ALEXANDRE ALMEIDA ROCHA[1]
JEANETH NUNES STEFANIAK[2]
(coautores)
Resumo: O presente trabalho visa apresentar como a ideologia da competência, ainda adotada por algumas organizações, considerada ideal para o alcance dos resultados e reconhecimento dos funcionários pode impactar diretamente na saúde dos trabalhadores. No decorrer do trabalho são identificadas algumas considerações sobre esta ideologia quando realizada a análise voltada para os verdadeiros resultados e consequências fazendo um paralelo com a Norma Regulamentadora 1 (NR-1), com foco na saúde do trabalhador. Diante dessas possibilidades as Normas Regulamentadoras (NR’s), através da redação dada pela Lei 6.514/77, são disposições que complementam o Capítulo V da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), onde consiste nas obrigações e deveres a serem cumpridos por empregados e empregadores com objetivo de assegurar o trabalho seguro e sadio, objetivando a prevenção da ocorrência de doenças e acidentes de trabalho. Disto, vislumbra-se fazer um contraponto entre a ideologia da competência e as recentes alterações do capítulo 1.5 da NR-1, especialmente ao que se refere a inclusão dos fatores de riscos psicossociais relacionados ao trabalho, devendo esses serem contemplados no Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR) das empresas. Destarte, pergunta-se: a adoção da ideologia da competência pode trazer consequências que afetem a saúde do trabalhador? Para responder ao questionamento, objeto da pesquisa, foi trazido o estudo da ideologia da competência por autores como Marilena Chauí, Boltanski e Chiapello e Pierre Bourdieu e outros comparando as suas consequências com o que foi definido como riscos psicossociais pela NR-1, com vigência a partir de 26 de maio de 2025.
Palavras-chave: Ideologia da Competência; NR-1; Doenças Psicossociais; Relação Trabalhista;
Abstract: This paper aims to present how the ideology of competence, still adopted by some organizations and considered ideal for achieving results and employee recognition, can directly impact workers' health. During the course of the work, some considerations about this ideology are identified when the analysis is carried out focused on the true results and consequences, drawing a parallel with Regulatory Standard NR-1, focusing on worker health. In view of these possibilities, the regulatory standards (NR), as amended by Law 6,514/77, are provisions that complement Chapter V of the Consolidation of Labor Laws (CLT), which consists of the obligations and duties to be fulfilled by employees and employers with the aim of ensuring safe and healthy work, aiming to prevent the occurrence of occupational diseases and accidents. From this, it is envisaged to make a counterpoint between the ideology of competence and the recent changes to Chapter 1.5 of NR-1, especially with regard to the inclusion of psychosocial risk factors related to work, which must be contemplated in the Risk Management Program (PGR) of companies. Therefore, the question is: can the adoption of the ideology of competence bring consequences that affect the health of workers? To answer this question, the object of the research, the study of the ideology of competence by authors such as Marilena Chauí, Boltanski and Chiapello and Pierre Bourdie and others was brought in, comparing its consequences with what was defined as psychosocial risks by NR-1, in force from May 26, 2025.
Keywords: Competence Ideology; NR-1; Psychosocial Diseases.
1 INTRODUÇÃO
O presente estudo investiga os impactos da ideologia da competência na saúde dos trabalhadores, especialmente frente às novas exigências legais previstas na revisão da Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1), que passa a considerar, de forma expressa, os riscos psicossociais como elementos obrigatórios no Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR) das organizações. Parte-se da seguinte problemática: a exaltação da competência como valor central nas relações de trabalho pode ser, paradoxalmente, um agente desencadeador de sofrimento psíquico e adoecimento mental?
A pesquisa tem como objetivo central analisar a correlação entre a ideologia da competência e os riscos psicossociais no ambiente laboral, à luz das alterações introduzidas pela Portaria nº 1.419/2024 do Ministério do Trabalho, com vigência a partir de maio de 2025. Como objetivos específicos, destacam-se: (i) discutir criticamente o conceito de ideologia da competência e suas implicações nas dinâmicas organizacionais; (ii) apresentar o novo escopo da NR-1, com ênfase no capítulo 1.5; (iii) refletir sobre o impacto da ideologia da competência na produção de doenças psicossociais.
A justificativa para o desenvolvimento desta pesquisa reside na urgência de se compreender como modelos de gestão pautados na supervalorização do desempenho individual e da meritocracia influenciam negativamente o bem-estar dos trabalhadores. A inclusão dos fatores psicossociais no PGR representa uma oportunidade ímpar de reconectar os marcos legais com as reais condições vivenciadas nos ambientes de trabalho, evidenciando que a saúde ocupacional deve ultrapassar a abordagem técnico-normativa e integrar dimensões subjetivas e relacionais.
Do ponto de vista metodológico, trata-se de uma pesquisa qualitativa, de caráter teórico-conceitual e documental, fundamentada na análise teórica de autores como Marilena Chauí (2001, 2014, 2022), que denuncia os mecanismos de dominação ideológica embutidos no discurso da competência; Boltanski e Chiapello (2009), que descrevem o novo espírito do capitalismo e suas estratégias de legitimação; Pierre Bourdieu (2005), que evidencia a perpetuação das desigualdades estruturais por meio da valorização simbólica do mérito; Richard Sennett (2006), que analisa as consequências pessoais da instabilidade no trabalho contemporâneo; e Christophe Dejours (1999), que contribui para a compreensão do sofrimento psíquico nas relações laborais. Esses referenciais são articulados com a interpretação sistemática da nova redação da NR-1, permitindo uma análise crítica e atualizada das transformações normativas e seus reflexos sobre a gestão e a saúde no trabalho.
2 IDEOLOGIA DA COMPETÊNCIA
Este tópico explora o conceito de ideologia da competência e sua presença nas relações contemporâneas de trabalho. São discutidos seus efeitos positivos, como o estímulo à qualificação, e negativos, como o aumento da competitividade, o esgotamento emocional e a individualização do fracasso.
É de extrema importância que os fatos passíveis de ocorrência no ambiente de trabalho sejam precisamente observados e, quando possível, evitados, para que não sejam causadores de danos morais e materiais aos sujeitos da relação de trabalho. Para tal possibilidade é indispensável o exercício de uma liderança voltada para a qualidade de vida dos funcionários e do ambiente de trabalho, com foco nas soluções e prevenções dos danos resultantes da relação de trabalho.
O conceito de ideologia é indispensável para o entendimento, na sua plenitude, do que vem a ser ideologia da competência. Marilena Chauí (2022, p.113) traz o conceito de ideologia:
A ideologia é um conjunto lógico, sistemático e coerente de representações (ideias e valores) e de normas ou regras (de conduta) que indicam e prescrevem aos membros de uma sociedade o que devem pensar e como devem pensar, o que devem valorizar e como devem valorizar, o que devem sentir e como devem sentir, o que devem fazer e como devem fazer.
Segundo Marilena Chaui (2001), no ambiente de trabalho, a importância atribuída à competência cria um cenário onde os colaboradores são incentivados a demonstrar constantemente suas capacidades técnicas e habilidades interpessoais. Nesse contexto, não só aumenta a eficiência organizacional, mas pode também promover um ambiente de trabalho dinâmico e focado em resultados.
A Ideologia da Competência, é um dos principais elementos que estruturam as relações de trabalho nas organizações contemporâneas. Esse conceito, conforme exposto por Marilena Chauí (2014), está intrinsecamente ligado à valorização do mérito e ao discurso da eficiência, que mascaram as desigualdades estruturais sob a aparência de neutralidade e justiça. Assim, o ambiente de trabalho se torna um espaço onde a competência individual é exaltada como critério primordial de avaliação e ascensão profissional.
Entretanto, vale ressaltar que as consequências da adoção sem restrição da Ideologia da Competência podem ser diversas. Em muitos casos, a pressão por demonstrar competência pode levar o funcionário ao estresse e à exaustão, especialmente quando as expectativas são elevadas e os recursos limitados. Como resultado pode ser criado um clima organizacional tenso e competitivo em excesso, podendo prejudicar a colaboração e cooperação entre os membros da equipe (Chauí, 2001).
No contexto organizacional, a ideologia da competência reforça a ideia de que apenas os mais qualificados e esforçados atingem o sucesso, desconsiderando fatores sociais e econômicos que influenciam a trajetória profissional dos indivíduos. De acordo com Chauí (2014), essa perspectiva naturaliza desigualdades ao apresentar a competência como uma qualidade intrínseca do trabalhador, sem levar em conta aspectos estruturais, como condições de acesso à educação e redes de relacionamento. Outros autores, como Boltanski e Chiapello (2009), também discutem a forma como o novo espírito do capitalismo incorporou a ideologia da competência, reforçando mecanismos de controle e exploração travestidos de autonomia e autogestão.
O pós-modernismo traz consigo o sistema de valores que, diferente da ênfase exclusiva no crescimento econômico que caracterizou a sociedade industrial, moderna, valoriza aspectos relacionados à qualidade de vida. Com isso surgem dois grupos de valores, sendo o primeiro dizendo respeito ao desejo de maior participação pessoal, expressa pelo exercício de direitos, deveres e responsabilidades e o segundo relacionado à realização do potencial humano. (VERGARA, 2010).
Incontestável a orientação para uma transformação pessoal através da emergência de um novo paradigma em substituição do paradigma reinante que argumenta que os fenômenos só podem ser compreendidos se forem reduzidos a seus componentes básicos (VERGARA, 2010).
O ambiente de trabalho, sob a influência da Ideologia da Competência, passa por transformações significativas. A competitividade é incentivada, levando os indivíduos a se esforçarem constantemente para demonstrar seu valor. Isso pode gerar efeitos positivos, como o aprimoramento profissional e o desenvolvimento de habilidades, mas também pode resultar em pressão excessiva e altos níveis de estresse entre os trabalhadores.
Entre os pontos positivos da ideologia da competência, destaca-se o estímulo ao aprimoramento técnico e intelectual. Trabalhadores são incentivados a buscar capacitação contínua, o que pode levar à inovação e ao aumento da produtividade. Além disso, esse modelo pode favorecer a meritocracia em ambientes organizacionais que efetivamente proporcionam igualdade de oportunidades.
Entretanto, os aspectos negativos são evidentes e impactam diretamente a saúde mental e o bem-estar dos trabalhadores. A exigência constante por alto desempenho pode levar ao esgotamento físico e emocional, além de fomentar um ambiente de trabalho marcado pela rivalidade e pela individualização excessiva das conquistas. Chauí (2014) ressalta que essa lógica reforça um modelo de subjetividade em que os indivíduos internalizam a responsabilização pelo próprio sucesso ou fracasso, ignorando fatores estruturais e coletivos.
Outros autores, como Pierre Bourdieu (2005) e Richard Sennett (2006), também discutem as consequências negativas da Ideologia da Competência no mercado de trabalho. Bourdieu (2005) destaca como a valorização excessiva da competência reforça as desigualdades sociais, pois nem todos os indivíduos têm acesso aos mesmos recursos para desenvolver suas habilidades. Isso significa que, em vez de promover a meritocracia, essa ideologia pode acentuar ainda mais a exclusão social e a segmentação do mercado de trabalho.
Ricardo Sennett (2006), por sua vez, argumenta que a obsessão pela competência e pelo alto desempenho pode gerar ambientes de trabalho instáveis e inseguros. O autor demonstra em sua obra como a exigência constante por flexibilidade e alta produtividade pode levar os profissionais a um estado de alienação, onde não conseguem estabelecer vínculos duradouros com o trabalho ou com seus colegas.
Outro ponto negativo é a precarização das relações de trabalho. A ideologia da competência contribui para a difusão de contratos flexíveis, terceirização e modelos de trabalho que privilegiam a eficiência empresarial em detrimento da segurança e estabilidade do trabalhador. Nesse sentido, a competência se torna um critério de seleção que muitas vezes disfarça a desigualdade de oportunidades no acesso ao emprego e à progressão profissional. Para Sennett (2006), essa dinâmica leva à corrosão do caráter dos trabalhadores, pois exige deles uma adaptação contínua sem garantia de estabilidade ou reconhecimento.
Além disso, a obsessão pela competência pode minar o espírito de solidariedade e cooperação entre os trabalhadores. Em um ambiente onde o sucesso individual é supervalorizado, a construção de redes colaborativas se torna secundária, impactando negativamente a cultura organizacional e o engajamento coletivo na solução de problemas.
Outro efeito adverso está relacionado à crescente exigência por hiperprodutividade. Os trabalhadores são constantemente pressionados a aumentar seu desempenho sem uma correspondente melhoria nas condições de trabalho. Essa realidade resulta em um cenário de sobrecarga, onde a linha entre a vida pessoal e profissional se torna cada vez mais tênue.
Diante desse panorama, é necessário questionar e refletir sobre os impactos da ideologia da competência nas relações de trabalho. Chauí (2014) propõe uma leitura crítica dessa ideologia, evidenciando como ela reforça mecanismos de domínio e controle dentro das organizações, ao mesmo tempo em que obscurece relações de poder e desigualdade estrutural. Sennett (2006) e Boltanski e Chiapello (2009) também destacam que a competência se torna um dispositivo ideológico que justifica a exploração e naturaliza a instabilidade laboral.
Portanto, é fundamental buscar um equilíbrio entre o incentivo ao desenvolvimento profissional e a promoção de condições de trabalho mais justas e humanizadas. O reconhecimento da competência deve vir acompanhado de medidas que garantam equidade, segurança e bem-estar para todos os trabalhadores, evitando a reprodução de desigualdades travestidas de meritocracia.
3 A NORMA REGULAMENTADORA 1 (NR-1) DO MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO NO BRASIL E A PORTARIA 1.419, 27 DE AGOSTO DE 2024
A seção apresenta as diretrizes atualizadas da NR-1 e destaca a inclusão dos riscos psicossociais no capítulo 1.5. Explica-se o conteúdo da Portaria nº 1.419/2024 do Ministério do Trabalho, enfatizando o papel do Programa de Gerenciamento de Risco (PGR) como instrumento de prevenção e gerenciamento de riscos, agora também voltado à saúde mental dos trabalhadores.
A NR-1 é a Norma Regulamentadora que traz no seu texto as Disposições Gerais e Gerenciamento de Riscos Ocupacionais, tendo como objetivo estabelecer as disposições gerais, o campo de aplicação, os termos e as definições comum às Normas Regulamentadoras relativas à segurança e saúde no trabalho e as diretrizes e requisitos para o gerenciamento de riscos ocupacionais e as medidas de prevenção em Segurança e Saúde do Trabalho (SST).
A Portaria 1.419/2024, publicada no Diário Oficial da União (DOU) de 28/08/2024 -Seção 1, aprovou a nova redação do capítulo 1.5 Gerenciamento de riscos ocupacionais e alterou o Anexo I- Termos e definições da Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1) – Disposições Gerais e Gerenciamento de Riscos Ocupacionais, com vigência em 26 de maio de 2025.
Através da portaria citada as empresas precisarão se adequar às diretrizes trazidas pela portaria 1.419/2024, com foco na saúde mental dos colaboradores. A partir de maio de 2025, será obrigatório que as empresas adotem práticas para identificar e gerenciar riscos psicossociais que, ao longo do tempo, podem afetar o desempenho e bem-estar dos seus funcionários. As organizações devem incluir os riscos psicossociais no Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR), que integra o Gerenciamento de Riscos Operacionais (GRO).
O Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR), previsto na Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1), desempenha um papel essencial na promoção de um ambiente de trabalho seguro e saudável, incluindo a prevenção das doenças psicossociais, abrangendo não apenas os riscos físicos, químicos e biológicos, mas também os fatores psicossociais que podem afetar a saúde mental dos trabalhadores. Tais fatores incluem, por exemplo, jornadas excessivas, pressão por produtividade, assédio moral, falta de autonomia e relações interpessoais conflituosas. Uma vez considerando tais aspectos no inventário de riscos e no plano de ação do Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR), a organização demonstra compromisso com uma abordagem preventiva e integrada à saúde ocupacional.
Mister se faz esclarecer o conceito e objetivos do Gerenciamento de Riscos Operacionais (GRO) e o Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR) para entender seus impactos na saúde do trabalhador.
3.1 GERENCIAMENTO DE RISCOS OPERACIONAIS (GRO)
GRO é a sigla para Gerenciamento de Riscos Operacionais, sendo um conjunto de ações que visam prevenir e gerenciar os riscos no trabalho, sendo uma norma de Saúde e Segurança do Trabalho (SST) (Brasil, [s.d]).
O objetivo do Gerenciamento de Riscos Operacionais (GRO) é criar um ambiente de trabalho seguro, saudável, evitando acidentes de trabalho e doenças ocupacionais.
De acordo com a NR-1, o Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (GRO) é o processo contínuo e sistemático de identificação de perigos, avaliação e controle dos riscos operacionais de uma organização, com a finalidade de proporcionar locais de trabalho seguros e saudáveis, prevenir lesões e agravos à saúde relacionados com o trabalho e melhorar o desempenho em Segurança e Saúde do Trabalho nas organizações.
O Gerenciamento de Riscos Operacionais (GRO) deve abranger os riscos que decorrem dos agentes físicos, químicos, biológicos, riscos de acidentes e riscos relacionados aos fatores ergonômicos, incluindo fatores de risco psicossociais relacionados ao trabalho (Brasil, 2024). A inclusão dos riscos psicossociais no gerenciamento de riscos pelas empresas é extremamente relevante para a proteção da saúde mental dos funcionários em um ambiente de trabalho que possa a vir ser nocivo para aqueles que fazem parte do quadro da organização.
A identificação de perigos se dá através do processo de buscar, reconhecer e descrever perigos à segurança e saúde dos trabalhadores, conforme orienta o Ministério do Trabalho e Emprego (Brasil, [s.d.]).
3.2 PROGRAMA DE GERENCIAMENTO DE RISCOS (PGR)
O Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR) deve ser contemplado no Gerenciamento de Riscos Operacionais (GRO) e é o conjunto coordenado de ações da organização para atingir os objetivos de prevenção e gerenciamento de riscos ocupacionais, formalmente documentado.[3] É uma ferramenta essencial para garantir a segurança e a saúde dos trabalhadores, além de promover um ambiente laboral mais seguro e produtivo. Ele tem como objetivo identificar, avaliar e controlar os riscos ocupacionais presentes nas atividades diárias, sejam eles físicos, químicos, biológicos, ergonômicos ou psicossociais.
A implementação do Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR) é fundamental para prevenir doenças ocupacionais, que podem surgir devido à exposição prolongada a condições inadequadas de trabalho, como esforços repetitivos, posturas inadequadas, exposição a agentes tóxicos ou situações de estresse crônico. Segundo a NR-1, o Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR) é obrigatório para todas as empresas, independentemente do seu porte ou segmento, visando a proteção integral dos trabalhadores e a redução de acidentes e doenças relacionadas ao trabalho (BRASIL, 2021).
A obrigatoriedade do Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR) está diretamente ligada ao cumprimento das normas de segurança e saúde ocupacional estabelecidas pela legislação brasileira, em especial as Normas Regulamentadoras do Ministério do Trabalho e Emprego. A NR-1, por exemplo, estabelece que as empresas devem adotar medidas de prevenção e controle de riscos, garantindo a conformidade com as diretrizes legais e a promoção de um ambiente de trabalho saudável. Além disso, a NR-7, que trata do Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO), complementa o PGR ao exigir a realização de exames médicos periódicos e a monitorização da saúde dos colaboradores, permitindo a detecção precoce de doenças ocupacionais (BRASIL, 2021).
A implementação eficaz do Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR possibilita o monitoramento contínuo das condições de trabalho e desenvolvimento de medidas específicas para reduzir ou eliminar os riscos psicossociais. Tal iniciativa promove uma cultura organizacional mais saudável, fortalecendo o bem-estar dos trabalhadores, reduzindo o absenteísmo e aumentando a produtividade. É possível constatar que ao cumprir as exigências da NR-1, o PGR não só atende aos requisitos legais, mas também representa uma ferramenta estratégica para a sustentabilidade das relações de trabalho e a valorização do capital humano.
O risco ocupacional é definido na NR-1 como combinação da probabilidade de ocorrer lesão ou agravo à saúde causados por um evento perigoso, exposição a agente nocivo ou exigência da atividade de trabalho e da severidade dessa lesão ou agravo à saúde.
A implementação do Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR) não apenas evita multas e sanções legais, mas também fortalece a imagem da empresa como uma organização comprometida com o bem-estar de seus funcionários, reduzindo custos com afastamentos, tratamentos médicos e indenizações.
4 A RELAÇÃO DA IDEOLOGIA DA COMPETÊNCIA COM AS DOENÇAS PSICOSSOCIAIS INSERIDAS NO PGR APÓS ALTERAÇÃO DA NR-1
Neste título, aprofunda-se a relação direta entre o modelo de gestão baseado na ideologia da competência e o surgimento de doenças psicossociais, como burnout, depressão e ansiedade. Aponta-se como a competitividade extrema e a pressão por desempenho podem gerar contextos laborais adoecedores, sendo essencial a adoção de práticas de gestão humanizada e o cumprimento efetivo das normas regulamentadoras.
As doenças psicossociais têm se tornado um dos principais desafios da saúde ocupacional no século XXI. Essas patologias, que incluem estresse, ansiedade, depressão, burnout e outras disfunções psicológicas, estão diretamente relacionadas às condições e dinâmicas do ambiente de trabalho. A ideologia da competência, ao estabelecer padrões elevados de desempenho e reforçar a cultura da hipercompetitividade, emerge como um dos principais fatores que contribuem para o agravamento dessas doenças.
O modelo organizacional baseado na ideologia da competência exige do trabalhador uma performance contínua, muitas vezes sem o devido suporte institucional ou humano. Como discutem Dejours (1999) e Sennett (2006), essa exigência constante de excelência resulta em uma sobrecarga mental, fazendo com que os trabalhadores se sintam permanentemente inseguros quanto à sua posição no mercado. O medo do fracasso e da obsolescência profissional se torna um fator de pressão psicológica intensa.
3.1 DOENÇAS PSICOSSOCIAIS NO AMBIENTE DE TRABALHO
As doenças psicossociais no ambiente de trabalho têm se tornado um tema central nas discussões sobre saúde ocupacional, especialmente em um contexto marcado por pressões crescentes, cobranças excessivas e mudanças aceleradas nas dinâmicas laborais. Segundo Siqueira e Mendonça (2020), fatores como carga horária excessiva, falta de autonomia, assédio moral e condições inadequadas de trabalho são determinantes para o surgimento de transtornos como a síndrome de burnout, depressão e ansiedade generalizada.
Essas doenças não apenas comprometem a saúde mental dos trabalhadores, mas também refletem diretamente na produtividade e no clima organizacional, gerando absenteísmo, presenteísmo e rotatividade de pessoal. Além disso, Dejours (2021) ressalta que a desestruturação das relações interpessoais no trabalho, marcada pela competitividade exacerbada e pela falta de suporte social, agrava o sofrimento psíquico, criando um ciclo vicioso de adoecimento e desmotivação.
As doenças psicossociais no ambiente de trabalho surgem por diversos motivos que, muitas vezes, são ignorados ou não conhecidos pelos gestores. Entre as principais ocorrências dessas doenças é reconhecida a Síndrome de Burnout, caracterizada por exaustão emocional, despersonalização e baixa realização profissional e frequentemente associada a ambientes de trabalho com alta demanda e baixa autonomia (ARAÚJO; ALVES, 2020). Os transtornos de ansiedade, caracterizados pela pressão por resultados e pelo medo da falha, integram também o rol das doenças psicossociais e podem desencadear transtornos de ansiedade, como ansiedade generalizada, transtorno do pânico e fobias (BENEDITO; SILVA,2019). Por fim, a exposição prolongada a situações de estresse pode levar ao desenvolvimento de estresse crônico, com impactos negativos na saúde física e mental (LIPP, 2019).
A depressão também é amplificada nesse cenário. A necessidade de se manter constantemente produtivo, aliado à precarização das relações de trabalho, dificulta a construção de um equilíbrio entre a vida pessoal e profissional. Para Dejours (1999), a ideologia da competência não apenas intensifica a pressão psicológica, mas também individualiza os problemas dos trabalhadores, levando-os a internalizar falhas estruturais como se fossem deficiências pessoais.
Outro fator crítico é o impacto nas relações interpessoais dentro das organizações. Em ambientes altamente competitivos, há uma redução do espírito de solidariedade entre os colegas, o que pode gerar um isolamento social e afetivo. A ausência de redes de apoio no trabalho contribui para o aumento dos níveis de estresse e a dificuldade de lidar com frustrações e desafios diários.
O agravamento das doenças psicossociais também tem repercussões econômicas e organizacionais. Altos índices de afastamento do trabalho devido a transtornos mentais representam um custo significativo para as empresas e para o sistema de saúde pública. A Organização Mundial da Saúde (OMS) já reconhece que doenças como a depressão e a ansiedade são algumas das principais causas de incapacidade laboral no mundo.
Diante desse cenário, as empresas têm um papel crucial na prevenção e no cuidado dessas doenças, adotando medidas que promovam um ambiente de trabalho saudável e sustentável. Para mitigar esses efeitos, torna-se essencial que as organizações repensem suas práticas de gestão. Para tanto, é essencial a implementação de políticas de gestão humanizada, que incluam a promoção de pausas regulares, a flexibilização de horários e o estímulo à prática de atividades físicas e de relaxamento, conforme sugerem Codo e Vasques-Menezes (2019).
Além do exposto acima, a criação de programas de suporte psicológico, como o acompanhamento por profissionais de saúde mental e a realização de workshops sobre gestão do estresse, pode auxiliar na identificação precoce de sintomas e no fortalecimento da resiliência emocional dos colaboradores. Ações como essas não apenas reduzem os índices de adoecimento, mas também fortalecem a confiança e o engajamento dos trabalhadores, contribuindo para um ambiente mais harmonioso e produtivo (Lima et al., 2022).
Estratégias como a valorização do bem-estar dos trabalhadores, a implementação de políticas de saúde mental e a promoção de ambientes mais colaborativos podem contribuir para um modelo de trabalho mais saudável. Portanto, investir na saúde psicossocial dos funcionários é uma estratégia que beneficia tanto os indivíduos quanto as organizações, promovendo um equilíbrio entre desempenho e bem-estar. Além disso, a desconstrução da ideia de que o sucesso profissional depende unicamente do esforço individual é fundamental para criar uma cultura organizacional mais inclusiva e sustentável.
4 CONCLUSÃO
A análise da ideologia da competência, em contraste com a recente revisão da NR-1, revela um panorama complexo e multifacetado das relações de trabalho contemporâneas. A ideologia da competência, embora promova o desenvolvimento profissional e a busca por resultados, pode gerar um ambiente de trabalho tóxico, marcado pela pressão excessiva, competição exacerbada e desvalorização do bem-estar dos colaboradores.
A revisão da NR-1, ao incluir os riscos psicossociais no PGR, representa um avanço significativo na proteção da saúde mental dos trabalhadores. A partir de maio de 2025, as empresas serão obrigadas a identificar e gerenciar esses riscos, reconhecendo que fatores como o estresse crônico, a ansiedade e a depressão são realidades que impactam a produtividade e a qualidade de vida dos colaboradores.
A pesquisa evidencia a necessidade de um equilíbrio entre a busca por resultados e a promoção de um ambiente de trabalho saudável. A implementação de políticas de gestão humanizada, a valorização do trabalho em equipe, o reconhecimento dos colaboradores e a oferta de suporte psicológico são medidas essenciais para mitigar os efeitos negativos da ideologia da competência.
É fundamental que as empresas adotem práticas de gestão humanizada, promovendo um equilíbrio entre desempenho e bem-estar. A valorização da saúde mental, a criação de ambientes colaborativos e a desconstrução da ideia de que o sucesso depende exclusivamente do esforço individual são passos essenciais para construir um ambiente de trabalho mais saudável e sustentável.
Em última análise, a construção de um ambiente de trabalho mais justo e sustentável exige uma mudança de paradigma, em que o bem-estar dos colaboradores seja priorizado e a competência seja valorizada de forma equilibrada e responsável. A revisão da NR-1 representa um passo importante nessa direção, mas a efetivação de um ambiente de trabalho saudável e produtivo depende do compromisso e da ação conjunta de empresas, trabalhadores e sociedade.
7 REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Norma Regulamentadora nº 1 – Disposições Gerais e Gerenciamento de Riscos Ocupacionais. Portaria MTE nº 344, de 21 de março de 2024. Disponível em: https://www.gov.br/trabalho-e-emprego/pt-br/acesso-a-informacao/participacao-social/conselhos-e-orgaos-colegiados/comissao-tripartite-partitaria-permanente/normas-regulamentadora/normas-regulamentadoras-vigentes/NR01atualizada2024II.pdf. Acesso em: 3 mar. 2025.
BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Programa de Gerenciamento de Riscos – PGR. Disponível em: https://www.gov.br/trabalho-e-emprego/pt-br/assuntos/inspecao-do-trabalho/pgr. Acesso em: 24 abr. 2025. [s.d.]
BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Norma Regulamentadora 7 (NR-7): Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO). Brasília, 2021.
CHAUÍ, Marilena. O que é ideologia. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 2001.
CHAUÍ, Marilena. A ideologia da competência. Escritos de Marilena Chauí. v. 3 Organizador André Rocha, 1. ed; 5 reimp. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2022.
CHAUÍ, Marilena. Ideologia e universidade. São Paulo: Expressão Popular, 2014.
CODO, W.; VASQUES-MENEZES, I. O que é burnout? In: CODO, W. (org.). Educação: carinho e trabalho. Petrópolis: Vozes, 2019. p. 237-255.
DEJOURS, Christophe. A banalização da injustiça social. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1999.
HIRIGOYEN, Marie-France. Assédio moral: a violência perversa no cotidiano. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2020.
LIMA, A. F. et al. Saúde mental no trabalho: desafios e estratégias de intervenção. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, v. 47, p. 1-12, 2022.
LIPP, M. E. N. O stress do professor. Papirus Editora, 2019.
SELIGMANN-SILVA, Marcos. Trabalho e desgaste mental. São Paulo: Cortez, 2021.
SILVA, João; MENDES, Carla. Saúde mental e trabalho: desafios contemporâneos. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2023.
SENNETT, Richard. A corrosão do caráter: consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo. Rio de Janeiro: Record, 2006.
SIQUEIRA, M. V. S.; MENDONÇA, H. Psicodinâmica do trabalho: contribuições para a análise das relações entre saúde mental e trabalho. Revista de Administração Contemporânea, v. 24, n. 3, p. 238-250, 2020.
VERGARA, Sylvia Constant. Gestão de Pessoas. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2010.
[1] Professor Doutor em Ciências Sociais Aplicadas pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) na área de concentração "Estado, Direito e Públicas". Mestre em direito na Universidade Federal de Santa Catarina. Bacharel em Teologia pelo Centro Universitário de Maringá (2016). Professor Adjunto na Universidade Estadual de Ponta Grossa. Integra o corpo docente do Mestrado em Direito da UEPG na linha de pesquisa "Teorias e práticas jurídicas na proteção de direitos e promoção de políticas públicas". Coordenador do Curso de Direito da UEPG e Coordenador do Projeto de Extensão - NEDDIJ/SETI/PR.
[2] Professora Doutora em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Mestre em Ciências Sociais Aplicadas pela Universidade Estadual de Ponta Grossa do Paraná. Professora associada da Universidade Estadual de Ponta Grossa. Graduada em Direito e Economia.
Mestranda em Direito pela Universidade Estadual de Ponta Grossa do Paraná. MBA em Gestão e Liderança Avançada de Pessoas pela Faculdade 7 de Setembro em Fortaleza no Ceará. Graduada em Direito pela Universidade 7 de Setembro de Fortaleza no Ceará. Mediadora e Conciliadora Judicial nos termos da Resolução 125/2010 do CNJ. Facilitadora e Instrutora da Justiça Restaurativa através da AJURIS. Advogada atuante em Direito de Família, Sucessões e Direito do Trabalho.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FURTADO, LANA MARIA PINHEIRO. A ideologia da competência e os riscos psicossociais frente à revisão da norma regulamentadora (NR-1) Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 jul 2025, 04:22. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/69140/a-ideologia-da-competncia-e-os-riscos-psicossociais-frente-reviso-da-norma-regulamentadora-nr-1. Acesso em: 14 ago 2025.
Por: Vitor dos Reis Canedo
Por: Belkys Rodrigues Batista Andrade
Precisa estar logado para fazer comentários.