plausível é que o controle da operabilidade do veículo automotor continue alterável por aquele que detém o token de valor correspondente a essa função. O possuidor desse token, provavelmente o profissional, poderia então tanto tornar o veículo inoperável quanto reverter essa mesma operação, tornando o veículo novamente utilizável pelo consumidor ou por um terceiro. Verificando-se que todas as obrigações contratuais foram devidamente adimplidas, com a quitação do empréstimo, o smart contract desabilitaria permanentemente o token de valor detido pelo profissional, retornando o veículo à total disposição do consumidor. Sobre tokens de valor, v. nota n.º 94.
[205] WERBACH, Kevin: CORNELL, Nicolas. “Contracts Ex...” Cit., p. 376.
[206] ALVES, Hugo Ramos. “Smart Contracts: entre… Cit., pp. 224-225. Em sentido semelhante, FONTES DA COSTA pondera acerca da utilização de mecanismo próximo da execução específica em sede de contrato-promessa em que o tribunal poderia se substituir ao contraente faltoso e determinar a inserção de um novo script, já nos termos em que a transação foi reconstituída judicialmente, na blockchain. Para mais informações, consultar: COSTA, Mariana Fontes da. “Decentralized Smart Contracts: entre a autotutela preventiva e a heterotutela reconstitutiva”, In: Direito, Tecnologia e Empreendedorismo: uma visão luso-brasileira 2020. Org. LUPION, Ricardo. ARAÚJO, Fernando. Porto Alegre: ed. Fi, 2020, pp. 477-494.
[207] Ibidem, pp. 224-225.
[208] Também citando as transações reversas como meio de invalidação de transações realizadas na blockchain, no que tange à plataforma Ethereum, consultar: DUROVIC, Mateja. JANSSEN, André. “The Formation of Blockchain-based Smart Contracts in the Light of Contract Law”, In: European Review of Private Law. S. I., Vol. 16, Issue 6, p. 768 (2018). Os autores, contudo, igualmente consideram a opção uma alternativa pobre, em especial se considerada a possibilidade do pseudônimo na blockchain.
[209] SCHMITT, Cristiano Heineck. Cláusulas abusivas nas relações de consumo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 4 ed., rev., atual. e ampl., 2014, p. 80.
[210] É de se destacar que, apesar de a designação legal constante do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 24/2014, de 14 de fevereiro, se referir ao instituto como direito de livre resolução do contrato, a doutrina portuguesa consagrou ainda designações como direito de arrependimento e direito de desistência, havendo também divergências de designações noutros diplomas legais. Utilizando essas últimas terminologias, consultar: CARVALHO, Jorge Morais. Manual de direito do... Cit., p. 174; ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Direito do Consumo... Cit., p. 105; ANTUNES, José Engrácia. Direito do Consumo... Cit., pp. 148-149.
[211] MORAIS, Fernando de Gravato. “O direito de livre revogação nos contratos de crédito ao consumidor”, In: Revista Luso-Brasileira de Direito do Consumo, n. 18, p. 84 (2015).
[212] Embora não se trate mais de uma prática de vendas tão difundida na atualidade, não se deve olvidar que o direito à livre resolução não se limita à contratação à distância por meio da Internet, albergando também os negócios firmados através de outras técnicas de comunicação à distância, tais como aparelhos televisivos, aparelhos telefônicos, catálogos e correspondências, entre outros. Alberga, ainda, as vendas realizadas fora do estabelecimento comercial, tais como as vendas em domicílio.
[213] BENJAMIN, Antônio Herman V. BESSA, Leonardo Roscoe. MARQUES, Cláudia Lima. Manual de Direito do Consumidor. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 8ª ed. rev., at. e amp., 2017, pp. 423-424.
[214] A incidência do direito de arrependimento, portanto, não se restringe ao âmbito dos contratos celebrados à distância ou fora do estabelecimento comercial, sendo o instituto previsto em diversos outros instrumentos normativos portugueses, embora sob alcunhas e alcances distintos, conforme aduz ENGRÁCIA ANTUNES, a exemplo do direito de resolução nos contratos de aquisição de direitos reais de habitação periódica, do direito de livre revogação nos contratos de crédito ao consumo e do direito à retratação nos contratos de viagem organizada, entre outros. Para mais informações, consultar: ANTUNES, José Engrácia. Direito do Consumo... Cit., pp. 148-149.
[215] GOMIDE, Alexandre Junqueira. Direito de Arrependimento nos Contratos de Consumo. São Paulo: Editora Almedina, 2014, pp. 72-74.
[216] OLIVEIRA, Elsa Dias. A Protecção dos Consumidores nos ... Cit., pp. 49-50.
[217] Mesmo para os contratos tradicionais celebrados à distância, o legislador consumerista previu casos nos quais, salvo acordo em contrário, é vedado ao consumidor resolver livremente o contrato, e. g., serviços que tenham sido integralmente prestados, fornecimento de bens personalizados, fornecimento de conteúdos digitais não fornecidos em suporte material e cuja instalação tenha se dado com o consentimento do consumidor, entre outros (art. 17.º-1-a-c-l do DL n.º 24/2014).
[218] CARVALHO, Jorge Morais. PINTO-FERREIRA, João Pedro. Contratos Celebrados à Distância e Fora do Estabelecimento Comercial. Coimbra: Editora Almedina, 2014, pp. 94-96.
[219] É possível teorizar, contudo, sobre contratos inteligentes que não sejam celebrados à distância, e. g., uma grande rede de lojas que disponibilize estabelecimentos físicos para receber e orientar seus potenciais consumidores e, posteriormente, formalizar o acordo através de um smart contract depositado na blockchain. Em casos tais, não se tratando nem de contratação à distância nem de contratação fora do estabelecimento comercial, para o consumidor ter direito à livre resolução do contrato deve a situação se amoldar a alguma outra hipótese legal do direito ao arrependimento.
[220] É de se atentar, ainda, para a existência de exclusões legais ao direito ao arrependimento, previstas no artigo 17.º do Decreto-Lei nº 24/2014 de 14 de fevereiro, tais como sua não incidência sobre conteúdos digitais não fornecidos em suporte material, respeitados determinados pressupostos legais, exceção essa que possibilita a exclusão do direito à livre resolução nos smart contracts para aquisição de e-books ou download de músicas, exemplos estes citados ao longo deste trabalho.
[221] Essa possibilidade, pese necessária diante das disposições legais relativas ao direito do consumo, entra em rota de colisão com a própria ideia de perpetuidade que cerca os acordos firmados com recurso à blockchain e que decorrente, por certo, de uma das características mais atraentes dos smart contracts, qual seja, a imutabilidade.
[222] ETHERCHAIN. Evolution of the total number of Ethereum accounts [Em linha]. 2020. [Consult. 29 jun 2020]. Disponível em WWW: <URL: https://www.etherchain.org/charts/totalAccounts>.
[223] STATE OF DAPPS. DApp statistics [Em linha]. 2020. [Consult. 29 jun 2020]. Disponível em WWW: <URL: https://www.stateofthedapps.com/stats/platform/ethereum#new>.
[224] TELES, Inocêncio Galvão. Manual dos Contratos... Cit., pp. 9-11.
[225] Ibidem, pp. 12-15.
[226] OLIVEIRA, Nuno Manuel Pinto. Princípios de… Cit., p. 106.
[227] Ibidem, p. 106.
[228] LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. Direito das Obrigações... Cit., p. 168.
[229] ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Direito do Consumo... Cit., pp. 25-29; CARVALHO, Jorge Morais. Manual de direito do… Cit., p. 25; OLIVEIRA, Elsa Dias. A Protecção dos Consumidores... Cit., pp. 49-50.
[230] GOMES, Delber Pinto. “Contratos ex machina…” Cit., pp. 48-49; CARVALHO, Jorge Morais. “Desafios do Mercado Digital..." Cit., p. 116; GÓRRIZ LÓPES, Carlos. “Tecnología blockchain y..." Cit., pp. 194-195; TUR FAÚNDEZ, Carlos. Smart Contracts Análisis... Cit., p. 72.
[231] MORAIS, Fernando de Gravato. “O direito de livre revogação..." Cit., p. 84.
[232] SAVELYEV, Alexander. “Contract law 2.0: ‘Smart’... Cit., pp. 133-134.
[233] WERBACH, Kevin: CORNELL, Nicolas. “Contracts Ex…” Cit., p. 332.
[234] ALVES, Hugo Ramos. “Smart Contracts: entre…”. Cit., pp. 224-225.
[235] WERBACH, Kevin: CORNELL, Nicolas. “Contracts Ex…” Cit., pp. 365-366.
Bacharel em Direito e Mestre em Direito Civil. Analista Judiciário do Tribunal de Justiça de Pernambuco
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: TABOSA, Julia Rodrigues. Smart Contracts e Relações de Consumo: Repercussões da tecnologia blockchain e proteção do consumidor Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 out 2025, 04:49. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/69849/smart-contracts-e-relaes-de-consumo-repercusses-da-tecnologia-blockchain-e-proteo-do-consumidor. Acesso em: 21 out 2025.
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