CRISTIANE FLORINDA SILVA
ALCIDES FRANCISO DAMACENA
CLEBERSON TEIXEIRA TEORODO
( Alunos do 8º Semestre de Direito da FADISA)
(Autores)
MARCOS ANTONIO DUARTE SILVA
(orientador)
Resumo: A tortura em instituições socioeducativas é um grave problema no Brasil, comprometendo profundamente o objetivo de ressocializar crianças e adolescentes em conflito com a lei. Estudos e denúncias recentes mostram que práticas de violência física, psicológica e negligência institucional não apenas violam os direitos humanos, mas também afetam diretamente o desenvolvimento emocional, social e psicológico desses jovens. Considerando a importância das crianças para qualquer Estado Democrático de Direito, é necessário ponderar sobre o tratamento oferecido a crianças e adolescentes quando estão sob o espectro de ato infracional, bem como analisar como as Instituições responsáveis pelas aplicações de Medidas Socio Educativa acolhem esses menores. É fundamental questionar se tais ambientes realmente proporcionam ressocialização ou se servem apenas para tira-los de circulação. Diante do tratamento desses jovens, é possível analisar como será o futuro desses menores, que, via de regra, retornarão a sociedade. A pergunta central é: “estarão melhores, piores, ou iguais ao que eram antes da internação? A resposta a esta indagação é o cerne da questão: qual o objetivo fundamental de manter esses menores em estabelecimentos fechados? Todas as condições oferecidas a eles devem visar situações futuras, tais como: a) eles sairão; b) como sairão; c) como estarão para enfrentar a sociedade; e d) onde ficarão após a saída desses estabelecimentos. Urge a necessidade de propostas que enfrentem essa realidade de forma real e concreta.
Palavras chaves: Tortura. Ressocialização. Instituições. Socioeducativas.
Psicológica.
Abstract: Torture in socio-educational institutions has been a serious problem in Brazil, deeply compromising the objective of resocializing children and adolescents in conflict with the law. In this regard, recent studies and complaints show that practices of physical and psychological violence and institutional negligence not only violate human rights, but also directly affect the emotional, social and psychological development of these young people. Considering the importance of children for any Democratic State of Law, it is necessary to consider how children and adolescents are being treated when they are under the spectrum of an infraction, and how the Institutions that must apply Socio-Educational Measures are receiving these minors and, mainly, what environment is being reproduced for them, whether they really provide resocialization or are simply serving as a place to take them out of circulation. Based on how this situation has been handled, it is possible to analyze what the future of these minors will be like, who, as a rule, will leave society at some point and the question that must be asked is “will they be better, worse, or no different than when they entered?” The answer to this question addresses the core of the issue, which must be what is the main purpose of these minors being in a closed establishment; therefore, all conditions offered to them must be aimed at some future situations, namely, a) they will leave, b) how they will leave; c) how they will be to face society; and d) where they will be after leaving these establishments; there is an urgent need for proposals that face this reality in a real way.
Key words: Torture. Resocialization. Institutions. Socio-educational. Psychological.
1. Introdução
Há quem pense que por se tratar de Medida Socioeducativa, não se enquadra na Lei de Tortura, LEI Nº 9.455, DE 7 DE ABRIL DE 1997, e tampouco no tipo penal de maus tratos.
Ledo engano!
Diversas notícias veiculadas pela imprensa apontam para o crescente convívio com a tortura e maus-tratos dentro desses estabelecimentos para menores, sendo ambos problemas frequentemente negligenciados.
Diante dessa cruel realidade, propôs-se a realização de uma pesquisa para dimensionar o problema e suas consequências. Surpreendentemente, constatou-se que, de norte a sul, leste a oeste do Brasil, há uma crescente denuncia de tortura em estabelecimentos desatinados a menores infratores. Poucas ações tem sido efetivamente realizadas para conter esse avanço assustador, mesmo frente a crescente denúncias.
Evidentemente, causa estranheza tal postura omissa e, por vezes, leniente quando se observa o tratamento ofertado a estes menores.
É importante ressaltar, contudo, algumas iniciativas corajosas de magistrados, como no Ceará, onde o CNJ aplicou normas para o enfrentamento da tortura, e no Espírito Santo, onde medida semelhante tenta conter o avanço dessa pratica danosa. No entanto, no contexto geral, as praticas são insuficientes diante da gravidade e da dimensão do problema.
Esta pesquisa, agora transformada em artigo, busca não apenas demonstrar a presença constante da tortura, mas também cobrar mudanças urgentes na legislação, que atualmente se apoia em tecnicismos para descaracterizar o problema, impedindo o reconhecimento amplo da possibilidade de tortura na aplicação de medidas socioeducativas. Além disso, pretende-se trazer uma leitura atual e rigorosa sobre o tema, muitas vezes relegado a segundo plano.
Não há mais tempo para conivência diante dos graves problemas estruturais dos estabelecimentos para menores. É fundamental discutir a responsabilidade do Estado em relação aos menores internados, o impacto no processo ressocializador e como mudar esse cenário devastador.
Outrossim, se faz mister aduzir, qual a responsabilidade do Estado com os menores que são internados nestes estabelecimentos?
Qual o impacto no processo ressocializador?
Como mudar este cenário devastador na internação de menores?
2. Uma fotografia histórica da tortura de menores internados
A história das crianças e adolescentes e sua situação de vulnerabilidade está presente na sociedade brasileira desde dos tempos do império.
Para ilustrar o tratamento oferecido aos menores, apresenta-se uma breve cronologia;
1º de janeiro de 1726 - Crianças são abandonadas para caridade nas "Rodas dos Expostos"
A atenção às crianças no Brasil português tinha caráter religioso. Em 1726, a Irmandade da Santa Casa de Misericórdia criou a primeira "Roda dos Expostos", na Bahia. Tratava-se de compartimento cilíndrico instalado na parede de uma casa que girava de fora para dentro. A criança era colocada ali para ser abrigada e criada pela entidade, preservando a identidade de quem a abandonava. A medida foi regulamentada em lei e se tornou a principal forma de assistência infantil nos séculos 18 e 19. Popularmente, também era conhecido por "Roda dos Rejeitados".
11 de outubro de 1890 - Código Criminal da República determina penalização de crianças entre 9 e 14 anos
Em 1890 cria-se o Código Criminal da República para conter o aumento da violência urbana. A responsabilização penal passa a considerar a Teoria do Discernimento. Assim, crianças entre 9 e 14 anos são avaliadas psicologicamente e penalizadas de acordo com o seu "discernimento" sobre o delito cometido. Elas poderiam receber pena de um adulto ou ser considerada imputável.
5 de janeiro de 1921 - Idade mínima para responder criminalmente passa a ser de 14 anos
A lei nº 4.242 tratou da assistência e proteção de "menores abandonados" e "menores delinquentes", sendo regulamentada posteriormente em 1923 por decreto. Aqueles jovens autores ou cumplices de crime ou contravenção, considerados "menores delinquentes", tornaram-se imputáveis até os 14 anos, não valendo mais a Teoria do Discernimento de 1890.
20 de fevereiro de 1926 - Caso Bernardino: menino é violentado na prisão
O engraxate Bernadino, de 12 anos, foi preso ao jogar tinta em uma pessoa que saiu sem pagar pelo serviço. Colocado em uma prisão junto a 20 adultos, o menino negro foi violentado de várias formas e jogado na rua. Levado para um hospital, narrou o ocorrido para jornalistas. O caso ganha repercussão e mobiliza debates sobre locais específicos para destinar crianças que cumpram algum tipo de pena.
10 de dezembro de 1927 - 1º Código de Menores estabelece imputabilidade antes dos 18 anos
A Lei de Assistência e Proteção aos Menores, conhecida como Código de Menores ou Código Mello Mattos (nome do primeiro juiz de Menores do Brasil e da América Latina), representou avanços na proteção das crianças. A lei proibiu a "Roda dos Expostos" e tornou os jovens imputáveis até os 18 anos. Criou a "escola de preservação para delinquentes" e a "escola de reforma para o abandonado".
14 de dezembro de 1932 - Com reforma penal, Vargas consolida mudanças na idade penal para 14 anos
Em 1932, realizou-se uma reforma maior do Código Penal Brasileiro para validar várias alterações já feitas desde 1890, entre elas a mudança maioridade penal de 9 para 14 anos.
5 de novembro de 1941 - Serviço de Assistência a Menores (SAM) é criado para atender todo o Brasil
Institui-se o Serviço de Assistência a Menores (SAM), primeiro órgão federal a se responsabilizar pelo controle da assistência aos menores em escala nacional. Atendia aos "menores abandonados" e "desvalidos", encaminhando-os às instituições oficiais existentes, e aos "menores delinquentes", internando-os em colônias correcionais e reformatórios.
1º de dezembro de 1964 - Militares criam FUNABEM e FEBEMs
A questão da infância passou a ser tratada como problema de segurança nacional e deu origem às Febems em nível estadual.
19 de junho de 1975 - CPI do Menor investiga situação da criação desassistida
Foi a 1ª Comissão Parlamentar de Inquérito (CPMI) destinada a investigar o problema da criança desassistida no Brasil, contribuindo para a elaboração de um novo Código de Menores.
10 de outubro de 1979 - 2º Código de Menores adiciona doutrina de proteção integral
Em 1979, é promulgado um novo Código de Menores. Ele traz a doutrina da proteção integral presente na concepção futura do ECA. Porém, baseia-se no mesmo paradigma do menor em situação irregular da legislação anterior de 1927.
1º de março de 1988 - Entidades da sociedade civil criam Fórum de Defesa das Crianças e Adolescentes
O Fórum Nacional de Entidades Não-Governamentais de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Fórum DCA) é criado a partir do encontro de vários segmentos organizados de defesa da criança e do adolescente. Teve papel preponderante no processo de discussão e elaboração da Nova Constituição e do ECA.
5 de outubro de 1988 - Artigo 227 torna-se base para a criação do ECA
O artigo 227 da Constituição Federal de 1988 estabelece como dever da família, da sociedade e do Estado "assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão".
13 de julho de 1990 - Nasce o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)
Aprovado no Congresso Nacional, Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é o marco legal que reuniu reivindicações de movimentos sociais que trabalhavam em defesa da ideia de que crianças e adolescentes são também sujeitos de direitos e merecem acesso à cidadania e proteção. O ECA foi publicado sobre a lei federal nº 8069.
2 de setembro de 1990 - Brasil assina Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança
A Convenção Internacional sobre os direitos da Criança é um tratado aprovado na ONU em 20 de novembro de 1989, o Brasil para assegurar os direitos da criança mundialmente. Apesar do Brasil ter se baseado no documento para redigir o ECA, o Estado Brasileiro somente ratificou o tratado no Brasil em 1990.
Diante desse histórico, compreende-se como chegamos ao ponto atual, em que maus-tratos e torturas contra menores internados ainda são realidade. Torna-se urgente revisar posturas e buscar, finalmente, um tratamento digno e humano.
3. Perda de Confiança nas Instituições
O tratamento individualizado do adolescente permite uma ressocialização mais eficaz, reduzindo índices de reincidência. Quando se coloca um adolescente autor de infração de menor potencial ofensivo junto a outro envolvido com um potencial de infração mais graves, abre-se espaço para que o primeiro seja influenciado negativamente. A convivência coletiva em ambientes institucionalizados tende a fortalecer vínculos com a criminalidade, tornando-se uma verdadeira “escola do crime”.
Frente a esta questão pode se indagar: Quando falarmos em ressocialização, a pergunta é. Como devemos tratar esses adolescentes? Em quais ambientes são favoráveis a essa ressocialização? Será que a fundação casa é o ambiente apropriado para essa ressocialização?
A intervenção segregante do Estado, na condição de executor de medidas socioeducativas privativas de liberdade, produz todos os efeitos perversos da prisão - rotulação, estigmatização, distância social e maior criminalidade, muitas vezes geradora de reincidência - sob a lógica de que quanto maior a reação repressiva estatal aos delitos praticados, maior a probabilidade de que o sujeito se torne novamente transgressor, numa reprodução reiterada do mesmo projeto fracassado. (HAMOY, 2008, p.80).
Para tanto, cumpre observar se um sistema equiparado a uma prisão pode ser mesmo o melhor lugar para que esses adolescentes na maioria das vezes, advindos de uma estrutura familiar falida e complexa, sem um ambiente sociável e comum, poderá passar pela proposta de ressocialização.
O ambiente familiar é o responsável pela construção de valores e, de acordo com o seu desenvolvimento, terá reflexos diretos na formação da criança e do adolescente. Assim, a vulnerabilidade social familiar pode ser preponderante no papel da exclusão dentro da sociedade capitalista e consumista. A família é o primeiro núcleo relacional que dá início à constituição da sociedade, é o lugar onde se propicia o processo de formação da sociabilidade humana. Os elementos constitutivos formadores de uma família não se resumem à criação, assistência e educação de seus membros, antes a família deve ser concebida como lugar de aconchego, bem-estar psicológico, enfim, de afetividade. Por isso que, modernamente, não se fala em um “tipo de família”, enquanto modelo, “ideal”, em face dos mais variados arranjos familiares existentes, hoje o que se prioriza é a socioafetividade (VERONESE; HANOFF, 2010, p. 205). (PIRES, 2016, p.54).
Ademais, o tratamento individualizado social e psicológico, em contraste com o tratamento coletivo não é o mais indicado para esses adolescentes pois na maioria das vezes eles se sentem envergonhados de falar de suas fraquezas e muitas vezes, nem sabem quais são.
Por isso, a busca no desenvolvimento psicológico desse adolescente é tão importante para que ele reconheça seus problemas e as possíveis soluções para eles.
Reduzir o impacto da institucionalização significativamente e o desenvolvimento físico e psicológico e também emocional desses adolescentes é importante para que a ressocialização seja efetiva.
A história das políticas voltadas à infanto-adolescência é plena de atrocidades legitimadas por boas intenções. Ela demonstrou que, por exemplo, a institucionalização nunca correspondeu, na prática, às “nobres” pretensões que retoricamente a justificaram. O encarceramento nunca viabilizou sistematicamente a educação ou reeducação dos reclusos. Nunca foi eficaz na promoção de sua cidadania ou para a garantia de um desenvolvimento saudável. Pior, um exame crítico, ainda que pouco atento, do sistema, permite concluir que, além de não promover direitos, a institucionalização viola-os cotidianamente, para um limite muito além, muito além, daquilo permitido na sentença. O que se tem, sob relativo consenso, é que a experiência de encarceramento não melhora e tende a piorar as pessoas que passam por ela. Em outras palavras, conforme demonstrado por vastíssima literatura especializada, a privação de liberdade, mesmo que cercada de todas as garantias deferidas ao cidadão cativo, atenta, sempre, contra o direito humano fundamental a uma socialização saudável: a institucionalização é sempre dessocializadora, de um lado e, de outro, causadora de danos psicológicos, além de dificultadora da reinserção social. Não cabe aqui reportar todos os prejuízos derivados da institucionalização, lembrando apenas que, para adolescentes, ela favorece a identificação com o universo do crime e tem como resultante uma devastadora estigmatização que impactará toda vida do egresso. (HAMOY, 2008, p.17, 18). (Destaques nosso).
O objetivo não é se ter apenas a privação de liberdade e a perda dos direitos fundamentais desses menores, o foco deve ser reformar o indivíduo que ainda está em formação individual e conscientizá-los sobre como agir dali em diante.
E muito pelo contrário, não os traumatizar.
Buscar o reverso é o objetivo, a intenção é prepará-lo para uma vida produtiva e longe dos crimes e infrações que os levarão novamente ao sistema privativo de liberdade.
Fato é, que deveria estar tratando desses adolescentes com os moldes visando uma próxima geração, que é tecnológica, imediatista, menos atento as normas e tradições e padrões, que não se possui um projeto de família estruturada, mas, com informação literalmente a palma das mãos, sem estrutura e visão de trabalho e educação liberal, e de novo exsurge a indagação, como moldar adolescentes com uma estrutura arcaica que não supri as necessidades deles?
O sistema brasileiro de ressocialização de adolescentes em conflito com a lei está marcado por falhas estruturais e conceituais que comprometem sua efetividade e contribuem para altos índices de reincidência.
A experiência demonstra que a abordagem coletiva e institucionalizada, como praticada na Fundação Casa e em unidades similares, não apenas falha em promover a reintegração social, mas frequentemente agrava o problema.
O tratamento coletivo, ao reunir adolescentes com perfis e gravidades de infração díspares, cria um ambiente propício à troca de experiências negativas e ao fortalecimento de vínculos com a criminalidade.
Colocar um menor que cometeu uma infração de menor potencial ofensivo ao lado de outro envolvido em crimes mais graves é, na prática, uma escola de criminalidade: o adolescente menos experiente pode ser influenciado a adotar condutas ainda mais lesivas, enquanto o mais experiente encontra espaço para ampliar sua influência e testar novos limites.
Nesse contexto, é fundamental questionar: como deve ser feita, de fato, a ressocialização desses adolescentes? Em que ambientes ela se mostra possível? A Fundação Casa, com sua estrutura assemelhada à de presídios, é realmente o local adequado para jovens que, em sua maioria, já carregam o peso de uma estrutura familiar desfeita e de uma vida marcada por exclusão social?
A resposta chega à luz das melhores práticas internacionais e dos estudos em psicologia do desenvolvimento e é clara: a ressocialização efetiva exige tratamento individualizado, tanto social quanto psicológico.
O atendimento coletivo, sobretudo em grupo, tende a inibir o adolescente, que se sente constrangido em expor fragilidades e, muitas vezes, sequer reconhece suas próprias dificuldades.
O processo de autoconhecimento e de elaboração de estratégias para superar desafios pessoais só é possível em ambiente seguro, de confiança e com acompanhamento técnico especializado.
O desenvolvimento psicológico, físico e emocional deve ser priorizado, reduzindo ao máximo o impacto da institucionalização.
O objetivo não pode ser punir, traumatizar ou privar o adolescente de seus direitos fundamentais, mas sim garantir que a restrição de liberdade seja acompanhada de oportunidades reais de reconstrução de identidade, de elaboração de um projeto de vida e de reintegração social.
Valendo-se da experiência internacional, como a da Noruega e da Nova Zelândia, mostra que sistemas baseados em pequenas unidades, com atendimento personalizado, envolvimento familiar, apoio comunitário e foco em educação e capacitação, alcançam índices muito mais baixos de reincidência.
O adolescente precisa ser visto como sujeito em formação, capaz de mudança, e não como mero destinatário de sanções.
Portanto, a crítica ao modelo brasileiro é urgente: não basta privar o jovem da liberdade.
É preciso garantir que, durante esse período que ele tenha acesso a um ambiente saudável, ao acompanhamento psicológico individualizado e a oportunidades concretas de transformação. Só assim será possível romper o ciclo da violência e construir caminhos reais de ressocialização.
É evidente que ainda tratamos os adolescentes de hoje com métodos e estruturas pensados para gerações passadas.
No entanto, a juventude atual é profundamente marcada pela tecnologia, pelo imediatismo e por uma relação distante das normas e tradições convencionais.
São jovens que, em grande parte, não possuem um projeto de uma família estruturada, porém, têm acesso instantâneo à informação e vivem em um contexto de mudanças rápidas e incertezas quanto ao trabalho e à educação.
Diante disso, insistir em modelos arcaicos, que não dialogam com suas reais necessidades e experiências, é ineficaz e insuficiente para promover qualquer transformação significativa.
4. Possíveis caminhos para Superação
Uma das possíveis saídas viáveis é superar o caráter punitivo dessas instituições e adotar práticas que promovam a responsabilidade e a ética dos adolescentes sem recorrer à violência.
É necessário desenvolver uma cultura de ressocialização, e não de punição, pois esses jovens retornarão à sociedade e o tratamento recebido definirá seus próximos passos.
A maneira como for tratado dará o tom de seus próximos anos e vida, para além da Instituição, por isso, desenvolver uma mentalidade nos moldes de que há um prazo definido por Lei para a internação urge.
[...] o disposto nos § 2º e 3º do Art. 121 do ECA, a medida socioeducativa do internamento não comporta prazo determinado, mas o período máximo de internamento não excederá o prazo de três anos. Ora, na medida mais grave o prazo máximo não poderá ultrapassar três anos; por uma interpretação analógica, entende-se que a medida de liberdade assistida não poderá exceder três anos, devendo o adolescente ser avaliado, periodicamente, no sentido de aferir a possibilidade de se desligar do programa de atendimento, antes de completar o período máximo permitido, ou até que venha a completar 21 anos de idade, quando então o desligamento é compulsório. (BANDEIRA, 2006, p.158).
E evidentemente, quando se apercebe desta iminente situação de pós internação, se percebe que caso não se prepare para sua volta a sua sociedade, haverá sem dúvidas consequências as mais diversas. Pois vejamos, se a pessoa ali internada for tratada com violência, como rigor excessivo, sem a menor compaixão, evidente que ao voltar a conviver em sociedade haverá reações a este tratamento oferecido.
Um dos possíveis pilares que devem ser utilizados durante o processo de internação e pós internação é a Educação.
É mister recorrer ao diploma do ECA para cimentar tal importância denodada pela própria Lei especifica;
Art. 18-A. A criança e o adolescente têm o direito de ser educados e cuidados sem o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante, como formas de correção, disciplina, educação ou qualquer outro pretexto, pelos pais, pelos integrantes da família ampliada, pelos responsáveis, pelos agentes públicos executores de medidas socioeducativas ou por qualquer pessoa encarregada de cuidar deles, tratá-los, educá-los ou protegê-los.
Artigo incluído pela Lei nº 13.010, de 26/06/2014. Vide arts. 18 e 19, da Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança, de 1989. O Contido no presente dispositivo, ainda que de forma genérica, já era contemplado pelos arts. 5º; 17 e 53, inciso II, do ECA, assim como pelos arts. 1º, inciso III, 226, §8º, parte final e 227, caput, parte final, da CF. A inovação legislativa promovida pela Lei nº 13.010/2014 procurou deixar ainda mais explícito o direito de crianças e adolescentes serem criados e educados de uma forma não violenta, não apenas por parte dos pais ou responsável, mas por qualquer pessoa encarregada cuidá-los, tratá-los, educá-los e protegê-los, o que inclui profissionais de saúde, educação, assistência social, que atuem em programas e serviços de atendimento e mesmo autoridades públicas, como membros do Conselho Tutelar, Ministério Público, Poder Judiciário etc. Para muitos, trata-se de uma disposição ociosa, diante do que já dispunha o ordenamento jurídico, porém tem o mérito de, conjuntamente com as demais normas incorporadas ao ECA e à LDB pela Lei nº 13.010/2014, colocar a matéria em evidência, deixando claro que a ninguém, sob nenhum pretexto, é autorizada (e nem mais pode ser tolerada) a violação dos direitos infantojuvenis, inclusive quanto à inviolabilidade da integridade física, moral e psíquica. A violação dessa norma, além de importar na incidência das disposições da Lei nº 13.431/2017 e tornar os agentes responsáveis passíveis de receber as sanções previstas tanto no próprio ECA (como é o caso do contido de seu art. 249) quanto na Lei Penal, também pode resultar obrigação de indenizar a vítima por dano moral, o que pode ocorrer, inclusive, em razão da ocorrência de abandono material por parte dos pais. (DIAGIÁCOMO, 2020).
Como se depreende do texto em comento, exsurge não só o dever ser, porém, a força da Lei exigindo o cumprimento sob pena de transgressão de mandamento legal.
Desta forma a Educação deve ser usado como ferramenta transformadora e a escola desempenhará um papel crucial na ressocialização ao oferecer oportunidades para as crianças e adolescentes reconstruírem suas trajetórias por meio deste aprendizado e da formação profissional.
No livro Infância Roubada há uma assertiva se tratando da educação que vale a pena trazer a lume;
O meu caminho, a escolha principal é a educação, com certeza. Educação é, a princípio, um grande caminho. Mesmo assim pode ser bem desvirtuado. Mas, é muito importante que nós não deixemos de atuar, que a gente sempre se coloque, se posicione, diante de todas as situações. Que mantenha esse caráter ético constante de fazer a sua ação a sua palavra, a sua palavra a sua ação. (SÃO PAULO, 2014, p.98).
É público e notório que a educação tem mudado vidas e países, através de sua estrutura de ampliação da mente, da oferta de possibilidades e, também de trazer uma certa unicidade nas chamadas classes sociais.
Os países que fizeram desta ideia uma prática em seu país tem colhido frutos em todas as áreas, inclusive na infância e adolescência.
Neste diapasão há também a necessidade de Fortalecimento do Sistema de Garantias, ou seja, resoluções recentes, como a aprovada pelo Tribunal do Ceará em 2025, estabelecendo fluxos claros para prevenir e combater tortura no sistema socioeducativo, promovendo maior transparência e responsabilização.
Além disso, é necessário fortalecer o sistema de garantias, promovendo transparência e responsabilização, como já ocorre em alguns estados, como resoluções que estabelecem fluxos claros para prevenir e combater a tortura no sistema socioeducativo.
[...] cabe a todos nós pensarmos juntos e buscarmos melhores formas de tornar efetivos o acesso e gozo de direitos de adolescentes autores de atos infracionais, para que a responsabilização não se resuma à restrição de liberdade “pura e simples”, associada à ampliação e naturalização da violência institucionalizada e ao reforço da violência outrora praticada. Esperamos e buscamos a ruptura do ciclo de violência por meio da ampliação e garantia de direitos sociais de fato e permanente, para que as próximas gerações possam vivenciar uma realidade em que o amor, o respeito, a empatia, o compromisso e a responsabilidade para com o outro sejam atitudes de praxe e não o que, extraordinariamente, precisamos, aqui, nesse momento, chamar atenção. (RELATÓRIO 2017/2018, p.14). (Destaques nosso)
O texto em comento, embora provindo de um relatório de 2017/2018, é atual na sua construção de cuidado e proteção do menor infrator.
Sua importância se reporta as palavras que trazem a ideia de cuidados e responsabilidade, na aplicação da medida socioeducativa.
O internado como infrator tem que ter as garantias mantidas e destacadas para que neste processo pedagógico, mantendo assim a condição de volta para sociedade sem nenhum tipo de vetor de violência, como já é vivenciado no processo adulto, por meio dos presídios.
Não se pode olvidar de tais cuidados sob pena de criar uma sociedade sem alma, sem respeito a ideia de que a medida socioeducativa, não deve ter caráter punitivo.
Desta feita cumpre notar que a tortura em instituições socioeducativas não apenas viola os direitos fundamentais das crianças e adolescentes, mas também compromete qualquer chance real de ressocialização.
O menor assistido deve ter suas garantias asseguradas para que o processo pedagógico resulte em sua reintegração à sociedade, sem reproduzir a violência do sistema prisional adulto. A tortura em instituições socioeducativas não apenas viola direitos fundamentais, mas compromete qualquer chance de real ressocialização. Reformas estruturais são urgentes para transformar esses espaços em ambientes seguros, que ofereçam educação, suporte psicológico e respeito à dignidade humana.
Outrossim, reformas estruturais são urgentes para transformar esses espaços em ambientes seguros que ofereçam educação, suporte psicológico e respeito à dignidade humana.
Considerações Finais
Diante do exposto, é urgente cobrar as lideranças políticas, e dos legisladores o cumprimento do seu papel, ao perceber que na dinâmica da sociedade, há necessidade premente de regular a Lei de Tortura, adicionando dispositivo para contemplar a tortura nas medidas socioeducativas.
Não se pode tolerar, por tecnicismo, a ideia de que na medida socioeducativa, por não estar explicitamente na Lei de Tortura, não figurar com tipicidade ao que tange aos estabelecimentos que não tenha caráter penal, e não seja tipificada como tal.
A atualização da legislação é fundamental para alinhar o Brasil aos padrões internacionais dos quais é signatário. Quanto maior a violência praticada contra o menor infrator assistido, maior a probabilidade de que, ao retornar à sociedade, ele responda com mais violência.
Para romper esse ciclo, é necessário investir na educação profissionalizante, fortalecimento do sistema de garantias e reformas estruturais nas instituições. Embora o caminho seja longo, a mobilização da sociedade pode promover as mudanças necessárias e, em pouco tempo, os efeitos positivos serão sentidos.
Vai para além do preciosismo tais alegações que debelam por terra toda a ideia central de cuidado envidados a tratar a medida como algo pedagógico e até terapêutico em todas as esferas que se apresentem.
Daí a importância de se manifestar contra toda e qualquer propagação contrária.
Ao se adentrar neste caminho obvio se poderá então recuperar a confiança nas Instituições que devem ter como seu prisma o cuidado do adolescente e da criança e não como um espaço para tortura, violência e vingança desenfreada.
Nesta linha a Lei precisa ser atualizada para os padrões que se encontra em países que o Brasil é signatário, ocupando assim seu lugar de respeito, perdido pelo descuidado em tratar deste tema tão sensível.
Outrossim, é mister perceber que quanto maior a violência pratica quanto interno, maior a chance de ao sair e voltar a convivência em sociedade, haver evidente resposta da pessoa que sofreu tal violência com mais e maior violência.
Com o findo de acabar com este ciclo traiçoeiro e vil, as medidas necessárias sugeridas são importantes.
A educação proporcionada com a destinação de oferecer curso para profissionalizar o menor, transformando sua situação em melhor e possível de buscar colocação no mercado.
Outro fato preponderante é o fortalecimento do sistema de garantias, que não pode sob nenhuma hipótese ser negligenciado, colocando em risco toda a ideia disposta no ECA sobre sistema não prisional para menores, mas de medida socioeducativa.
É fato que há um caminho gigantesco para mudar o estado de coisas presentes nos dias atuais, mas vale dizer que se a sociedade se organizar e perceber que não há outro caminho para implementar mudanças todas elas serão aplicadas.
E dentro de um tempo curto os efeitos serão sentidos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BANDEIRA, Marcos Antonio Santos. Atos infracionais e medidas socioeducativas: uma leitura dogmática, crítica e constitucional - Ilhéus: Editus, 2006.
DIAGIÁCOMO, Ildeara de Amorim e Murillo José. Estatuto da Criança e do Adolescente Anotado e Interpretado. Ministério Público do Estado do Paraná. Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Criança e do Adolescente, 2020. 8ª Edição.
HAMOY, Ana Celina Bentes. Direitos humanos e medidas socioeducativas: uma abordagem jurídico-social. Belém: Movimento República de Emaús/Centro de Defesa da Criança e do Adolescente, 2008.
Parte I: Panorama da política de Atendimento Socioeducativo em Meio Aberto (2017 e 2018).
PIRES, Antônio Cecílio Moreira. [et al.]. Estudos sobre a violência contra a criança e o adolescente [livro eletrônico] 1. ed. -- São Paulo: Câmara Brasileira do Livro, 2016.
São Paulo (Estado). Assembleia Legislativa. Comissão da Verdade do Estado de São Paulo "Rubens Paiva" Infância Roubada, Crianças atingidas pela Ditadura Militar no Brasil./ Assembleia Legislativa, Comissão da Verdade do Estado de São Paulo. – São Paulo: ALESP, 2014.
Doutorando em Ciência Criminal, Mestre em Filosofia do Direito e do Estado (PUC/SP), Especialista em Direito Penal e Processo Penal (Mackenzie/SP), Bacharel em teologia e direito, professor de Direito e pesquisador da CNPq .
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Marcos Antonio Duarte. A possibilidade de Tortura nas Instituições Socioeducativas: Seu Impacto Devastador na Ressocialização Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 set 2025, 04:17. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/69475/a-possibilidade-de-tortura-nas-instituies-socioeducativas-seu-impacto-devastador-na-ressocializao. Acesso em: 16 out 2025.
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