Resumo: Com a evolução das relações de comunicações e tecnológicas, a publicidade se tornou um importante vetor de informação funcionando como um meio entre fornecedor e consumidor. No entanto, muitas vezes o consumidor é lesado quando através da publicidade enganosa e abusiva oferecem produtos e serviços que não possuem a real qualidade e técnica que anunciam. Desta forma, o consumidor, como parte vulnerável da relação, precisa de uma tutela especial para coibir práticas que ludibriam e tiram a confiança deste sobre determinado produto ou serviço. Nisso, o presente artigo, por meio de buscas em artigos científicos, livros, matérias da internet e publicações de instituições, têm como finalidade a análise da repercussão da publicidade na sociedade de consumo. Em seguida, discutir-se-á a atuação da legislação brasileira na regulamentação da publicidade abusiva e enganosa e por fim, identificar-se-á os efeitos da publicidade ilícita.
Palavras-chave: Publicidade enganosa; Publicidade abusiva; Consumidor; Vulnerabilidade; Código de Defesa do Consumidor.
Abstract: With the evolution of communications and technological relationships, advertising has become an important vector of information functioning as a means between supplier and consumer. However, consumers are often harmed when, through misleading and abusive advertising, they offer products and services that do not have the real quality and technique they advertise. Therefore, this article, through searches in scientific articles, books, internet materials and publications from institutions, has the specific purpose of analyzing the impact of advertising on consumer society. Next, the role of Brazilian legislation in regulating abusive and misleading advertising will be discussed and finally, the effects of illicit advertising will be identified.
Keywords: Misleading advertising; Abusive advertising; Consumer; Vulnerability; Consumer Protection Code.
SUMÁRIO: Introdução. 1. A publicidade e sua repercussão na sociedade de consumo. 2. A atuação da legislação brasileira na regulamentação da publicidade abusiva e enganosa. 3. Efeitos da Publicidade ilícita. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
Com o avanço das relações de comunicação e o aprimoramento dos meios tecnológicos, a publicidade consolidou-se como um instrumento essencial de informação, atuando como elo entre o fornecedor e o consumidor. Sua presença é indispensável para o desenvolvimento e a dinamização do mercado, contribuindo para o crescimento econômico e para a ampla divulgação de produtos e serviços.
Entretanto, essa mesma ferramenta pode ser utilizada de forma inadequada, transformando-se em uma estratégia empresarial voltada ao lucro mediante práticas de publicidade enganosa ou abusiva, que induzem o consumidor ao erro e comprometem a veracidade das informações divulgadas. Diante desse cenário, o consumidor, parte hipossuficiente da relação de consumo, torna-se particularmente vulnerável à ausência de responsabilidade e à manipulação informacional.
Nesse contexto, mostra-se imprescindível a existência de uma tutela jurídica efetiva que assegure a proteção dos interesses do consumidor, especialmente por meio do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990) e de outras normas correlatas. Esses instrumentos legais configuram mecanismos de contenção de condutas desleais e de preservação da confiança nas relações de consumo.
Dessa forma, é necessário adotar medidas cautelosas e urgentes para garantir que a publicidade lícita, aquela fundada na boa-fé e na transparência, contribua para o desenvolvimento equilibrado das relações econômicas e sociais. Surge, então, a indagação central deste estudo: até que ponto a liberdade publicitária pode ser exercida sem comprometer a proteção e a vulnerabilidade do consumidor?
Para responder a essa questão, o presente artigo estrutura-se em três partes. A primeira analisa os impactos da publicidade na sociedade de consumo; a segunda examina a atuação da legislação brasileira na regulamentação das práticas abusivas e enganosas; e, por fim, a terceira identifica os efeitos da publicidade ilícita. Metodologicamente, trata-se de uma pesquisa de natureza explicativa, com abordagem qualitativa e bibliográfica, fundamentada em obras doutrinárias, artigos científicos e publicações institucionais que buscam compreender os fatores determinantes do fenômeno analisado.
1.A PUBLICIDADE E SUA REPERCUSSÃO NA SOCIEDADE DE CONSUMO
A comunicação publicitária, acompanhada pela crescente diversidade de produtos e serviços disponíveis no mercado, consolidou-se como um elemento essencial do meio empresarial e social, desempenhando papel significativo na dinamização da economia contemporânea. Com o avanço dos meios de comunicação e o fortalecimento da mídia de massa, consumidores de diferentes culturas, faixas etárias e classes sociais passaram a ser alcançados de forma imediata e constante, sendo frequentemente persuadidos por mensagens de forte apelo emocional.
Tal fenômeno é característico da sociedade moderna, na qual o consumo assume valor identitário, de modo que “ser” passa a depender de “ter”. A publicidade, portanto, ocupa papel central na criação e na manutenção desse paradigma, estimulando desejos e moldando comportamentos sociais. Nesse contexto, ela deixa de ser mera transmissora de informações e passa a atuar como instrumento de legitimação de discursos e valores de consumo, orientando o comportamento do indivíduo.
Diante disso, o discurso publicitário legitima uma sociedade de consumo, onde a satisfação define-se como a busca do prazer, no qual o consumidor encontra-se implicado num sistema generalizado de troca e de produção.
Desta forma, os autores Da Costa; Da Costa Mendes (2012, p.4-5) concluem:
De tanto oferecer imagens de bem-estar, a publicidade chega a propor estilos de vida aos indivíduos. Neste sentido, o convite à uma felicidade instantânea seria destinado a fazer os indivíduos esquecerem as dificuldades de seu cotidiano. [...] o poder da publicidade vai além da sua capacidade de persuadir, mas consiste na capacidade de manter o sucesso do produto, inquietando as fantasias e desejos do consumidor. Deste modo, a linguagem publicitária precisa ser basicamente persuasiva, e desenvolver tecnologias que levem o consumidor ao consumo, ligando os desejos inconscientes dos consumidores potenciais às características dos produtos a serem vendidos.
Portanto, observa-se que a massificação social e a lógica de consumo transformaram o padrão de vida em reflexo direto da capacidade de adquirir bens. As empresas, por sua vez, passaram a investir em estratégias cada vez mais sofisticadas de sedução e manipulação simbólica, visando ampliar o consumo e maximizar seus lucros. Conforme observa Da Rocha (2012, p. 201), configura-se como uma forma de controle social, que atinge não apenas adultos, mas também crianças e adolescentes, grupos ainda mais suscetíveis às mensagens publicitárias.
O consumismo, assim, consolidou-se como traço marcante da sociedade contemporânea, abrangendo inclusive bens supérfluos e desnecessários. Nesse cenário, cabe ao publicitário observar o dever ético de assegurar informações claras, verdadeiras e acessíveis, garantindo ao consumidor a possibilidade de escolha consciente. Assim sendo, a publicidade, ao se valer de mensagens persuasivas, tem o poder de moldar padrões sociais e culturais, influenciando diretamente o comportamento coletivo.
Atualmente, a publicidade é um instrumento indispensável para viabilizar as relações de consumo. Por meio dela, o fornecedor estabelece comunicação direta com o consumidor, promovendo seus produtos e serviços de forma ampla e constante. Entretanto, o exercício desse direito deve observar a licitude, a boa-fé e a transparência, sob pena de converter-se em instrumento de manipulação e engano.
A relevância do tema torna-se ainda mais evidente quando se reconhece a vulnerabilidade estrutural do consumidor nas relações de mercado. Diferentemente do fornecedor, o consumidor não dispõe de controle sobre os processos de produção e comercialização, encontrando-se em posição de desvantagem técnica e informacional. Por essa razão, o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990) assegura-lhe proteção especial, visando restabelecer o equilíbrio e a confiança nas relações de consumo.
2.ATUAÇÃO DA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA NA REGULAMENTAÇÃO DA PUBLICIDADE ABUSIVA E ENGANOSA
A publicidade, por constituir um dos principais instrumentos de divulgação e informação na sociedade contemporânea, alcança amplos segmentos da população e exerce influência direta sobre o comportamento do consumidor. Por essa razão, quando causa danos, seus efeitos não se limitam a casos isolados, repercutindo de forma coletiva.
Nesse contexto, o ordenamento jurídico brasileiro precisou adaptar-se às novas relações de consumo decorrentes da massificação social, reconhecendo a necessidade de regulamentação e de mecanismos de controle aptos a prevenir consequências gravosas ao consumidor.
Ou seja, nas palavras do professor Benjamin (1994, p.6):
Ora, inserida no contexto da sociedade de consumo, diretamente conectada a ela, ganha a publicidade também uma posição de destaque na proteção do consumidor, pois, além de fundamental na realização do consentimento deste, ainda pode lhe causar danos patrimoniais e morais de grandes proporções, conferindo qualidades e bondades especiais ao que oferece, atributos estes que nem sempre são reais e menos ainda comprováveis.
Inicialmente, é importante salientar que a publicidade ilícita se manifesta em duas formas principais: a publicidade enganosa e a publicidade abusiva. Segundo Miragem (2014), a publicidade enganosa viola o dever de clareza e induz o consumidor ao erro, enquanto a publicidade abusiva afronta valores e bens jurídicos de relevância social, ferindo princípios éticos e morais que estruturam a convivência civilizada. Diante dessas práticas, torna-se indispensável a existência de mecanismos de autorregulação e controle jurídico da atividade publicitária.
Historicamente, o controle legal da publicidade no Brasil mostrou-se insuficiente até a promulgação da Constituição Federal de 1988. Conforme Benjamim, Marques e Bessa (2021), o antigo Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, de natureza privada, não era capaz, por si só, de impedir a prática de abusos. Por isso, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) adotou um sistema misto de controle, combinando regras legais de caráter vinculante e mecanismos de autorregulação ética. Esse modelo mostrou-se mais adequado para assegurar o equilíbrio entre liberdade econômica e proteção do consumidor, reafirmando que a publicidade deve ser controlada pelo Direito.
Antes do advento do CDC não havia tutela jurídica efetiva sobre a matéria. O Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR), embora exercesse relevante papel ético, possuía apenas competência moral para retirar de circulação anúncios ilícitos, sem poder coercitivo para impor suas decisões aos veículos de comunicação. Assim, como observa Miragem (2014, p. 269), ainda que muitas deliberações do CONAR estejam em consonância com a proteção do consumidor, elas não se confundem com o controle jurídico previsto nas normas imperativas do CDC.
A atuação dos órgãos de controle da publicidade, como o CONAR e o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC), demonstra a preocupação do legislador em criar um sistema misto de fiscalização, no qual coexistem instrumentos jurídicos e mecanismos de autorregulação ética. De acordo com Granzotti do Carmo e Poletto (2023), essa estrutura reflete o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor e a necessidade de intervenção do Estado e de entidades privadas para prevenir abusos, sobretudo nas novas modalidades de publicidade digital e nas vendas pela internet.
A partir dessa lógica, a publicidade enganosa e abusiva não se limita a um problema de informação, mas constitui uma violação direta aos direitos fundamentais do consumidor, comprometendo valores como a boa-fé, a lealdade e a transparência. Assim, conforme ressaltam Abrantes et al. (2024), a efetividade do CDC depende da constante atualização interpretativa de seus dispositivos, de modo a abranger as transformações tecnológicas e os novos meios de comunicação comercial.
O Código de Defesa do Consumidor consolidou princípios fundamentais, como a boa-fé objetiva e a lealdade nas relações de consumo, determinando que a publicidade deve pautar-se pela transparência, veracidade e responsabilidade. Dessa forma, o legislador previu mecanismos sancionatórios destinados tanto a punir os infratores quanto a prevenir a reincidência de práticas ilícitas por outros agentes do mercado.
O CDC também reforça a importância da informação clara e precisa como elemento indispensável para a formação da vontade do consumidor. O artigo 31 do diploma legal impõe ao fornecedor o dever de apresentar informações verdadeiras, completas e compreensíveis acerca dos produtos e serviços ofertados, reconhecendo a vulnerabilidade informacional do consumidor como fundamento de sua tutela.
Nesse sentido, o Código estabelece que a oferta veiculada por meio de publicidade vincula o fornecedor, obrigando-o a cumprir fielmente as condições anunciadas, sob pena de responsabilidade civil. Essa regra visa fortalecer a confiança e a boa-fé nas relações de consumo (MACEDO, 2012, p. 273).
Quanto à responsabilidade, o CDC adota o princípio da responsabilidade objetiva do anunciante, determinando que o fornecedor responde independentemente de culpa pelas informações veiculadas em suas campanhas. Assim, caso um produto seja anunciado como o de menor preço do mercado e tal afirmação não corresponda à realidade, o fornecedor deverá indenizar o consumidor lesado, ainda que não tenha agido com intenção dolosa.
A doutrina também reconhece que a responsabilidade não deve se restringir ao anunciante, alcançando as agências publicitárias e os veículos de comunicação que participam da divulgação da mensagem. Essas entidades devem zelar pela veracidade e licitude do conteúdo transmitido, evitando a difusão de informações que possam causar prejuízos ao consumidor.
Importante observar que a proteção conferida pelo CDC não se limita às relações contratuais propriamente ditas, mas também abrange o período pré-contratual, quando se verificam técnicas de manipulação e estímulo ao consumo que influenciam indevidamente a vontade do consumidor.
O Capítulo VII do Código estabelece um rol de sanções administrativas aplicáveis às infrações das normas de defesa do consumidor, previstas no artigo 56, entre as quais se destacam: multa, apreensão e inutilização de produtos, cassação de registro, suspensão de fornecimento de produtos ou serviços, interdição de estabelecimentos e imposição de contrapropaganda (BRASIL, 1990). Essas sanções podem ser aplicadas cumulativamente pela autoridade administrativa, inclusive de forma cautelar, visando à proteção imediata do interesse público.
No âmbito penal, o artigo 67 do CDC tipifica como crime a conduta de “fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser enganosa ou abusiva”, com pena de detenção de três meses a um ano e multa. Tais dispositivos demonstram que o legislador buscou assegurar a repressão efetiva de práticas ilícitas, equilibrando a liberdade publicitária com a proteção à dignidade e à confiança do consumidor.
Em síntese, o sistema jurídico brasileiro, especialmente a partir do Código de Defesa do Consumidor, consolidou um modelo de controle ético e normativo que visa garantir a transparência, a boa-fé e a justiça nas relações de consumo, coibindo abusos e assegurando a igualdade material entre fornecedores e consumidores.
Nesse contexto, observa-se que o controle estatal deve ser partilhado entre o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), os PROCONs, o Ministério Público, as Defensorias Públicas e os Juizados Especiais Cíveis, os quais, em conjunto com o CONAR, garantem a efetividade da tutela do consumidor frente à publicidade ilícita. Essa rede de instituições confere legitimidade e amplitude ao sistema brasileiro de defesa, permitindo tanto ações preventivas quanto reparatórias.
3 OS EFEITOS DA PUBLICIDADE ILÍCITA PARA O CONSUMIDOR
O artigo 37, caput e §1º, do Código de Defesa do Consumidor (CDC), define a publicidade enganosa como toda informação ou comunicação publicitária capaz de induzir o consumidor ao erro, seja por meio de ação (comissão) ou omissão. O dispositivo consagra a proteção do consumidor contra mensagens que distorcem a realidade dos produtos ou serviços ofertados, ainda que o engano não se concretize. Nesses casos, presume-se a lesividade da conduta, uma vez que a vulnerabilidade do consumidor constitui elemento essencial da relação de consumo.
A publicidade enganosa pode manifestar-se em duas formas principais: comissiva e omissiva. A primeira ocorre quando o fornecedor afirma algo falso, com o intuito de induzir o consumidor ao erro; a segunda se caracteriza pela omissão de informações relevantes acerca das propriedades, características ou riscos do produto ou serviço. Como exemplo, pode-se citar o caso de um produto que contenha substâncias tóxicas sem que tal informação conste na embalagem (MACEDO, 2012, p. 279).
Cumpre destacar que, para a configuração da publicidade enganosa, não se exige a demonstração do dolo ou culpa do fornecedor, pois a responsabilidade é objetiva, nos termos do CDC. Em outras palavras, basta a potencialidade de indução ao erro para que a conduta seja considerada ilícita, independentemente da efetiva ocorrência de prejuízo concreto. Assim, o dano é apurado em abstrato, considerando-se a simples possibilidade de lesão à confiança do consumidor.
Por outro lado, a jurisprudência e a doutrina reconhecem que expressões de evidente exagero ou caráter fantasioso, como “o perfume das estrelas” ou “a casa das maravilhas”, não configuram publicidade enganosa. Tais enunciados, constituem meras figuras de linguagem utilizadas para fins de promoção comercial, não possuindo aptidão para induzir o consumidor ao erro.
Em análise da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), observa-se o rigor na repressão às práticas publicitárias ilícitas. No Recurso Especial nº 1.539.056, a Quarta Turma condenou uma imobiliária e seu proprietário ao pagamento de danos morais coletivos, por comercializarem terrenos em Betim (MG) mediante a falsa informação de que o loteamento estava devidamente autorizado pelo poder público. No mesmo sentido, no Recurso Especial nº 1.828.620/RO, a Segunda Turma reconheceu que enganar ou abusar do consumidor ultrapassa o mero dissabor, configurando prática antiética e ilícita (CAVALCANTE, 2021).
Ainda segundo o STJ, esclarecimentos posteriores ou complementares desconectados da oferta original não são capazes de afastar a ilicitude da publicidade. No Recurso Especial nº 1.802.787/SP, a Corte entendeu que a empresa Habib’s incorreu em publicidade enganosa ao anunciar a venda de coxinhas por R$ 0,49, sem deixar claro que o preço promocional se aplicava apenas à compra mínima de 30 unidades. A omissão dessa informação induziu o consumidor a erro, caracterizando violação ao dever de transparência (CAVALCANTE, 2019).
Tais precedentes demonstram que a autodeterminação do consumidor depende diretamente da qualidade da informação que lhe é transmitida. Quando as informações são claras, precisas e verdadeiras, o consumidor pode exercer sua liberdade de escolha de forma consciente; contudo, quando são falsas, omissas ou confusas, a decisão de consumo é viciada. Assim, o dever de informar assume papel central na preservação da confiança e na proteção da boa-fé nas relações de consumo.
No tocante à publicidade abusiva, o §2º do artigo 37 do CDC adota um conceito aberto e flexível, abrangendo toda forma de publicidade que viole valores fundamentais da sociedade, como a dignidade da pessoa humana, a igualdade, a não discriminação e o respeito aos direitos sociais. Também é considerada abusiva a publicidade que estimule o racismo, a violência, a degradação ambiental ou qualquer forma de discriminação (BAGATINI, 2005, p. 81).
De forma mais específica De Carvalho ( 2001, p.2) assinala que:
Não há dúvida de que também é abusiva toda e qualquer publicidade que, de alguma forma, discrimine o ser humano ou que utilize o medo ou a superstição para persuadir o consumidor a adquirir um produto ou um serviço. Da mesma forma, é abusiva aquela que incita a violência e a degradação do meio ambiente ou introduz o sentimento de insegurança.
Sob essa perspectiva, observa-se que a publicidade abusiva frequentemente se vale de apelos emocionais e psicológicos para explorar a vulnerabilidade do público consumidor. Utiliza-se, muitas vezes, de estratégias que desrespeitam valores éticos e morais, dirigindo-se especialmente a crianças, idosos e pessoas com menor capacidade crítica, a fim de estimular o consumo irrefletido.
Segundo Speranza (2017), a publicidade abusiva pode ser equiparada ao abuso de direito, pois se vale de uma aparência de legitimidade para transgredir normas jurídicas e éticas, violando direitos do consumidor e da coletividade.
É importante destacar que o consumidor é o destinatário final do produto ou serviço e representa o elemento central da relação jurídica de consumo. Todavia, em virtude de sua posição de desvantagem técnica, econômica e informacional em relação ao fornecedor, encontra-se em situação de vulnerabilidade. Assim, a prática de publicidade enganosa ou abusiva rompe o equilíbrio contratual e reforça essa desigualdade (MACEDO, 2012, p. 268–269).
Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça, por meio do Informativo nº 679 (2017), consolidou o entendimento de que é abusiva a publicidade de alimentos direcionada, de forma explícita ou implícita, a crianças, considerando que estas não possuem capacidade plena de discernimento nem autonomia de vontade para exercer escolhas conscientes no mercado de consumo (CAVALCANTE, 2017).
Conforme destaca Miragem (2014), os efeitos da publicidade abusiva transcendem o consumidor individualmente atingido, alcançando toda a coletividade, razão pela qual é necessária a atuação de mecanismos de tutela coletiva e ações civis públicas para reparar danos difusos e coletivos decorrentes dessas práticas.
Outro ponto de importante destaque é o fenômeno da publicidade ilícita nas redes sociais agrava-se pela confiança que os consumidores depositam em influenciadores, especialmente entre públicos jovens. Conforme Ferreira e Nascimento (2023), o engajamento e a proximidade criados nas plataformas digitais tornam o discurso publicitário ainda mais persuasivo, o que aumenta o dever de cautela e transparência do comunicador digital, sob pena de responder pelos danos decorrentes de publicidade enganosa ou abusiva.
Essa confusão deliberada entre conteúdo espontâneo e anúncio pago cria um ambiente de assimetria informacional ainda mais acentuado, onde o consumidor não percebe claramente estar diante de uma ação de marketing (FERREIRA; NASCIMENTO, 2023).
Um dos aspectos centrais da publicidade ilícita nas redes é a ausência de identificação clara do caráter publicitário. O artigo 36 do Código de Defesa do Consumidor exige que o anúncio seja veiculado de forma que o consumidor possa identificá-lo facilmente como tal. No entanto, as estratégias de “publicidade velada” ou “camuflada”, quando o influenciador recomenda um produto sem indicar que recebeu remuneração, violam esse preceito e configuram prática enganosa.
Sendo assim, a responsabilidade civil do influenciador é solidária com a do anunciante, uma vez que ambos participam do mesmo processo de comunicação publicitária. Essa responsabilização solidária entre o anunciante e o influenciador reforça a necessidade de uma atuação preventiva, por meio de políticas de compliance publicitário e educação digital, de modo a assegurar que o consumidor possa identificar claramente as mensagens de natureza comercial.
Em síntese, a publicidade ilícita nas redes sociais constitui um fenômeno multifacetado, que exige interpretação dinâmica do Código de Defesa do Consumidor e cooperação institucional entre órgãos públicos, plataformas digitais e influenciadores. A proteção do consumidor no ambiente digital passa a depender, mais do que nunca, da transparência informacional e da efetividade das normas que impõem o dever de informar, sob pena de esvaziar o princípio da boa-fé nas relações de consumo.
Diante do exposto, verifica-se que a publicidade ilícita, seja enganosa ou abusiva, gera danos que ultrapassam o âmbito individual e podem afetar um número indeterminado de consumidores. Por isso, faz-se indispensável a existência de mecanismos preventivos e repressivos que assegurem a efetividade da proteção do consumidor vulnerável, promovendo o equilíbrio nas relações de consumo e a observância dos princípios da boa-fé, transparência e dignidade humana.
4.CONCLUSÃO
A publicidade, enquanto fenômeno comunicacional e instrumento essencial da economia contemporânea, ocupa posição estratégica na mediação entre fornecedores e consumidores. Ao mesmo tempo em que promove a circulação de bens e a difusão de informações, contribui para o fortalecimento das relações de mercado e para o crescimento econômico. Contudo, sua força de persuasão e alcance social tornam indispensável a existência de mecanismos de controle jurídico e ético, a fim de evitar que se converta em instrumento de engano, manipulação ou violação de direitos fundamentais.
Como demonstrado no primeiro capítulo, a publicidade exerce profunda influência sobre o comportamento do consumidor, moldando hábitos, valores e padrões de consumo. Em uma sociedade caracterizada pela lógica do “ter para ser”, o discurso publicitário transcende a mera função informativa e passa a legitimar estilos de vida e ideologias de consumo, atingindo públicos de diferentes idades, classes sociais e níveis de instrução. Esse poder simbólico, quando mal utilizado, reforça o desequilíbrio estrutural entre fornecedor e consumidor, exigindo a atuação de uma tutela jurídica capaz de restabelecer a confiança e a transparência nas relações de consumo.
O segundo capítulo evidenciou a relevância da legislação brasileira, especialmente do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990), na regulação das práticas publicitárias. O CDC institui princípios como a boa-fé, a lealdade, a veracidade e o dever de informação, determinando que toda publicidade deve pautar-se pela clareza e honestidade. Ao prever sanções administrativas, civis e penais, o legislador buscou construir um sistema misto de controle, jurídico e autorregulatório, que assegura o equilíbrio entre a liberdade de iniciativa econômica e a proteção da parte vulnerável. Tal sistema reforça que a publicidade é, simultaneamente, um direito de expressão comercial e um dever de responsabilidade social.
No terceiro capítulo, verificou-se que a publicidade ilícita, seja ela enganosa ou abusiva, causa sérios prejuízos ao consumidor e à coletividade. A publicidade enganosa, ao distorcer informações, compromete o exercício da escolha consciente e fere a boa-fé objetiva; já a publicidade abusiva atenta contra valores fundamentais da sociedade, violando princípios éticos, morais e constitucionais, como a dignidade da pessoa humana e a proteção de grupos vulneráveis, notadamente crianças e idosos.
A jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirma esse entendimento ao reconhecer a responsabilidade objetiva do fornecedor e a legitimidade de ações coletivas para coibir tais práticas e reparar danos difusos.
Diante desse panorama, a informação adequada, clara e transparente revela-se o alicerce de uma relação de consumo equilibrada. É por meio dela que o consumidor exerce sua autonomia de vontade e toma decisões de forma consciente. O fornecedor, por sua vez, tem o dever jurídico de assegurar a veracidade das mensagens publicitárias e responder pelos danos que delas decorram, independentemente de culpa.
Essa responsabilidade objetiva representa uma conquista fundamental do direito do consumidor brasileiro, consolidando-se como um dos pilares da proteção jurídica nas relações de consumo.
Portanto, a publicidade deve ser compreendida não apenas como ferramenta de estímulo econômico, mas também como instrumento de concretização da cidadania e da dignidade humana, ao promover relações pautadas pela ética e pela confiança. O Código de Defesa do Consumidor é, nesse contexto, a principal garantia da harmonização entre os interesses econômicos e os direitos fundamentais do cidadão, conferindo equilíbrio às forças que compõem o mercado.
Por fim, é imperioso reconhecer que o tema não se esgota. A constante evolução tecnológica, o crescimento das mídias digitais e a utilização de algoritmos e influenciadores nas campanhas publicitárias impõem novos desafios à legislação e ao controle ético.
Cabe ao legislador, aos órgãos de defesa do consumidor e à sociedade civil manter vigilância contínua sobre as práticas publicitárias, assegurando que a liberdade de criação e inovação empresarial não se sobreponha aos princípios da veracidade, transparência, responsabilidade e respeito à vulnerabilidade do consumidor. Somente assim será possível garantir um ambiente de consumo justo, consciente e socialmente responsável.
REFERÊNCIAS
ABRANTES, Gabriella Santos; SOBREIRA, Patrícia de Albuquerque; SANTOS, Marcelo Henrique dos; GOMES, Paulo Victor Dafico Moreira da Costa. Publicidade enganosa e abusiva à luz do Direito do Consumidor. Revista Foco, v.17, n.6, p.1–21, 2024. DOI: 10.54751/revistafoco.v17n6-134.
BENJAMIN, Antônio Herman Vasconcellos e. O controle jurídico da publicidade. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 9, jan./mar. 1994, p. 27. Disponível em: https://bdjur.stj.jus.br/jspui/bitstream/2011/8981/1/O_Controle_Jur%C3%ADdico_da_Publicidade.pdf Acesso em: 25 ago. 2025.
BENJAMIM, Antônio Herman de Vasconcellos e; MARQUES, Cláudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual do direito do consumidor. 9. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil. 2021.
BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm. Acesso em: 15 ago. 2025.
CAVALCANTE, Márcio André Lopes. É abusiva a publicidade de alimentos direcionada, de forma explícita ou implícita, a crianças.2017. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/c5eee1896752e5ac19a3a0bb34fbab4b. Acesso em: 15 ago. 2025.
CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Esclarecimentos posteriores ou complementares desconectados do conteúdo principal da oferta (informação disjuntiva, material ou temporalmente) não servem para exonerar ou mitigar a enganosidade ou abusividade. 2019. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/b55c86af1c55672a8792354910cd548d. Acesso em: 15 ago. 2025.
CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Imobiliária deverá pagar dano moral coletivo por vender lotes com falsa propaganda sobre regularização.2021. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: https://buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/6dac4227f4c3d1f6619898d70f2f2b52. Acesso em: 15 ago. 2025.
COSTA, Maria Ivanúcia Lopes da; MENDES, Marcília Luzia Gomes da Costa. A publicidade como ferramenta de consumo: uma reflexão sobre a produção de necessidades. Programa de Pós-graduação em Letras, PPGL/UERN, 2012. Disponível em: http://www.bocc.ubi.pt/pag/costa-mendes-a-publicidade-como-ferramenta-de-consumo.pdf Acesso em: 25 ago. 2025.
DA ROCHA, Raquel Heck Mariano. Modelos de regulamentação: reflexões para um eficiente controle jurídico da publicidade no Brasil. Direito & Justiça, v. 38, n. 2, 2012. Disponível em: file:///C:/Users/User/Downloads/12545-46906-1-PB.pdf Acesso em: 21 fev. 2023.
DE CARVALHO, José Carlos Maldonado. Propaganda enganosa e abusiva. Revista da EMERJ, v.4, n.15, 2001. Disponível em: http://www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_online/edicoes/revista15/revista15_120.pdf Acesso em: 25 ago.2025.
FERREIRA, João Pedro de Souza; NASCIMENTO, Carla Moraes do. Responsabilidade civil dos influenciadores digitais na publicidade. Revista de Direito do Consumidor Contemporâneo, v. 5, n. 2, p. 18–32, 2023. DOI: 10.51298/rdcc.v5n2-2316.
GRANZOTTI DO CARMO, Pamela Karoliny; POLETTO, Lizandro. Publicidade enganosa e abusiva no direito do consumidor. Direito em Revista, v.8, Paracatu, p.40–56, 2023. DOI: 10.5281/zenodo.7968534.
MIRAGEM, Bruno. Curso de direito do Consumidor.5.ed. São Paulo: Editora Revistos Dos Tribunais,2014.
SPERANZA, Henrique de Campos Gurgel. Publicidade enganosa e abusiva. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 104, set 2012. Disponível em: https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-104/publicidade-enganosa-e-abusiva/. Acesso em: 21 ago.2025.
Graduada em Direito pelo Centro Universitário Dom Bosco (UNDB). Advogada. Assessora da Procuradoria Geral de Justiça do Maranhão. Pós-graduada em Direito Constitucional pela Faculdade CERS. Pós-graduada em Direito Privado e Pós-graduanda em Direito Público pela Faculdade Legale de São Paulo.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Samanda Pereira. Os limites da publicidade e direito do consumidor: reflexões sobre a publicidade abusiva e enganosa Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 out 2025, 04:24. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/69837/os-limites-da-publicidade-e-direito-do-consumidor-reflexes-sobre-a-publicidade-abusiva-e-enganosa. Acesso em: 15 out 2025.
Por: Silvana Elizabeth Braz
Por: Fabricio Gonçalves Fernandes Souto
Por: BRUNO MENEZES RODRIGUES GOMES DE CASTRO
Por: LORENA CRISTINE PRUDENCIO ADORNO
Por: Felipe Braga do Amaral Silva
Precisa estar logado para fazer comentários.