RESUMO: O artigo analisa o destino jurídico-sanitário dos homicidas inimputáveis no Brasil à luz do Código Penal, da Lei nº 10.216/2001 (Lei da Reforma Psiquiátrica) e da Resolução CNJ nº 487/2023, que institui a Política Antimanicomial do Poder Judiciário. Partindo de uma contextualização histórica e legal da inimputabilidade penal, discute-se a tensão normativa entre a manutenção das medidas de segurança com internação e o paradigma da desinstitucionalização psiquiátrica. O trabalho examina os impactos práticos da nova política, destacando a fragilidade da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) frente à complexidade dos casos de inimputáveis autores de crimes graves. Aborda-se ainda a reação de entidades médicas, os riscos decorrentes da redução de leitos psiquiátricos e a ADPF 1076, que contesta a constitucionalidade da Resolução CNJ 487/2023. Conclui-se pela necessidade de equilíbrio entre garantismo penal, responsabilidade estatal e efetiva estrutura de cuidado em saúde mental, de modo a evitar a desassistência e preservar os direitos fundamentais de todos os envolvidos.
Palavras-chave: inimputabilidade penal; homicídio; medida de segurança; reforma psiquiátrica; desinstitucionalização; saúde mental; Resolução CNJ 487/2023.
1. INTRODUÇÃO
O cinema frequentemente antecipa e dramatiza dilemas sociais e jurídicos. No clássico “Psycho” - Psicose (1960), dirigido por Alfred Hitchcock, somos apresentados a Norman Bates, personagem com evidente dissociação de identidade, que mata sem consciência plena de seus atos. Na película, Bates é submetido à avaliação psiquiátrica e, reconhecido como mentalmente doente e, por conseguinte, é enviado para uma instituição especializada.
A ficção faz relembrar o debate contemporâneo: o que fazer com pessoas que cometem homicídios, mas são diagnosticadas como inimputáveis? A partir deste ponto, o artigo explora o destino jurídico-sanitário dos inimputáveis homicidas no contexto brasileiro, mormente com advento da Lei 10.216/2001 e Resolução CNJ 487/2023.
2. O CONCEITO DE INIMPUTABILIDADE NO CÓDIGO PENAL
Segundo GRECO (2009), a imputabilidade é a “possibilidade de se atribuir, imputar a alguém o fato típico e ilícito ao agente”, ou seja, é a capacidade de apenar o ser humano pela prática de um crime.
O Código Penal brasileiro, em seu art. 26, adota o critério biopsicológico para definir a inimputabilidade. Isto é, considera inimputável aquele que, por transtorno mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de se determinar de acordo com esse entendimento no momento da ação ou omissão.
A distinção entre os critérios utilizados para aferição da imputabilidade penal revela diferentes enfoques adotados ao longo da história do direito penal. O critério biológico leva em consideração a idade do agente ao tempo do crime, sendo a idade variável, consoante o ordenamento jurídico, v. g. no Brasil adota-se a idade de 18 anos, enquanto que na Inglaterra a responsabilidade penal pode iniciar a partir dos 10 anos. Já o critério psicológico se concentra na análise da capacidade de compreensão ou autodeterminação no instante do ato ilícito.
Assim, o critério biopsicológico para avaliar a inimputabilidade, considera tanto a condição mental do indivíduo quanto sua capacidade de entendimento e autodeterminação. Tal construção legal visa preservar o princípio da culpabilidade, que impõe como condição para a aplicação da sanção penal a existência de discernimento e vontade por parte do autor do fato, fundamentos essenciais para responsabilização no âmbito penal.
3. A SENTENÇA ABSOLUTÓRIA IMPRÓPRIA E O PANORAMA DO INIMPUTÁVEL
Quando o juízo penal – juiz singular ou plenário do júri – reconhece a prática do fato típico e ilícito, mas conclui que o autor é inimputável, profere uma sentença absolutória imprópria (CPP, art. 386, VI). Diferente da absolvição clássica, essa decisão – segundo o Código Penal e Lei de Execuções Penais – impõe uma medida de segurança, que pode ser de internação (art. 97, CP) ou tratamento ambulatorial, conforme o grau de periculosidade do agente.
A imposição da medida, pelo modelo adotado no Código Penal e leis penais, está condicionada à periculosidade, entendida como risco de reiteração criminosa, avaliada com base em laudo médico pericial. A revisão da medida deve ser feita periodicamente, com prazo máximo de internação de três anos (CP, art. 97, §1º), embora a prática costumeira no Brasil tenha revelado permanências muito mais longas, em afronta ao princípio da legalidade e proporcionalidade.
4. A ANTINOMIA ENTRE AS NORMAS PENAIS QUE PREVEEM APLICAÇÃO DE MEDIDAS DE SEGURANÇA DE INTERNAÇÃO E A LEI DA REFORMA PSIQUIÁTRICA – LEI 10.216/2001
A coexistência entre os dispositivos do Código Penal, da Lei de Execução Penal (LEP) e a Lei 10.216/2001 — marco da política antimanicomial brasileira — evidencia uma antinomia jurídica no tratamento dos indivíduos com transtornos mentais em conflito com a lei.
É cediço que o Código Penal e a LEP preveem a aplicação de medidas de segurança, como a internação por tempo indeterminado em hospitais de custódia, com base no critério da periculosidade, entrementes a Lei 10.216/2001 traz uma abordagem sanitarista, focada na desinstitucionalização, na reabilitação psicossocial e na redução das internações. A ciência do direito, mediante os critérios de solução de antinomias — especialidade, temporalidade e hierarquia —, aponta para a prevalência da Lei 10.216/2001, por ser norma mais recente, específica e respaldada por tratados internacionais com status de emenda constitucional (art. 5º, § 3º, da CF).
Sobre o tema REIS JÚNIOR (2020):
“A Lei 10.216/2001, embora seja norma infraconstitucional, coaduna-se com o Decreto 186/2008, que aprovou o texto da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, assinado em Nova Iorque, em 30 de março de 2007, bem como o Decreto 6.949/2009, que acolheu integralmente o conteúdo dessa convenção. O resultado dessa convenção internacional adquiriu, por força do art. 5º, §3º, da Carta da República, natureza jurídica de emenda constitucional, sendo, por isso, superior à matéria disciplinada pelo Código Penal e pela Lei de Execução Penal”.
A partir dessa prevalência normativa, a Lei 10.216/2001 propõe a superação do modelo manicomial ainda presente na legislação penal, isso porque, em vez do internamento compulsório em estabelecimentos prisionais de cunho psiquiátrico, a lei estabelece que o tratamento das pessoas com transtornos mentais, inclusive aquelas em conflito com a lei penal, deve ocorrer preferencialmente em serviços comunitários de saúde.
A internação, conforme o art. 4º da referida lei, deve ocorrer apenas em situações excepcionais, quando esgotadas as possibilidades de tratamento extra-hospitalar. Essa diretriz altera substancialmente a forma de aplicação das medidas judiciais e administrativas voltadas aos inimputáveis, priorizando os direitos humanos, o vínculo familiar e a autonomia do paciente.
Essa mudança de paradigma, segundo estudiosos[1], implica a revogação tácita de diversos dispositivos penais, em especial os artigos 96 e 97 do Código Penal e o Título VI da LEP, que previam a aplicação da medida de segurança com base na pena cominada ao delito (reclusão ou detenção) e na periculosidade do agente. A Lei 10.216/2001 rompeu com a lógica punitiva ao transferir a escolha do tipo de tratamento para os profissionais de saúde mental, em conformidade com os princípios da dignidade da pessoa humana e da proporcionalidade. A internação deixa de ser uma resposta automática e passa a depender de avaliação clínica, sendo considerada uma medida de última instância.
O novo modelo propõe uma política pública híbrida, que alie a proteção social à individualização do cuidado, respeitando a singularidade do sujeito e promovendo a humanização do tratamento, ou seja, não se observa a conduta criminosa, mas o transtono da pessoa em conflito com a lei.
5. DO FIM DOS MANICÔMIOS JUDICIÁRIOS OU HOSPITAIS DE CUSTÓDIA:
Como dito, a Lei nº 10.216/2001 – chamada de Lei da Reforma Psiquiátrica – representa um marco na mudança do modelo assistencial em saúde mental, inspirada na experiência italiana da Lei Basaglia[2], critica a prática higienista, propondo a substituição dos hospitais psiquiátricos por serviços comunitários, como os CAPS (Centros de Atenção Psicossocial) e os SRTs (Serviços Residenciais Terapêuticos).
Seguidamente, a Resolução CNJ nº 487/2023, alinhada a essa diretriz, instituiu a Política Antimanicomial do Poder Judiciário, planejando a extinção dos Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTPs). Contudo, a desativação desses estabelecimentos, sem a devida estruturação da rede substitutiva, tem gerado preocupação entre os operadores do Direito, da saúde e da segurança pública.
A análise de casos célebres envolvendo inimputáveis autores de crimes hediondos revela com clareza os riscos potenciais da aplicação irrestrita da política antimanicomial, especialmente quando essa política se traduz na desativação dos Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTPs) e na substituição das medidas de segurança por tratamentos ambulatoriais sob a responsabilidade da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS).
Casos como os de Chico Picadinho, Vampiro de Niterói e Maníaco do Novo Gama, comoveram a opinião pública, como também colocaram à prova os limites do sistema penal, do sistema de saúde e das garantias constitucionais. E, após o reconhecimento da inimputabilidade, optou-se por medidas de segurança com internação prolongada, justificadas por laudos que atestavam risco grave à sociedade e ausência de condições clínicas para retorno ao convívio social. Esses casos, sob o novo paradigma regulamentar, terão como regra, o tratamento em ambiente aberto, ou seja, tratamento em CAPS ou, no máximo, em leitos psiquiátricos de hospitais gerais.
A Resolução CNJ nº 487/2023, ao propor o fechamento progressivo dos HCTPs e priorizar o cuidado ambulatorial e comunitário, levanta dúvidas significativas sobre a real capacidade da RAPS de absorver essa demanda extremamente especializada. Ainda que os princípios de desinstitucionalização sejam essenciais para romper com práticas violadoras de direitos humanos, há um hiato estrutural e operacional entre o ideal normativo e a realidade das redes de saúde mental nos municípios.
Em muitos estados, os CAPS não funcionam 24 horas, têm dificuldades de manter equipes multiprofissionais completas e carecem de segurança física para conter surtos psicóticos graves. A liberação desses pacientes para ambientes sem contenção adequada pode resultar em recaídas, abandono de tratamento e riscos à vida do próprio paciente e de terceiros.
A substituição da medida de segurança por tratamento ambulatorial também modifica substancialmente o regime de fiscalização judicial sobre os pacientes. No modelo até então vigente, a internação estava sujeita a revisão periódica com base em laudos médicos, permitindo a manutenção da medida apenas enquanto persistir a periculosidade. Já com o novo modelo, há uma tendência de redução da supervisão jurídica e do acompanhamento clínico rigoroso, o que dificulta o controle efetivo sobre o cumprimento do tratamento e a evolução do quadro psiquiátrico, por conseguinte, pacientes com baixa adesão terapêutica ou sem suporte familiar adequado podem simplesmente desaparecer do radar institucional, agravando ainda mais a fragilidade do sistema.
A liberação de inimputáveis perigosos sem estrutura de retaguarda adequada pode provocar reações sociais intensas e descrédito nas instituições jurídicas. A desinstitucionalização, portanto, precisa ser precedida de planejamento, investimento e diagnóstico territorial preciso. Do contrário, corre-se o risco de transformar a política antimanicomial em um experimento social de alto custo humano, tanto para os pacientes quanto para a sociedade. Casos como os citados demonstram que a liberdade, sem condições reais de tratamento e acompanhamento, pode ser uma sentença silenciosa de abandono ou tragédia anunciada.
6. A REAÇÃO DAS ENTIDADES MÉDICAS E A ADPF 1076
O partido União Brasil ajuizou no Supremo Tribunal Federal, ADPF – arguição de descumprimento de preceito fundamental – buscando o reconhecimento da inconstitucionalidade da Resolução nº 487/2023 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que estabeleceu a Política Antimanicomial do Poder Judiciário. A precitada agremiação política sustenta que a referida norma infralegal, ao determinar o esvaziamento progressivo dos Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTPs) e a substituição do tratamento por modalidades ambulatoriais no Sistema Único de Saúde (SUS), viola diversos preceitos fundamentais da Constituição Federal, exigindo, assim, o controle concentrado de constitucionalidade.
Um dos principais fundamentos da petição reside na violação ao princípio da separação dos Poderes (art. 2º da CF). A Resolução é acusada de extrapolar os limites do poder regulamentar do CNJ, ao inovar primariamente na ordem jurídica, criando obrigações e extinguindo instituições previstas em normas legais, como o Código Penal (arts. 96 a 99), a Lei nº 10.216/2001 e a Lei de Execução Penal (arts. 174 a 179). Sustenta, ademais, que o CNJ promoveu modificações substanciais no regime jurídico das medidas de segurança, função esta que seria de competência exclusiva do Poder Legislativo.
Outro eixo central do pedido está na alegada ofensa ao princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF). A petição sustenta que o fechamento dos HCTPs pode acarretar grave violação aos direitos dos próprios internos, uma vez que o SUS não disporia da infraestrutura necessária para prover assistência especializada, de longa duração e com segurança, aos indivíduos com transtornos mentais graves e elevada periculosidade em hospitais gerais. Assim, haveria risco tanto à integridade física e psíquica desses pacientes quanto à segurança da coletividade.
Além disso, aponta-se a violação aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, sustentando que as medidas impostas pela Resolução nº 487/23 são desproporcionais frente à realidade orçamentária e estrutural do sistema público de saúde. O argumento é de que, ao determinar o encerramento dos HCTPs no prazo de até doze meses, a norma ignora a insuficiência de leitos psiquiátricos no SUS, conforme dados da Organização Mundial da Saúde e do próprio Ministério da Saúde, além de promover soluções uniformes para contextos regionais extremamente distintos.
Diversas entidades médicas — entre elas o Conselho Federal de Medicina (CFM), a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e sociedades regionais — manifestaram publicamente sua oposição à Resolução CNJ 487/2023[3], por entenderem que ela compromete a segurança jurídica, a ética médica e a saúde pública. Para as entidades médicas e científicas que se manifestaram contrárias à Resolução CNJ nº 487/2023, o encerramento dos Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTPs) representa a criação de um cenário de alto risco para a sociedade e para os próprios pacientes. Um dos pontos centrais da crítica está na constatação de que a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) não possui infraestrutura, recursos humanos e capacitação técnica suficientes para lidar com pacientes com histórico de violência grave, sobretudo aqueles que cometeram crimes hediondos sob o domínio de transtornos mentais.
7. DA DIMINUIÇÃO DE LEITOS PSIQUIÁTRICOS NO BRASIL
Nesse panorama de política antimanicomial, vale gizar que a assistência à saúde mental no Brasil passou por profundas modificações desde a promulgação da Lei 10.216/2001, conhecida como Lei da Reforma Psiquiátrica.
Debalde seus objetivos serem fundamentados na desinstitucionalização e na substituição do modelo hospitalocêntrico por redes de atenção psicossocial, a implementação desta política, ao longo dos anos, acabou resultando em um esvaziamento acelerado da capacidade hospitalar sem a devida compensação com serviços substitutivos de qualidade.
O Conselho Federal de Medicina[4] reforçou essa realidade ao apontar que o número de leitos psiquiátricos do SUS caiu de 38 mil em 2010 para apenas 16 mil em 2023 – uma redução de 58%. Segundo o CFM, a perda de leitos psiquiátricos correspondeu a mais expressiva entre todas as especialidades analisadas no período, pois de 2010 a 2023, 22 mil leitos psiquiátricos deixaram de existir.
Esse número revela uma tendência de desmonte que não tem sido acompanhada pela ampliação proporcional de centros de atenção psicossocial (CAPS), residências terapêuticas ou outras formas alternativas de cuidado. Essa política de desinvestimento estrutural ocorreu mesmo diante do aumento populacional (de 190 para 203 milhões de habitantes no mesmo intervalo), do envelhecimento da população e do crescimento dos transtornos mentais e do uso abusivo de substâncias.
A drástica redução dos leitos psiquiátricos no SUS é interpretada por especialistas como reflexo de uma política pública que, embora inspirada em princípios humanitários, falhou na sua execução prática, “A queda mais acentuada se deu nos leitos psiquiátricos: entre 2010 e 2023, mais da metade das 38 mil unidades desta natureza foram fechadas[5]”.
Assim sendo, a política de desinstitucionalização implementada no Brasil, embora bem intencionada, gera desassistência, reincidência de surtos e até judicialização da saúde. O fechamento de instituições tradicionais, como o Hospital Psiquiátrico do Juqueri em São Paulo e Hospital Psiquiátrico Santa Mônica no Rio de Janeiro, evidencia a precarização do cuidado intensivo em psiquiatria. A ausência de retaguarda hospitalar, aliada à falta de vínculos familiares e de residências terapêuticas, expõe uma população vulnerável a riscos crescentes e à cronificação do transtorno mental sem assistência adequada.
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A desinstitucionalização em saúde mental é uma meta legítima e humanitária. No entanto, sua concretização não pode ser dissociada das realidades clínicas, da estrutura do SUS e da proteção social e jurídica dos inimputáveis autores de delitos graves. A ausência de medidas adequadas pode acarretar efeitos colaterais indesejados: reincidência criminal, desassistência terapêutica, insegurança sanitária e jurídica.
Em um futuro próximo, será cada vez mais comum que pacientes internados em hospitais gerais compartilhem o mesmo espaço com indivíduos que, apesar de terem cometido atos de extrema gravidade, estejam sob custódia do Estado para tratamento psiquiátrico. Imagine a cena: uma pessoa debilitada, vítima de uma crise hipertensiva, lutando para estabilizar sua pressão arterial e recuperar o fôlego, repousa em um leito hospitalar, mas, ao lado dela, em leito vizinho, encontra-se um indivíduo acusado de homicídio – alguém que, embora represente um potencial risco à segurança, está ali não por um problema físico, mas por uma condição mental grave que exige cuidados médicos especializados.
A convivência forçada entre enfermos de naturezas tão distintas – aqueles acometidos por doenças do corpo e aqueles afetados por transtornos mentais severos – desperta não apenas insegurança, mas também um profundo desconforto humano. Para muitos, essa proximidade é fonte de angústia: como descansar, como se recuperar, como confiar no ambiente ao redor, quando ao seu lado repousa alguém cuja história pode estar marcada pela violência?
Essa realidade lança luz sobre a urgência de políticas públicas que respeitem as necessidades específicas de cada grupo de pacientes, garantindo não apenas o direito à saúde e ao tratamento digno para todos, mas também a segurança e a paz de espírito daqueles que buscam nos nosocômios, afinal, como dizia Alcides Carneiro, hospital “é uma casa que por infelicidade se procura, mas por felicidade se encontra[6]”.
Por fim, a pergunta que intitula este artigo permanece atual e inquietante: “e os homicidas inimputáveis, para onde vão?” A resposta não pode prescindir do equilíbrio entre garantismo penal, saúde pública e responsabilidade estatal. Em última análise, qualquer política eficaz deve começar por onde a ficção termina: pela escuta qualificada da Ciência, da Justiça e da realidade.
9. REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Larissa de; CAMARGO, Camila Silva. Medida de segurança e Lei Antimanicomial: análise crítica à luz dos direitos fundamentais. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 161, p. 147–168, mar./abr. 2024. ISSN 0103-166X. Disponível em: https://www.ibccrim.org.br/boletim. Acesso em: 29 jul. 2025.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSIQUIATRIA. Nota sobre parceria entre instituições. Associação Brasileira de Psiquiatria, 14 mar. 2024. Disponível em: https://www.abp.org.br/post/nota-parceria-instituicoes-487. Acesso em: 28 jul. 2025.
BRASIL. Agência Brasil. Último manicômio do Sistema Único de Saúde no Rio fecha as portas. Agência Brasil, 19 fev. 2024. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2024-02/ultimo-manicomio-do-sistema-unico-de-saude-no-rio-fecha-as-portas . Acesso em: 29 jul. 2025.
BRASIL. Código Penal. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940.
BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Resolução n.º 487, de 15 de fevereiro de 2023. Institui a Política Antimanicomial do Poder Judiciário e estabelece procedimentos e diretrizes para implementar a Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência e a Lei n.º 10.216/2001, no âmbito do processo penal e da execução das medidas de segurança. Diário da Justiça Eletrônico: CNJ, Brasília, DF, 15 fev. 2023. Texto compilado com alterações da Resolução n.º 572/2024. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/5706. Acesso em: 29 jul. 2025.
BRASIL. Constituição (1988): Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 5 de outubro de 1988.
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BRASIL. Ministério da Saúde. Manual da Política Nacional de Saúde Mental: uma trajetória antimanicomial. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2023. 100 p. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br. Acesso em: 29 jul. 2025.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n.º 1.076 (Incidente de seq. 6671452). Disponível em: portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6671452. Acesso em: 27 nov. 2024.
CHWINGEL, Samara. Após decisão para interditar ala psiquiátrica, DF “desinternou” 39 presos. Metrópoles, Brasília, 29 out. 2024. Disponível em: https://www.metropoles.com/distrito-federal/apos-decisao-para-interditar-ala-psiquiatrica-df-desinternou-39-presos. Acesso em: 29 jul. 2025.
CIRINO DOS SANTOS, Juarez. A lei antimanicomial: um modelo revolucionário de saúde mental. Boletim IBCCRIM, São Paulo, v. 31, n. 373, dez. 2023. Disponível em: https://publicacoes.ibccrim.org.br/index.php/boletim_1993/article/view/828. DOI: https://doi.org/10.5281/zenodo.10186062. Acesso em: 28 jul. 2025.
CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA (CFM). Em 13 anos, Brasil perde 25 mil leitos de internação do SUS. Brasília: CFM, 26 abr. 2024. Disponível em: https://portal.cfm.org.br/noticias/em-13-anos-brasil-perde-25-mil-leitos-de-internacao-do-sus/ . Acesso em: 28 jul. 2025.
CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DO PARÁ – CREMEPA. Em 11 anos, SUS perde quase 40% dos leitos psiquiátricos. Belém: CREMEPA, 25 maio 2017. Disponível em: https://cremepa.org.br/noticias/em-11-anos-sus-perde-quase-40-dos-leitos-psiquiatricos . Acesso em: 28 jul. 2025.
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[1]COSTA, Carlos Henrique Generoso. A revogação tácita do art. 97, § 1º do Código Penal após a Lei 10.216/01 no que tange aos doentes mentais e o período mínimo de internação. Meritum. Revista de Direito da Universidade FUMEC, Belo Horizonte, v. 12, n. 2, jul./dez. 2017. DOI: 10.46560/meritum.v12i2.5579.
[2]Dia 13 de maio de 1978: aprovação da Lei 180, que ficou conhecida como Lei Basaglia, a lei da Reforma Psiquiátrica italiana que determinou a extinção progressiva dos manicômios em todo o território nacional.
[3]In https://www.abp.org.br/post/nota-parceria-instituicoes-487
[6]ROBERTO, Domingos Sávio Maximiano. FRASES FAMOSAS. Blog do Dominguinhos, 30 jul. 2024. Disponível em: https://blogdodominguinhos.blogspot.com/2024/07/frases-famosas.html. Acesso em: 29 jul. 2025
Promotor de Justiça do Ministério Público da Paraíba, atualmente titular da 21ª Promotoria de Justiça de Campina Grande/PB. Especialista em Direito Constitucional, Ciências Criminais e Enfrentamento à Corrupção. Acadêmico do 6o período de Medicina Unifacisa – Campina Grande/PB.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NASCIMENTO, MARCIO GONDIM DO. E os homicidas inimputáveis, para onde vão? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 ago 2025, 04:37. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/69293/e-os-homicidas-inimputveis-para-onde-vo. Acesso em: 14 ago 2025.
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