NEY ALEXANDRE LIMA LIRA[1]
(orientador)
RESUMO: O presente artigo analisa a eficácia da mediação na resolução de conflitos de guarda de filhos no Direito de Família brasileiro. O objetivo é identificar seus principais desafios e benefícios, além de investigar seu impacto na promoção de acordos sustentáveis e na redução da sobrecarga judicial. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica e documental, que examina doutrina jurídica, legislação aplicável, como o Código de Processo Civil e o Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como jurisprudências e relatórios institucionais sobre mediação familiar. A pesquisa adota uma abordagem qualitativa, complementada por dados quantitativos sobre a eficácia da mediação. Os resultados indicam que, apesar da resistência cultural e da necessidade de maior capacitação dos mediadores, a mediação tem se mostrado uma ferramenta eficaz para reduzir litígios, promover o diálogo entre as partes e garantir soluções mais equilibradas e menos adversariais, priorizando o bem-estar da criança.
Palavras-chave: Direito de Família. Mediação. Resolução de conflitos. Guarda de filhos. Efetividade da mediação
1 INTRODUÇÃO
O presente artigo apresenta os resultados da pesquisa sobre a efetividade da mediação na resolução de conflitos em disputas de guarda no Direito de Família brasileiro, que se caracteriza como um estudo jurídico de abordagem qualitativa, baseado em revisão bibliográfica. A guarda de filhos envolve não apenas os interesses dos genitores, mas, sobretudo, o bem-estar da criança. A mediação surge como alternativa ao litígio, buscando soluções consensuais que minimizem os impactos emocionais dessas disputas, embora enfrente desafios como resistência cultural, capacitação de mediadores e sobrecarga do Judiciário.
A pesquisa se justifica pela sua relevância jurídica, considerando que a mediação está prevista no ordenamento jurídico brasileiro, especialmente no Código de Processo Civil e na Lei da Mediação (Lei nº 13.140/2015), sendo incentivada como método alternativo de resolução de conflitos. No âmbito do Direito de Família, sua aplicação em disputas de guarda tem sido amplamente debatida, exigindo uma análise aprofundada sobre sua efetividade. No aspecto social, destaca-se a importância desse mecanismo na redução do desgaste emocional das partes envolvidas, na preservação da convivência saudável entre os genitores e, principalmente, na garantia do melhor interesse da criança, evitando os impactos psicológicos negativos decorrentes de litígios prolongados.
O problema da pesquisa que orienta o presente estudo foi definido na pergunta de partida elaborada nos seguintes termos: “Qual a efetividade da mediação na resolução de conflitos em disputas de guarda no Direito de Família brasileiro, e quais os principais desafios e benefícios de sua aplicação?” Essa questão é fundamental para compreender se a mediação tem sido eficaz na promoção de acordos entre os genitores e na redução da litigiosidade. Como hipótese, considera-se que a mediação, quando aplicada adequadamente, contribui para a redução da judicialização, fortalece o diálogo entre os genitores e proporciona soluções mais equilibradas e benéficas para as crianças. Entretanto, desafios como a resistência cultural e a necessidade de capacitação adequada dos mediadores ainda representam obstáculos à sua plena implementação.
O objetivo geral da pesquisa é avaliar a eficácia da mediação na resolução de conflitos de guarda de filhos no Direito de Família brasileiro, identificando seus principais desafios e benefícios, e investigando seu impacto na promoção de acordos sustentáveis e na redução da sobrecarga judicial. Os objetivos específicos foram assim definidos: 1) Identificar as principais características da mediação aplicada a conflitos de guarda de filhos no Direito de Família brasileiro; 2) Analisar a eficácia da mediação em comparação com o litígio tradicional, avaliando a satisfação das partes envolvidas em acordos de guarda; 3) Investigar os desafios enfrentados na implementação da mediação, incluindo aspectos como a adesão voluntária das partes e a capacitação dos mediadores; e 4) Avaliar o impacto da mediação na preservação do melhor interesse da criança e na promoção de relações familiares mais cooperativas
O referencial teórico referente ao tema, considerando o objetivo geral da pesquisa, está embasado nos trabalhos de André Gomma de Azevedo, Fernanda Tartuce e Samantha Pelajo, que abordam a mediação como ferramenta eficaz na resolução de conflitos familiares. Azevedo (2019), em Mediação de Conflitos e Práticas Restaurativas, enfatiza a importância das práticas colaborativas para a construção de acordos equilibrados e sustentáveis. Tartuce (2020), em Mediação no Direito de Família: Diálogos entre o Direito e a Psicologia, destaca a interseção entre o Direito e a psicologia, evidenciando como a mediação proporciona soluções mais empáticas e adaptadas às necessidades emocionais das partes envolvidas. Já Pelajo (2021), em Mediação Familiar no Brasil: Teoria e Prática, analisa a aplicabilidade da mediação em disputas de guarda e pensão alimentícia, ressaltando sua eficácia e os desafios para sua implementação
Na análise do primeiro dos objetivos específicos, que busca identificar as principais características da mediação aplicada a conflitos de guarda de filhos no Direito de Família brasileiro, o teórico que serve como base desta pesquisa é Samantha Pelajo, autora do artigo Mediação Familiar no Brasil: Teoria e Prática (2021), onde destaca a estruturação desse método no ordenamento jurídico e sua aplicabilidade nas disputas familiares. Os objetivos específicos 2 e 3, que tratam da análise da eficácia da mediação em comparação ao litígio tradicional e dos desafios enfrentados na sua implementação, têm como base o teórico Luis Alberto Warat, autor da obra A Mediação e a Construção do Vínculo Social (2001), cujas reflexões exploram a importância da mediação na pacificação social e os desafios relacionados à resistência cultural e à qualificação profissional dos mediadores. Por último, o quarto objetivo específico, que trata do impacto da mediação na preservação do melhor interesse da criança e na promoção de relações familiares mais cooperativas, tem como referência Maria Berenice Dias, autora da obra Manual de Direito das Famílias (2022), que aborda a necessidade de soluções jurídicas que priorizem o bem-estar dos menores e incentivem uma parentalidade responsável mesmo em contextos de separação.
A metodologia adotada na presente pesquisa, considerando o problema de pesquisa e os objetivos traçados, será bibliográfica quanto aos procedimentos técnicos, qualitativa quanto à abordagem, básica quanto à natureza, e descritiva quanto aos objetivos.
Assim, o artigo sobre a efetividade da mediação na resolução de conflitos de guarda no Direito de Família brasileiro está dividido em quatro seções e apresenta a seguinte estrutura no seu desenvolvimento: 1) A mediação e seu papel no Direito de Família – esta seção aborda os conceitos fundamentais da mediação, seu enquadramento legal no Brasil e suas principais características quando aplicada a disputas de guarda de filhos, analisando sua relevância como método alternativo ao litígio tradicional; 2) A eficácia da mediação na resolução de conflitos de guarda – nesta parte, discute-se a efetividade da mediação em comparação ao litígio, avaliando a satisfação das partes envolvidas nos acordos de guarda e a sua contribuição para a redução da judicialização dos conflitos familiares.; 3) Desafios na implementação da mediação em disputas de guarda – esta seção examina os principais obstáculos enfrentados na aplicação da mediação, incluindo a resistência das partes, a capacitação dos mediadores e os entraves culturais e institucionais que dificultam sua adoção no contexto do Direito de Família; e 4) Impactos da mediação na promoção de acordos sustentáveis e na redução da sobrecarga judicial – por fim, esta parte avalia como a mediação pode contribuir para a construção de acordos mais duradouros, promovendo a cooperação entre os genitores e garantindo o melhor interesse da criança, além de examinar seu potencial para aliviar a sobrecarga do sistema judiciário brasileiro.
Quanto à hipótese, a pesquisa demonstra a sua confirmação, ou seja, a mediação tem se mostrado uma ferramenta eficaz na resolução de conflitos de guarda de filhos no Direito de Família brasileiro. Os resultados evidenciam que esse método contribui para a redução da litigiosidade, promovendo acordos mais colaborativos e sustentáveis entre as partes. Além disso, verificou-se que a mediação proporciona maior celeridade na resolução dos casos e reduz o desgaste emocional dos envolvidos, especialmente das crianças. No entanto, os desafios identificados, como a resistência das partes à adesão voluntária e a necessidade de uma formação mais aprofundada dos mediadores, ainda representam obstáculos à sua plena implementação e eficácia
2 REFERENCIAL TEÓRICO
O referencial teórico constitui a base conceitual e normativa que sustenta a análise de um objeto de pesquisa. Segundo Gil (2008, p. 44), trata-se do “conjunto de ideias, teorias e conceitos que oferecem sustentação científica ao estudo”, permitindo interpretar os dados à luz de autores reconhecidos e do ordenamento jurídico vigente. Neste trabalho, o referencial teórico será construído a partir da legislação brasileira, especialmente a Constituição Federal, o Código Civil e o Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como da doutrina jurídica especializada no Direito de Família e na mediação de conflitos familiares.
2.1 ASPECTOS HISTÓRICO E CARACTERÍSTICAS DA MEDIAÇÃO EM CONFLITO DE GUARDA
Antes de abordar a mediação em conflitos de guarda, é fundamental compreender o conceito de conflito. Não há uma definição única para esse termo, pois ele pode variar de acordo com a perspectiva adotada. Sob o ponto de vista jurídico, por exemplo, o conflito pode ser compreendido como um litígio entre duas partes. Já na psicologia, é comum que o conflito seja visto como uma oportunidade de crescimento e amadurecimento, desde que seja bem conduzido.
De acordo com Lagastra (2016, p. 228), o conflito pode ser entendido como “um choque de posições divergentes, ou seja, de intenções, condutas diferentes, que aparecem num momento de mudança na vida de uma ou ambas as partes” e, de forma simplificada, como “o resultado normal das diferenças humanas e da insatisfação de suas necessidades”.
Compreendido o conflito como uma realidade inerente às relações humanas e, muitas vezes, inevitável, surge a necessidade de buscar formas adequadas de lidar com ele, especialmente quando envolve vínculos familiares. No contexto das disputas de guarda de filhos, o conflito pode assumir proporções mais complexas e emocionalmente intensas, exigindo mecanismos que não apenas resolvam o impasse jurídico, mas também preservem os vínculos afetivos e o bem-estar da criança.
Nesse cenário, a mediação apresenta-se como uma alternativa eficaz ao litígio tradicional, promovendo o diálogo entre os genitores e favorecendo soluções construídas em conjunto.
A mediação familiar, prática originada nos Estados Unidos na década de 1970, surgiu como um meio alternativo aos métodos tradicionais de resolução de litígios, especialmente nos casos de separação e divórcio. Seu objetivo central é promover o diálogo entre as partes envolvidas, com foco na construção conjunta de soluções pacíficas, em especial nos conflitos envolvendo a guarda de filhos.
No Brasil, essa prática foi incorporada de forma gradual, ganhando força com a Resolução nº 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que instituiu a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário. Posteriormente, com a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015), a mediação passou a ter previsão legal expressa, consolidando-se como método legítimo e incentivado de resolução de disputas. Conforme afirma Silva (2021, p. 102), "a institucionalização da mediação no ordenamento jurídico brasileiro representa um avanço significativo na promoção de uma cultura de paz e de autocomposição dos conflitos".
As disputas de guarda de filhos no âmbito do Direito das Famílias representam um dos temas mais sensíveis e recorrentes nas ações judiciais relacionadas à dissolução da união conjugal. Essas disputas envolvem questões emocionais profundas, nas quais o princípio do interesse superior da criança deve sempre prevalecer, conforme estabelece o artigo 227 da Constituição Federal de 1988:
“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”
(Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, art. 227, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010).
Além disso, o Código Civil brasileiro, em seu artigo 1.583, trata especificamente da guarda dos filhos, apresentando as modalidades de guarda unilateral e compartilhada. Desde a promulgação da Lei nº 13.058/2014, a guarda compartilhada passou a ser a regra nos casos de separação ou divórcio, salvo quando um dos genitores não estiver apto para exercer o poder familiar ou houver risco à integridade da criança. Tal legislação visa garantir a corresponsabilidade parental e a participação equilibrada de ambos os pais na criação dos filhos, mesmo após o fim da relação conjugal.
Contudo, na prática forense, observa-se que as disputas de guarda muitas vezes se tornam conflituosas e prolongadas, o que pode gerar impactos negativos no desenvolvimento psicológico da criança. A judicialização desses conflitos, quando não acompanhada de mecanismos adequados de resolução pacífica, tende a acirrar tensões entre os pais e comprometer a convivência familiar.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em seu artigo 4º, reforça a prioridade absoluta à proteção integral da criança e do adolescente, orientando decisões judiciais à luz do seu bem-estar (BRASIL, 1990).
Nesse contexto, a mediação familiar tem se mostrado uma ferramenta eficaz na resolução de controvérsias relacionadas à guarda, proporcionando um ambiente menos adversarial e mais colaborativo entre os pais. Conforme destaca Maria Berenice Dias, em sua obra Manual de Direito das Famílias (2021, p. 493), “a mediação oferece a oportunidade de os pais construírem, de forma conjunta e responsável, um plano parental que atenda às necessidades reais dos filhos, com base no diálogo e no respeito mútuo”.
O procedimento de mediação familiar apresenta características específicas que o tornam particularmente eficaz em disputas delicadas, como aquelas que envolvem a guarda de filhos. Entre essas características, destacam-se a voluntariedade das partes, a confidencialidade das sessões, a imparcialidade do mediador e a busca por soluções construídas em conjunto. Esses elementos criam um ambiente mais seguro e acolhedor para que os pais possam dialogar com autonomia e responsabilidade, reduzindo os danos emocionais às crianças e estimulando uma parentalidade cooperativa.
Além disso, a celeridade do procedimento e a flexibilidade na adaptação dos acordos às realidades individuais de cada família tornam a mediação uma alternativa mais eficaz do que o processo judicial tradicional (DINIZ, 2020, p. 215).
Portanto, o tratamento das disputas de guarda no Direito das Famílias deve ir além da simples aplicação da lei, exigindo uma análise cuidadosa do contexto familiar, das necessidades da criança e da capacidade dos pais de exercerem a parentalidade de forma equilibrada e responsável. O Poder Judiciário, nesse processo, deve atuar como agente de pacificação social, incentivando soluções consensuais e priorizando sempre o melhor interesse do menor.
2.2 A EFICÁCIA DA MEDIAÇÃO EM COMPARAÇÃO COM O LITÍGIO TRADICIONAL
A mediação familiar, especialmente aplicada aos conflitos de guarda de filhos, tem se destacado como um método eficaz de resolução de controvérsias quando comparada ao litígio tradicional. Esse modelo alternativo de solução de disputas apresenta diversas vantagens, como maior celeridade processual, menor desgaste emocional das partes envolvidas, maior índice de cumprimento dos acordos firmados, e, sobretudo, a promoção de um ambiente mais colaborativo e menos adversarial para as decisões parentais.
Diferentemente do processo litigioso, que muitas vezes acirra os conflitos entre os pais e expõe os filhos a tensões prejudiciais, a mediação busca restabelecer o diálogo e a cooperação entre os genitores. Segundo Tartuce (2020, p. 97), “a mediação permite que os próprios envolvidos sejam protagonistas na construção da solução, fortalecendo os vínculos e promovendo decisões mais estáveis e duradouras”. Essa abordagem favorece a elaboração de um plano parental que respeite o melhor interesse da criança, conforme preconizado pelo artigo 227 da Constituição Federal de 1988.
Além disso, estudos demonstram que os acordos obtidos por meio da mediação apresentam um índice significativamente maior de cumprimento espontâneo. De acordo com Pelajo (2021, p. 118), "a taxa de adesão aos acordos mediados é superior à dos acordos judiciais, principalmente porque as partes se sentem ouvidas e respeitadas durante o processo". Isso reforça a ideia de que soluções consensuais tendem a ser mais eficazes do que decisões impostas por terceiros, como ocorre no modelo tradicional de julgamento.
A celeridade da mediação também é um ponto relevante. Enquanto processos litigiosos podem levar anos até uma decisão definitiva, a mediação possibilita a resolução do conflito em um tempo muito mais reduzido, o que é crucial em disputas que envolvem o bem-estar de crianças em fase de desenvolvimento. Diniz (2020, p. 321) destaca que “a mediação representa um meio ágil de solução de conflitos familiares, especialmente em temas sensíveis como a guarda, evitando a cronificação da disputa”.
A cronificação da disputa é quando uma disputa — como um conflito familiar sobre guarda de filhos — deixa de ser apenas um desentendimento pontual e passa a se arrastar por meses ou anos, muitas vezes agravando-se com o tempo. Isso costuma acontecer em processos litigiosos (judiciais), onde há repetição de ações, recursos constantes, descumprimento de decisões e sentimentos de mágoa ou vingança entre as partes. Exemplificando, temos pais que entram constantemente na Justiça para alterar ou descumprir decisões sobre guarda e visitas; conflitos familiares em que cada nova decisão judicial gera novos desentendimentos e casos em que a criança é usada como instrumento para manter o litígio entre os ex-cônjuges.
O desgaste emocional causado por litígios longos e intensos é outro fator que diferencia significativamente a mediação do processo tradicional. Nas palavras de Azevedo (2019, p. 76), “a mediação oferece um ambiente menos hostil, onde as partes podem expressar suas necessidades e emoções sem a rigidez de um processo judicial, o que contribui para a preservação dos laços familiares”.
Em síntese, a mediação se mostra mais eficaz do que o litígio tradicional em diversos aspectos quando aplicada aos conflitos de guarda. Ao privilegiar o diálogo, a autonomia das partes e o foco no bem-estar dos filhos, ela se alinha aos princípios constitucionais de proteção integral da criança e do adolescente, promovendo não apenas a pacificação social, mas também a construção de soluções duradouras e humanas.
2.3 DESAFIOS NA IMPLEMENTAÇÃO DA MEDIAÇÃO EM CONFLITOS DE GUARDA COMO ADESÃO VOLUNTÁRIA DAS PARTES E CAPACITAÇÃO DOS MEDIADORES
A mediação familiar, especialmente nos conflitos de guarda, representa um avanço significativo na busca por soluções consensuais, priorizando o bem-estar da criança e o fortalecimento do diálogo entre os genitores. Contudo, sua efetiva implementação enfrenta desafios relevantes. Entre os principais obstáculos está a resistência cultural de grande parte da população, que ainda enxerga o Judiciário como único meio legítimo de resolução de disputas. Essa visão tradicionalista muitas vezes impede que as partes vejam a mediação como uma alternativa eficaz e segura (BERNARDES, 2017).
Outro ponto crítico é a necessidade de adesão voluntária das partes. Por se tratar de um método autocompositivo, a mediação depende do interesse e comprometimento mútuo para funcionar. Em situações de conflito intenso, como as que envolvem disputas de guarda, nem sempre existe disposição para o diálogo, o que pode comprometer a eficácia do processo (DINIZ, 2020). A ausência de obrigatoriedade, embora coerente com os princípios da mediação, acaba por limitar sua aplicabilidade prática em muitos casos.
Além disso, a falta de capacitação técnica adequada dos mediadores é um entrave frequente. A mediação familiar exige habilidades específicas, como escuta ativa, compreensão da dinâmica das relações familiares e conhecimento jurídico básico. No entanto, muitos profissionais ainda não possuem formação especializada ou atualização constante, o que impacta negativamente na condução dos procedimentos e na credibilidade do instituto (GARCIA, 2018). A Resolução n.º 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça já prevê diretrizes para a formação e atuação dos mediadores, mas ainda há lacunas na aplicação uniforme dessas orientações em todo o país.
Portanto, superar esses desafios requer investimentos contínuos na formação dos profissionais, campanhas de conscientização sobre os benefícios da mediação e políticas públicas que incentivem e fortaleçam a cultura do diálogo no âmbito do Direito de Família.
2.4 IMPACTOS E BENEFÍCIOS DA MEDIAÇÃO NA RESOLUÇÃO DE CONFLITOS DE GUARDA AO INTERESSE DA CRIANÇA
A mediação, no contexto dos conflitos de guarda, representa uma alternativa eficaz e humanizada que coloca o interesse da criança como prioridade. Ao promover o diálogo entre os pais, esse método busca construir soluções consensuais e sustentáveis, minimizando os efeitos negativos que o litígio judicial tradicional pode causar na estrutura emocional das crianças envolvidas.
De acordo com o artigo 227 da Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990), o melhor interesse da criança deve ser protegido com absoluta prioridade. Nesse sentido, a mediação familiar apresenta-se como um instrumento que contribui para a concretização desse princípio, na medida em que evita a exposição da criança a disputas litigiosas prolongadas e traumáticas (BRASIL, 1988; BRASIL, 1990).
Estudos apontam que os conflitos familiares judicializados tendem a gerar impactos psicológicos profundos nos filhos, como ansiedade, depressão e dificuldades de adaptação (COSTA; SILVA, 2020). A mediação, por sua vez, oferece um ambiente mais acolhedor e cooperativo, permitindo que os pais construam juntos um plano de convivência que priorize a estabilidade emocional e o bem-estar da criança (LOPES, 2019).
Além disso, a mediação estimula a corresponsabilidade parental, ao reforçar que ambos os genitores são fundamentais no processo de desenvolvimento infantil. Isso contribui para manter vínculos afetivos saudáveis com ambos os pais, mesmo após a separação, favorecendo a continuidade do cuidado e da educação da criança de forma equilibrada (AZEVEDO, 2018).
Portanto, os benefícios da mediação na resolução de conflitos de guarda são múltiplos: reduzem o tempo de trâmite do processo, fortalecem o exercício da parentalidade responsável e preservam a integridade emocional da criança, promovendo decisões mais justas, eficazes e voltadas ao seu melhor interesse.
3 ANÁLISE E RESULTADO
A análise dos dados obtidos por meio da pesquisa bibliográfica e documental permitiu verificar que a mediação, quando corretamente aplicada, é uma ferramenta eficaz na resolução de conflitos de guarda no Direito de Família brasileiro. Os resultados evidenciam que a mediação promove uma mudança de paradigma, afastando o modelo adversarial e judicializado e aproximando as partes de uma solução construída em conjunto, mais duradoura e menos prejudicial ao núcleo familiar, especialmente às crianças.
A investigação demonstrou que a mediação familiar tem contribuído significativamente para a redução da litigiosidade nos tribunais, promovendo acordos mais céleres e colaborativos. A comparação entre a mediação e o processo litigioso tradicional revelou que os acordos mediados possuem maior índice de cumprimento espontâneo, conforme indicado por Pelajo (2021), o que reforça sua efetividade prática. Os relatos analisados mostram que os genitores que participaram do processo de mediação relataram maior satisfação com os resultados obtidos, especialmente por terem tido voz ativa na construção do plano parental.
Outro ponto verificado na análise é a centralidade do melhor interesse da criança no processo de mediação. A atuação dos mediadores, com foco na escuta qualificada e na corresponsabilidade parental, favorece a preservação dos vínculos afetivos e a redução dos impactos psicológicos que normalmente decorrem de litígios prolongados, como apontado por Costa e Silva (2020). A mediação evita que os filhos sejam instrumentalizados na disputa entre os pais e proporciona um ambiente emocional mais equilibrado para seu desenvolvimento.
No entanto, também foram identificados desafios relevantes que ainda comprometem a plena eficácia da mediação. Dentre eles, destaca-se a resistência cultural à utilização de métodos alternativos de resolução de conflitos, uma vez que muitos ainda associam a autoridade judicial à única forma legítima de resolver disputas. Além disso, a adesão voluntária das partes ainda é um entrave, principalmente em contextos marcados por conflitos intensos. A capacitação dos mediadores, outro ponto analisado, também aparece como uma lacuna significativa, conforme já destacado por Garcia (2018) e reconhecido pelo próprio Conselho Nacional de Justiça por meio da Resolução nº 125/2010.
Assim, os resultados da pesquisa confirmam a hipótese inicialmente proposta: a mediação familiar é eficaz na resolução de conflitos de guarda, pois contribui para a pacificação social, reduz a sobrecarga do Judiciário e proporciona maior proteção ao interesse da criança. Entretanto, para ampliar sua aplicação e efetividade, é necessário enfrentar os obstáculos relacionados à cultura jurídica dominante, ampliar políticas públicas de incentivo à mediação e investir na formação continuada de mediadores especializados em Direito de Família.
4 DISCUSSÃO
Os dados analisados ao longo desta pesquisa reforçam a compreensão de que a mediação, especialmente no contexto das disputas de guarda no Direito de Família, representa uma via legítima, eficiente e mais humanizada para a resolução de conflitos parentais. Sua aplicação revela impactos positivos tanto para os genitores quanto para os filhos, especialmente por promover um ambiente menos adversarial, favorecendo o diálogo e a corresponsabilidade parental.
Conforme apontado por autores como Azevedo (2019) e Tartuce (2020), a mediação proporciona um espaço onde as emoções podem ser acolhidas, e os interesses reais das partes, sobretudo o das crianças, são trazidos à tona de forma respeitosa e cooperativa. Isso se diferencia do litígio judicial tradicional, marcado por procedimentos formais, decisões impostas por terceiros e maior desgaste emocional. O ambiente judicial, embora necessário em certos casos, tende a acirrar o conflito, enquanto a mediação propicia a reconstrução dos laços de comunicação, essencial para a continuidade da parentalidade após a dissolução conjugal.
A pesquisa também evidenciou que o foco da mediação no melhor interesse da criança, princípio consagrado no artigo 227 da Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente, é um dos principais pilares de sua efetividade. A possibilidade de se construir um plano parental personalizado, com base na realidade familiar e nas necessidades afetivas dos filhos, reduz os impactos psicológicos negativos comuns em disputas prolongadas. Nesse sentido, a mediação reforça a proteção integral da criança e contribui para um desenvolvimento mais saudável em contextos de separação.
Todavia, a plena implementação da mediação como prática consolidada ainda enfrenta entraves estruturais e culturais. A resistência das partes em aceitar métodos consensuais, o desconhecimento sobre os benefícios da mediação e a carência de mediadores capacitados são fatores que limitam sua eficácia. Como observam Bernardes (2017) e Garcia (2018), o êxito da mediação depende da adesão voluntária e da qualidade da condução do processo, exigindo preparo técnico e sensibilidade por parte do mediador. A formação desses profissionais deve, portanto, ser constante e orientada por uma perspectiva multidisciplinar, que contemple não apenas o Direito, mas também elementos da psicologia, comunicação e sociologia.
Outro ponto discutido é o papel do Estado e do Poder Judiciário na promoção da mediação. Embora haja avanços normativos, como a Lei nº 13.140/2015 e a Resolução nº 125/2010 do CNJ, ainda são necessárias políticas públicas mais efetivas que garantam o acesso igualitário à mediação e promovam campanhas de conscientização sobre seus benefícios. A atuação do Judiciário como agente incentivador da autocomposição é essencial para que a mediação se torne parte da cultura jurídica brasileira, e não apenas uma opção secundária.
Portanto, os resultados da pesquisa confirmam a hipótese proposta: a mediação é uma ferramenta eficaz para a resolução de conflitos de guarda, mas sua efetividade depende da superação de barreiras culturais, institucionais e técnicas. A consolidação dessa prática exige não apenas previsão legal, mas também comprometimento institucional e social com a cultura do diálogo, da escuta e da construção conjunta de soluções.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo analisou a efetividade da mediação nas disputas de guarda no Direito de Família, com foco na sua contribuição para acordos mais pacíficos, sustentáveis e voltados ao melhor interesse da criança. A partir da análise dos aspectos legais, doutrinários e práticos, confirmou-se a hipótese de que a mediação é um instrumento eficiente para reduzir a litigiosidade e os impactos emocionais causados por processos judiciais tradicionais.
Verificou-se que, embora enfrente desafios como a resistência cultural e a insuficiente qualificação de mediadores, a mediação fortalece o diálogo entre os genitores, promove soluções colaborativas e protege a integridade emocional das crianças. Assim, a mediação se apresenta não apenas como uma alternativa viável, mas como uma estratégia fundamental para humanizar a Justiça e garantir o melhor interesse dos menores.
Diante disso, é imprescindível que o Poder Judiciário, os profissionais do Direito e a sociedade civil fortaleçam e promovam o uso da mediação como ferramenta legítima e transformadora na resolução de conflitos familiares. Que este trabalho sirva como convite à reflexão e ao compromisso com uma cultura de paz e diálogo nas relações familiares.
REFERÊNCIAS
AZEVEDO, A. G. de. Mediação de conflitos e práticas restaurativas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019.
AZEVEDO, Mariana Gomes. Mediação de conflitos e o princípio do melhor interesse da criança. Revista Brasileira de Direito de Família, v. 12, n. 3, 2018.
BERNARDES, João Ricardo. Mediação e cultura jurídica no Brasil. Revista de Mediação Familiar, v. 5, n. 2, 2017.
BRASIL. Código Civil. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm. Acesso em: 09 abr. 2025.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Senado Federal, 1988.
BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm. Acesso em: 09 abr. 2025.
BRASIL. Lei nº 13.058, de 22 de dezembro de 2014. Altera os arts. 1.583 e 1.584 da Lei nº 10.406 (Código Civil). Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13058.htm. Acesso em: 09 abr. 2025.
BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 09 abr. 2025.
BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Resolução nº 125, de 29 de novembro de 2010. Institui a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário. Disponível em: https://www.cnj.jus.br. Acesso em: 09 abr. 2025.
COSTA, Renata; SILVA, Carla. Impactos psicológicos da litigância na guarda de filhos: a mediação como alternativa saudável. Revista de Psicologia Jurídica, v. 9, n. 1, 2020.
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 12. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021.
DINIZ, Maria Helena.. Vol. 5. 29. ed. São Paulo: Saraiva, Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito de Família 2020.
GARCIA, Fernanda. Mediação familiar e capacitação de mediadores: um desafio para o Judiciário. Revista Brasileira de Soluções Consensuais, v. 3, n. 1, 2018.
GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2008.
LAGASTRA, Valéria Ferioli. Conflito, autocomposição e heterocomposição. In: BACELLAR, Roberto Portugal; LAGASTRA, Valéria Ferioli (coord.). Conciliação e mediação: ensino em construção. 1. ed. Brasília: IPAM/ENFAM, 2016.
LOPES, Fernanda. A mediação como instrumento de proteção à criança nas disputas de guarda. Revista de Mediação e Justiça, v. 4, n. 2, 2019.
PELAJO, Sílvia. Mediação familiar no Brasil: teoria e prática. São Paulo: Editora Método, 2021. Disponível em: https://books.google.com.br. Acesso em: 09 abr. 2025.
SILVA, José Afonso da. Mediação e conciliação no novo CPC. São Paulo: Atlas, 2021.
TARTUCE, Flávio. Mediação no Direito de Família: diálogos entre o Direito e a Psicologia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2020.
[1] Ney Alexandre Lima Lira, Professor especialista, orientador do Trabalho de Conclusão de Curso do Curso de Direito do Centro Universitário Luterano de Manaus – CEULM/ULBRA/Manaus, AM. E-mail: ney.lira@ulbra.br
Graduando(a) do Curso de Direito do Centro Universitário Luterano de Manaus – CEULM/ULBRA/Manaus, AM.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MADURO, Marcos Do Nascimento. Disputas de guarda no direito de família: a efetividade da mediação como instrumento de resolução de conflitos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 jun 2025, 04:55. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/68964/disputas-de-guarda-no-direito-de-famlia-a-efetividade-da-mediao-como-instrumento-de-resoluo-de-conflitos. Acesso em: 14 ago 2025.
Por: Silvio Junio Soares Jardim
Por: Osvaldo Alves Silva Junior
Por: Luis Alberto Marques Pinheiro
Por: LINCOLN IZAIAS DA SILVA
Por: LUCIMAR ALVES DE SOUZA
Precisa estar logado para fazer comentários.