Resumo: Há muito se tem discutido sobre a liberdade de expressão e seus limites impostos pela lei, evidentemente, aqueles que não fazem parte do meio legal (Advogado, Promotores, Juízes e Professores de Direito), acreditam que esta é uma questão impositiva e que limita o direito de se expressar, por exemplo em um stand up, sem restrições, sem cerceamento nesta chamada recreação, contudo, há de se levar em consideração que liberdade irrestrita como advogam defensores desta modalidade e de outras, no âmbito do Direito, seria o mesmo que permitir a um grupo especial que fale o que bem entender, da forma que achar adequada, sobre quem quiser, sem que haja nenhuma limitação legal, ora, a humanidade já viveu um período assim, e a história humana demonstrou na prática que este direito irrestrito a um grupo de pessoas além de trazer dor, sofrimento entre muitas outras coisas, não elevou a raça humana a uma situação melhor, muito pelo contrário, tanto isso é verdade que na evolução social, se desenvolveu mecanismos de controle geral, para que ninguém, tenha tal liberdade, e esta ferramenta usada em centenas de países evoluídos, existe para garantir direitos, e não retirá-los.
Palavras Chaves: Racismo. Preconceito. Recreação. Direito. Restrição.
Abstract: There has been a long discussion about freedom of expression and its limits imposed by law. Obviously, those who are not part of the legal environment (Lawyers, Prosecutors, Judges and Law Professors) believe that this is an imposing issue and that it limits the right to express oneself, for example in a stand-up, without restrictions, without curtailment in this so-called recreation. However, it must be taken into consideration that unrestricted freedom, as advocated by defenders of this modality and others, within the scope of Law, would be the same as allowing a special group to say whatever they want, in the way they see fit, about whoever they want, without any legal limitation. Now, humanity has already lived through a period like this, and human history has demonstrated in practice that this unrestricted right to a group of people, in addition to bringing pain, suffering, among many other things, has not elevated the human race to a better situation, quite the opposite. This is so true that in social evolution, general control mechanisms were developed so that no one has such freedom. This tool, used in hundreds of developed countries, exists to guarantee rights, and not remove them.
Key Words: Racism. Prejudice. Recreation. Law. Restriction.
1.Introdução
O Direito está sempre em julgamento por aqueles que não se interessam em estuda-lo, nem tampouco, compreende-lo.
Há uma máxima no Direito que desde de muito cedo na academia, se aprende “o Direito existe para defender o hipossuficiente”.
Desta feita, o Direito não existe para defender aqueles que são mais fortes, aqueles que possuem poder, riquezas; muito pelo contrário, ele existe para buscar equilíbrio dentro de uma sociedade desigual e injusta.
Evidentemente esta não é uma luta fácil de se vencer, muitas destas batalhas coexistem por décadas, algumas mais afrontosas, até por séculos, contudo, o Direito busca em sua vocação única não se abater e continuar a luta.
É fato que este é um ideal que se persegue, mas, muitas são as conquistas existentes destas batalhas travadas pelo Direito.
Cumpre dizer que uma destas vitórias está centrada nos Direitos e Garantias Fundamentais do Ser Humano, especificamente em nossa legislação, na Constituição Federal no seu Artigo 5º.
Neste espeço reservado especificamente as garantias fundamentais se encontram princípios que levaram séculos a serem conquistados.
Muitos morreram para que nos dias atuais se pudessem ter este conjunto de garantias fundamentais.
Dentre vários destes princípios está o da liberdade de expressão. Vertido assim: IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença; Art. 5º, CFB.
Ao se ler este texto legal, muitos, que não conhecem a doutrina constitucionalista, logo interpretam como direito irrestrito, assim, entendendo que se pode falar o que quiser, de quem quiser, aonde quiser, sem que haja nenhuma “censura”.
Será que realmente é isto que o texto legal expressa?
Pode, num Estado Democrático de Direito, haver pessoas ou grupos de pessoas com Direito irrestrito?
O que é censura na ótica constitucional e deste texto de Direito Fundamental?
2.O que é Direito de expressão
Na busca de entender o que a Constituição Federal do Brasil traz como liberdade de expressão, há de se trazer à baila o texto em questão.
E não apenas lê-lo, mas, buscar nas fontes do Direito qual seu verdadeiro significado, dentro da ótica de uma sociedade que deve ter equilíbrio na solução das possíveis desigualdades.
Para tanto, é de extrema importância se valer também dos chamados doutrinadores pátrios e contemporâneos para tal compreensão.
O texto vertido;
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; Art. 5º, CFB.
Veja que logo, após, esta garantia fundamental de expressão, exsurge, na sequência outro fundamento tão importante quanto; a honra e a imagem das pessoas que passam a ser objeto de garantia, tendo inclusive direito de se necessário pedir indenização.
O que isso vem dizer?
Há limites, há que se respeitar a honra e imagem das pessoas, e este respeito não acaba em uma piada, ou num show de stand up.
Assim a liberdade vem calcada de responsabilidade de tudo que for dito, escrito e transmitido, não trazendo isenção a todo aquele que usa desta liberdade, mas, pautando através da Lei a segurança que haverá limites que se forem ultrapassados, terão consequências.
Comentando este texto sobre liberdade de expressão, verifica-se sua dimensão;
Em parte, a razão disso reside no individualismo que norteia a vida do ser humano. Com efeito, o Homem é a medida e o fim de todas as coisas. Isto é o que a locução dignidade da pessoa humana prega. Esse antropocentrismo faz com que todo o contexto que envolva o Homem (incluída a categoria aqui analisada) exista apenas e exclusivamente em virtude do Homem. [...] A liberdade de expressão não existe para si mesma. Ainda que se defenda sua condição de Direito natural, tal somente existiria no mundo fenomênico em sua necessária relação com o Homem. Não haveria que falar em liberdade de expressão se este, único ser racional e capaz de se expressar, não subsistisse. Daí ser um meio e não um fim em si mesma. [...] Desta feita, a razão não reside naqueles que alegam que a liberdade de expressão é um fim em si mesma. Nunca o será. Mencionada liberdade, assim como todas as outras, somente existirá em virtude da mens humana, a qual estabelecerá seus limites e contornos. Do contrário, como fim em si mesma, os limites seriam inadmissíveis, porque impróprios àquilo que, por sua natureza, seria absoluto. (TAVARES, 2017, p. 492). (Destaques nosso).
No texto doutrinário cumpre notar que se notabiliza-se a questão deste princípio não ser um fim em si mesmo, mas, um meio. E a pergunta exsurge, um meio para o quê?
Este meio que se busca com a liberdade de expressão é algo de maior relevância, de importância social, ou seja, de valor imensurável dentro de uma sociedade humana.
Ao inserir a ideia de liberdade de expressão, deve se entender que ela traz em seu bojo a importância de a liberdade poder ser contra ordens, desordens, fazer oposição, trazer a lume discussões que pode não agradar o todo mais que é permitida por essa liberdade.
Neste vértice, se encontra o seguinte comentário de um dos doutrinadores laureados da Constituição Federal;
A manifestação mais comum do pensamento é a palavra falada, pela qual alguém se dirige a pessoa ou pessoas presentes para expor o que pensa. Essa liberdade é consagrada pelo art. 5º, IV e V. Na verdade, é ela uma das principais de todas as liberdades humanas por ser a palavra uma das características fundamentais do homem, o meio por que este transmite e recebe as lições da civilização. A liberdade de palavra, todavia, não exclui a responsabilidade pelos abusos sob sua capa cometidos. (FERREIRA FILHO, 2012, p.1336).
Na ótica do doutrinador, esta liberdade de expressão, muito embora, conste no capítulo de Direito e Garantias Fundamentais, não traz a liberdade para falar sem nenhuma responsabilização, muito pelo contrário, como dito “não exclui a responsabilidade pelos abusos sob sua capa cometidos”.
Desta forma é correto afirmar que o fato de haver liberdade para se falar, proferir ideias e pensamentos, não isenta o indivíduo de ser responsabilizado, caso haja abusos.
Neste contexto, se percebe que há limites ao ser tratado desta e de qualquer outra liberdade, por ser tratar de convivência social, assim, deve-se entender que o que se fala, o que se profere, pode atingir esta ou aquela pessoa, grupo, e este é o limite exato da liberdade de expressão.
Evidentemente, por se viver em sociedade deve se entender que o Direito assume o papel de responsável pela boa convivência, pela urbanidade e ainda, pelo respeito as diferenças existentes numa sociedade plural.
Este respeito é também tratado no mesmo capítulo de Direitos e Garantias Fundamentais, “são invioláveis [...] a honra e a imagem das pessoas”, ora, não se pode prescindir de um direito em detrimento do outro, seria no mínimo um erro de adequação desastroso.
Neste texto da liberdade de expressão, que fala sobre censura ou inviolabilidade, trata de algo que durante muito tempo se contrapôs que é o Direito de não se ter invadido, as correspondências, a comunicação escrita, evidentemente, com os limites que a lei perpetua, ou seja, desde que não fira o mandamento constitucional.
3.O que é censura?
É importante entender o que vem a ser censura e como esta máxima foi aplicada ao longo dos anos, através de leis ortodoxas e limítrofes.
O que vem a ser censura?
Censura, do latim "censūra", é a ação de desaprovar e remover da circulação pública informações, com o objetivo de proteger os interesses de um estado, organização ou indivíduo. É uma forma de controle social que limita a liberdade de expressão e acesso à informação.
Censura: desaprovação e remoção de informações da circulação pública.
Objetivo: proteger interesses de entidades ou indivíduos.
Consequências: restrição da liberdade de expressão e acesso à informação. (https://www.google.com/search?q=o+que+%C3%A9+censura%3F&oq=o+que+%C3%A9+censura)
Retirando o teor de desconhecimento, censura tem muito a ver com impedir as pessoas de uma sociedade de conhecer, ideias contrárias, ideologias, e até políticas diferentes da praticadas em determinados lugares, saber de informações.
Ou seja, cercear o acesso à informação, a cultura e ao conhecimento.
Nesta linha cumpre observar o que traz o seguinte comentário, sobre o período de maior censura no Brasil;
Dando um resumo da situação dos direitos civis na época, afirma CARVALHO (2004): “a censura à imprensa eliminou a liberdade de opinião; não havia liberdade de reunião; os partidos políticos eram regulados e controlados pelo governo; os sindicatos estavam sob constante ameaça de intervenção; era proibido fazer greves; o direito de defesa era cerceado pelas prisões arbitrárias; a justiça militar julgava crimes civis; a inviolabilidade do lar e da correspondência não existia; a integridade física era violada pela tortura nos cárceres do governo; o próprio direito à vida era desrespeitado” (p. 163- 4). (CONCEIÇÃO, 2016, p. 222). (Destaques nosso).
Não é exagero afirmar que a Constituição Federal de 1988, que vinha deste período sombrio brasileiro, visava buscar a liberdade de expressão para estas situações existentes naquele período, e que ao trazer os Direito e Garantias Fundamentais, trazia em seu bojo a gênese de não haver mais este tipo de cerceamento.
Jamais, pode-se afirmar que a liberdade seria irrestrita e sem nenhum tipo de supervisão pela lei e pelo judiciário, pois, seria um erro tal qual o que existiu naquela época.
Nesta senda cumpre ainda reproduzir;
Por censura, deve-se entender um instituto de direito público por meio do qual órgãos estatais, normalmente vinculados ao Poder Executivo, procuram controlar de forma preventiva ou a posteriori o livre exercício da liberdade de expressão e comunicação (FARIAS, 2004a, p. 188). [...] A censura é exercida por agentes do Poder Executivo, normalmente motivada por motivos políticos. Já o controle do Judiciário normalmente não tem conotação política; visa prioritariamente ponderar se a ofensa da publicação à vida privada, intimidade, honra e imagem de outrem é proporcional aos benefícios para sociedade (FARIAS, 2004, p. 203/4). (CONCEIÇÃO, 2016, p. 417, 418). (Destaques nosso)
É imperativo compreender que a censura tem um agente que a reproduz que é o Poder Executivo, isto doutrinariamente, e que o Poder Judiciário, não tem este viés, por obvio, mais ao contrário, está no exercício regular de supervisionar, coordenar as ações motivadas ou pelo Ministério Público ou por ações particulares, medindo assim as consequências na ordem social e no equilíbrio de uma sociedade regular.
Frente ao exposto é um erro grave atribuir ao judiciário este papel de censura, quando na verdade está cumprindo seu papel jurisdicional e judicante.
Nesta linha, vale ressaltar a diferença entre censura e licença;
Censura do Estado pode ser definida como a proibição, realizada por agentes, ou por quem lhe faça as vezes, da divulgação de trabalhos que exprimam ideias de algum modo consideradas lesivas à sociedade, através da utilização de critérios políticos, filosóficos, ideológicos etc. Licença, por sua vez, é o ato administrativo que permite ao particular a prática de algum ato ou o exercício de alguma atividade lícita. No caso das atividades intelectuais, artísticas e de comunicação, portanto, estas não necessitam de permissão do poder público para o seu exercício. [...] A liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação não será plenamente exercitável, por exemplo, quando ferir indevidamente os direitos à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas, previsto no artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal. (DANTAS, 2024, p.594,595). (Destaques nosso)
É de suma importância salientar que há algumas atividades, como radiodifusão, TV, jornais impressos, entre outras que dependem, necessariamente da concessão estatal para seu funcionamento, ou seja, uma licença para funcionamento. O que por obvio, terá que se ajustar as regras e normas estabelecidas, para que não haja impedimento de sua licença.
No aspecto da censura, no que tange ao Direito, seria o Estado usando de suas prerrogativas, usar de proibição, utilizando seus agentes públicos para tanto.
Destarte, se deve entender que a chamada liberdade de expressão, mesmo que no mundo artístico, acadêmico, ou na comunicação, não está livre de cumprir o mandamento constitucional, que exige respeito “a direitos à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas, previsto no artigo 5º, inciso X”.
Cumpre afirmar que nenhum direito anula outro, por uma razão clara, o Direito na verdade estabelece os demais direitos, estabelecendo princípios que se unem para formar uma espécie de muralha protetiva, aos hipossuficientes, pois, caso o Direito não tivesse esta tônica, deixaria de cumprir seu papel social.
Em caso de necessidade de pacificar a ordem pública, através de medidas que sancione a liberdade, mas não fira o Direito, o Judiciário é chamado para pautar a situação;
Se ocorrer, em um dado caso concreto, conflito entre a liberdade de expressão daquelas atividades e o direito à intimidade, à vida privada, à honra ou à imagem de alguém, o Poder Judiciário (e somente este, não se aplicando a outros agentes do Estado) poderá ser chamado a solucionar o conflito entre tais liberdades constitucionais, não havendo que se falar, nesta hipótese, em censura realizada pelo juiz, caso este limite a liberdade de expressão em prol da intimidade. O que teremos aqui, isto sim, é uma autêntica prestação jurisdicional, decidindo o magistrado sobre um conflito entre direitos e garantias igualmente fundamentais. (Op. Cit. p.595). (Destaques nosso).
Como aventado no texto em comento, quando o judiciário é chamado para decidir sobre um conflito entre a liberdade de expressão e o Direito expresso no Art.5º da Constituição Federal, que transmite Garantias Fundamentais, o Judiciário não estará censurando ao validar o que é considerado direito, mas sim, jurisdicionando, restabelecendo a ordem que deve existir numa sociedade organizada.
O Estado Democrático de Direito não pode transigir com esta ou aquela situação que ultrapasse limites pré-estabelecidos pela lei. Seria um grave erro, em nome de um grupo de pessoas, permitir ações sem limites, sem controle, sem sequer respaldo da lei. Pois, em assim permitindo, quantas mais pessoas passariam a agir livres de qualquer respaldo legal e, protegida pela falsa sensação de liberdade?
Ledo engano é imaginar que um Estado organizado pode e deve funcionar sem que a Lei seja o condutor da ordem, do respeito e, principalmente de uma sociedade que deve manter a convivência pacifica e urbana como o centro de seus objetivos.
E este ideal não pode e não será alcançado com desrespeito, com a diminuição e até, com a insensibilidade as pluralidades e diferenças existentes, não sendo assistidas pelo Direito. O Direito tem que assistir de forma imperativa.
4.A liberdade de expressão
Se faz mister, na continuação desta análise perceber o que vem a ser liberdade e como ela funciona dentro de uma sociedade organizada, afinal, há diversidade social, pluralidade de pensamento e, diferenças cruciais dentro do que é chamado de Estado.
A uma tendência de entender liberdade de expressão com a autorização para se dizer o que quiser, contra quem quiser e sobre o que quiser.
Este não é um conceito nem de perto verdadeiro, afinal, a liberdade de expressão exige responsabilidade e é propósito de uma sociedade organizada, estabelecer limites, através das leis e normas para que haja urbanidade e pacificação entre os cidadãos.
Ora, uma liberdade de expressão irrestrita, como alguns incautos sugerem seria no mínimo temerário, afinal, se todos pudessem falar o que bem entender, sem nenhuma consequência, o que impediria, as possíveis agressões físicas, a violência generalizada e também, o descontrole de alguns de responderem a esta pseudo liberdade de expressão irrestrita com violência imoderada?
Nesta linha, cumpre observar o que se é proposto;
No direito à liberdade de expressão, por um lado, e no direito de não ser enganado, excitado, escandalizado, injuriado, difamado, vilipendiado, por outro. Nesses casos, que são a maioria, deve-se falar de direitos fundamentais não absolutos, mas relativos, no sentido de que a tutela deles encontra, em certo ponto, um limite insuperável na tutela de um direito igualmente fundamental, mas concorrente. E, dado que é sempre uma questão de opinião estabelecer qual o ponto em que um termina e o outro começa, a delimitação do âmbito de um direito fundamental do homem é extremamente variável e não pode ser estabelecida de uma vez por todas. (BOBBIO, 2004, p.24). (Destaques nosso)
Bobbio demonstra que não é por ser um Direito Fundamental e uma garantia, que este é um Direito absoluto, até porque na esfera do Direito é importante se estabelecer a questão da relatividade, para determinar limites a ser percorrido, e este limite sem dúvida alguma é a esfera pessoal do próximo, quando se trata do Direito a honra e imagem, que não se desvincula da liberdade de expressão.
A liberdade deve sempre estar acompanhada de responsabilidade com o que se diz, contra quem se diz, e principalmente, onde se diz, caso contrário não é liberdade é um conceito fraco que não se adequaria a sociedade urbana.
Estar em sociedade é estar na coletividade, e nesta há diversidade, pluralidade, que devem ser respeitados, ou por força de concordância ou por força da lei.
Caso contrário como uma sociedade poderia subsistir se estas diversidades e pluralidades não fossem respeitadas? Seria impossível. Lembrando que a ausência deste respeito, desta aceitação equânime quem tem gerado a maioria das guerras e distúrbios sociais.
[...] o âmbito de proteção(sic) da liberdade de expressão e informação determina-se através do confronto das normas constitucionais entre si e destas com os preceitos do Código Penal e da Lei de Imprensa relativos a crimes relacionados com essa liberdade). Considera-se como espaço de interpretação o âmbito dentro do qual o programa normativo (medida de ordenação expressa através de enunciados linguísticos) se considera ainda compatível com o texto da norma (cfr. infra, F, I limites da interpretação). Todos estes conceitos vão estar presentes, de forma mais ou menos expressa, na exposição subsequente. Constituirão, assim, um ponto de partida para a descodificação do restante texto relativo às estruturas metódicas. Alguns deles merecerão ainda maior desenvolvimento, se e na medida em que isso se torne necessário para a explicação da matéria (CANOTILHO, 1993, p.204, 205). (Destaques nosso).
Canotilho em uma análise profunda demonstra que a liberdade de expressão está correlacionada com o Direito Penal e também com a Lei de Impresa, ou seja, esta liberdade de expressão está sujeita a aplicação das leis penais e de imprensa.
E nesta condição, demonstra-se que tal liberdade não é absoluta, nem tampouco irrestrita e muito menos tem uma órbita única e própria.
Assim como outros princípios e direitos há uma coligação estreita com outros direitos que também são fundamentais e também exprimem garantias que devem ser respeitados.
E aqui outra importante lição, nenhum Direito orbita sozinho no chamado ordenamento jurídico, há como um elo de corrente, uma disposição de encaixe entre várias normas garantidoras para que um princípio seja respeitado e possa produzir efeito.
Em assim sendo, a liberdade de expressão tem reflexos em outros princípios fundamentais, como o Direito a Dignidade da pessoa humana, Direito a Igualdade, Direito a liberdade, Liberdade de expressão, todos eles estão entrelaçados, e se retirar um deles, todos estão sujeitos a não sobreviver.
Desta forma é correto entender que a liberdade de expressão está condicionada a outros princípios fundamentais que garantem sua existência e aplicação e que são tão importantes quanto, não permitindo uma errada ideia de que este ou aquele seja mais importante.
Na compreensão que os Direitos e Garantias Fundamentais são um todo dependente também de outras normas que constroem o Direito, há sem dúvida sabedoria.
5.O que vem a ser racismo recreativo?
O racismo tem assumido máscaras sociais inclusive par uma certa divulgação ideológica.
Frente a esta verdade se depara nos dias atuais com uma nova modalidade que tem trazido uma situação que por muitos anos foi velada, porém, está sendo desmascarada claramente.
Trata-se do chamado racismo recreativo.
Numa obra que trata deste aspecto e tem o mesmo título se pode aduzir;
[...] o humor racista não possui uma natureza benigna, porque ele é um meio de propagação de hostilidade racial. Ele faz parte de um projeto de dominação que chamaremos de racismo recreativo. Esse conceito designa um tipo específico de opressão racial: a circulação de imagens derrogatórias que expressam desprezo por minorias raciais na forma de humor, fator que compromete o status cultural e o status material dos membros desses grupos. Esse tipo de marginalização tem o mesmo objetivo de outras formas de racismo: legitimar hierarquias raciais presentes na sociedade brasileira de forma que oportunidades sociais permaneçam nas mãos de pessoas brancas. Ele contém mecanismos que também estão presentes em outros tipos de racismo, embora tenha uma característica especial: o uso do humor para expressar hostilidade racial, estratégia que permite a perpetuação do racismo, mas que protege a imagem social de pessoas brancas. (MOREIRA, 2019, p.24). (Destaques nosso).
Neste diapasão, percebe-se, como é anotado pelo autor que há uma espécie de mobilização que propaga a ideia que no humor, mesmo frente a falas, piadas e anedotas com cunho racial, não se está praticando crime de racismo.
A Constituição Federal e a Lei Nº 7.716, DE 05 DE JANEIRO DE 1989 (Define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor) e ou, a Lei 14.532/2023, que tratam da Lei de Racismo, trazendo novas aplicações.
Em nenhum destes textos legais, se encontra sob nenhuma hipótese a possibilidade de poder falar, contar, ou transmitir piadas, anedotas com teor racial e estar isentos por se tratar de humor.
Na ampliação do entendimento importa verificar o que está por trás deste racismo velado e como é contagioso tal ato;
Como bem disse Chester Pierce, o racismo é um problema de saúde pública porque possui uma natureza contagiosa. Ele permite a propagação de estereótipos que procuram legitimar práticas discriminatórias contra Negros. Esse psiquiatra americano estava especialmente interessado no segundo aspecto do racismo, o seu poder de criar imagens deturpadas do outro, o que induz a uma série de comportamentos conscientes e inconscientes de natureza sutil que expressam desprezo por minorias raciais. Esses comportamentos não são apenas atos abertamente racistas. Chester Pierce classificou essas ações que se manifestam na forma de expressões verbais, de representações culturais e de reações físicas como rituais sociais que demonstram desprezo por minorias raciais. Eles estão baseados em sentimentos de natureza negativa em relação a membros de grupos minoritários, sentimentos decorrentes de diferenças de status cultural entre grupos raciais presentes em uma sociedade. (Op. Cit. p.37).
Neste espectro de verificar o racismo como “um problema de saúde pública que possui natureza contagiosa”, se descerra o problema e suas dimensões gigantescas, uma vez que este contágio afeta alguns partidários da ideia de raça superior.
E aqui não se está tentando dar maior credibilidade ao problema do que de fato é apenas e tão somente, ao se verificar a história humana dos últimos 300 anos, se antevê este problema presente, ora, aparentemente desaparecido, ora ressurgindo, de forma dantesca, nas mais diversas nações.
Se não é propagação ideológica, o que justificaria tratar como meio recreativo de desprezar, menosprezar, diminuir, através do chamado riso, da comédia, raça, trazendo através destas, o fervor do preconceito e da discriminação na espécie humana?
Não há sequer uma explicação lógica, caso se saia desta equação (propagação + racismo = preconceito/discriminação), pois, não se pode afirmar que esta espécie de espetáculo propaga cultura, ou traz conhecimento, não se pode entender que nada que precise diminuir, defenestrar, ou até ridicularizar, raça, povo, cor, tenha esta conotação.
E nesta discussão surge algo tão perverso quanto ao tentar afirmar que há racismo reverso, ora, como se pode sequer tentar discutir tal proposta absurda, para tal teria que se desconsiderar a história da escravidão, mantida por séculos, exclusivamente contra pessoas negras;
Não existe racismo de negros contra brancos ou, como gostam de chamar, o tão famigerado racismo reverso. Primeiro, é necessário se ater aos conceitos. Racismo é um sistema de opressão e, para haver racismo, deve haver relações de poder. Negros não possuem poder institucional para ser racistas. A população negra sofre um histórico de opressão e violência que a exclui. Para haver racismo reverso, precisaria ter existido navios branqueiros, escravização por mais de trezentos anos da população branca, negação de direitos a ela. Brancos são mortos por serem brancos? (RIBEIRO, 2018, p.41).
A ideia primal do racismo se concentra nesta visão bilateral de “sistema de opressão”, e “relação de poder”, o que as pessoas especificamente negras passaram, como já afirmado, por séculos.
E nesta linha é possível reexaminar a questão desta pseudo liberdade de expressão para ter passe livre para praticar racismo, preconceito e discriminação.
A lei de racismo tem a pretensão de coibir a prática de continuidade e manifestação de perpetuação desta ideia de inferioridade, de desconsideração, de estigmatizar, de manter vivo o racismo, preconceito e discriminação.
Para tanto, não pode permitir a continuidade de manifestações, de nenhuma forma, sob nenhum nome que propague esta mentalidade retrograda e pequena de superioridade de uma raça em detrimento de outra.
Considerando a plenitude desta ideia, não se pode tolerar que haja defesa para situações que mantenham o foco comezinho de racismo.
Mesmo que como alguns afirmam, ser recreativo.
Considerações Finais
Numa sociedade há de se ter integração, respeito, não só as leis, mas, principalmente, as diferenças e pluralidade.
Qualquer sociedade que não respeite estas peculiaridades, que não consiga sair do rastro do passado divisionista e predatório, não deveria sequer ser considerada uma sociedade civilizada.
A convivência é muito importante para que as pessoas possam se sentir aceitas, incluídas e pertencentes.
Este esforço que o Estado deve se mobilizar para produzir é vital para a continuidade da raça humana num todo.
Por conta disso, qualquer linha que traga o ranço do preconceito, racismo e discriminação, mesmo que tênue, deve ser debelada na força da lei.
Uma cultura de aceitação, de respeito, de inclusão natural, deve ser objetivada sem impor limites ou permissões para qualquer natureza de desrespeito.
Civilidade é necessário para que se construa uma sociedade que não incorra nos erros do passado.
Mesmo que a Lei seja necessária para que se alcance esta situação, deve ser feito, deve ser feito tal esforço a todo custo.
É até vexatório quem em pleno século 21, se encontre defensores e arautos do preconceito e divulgadores de racismo.
Invocar a liberdade de expressão para cometimento de crime tipificado nas leis criminais, demonstra a insanidade de não se enxergar o quanto é daninho tal procedimento.
E não conseguir se ter uma compreensão mínima dos efeitos e danos que tal atitude pode causar é de uma leviandade sem proporção.
Quando esta fronteira é ultrapassada, quando se desconsidera a lei e seus representantes legais, devidamente empossados para tal exercício, quando isso ocorre, a lei tem que ser aplicada e de forma exemplar, com o findo de coibir aqueles que de repente pensem em agir da mesma forma.
E não se intimidar por este ou aquele fazer campanha contra aquilo que a lei determina.
Racismo, preconceito e discriminação é algo muito grave, não pode ser tratado de forma comum e sem as devidas penalidades previstas na norma.
A responsabilidade daquele que faz uso deste tipo de propaganda rotineira em nome do humor, ou de um show, ou espetáculo, não deve ser diminuída, muito pelo contrário, aquele que divulga por meios eletrônicos (via internet) tal crime, deve ter sua penalização aumentada, como previsto na lei.
E quem sabe em assim agindo, o Estado consegue trazer o respeito tão desejado pela maioria, e desprezado por uma minoria.
Referências Bibliográficas
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CANOTILHO. José Joaquim Gomes. 6º ed. COIMBRA – PORTUGAL: Livraria Almeida, 1993.
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DANTAS, Paulo Roberto de Figueiredo. Curso de Direito Constitucional [recurso eletrônico] - 7. ed. - Indaiatuba, SP: Editora Foco, 2024.: ePUB.
FERREIRA FILHO. Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional – 38. ed., rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2012.
MOREIRA, Adilson Racismo recreativo - São Paulo: Pólen, 2019.
RIBEIRO, Djamila. Quem tem medo do feminismo negro? São Paulo: Companhia das Letras, 2018.
TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional – 15. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2017.
https://www.google.com/search?q=o+que+%C3%A9+censura%3F&oq=o+que+%C3%A9+censura
Doutorando em Ciência Criminal, Mestre em Filosofia do Direito e do Estado (PUC/SP), Especialista em Direito Penal e Processo Penal (Mackenzie/SP), Bacharel em teologia e direito, professor de Direito e pesquisador da CNPq .
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Marcos Antonio Duarte. Racismo Recreativo - existe liberdade de expressão, para racismo no humor? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 ago 2025, 04:22. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/69320/racismo-recreativo-existe-liberdade-de-expresso-para-racismo-no-humor. Acesso em: 14 ago 2025.
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