JOÃO CHAVES BOAVENTURA[1]
(orientador)
RESUMO: O assédio moral no ambiente de trabalho é uma prática recorrente e prejudicial que compromete a saúde mental, emocional e até física do trabalhador. Ele consiste em condutas repetitivas que humilham, constrangem ou desqualificam o profissional, criando um ambiente hostil e degradante. O tema tem ganhado cada vez mais visibilidade no campo jurídico e social, especialmente com a promulgação da Lei nº 14.457/22. Essa nova legislação alterou dispositivos importantes da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), inserindo medidas voltadas à promoção de um ambiente de trabalho mais saudável e seguro. Uma das grandes inovações foi a obrigatoriedade, para empresas com CIPA (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes), de adotar ações de prevenção e combate ao assédio, inclusive o moral. A Lei 14.457/22 foi originada dentro do Programa Emprega + Mulheres e Jovens, com o objetivo de fomentar a inclusão e permanência de mulheres no mercado de trabalho. No entanto, sua abrangência estende-se à proteção de todos os trabalhadores, ao estabelecer diretrizes que buscam coibir práticas abusivas e discriminatórias no ambiente laboral. Entre as principais exigências da nova norma, destaca-se a implementação de mecanismos internos de denúncia, ações de capacitação dos funcionários e gestores sobre práticas de respeito mútuo e integridade no ambiente de trabalho. A lei reforça, assim, a cultura da prevenção e da responsabilidade organizacional. O combate ao assédio moral, sob a ótica da Lei 14.457/22, não se restringe apenas à repressão após a ocorrência, mas visa essencialmente à criação de políticas contínuas de prevenção e conscientização. Essa abordagem preventiva é vista como uma evolução em relação ao modelo meramente punitivo do passado. A lei também coloca a figura do empregador em evidência, atribuindo-lhe deveres claros na promoção de um ambiente ético. O descumprimento das exigências legais pode acarretar sanções administrativas, ações trabalhistas e danos à reputação institucional, aumentando a responsabilidade civil e moral da empresa. Apesar dos avanços, ainda existem desafios significativos quanto à efetiva implementação das medidas previstas na Lei 14.457/22. Muitas empresas carecem de estrutura, recursos ou até de conhecimento para aplicar as mudanças exigidas, o que pode limitar a eficácia da legislação se não houver fiscalização e apoio contínuo. Outro ponto crítico é a dificuldade de comprovação do assédio moral, uma vez que muitas condutas são sutis ou acontecem sem testemunhas. Por isso, a capacitação dos colaboradores sobre seus direitos e deveres e o incentivo à denúncia segura são essenciais para romper o silêncio das vítimas. O papel dos sindicatos e das comissões internas de prevenção ao assédio torna-se ainda mais relevante, funcionando como canais de acolhimento e mediação. Essas entidades podem auxiliar na construção de uma cultura organizacional baseada no respeito, inclusão e valorização do trabalhador. Em conclusão, a Lei 14.457/22 representa um marco importante na luta contra o assédio moral no ambiente de trabalho, ao ampliar a proteção dos trabalhadores e responsabilizar as empresas por omissões. Ainda que haja barreiras a serem superadas, a legislação inaugura uma nova fase de diálogo, prevenção e respeito nas relações de trabalho. A abordagem da Lei 14.457/22 reflete uma tendência global de valorização da dignidade do trabalhador, alinhando-se a convenções internacionais da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que defendem o direito a um ambiente de trabalho seguro e saudável. Dessa forma, o Brasil avança no cumprimento de compromissos internacionais ao integrar essas diretrizes à sua legislação interna. Importante destacar que o assédio moral não se limita às relações hierárquicas tradicionais entre chefes e subordinados, podendo ocorrer também entre colegas de mesmo nível (assédio horizontal) ou até de subordinado para superior (assédio ascendente). A lei busca coibir todas essas formas de violência, promovendo um ambiente mais justo e colaborativo. A efetividade da Lei 14.457/22 depende diretamente do engajamento de gestores e líderes organizacionais, que devem atuar como agentes transformadores dentro das empresas. A promoção de uma liderança ética e empática é fundamental para prevenir comportamentos abusivos e para garantir a aplicação prática das medidas previstas na legislação. A cultura organizacional desempenha um papel determinante no enfrentamento do assédio moral. Empresas que investem em clima organizacional positivo, comunicação transparente e valorização da diversidade tendem a registrar menos casos de assédio, reforçando que a prevenção não é apenas obrigação legal, mas também estratégia de gestão eficiente. Por fim, o enfrentamento ao assédio moral conforme a Lei 14.457/22 não é responsabilidade exclusiva do Estado ou do empregador, mas sim um compromisso coletivo que envolve também os trabalhadores, sindicatos, órgãos fiscalizadores e a sociedade. Somente com uma atuação conjunta será possível erradicar práticas abusivas e consolidar um ambiente laboral mais humano, ético e saudável.
Palavras-chave: Assédio moral; Lei 14.457/22; Ambiente de trabalho; Direitos trabalhistas; Violência laboral.
INTRODUÇÃO
O assédio moral no ambiente de trabalho é uma prática cada vez mais debatida no contexto jurídico e social brasileiro, caracterizando-se por condutas abusivas, repetitivas e prolongadas que expõem o trabalhador a situações humilhantes, constrangedoras ou degradantes durante o exercício de suas funções. Essa forma de violência psicológica compromete a dignidade humana, prejudica a saúde mental e física das vítimas e afeta diretamente a produtividade e o clima organizacional. Com o crescente reconhecimento da importância de ambientes laborais mais justos e respeitosos, surge a necessidade de instrumentos legais que assegurem proteção efetiva aos trabalhadores.
Neste cenário, destaca-se a promulgação da Lei nº 14.457, de 21 de setembro de 2022, que instituiu o Programa Emprega + Mulheres e promoveu relevantes alterações na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Uma das mudanças mais expressivas foi a ampliação das atribuições da antiga Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA), que passou a se chamar Comissão Interna de Prevenção de Acidentes e de Assédio, incorporando, de maneira formal, a preocupação com práticas de assédio no ambiente laboral. A lei estabelece diretrizes para a criação de canais de denúncia, treinamentos sobre condutas éticas e políticas de prevenção e enfrentamento a diversas formas de violência, com foco especial na promoção de ambientes seguros para mulheres — grupo historicamente mais vulnerável a essas situações.
A justificativa da presente pesquisa fundamenta-se na relevância do tema para o direito do trabalho contemporâneo, na proteção da saúde mental dos trabalhadores e na efetivação dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da igualdade. Além disso, a recente alteração legislativa exige aprofundamento acadêmico para compreensão de seus efeitos práticos na rotina das organizações e nas relações laborais. O estudo se mostra essencial para contribuir com a difusão de informações e o aprimoramento de medidas preventivas que assegurem um ambiente de trabalho mais saudável, ético e respeitoso.
Diante disso, o problema de pesquisa que norteia este trabalho é: Em que medida a Lei 14.457/22 contribui para a prevenção e o combate ao assédio moral no ambiente de trabalho? A partir deste problema, formula-se a hipótese de que a Lei 14.457/22 representa um avanço significativo na proteção do trabalhador, ao inserir mecanismos formais de prevenção e combate ao assédio, especialmente por meio da reformulação da CIPA e da exigência de ações efetivas por parte dos empregadores.
O objetivo geral deste trabalho é analisar os impactos da Lei 14.457/22 no enfrentamento ao assédio moral no ambiente de trabalho. Como objetivos específicos, propõe-se: Compreender o conceito jurídico de assédio moral e sua diferenciação de outras formas de violência no trabalho; Investigar as principais mudanças trazidas pela Lei 14.457/22 no que diz respeito à proteção contra o assédio; Avaliar a efetividade das medidas propostas pela nova legislação no combate ao assédio moral; Verificar a importância da CIPA reformulada como ferramenta de prevenção e intervenção.
A metodologia de pesquisa utilizada será de natureza qualitativa, com método dedutivo, por meio de levantamento bibliográfico e documental. A pesquisa será baseada em obras doutrinárias, artigos científicos, legislações pertinentes, relatórios institucionais e jurisprudência atualizada, com o objetivo de construir uma análise crítica e fundamentada sobre a aplicação e a efetividade da norma em estudo.
2. PANORAMA HISTÓRICO E CONSTRUTIVO DO ASSÉDIO MORAL NAS RELAÇÕES DE TRABALHO
A prática do assédio moral não é recente, remontando às formas primitivas de organização laboral, estando presente desde os primeiros agrupamentos sociais e estruturas de trabalho. Contudo, seu reconhecimento e estudo sistemático no Brasil se consolidaram a partir dos anos 2000, impulsionado pela dissertação de mestrado da Dra. Margarida Barreto, apresentada na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), intitulada “Violência, saúde e trabalho – Uma jornada de humilhações”. Esse marco acadêmico trouxe à tona a necessidade de debater e combater práticas abusivas nas relações profissionais.
Posteriormente, diversas cidades brasileiras passaram a legislar sobre o tema, com a pioneira sendo Iracemápolis, no interior de São Paulo, ao promulgar uma lei específica para coibir o assédio moral em instituições públicas. Esse movimento legislativo influenciou outras localidades a adotarem medidas semelhantes. Em 2001, a Dra. Barreto encontrou-se com a psiquiatra e psicanalista francesa Marie-France Hirigoyen, ocasião que deu origem ao Seminário Internacional sobre Assédio Moral, consolidado pela realização do primeiro evento em São Paulo, no ano seguinte.
O assédio moral pode ser caracterizado como qualquer comportamento abusivo – por meio de palavras, gestos ou ações – que compromete a integridade física e/ou psicológica do trabalhador. Essas práticas resultam na desestabilização emocional do indivíduo, atingindo diretamente sua autoestima, comprometendo sua vida profissional e pessoal, e frequentemente conduzindo à perda de rendimento, sofrimento psíquico e, em casos extremos, à ruptura do vínculo empregatício.
De acordo cok Marie-France Hirigoyen (2021, p. 83) define o assédio moral no trabalho como:
"Qualquer conduta abusiva (gesto, palavra, comportamento, atitude) que atente, por sua repetição ou sistematização, contra a dignidade ou integridade psíquica ou física de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o clima de trabalho."
O trabalhador assediado frequentemente se vê submetido a constrangimentos vindos não apenas do empregador, mas também de colegas, superiores hierárquicos, clientes e até terceiros vinculados ao ambiente de trabalho. Segundo Hirigoyen (2001, p. 27), essas práticas estabelecem uma dinâmica perversa de dominação, que busca “submeter o outro até fazê-lo perder a identidade”, reduzindo-o a uma condição de objeto, consumando a desumanização e a coisificação do ser humano.
Essas ações comprometem profundamente a saúde emocional do indivíduo, fragilizam o desempenho laboral e, muitas vezes, forçam a vítima a se desligar da organização por não suportar o ambiente hostil.
2.1. Definições Contemporâneas do Assédio Moral nas Relações Profissionais
A temática do assédio moral no trabalho é complexa e multidimensional. Sua compreensão exige uma análise crítica de seus conceitos e de sua evolução histórica, além da relação direta com os princípios trabalhistas fundamentais. A degradação do ambiente de trabalho, intensificada por comportamentos abusivos, levou à necessidade de regulamentação e de maior atenção por parte das autoridades.
Como destacam Freitas, Heloani e Barreto (2018), durante décadas os problemas relacionados à saúde mental e emocional dos trabalhadores foram ignorados, permitindo que o assédio moral se tornasse uma prática silenciosa e disseminada, especialmente contra mulheres. A dificuldade em identificar e comprovar essas práticas contribuiu para que o fenômeno fosse conhecido como “violência invisível”.
A partir da década de 1980, o médico alemão Heinz Leymann iniciou estudos pioneiros sobre o tema na Europa, dando visibilidade à problemática e contribuindo para sua ampliação no cenário internacional. Stephan (2016) afirma que o assédio moral tem raízes históricas profundas, estando ligado à exploração do ser humano pelo próprio ser humano, sendo uma constante nos modelos de organização laboral ao longo do tempo.
De acordo com Silva (2016, p. 24), o assédio moral consiste:
“Na submissão do trabalhador a situações vexatórias, humilhantes e constrangedoras, de forma contínua e prolongada, dentro ou fora da jornada de trabalho, motivadas pela função que exerce. Tal prática configura um verdadeiro terror psicológico, impactando diretamente a saúde física e mental do empregado, e comprometendo o ambiente laboral e as estruturas organizacionais.”
A definição é reiterada por Hirigoyen (2015), que também destaca o caráter repetitivo da conduta abusiva e seus efeitos deletérios sobre o trabalhador. Além disso, Villela (2024) complementa que o assédio moral é também conhecido como mobbing, psicoterror laboral ou coação moral, traduzindo comportamentos arbitrários que afetam a dignidade, a integridade e a saúde psíquica da vítima, deteriorando o ambiente profissional.
2.2. Fundamentos Jurídicos e Princípios do Trabalho na Prevenção ao Assédio Moral
Os princípios do Direito do Trabalho têm papel fundamental na prevenção e combate ao assédio moral. Eles representam diretrizes estruturais que orientam tanto a elaboração das normas quanto sua aplicação prática, promovendo a justiça nas relações de trabalho.
Conforme Motta (2013), o Direito do Trabalho é sustentado por diversos princípios, entre os quais se destacam: o da dignidade da pessoa humana, o da proteção, o da irrenunciabilidade de direitos, o da continuidade da relação de emprego e o da primazia da realidade.
O princípio da dignidade da pessoa humana é a base de todo o ordenamento jurídico democrático. Ele reconhece no indivíduo um valor intrínseco e inalienável, que deve ser preservado contra qualquer forma de abuso. Para Kumagai e Marta (2024), a dignidade humana possui um caráter ético-jurídico e representa a razão pela qual o Estado deve proteger o ser humano de condutas desumanas, como o assédio moral.
O princípio da proteção reconhece a desigualdade entre empregador e empregado e estabelece mecanismos legais para equilibrar essa relação. Segundo Bertolin (2024), é justamente por ser hipossuficiente que o trabalhador precisa de garantias legais que promovam justiça e equidade no ambiente de trabalho.
Vargas (2024) detalha que o princípio da proteção desdobra-se em três vertentes: o in dubio pro operario (na dúvida, decide-se em favor do trabalhador), a aplicação da norma mais favorável, e a condição mais benéfica. Esses instrumentos visam assegurar interpretações e aplicações normativas que beneficiem o trabalhador, sobretudo quando há lacunas ou conflitos legais.
O princípio da continuidade da relação de emprego, como expõe Vieira (2018), está ligado à ideia de que o emprego é essencial para a dignidade e sobrevivência do trabalhador. Por isso, presume-se sua permanência como regra, sendo a ruptura contratual uma exceção a ser devidamente justificada.
3. FORMAS E DINÂMICAS DO ASSÉDIO NAS RELAÇÕES LABORAIS
O assédio moral pode manifestar-se por diversas condutas, que vão desde a humilhação velada até práticas explícitas de constrangimento. Entre essas manifestações estão o isolamento do trabalhador, a constante desvalorização de suas competências, a imposição de metas inatingíveis que geram frustração e sensação de fracasso, ou ainda tarefas humilhantes alheias à sua função, como a limpeza de banheiros. Situações de “passividade forçada” e exposição repetida a constrangimentos públicos também são práticas comuns.
Para que se configure juridicamente o assédio no ambiente corporativo, é necessário observar certos elementos caracterizadores, tais como: a intenção de causar dano, a invasão à privacidade da vítima, a reincidência das ações abusivas, a premeditação dos atos, a existência de prejuízos psicológicos e a persistência desses comportamentos ao longo do tempo.
Segundo Adriane Reis define esse tipo de conduta como o conjunto de ações abusivas praticadas sistematicamente dentro da relação de trabalho, com o propósito de subjugar ou controlar os trabalhadores por meio do medo, humilhação ou constrangimento, muitas vezes com consequências graves à integridade física, emocional e moral dos envolvidos (Barzotto, 2018).
As atitudes negativas que caracterizam o assédio podem ser expressas por palavras ofensivas, gestos ameaçadores ou até mesmo comportamentos que afetam a autoestima ou a saúde do trabalhador. São exemplos disso: piadas de cunho sexual, toques não consentidos, insinuações e brincadeiras com conteúdo sexista ou discriminatório.
Os diferentes conceitos sobre assédio sexual convergem para alguns pontos comuns, como o comportamento com conotação sexual, não desejado pela vítima, e que prejudica suas condições de trabalho. Tais comportamentos podem ser verbais ou físicos e violam diretamente a dignidade da pessoa no ambiente profissional (Barzotto, 2018).
O movimento #MeToo, difundido pelas redes sociais, contribuiu significativamente para a ampliação das denúncias relacionadas ao assédio sexual no ambiente de trabalho, revelando a urgência em discutir e combater tais práticas no contexto profissional.
Tanto o assédio moral quanto o assédio sexual são condutas lesivas à dignidade do trabalhador e constituem graves violações ao Direito do Trabalho. Essas práticas, além de comprometerem o ambiente laboral, acarretam consequências psicológicas e físicas à vítima, e podem resultar em indenizações por danos morais.
Segundo Castro (2020, p. 23), a vítima de assédio sexual ou de qualquer forma de discriminação possui direito à reparação moral, uma vez que tais práticas ofendem diretamente a sua integridade psíquica e moral, configurando, assim, o dano moral indenizável.
Muitas vezes, a vítima é subordinada diretamente ao agressor hierárquico, o que dificulta a denúncia, seja por medo de retaliação ou por receio de julgamento por parte dos colegas. Nessas situações, o agressor costuma usar sua posição de autoridade ou influência econômica para coagir ou silenciar a vítima.
No entanto, nem sempre o assédio parte da chefia. Muitas vezes, ele é reforçado ou iniciado por colegas de trabalho que se alinham ao comportamento abusivo em troca de vantagens pessoais ou de prestígio junto à liderança. Esse fenômeno é conhecido como “assédio moral horizontal por aderência”, em que os pares contribuem para o ciclo de violência psicológica.
Outra variante é o assédio moral horizontal propriamente dito, caracterizado pelo abuso vindo exclusivamente de colegas de mesmo nível hierárquico. Nessas situações, a empresa pode ser responsabilizada por omissão, já que tem o dever de garantir um ambiente de trabalho saudável e respeitoso.
Também existe o assédio moral ascendente, que ocorre quando o subordinado utiliza seu conhecimento técnico ou estratégico para desestabilizar a chefia, instaurando um ambiente hostil e de desrespeito à autoridade legítima (Aparecida, 2013, p. 26).
Reconhecer as formas que o assédio pode assumir dentro das organizações é o primeiro passo para combatê-lo de forma eficaz. É necessário identificar os padrões e tomar medidas institucionais para garantir a saúde e a dignidade de todos no ambiente de trabalho.
3.1. Dinâmicas e Modalidades do Assédio Moral no Âmbito Laboral
O assédio moral no ambiente de trabalho configura-se como um fenômeno complexo e de difícil detecção, especialmente por se manifestar de forma sutil e muitas vezes imperceptível, inclusive para a própria vítima. Conforme aponta Ligório (2018), trata-se de uma ameaça silenciosa, que pode passar despercebida se não houver um esforço de conceituação e identificação. O assédio moral caracteriza-se por atitudes e gestos reiterados que expõem o trabalhador a situações vexatórias e humilhantes, com o objetivo ou efeito de violar sua dignidade, abalando sua saúde psíquica e, por vezes, física, comprometendo sua atuação profissional e bem-estar geral.
Para Garcia (2017) destaca que a habitualidade é elemento essencial para a configuração do assédio moral. Isso implica que a conduta abusiva deve ocorrer de maneira contínua e prolongada, tornando-se parte da rotina do ambiente laboral, a ponto de causar insegurança, desvalorização e sofrimento constante à vítima. É, portanto, indispensável que a conduta agressora não seja esporádica, mas sistemática.
De acordo com Miranda (2017):
O assédio pode ter como ponto de partida aspectos diversos da vítima, não se limitando ao desempenho profissional. A desqualificação pode envolver a aparência física, crenças pessoais ou até mesmo sua forma de se expressar. O agressor tende a utilizar recursos como o sarcasmo, o deboche, a exclusão e o desprezo para promover o isolamento da vítima, minando sua autoestima e dificultando sua inserção social no ambiente de trabalho.
As atitudes típicas do assédio moral refletem-se, assim, em práticas de exclusão, depreciação e constrangimento. Tais práticas, conforme Silva (2016), ocorrem majoritariamente em relações hierárquicas, onde o assediador ocupa posição de superioridade em relação à vítima. Contudo, o autor salienta que essa não é uma condição absoluta:
“Como regra geral, assediador e vítima devem estar separados por uma relação de verticalização profissional (essencialmente quando nos reportamos ao assédio moral vertical), ainda que não seja exigível a caracterização da relação empregatícia formal. Temos nos referido constantemente a superiores e subordinados, devendo ser ressaltado que esta relação também está caracterizada, para fins de reconhecimento do assédio moral, em relação a diaristas, estagiários e terceirizados” (SILVA, 2016, p. 39).
Dessa forma, o assédio moral também pode ocorrer entre colegas do mesmo nível hierárquico ou, em situações menos frequentes, de subordinados em relação aos superiores. Assim, a existência de uma subordinação formal não é um critério determinante.
Por fim, Lopes (2016) acrescenta que os instrumentos utilizados no assédio moral frequentemente são empregados com o intuito deliberado de prejudicar a vítima, revelando uma intencionalidade perversa por parte do assediador. Esses mecanismos se manifestam por meio de palavras, atitudes ou omissões que visam desestabilizar emocionalmente o trabalhador.
3.2. Classificação das Formas de Assédio Moral nas Relações de Trabalho
A doutrina especializada classifica o assédio moral segundo a natureza das relações entre os sujeitos envolvidos. Facure (2016) identifica três categorias principais: horizontal, vertical (ascendente e descendente) e misto.
O assédio moral horizontal ocorre entre trabalhadores que compartilham o mesmo nível hierárquico. Um exemplo comum é quando um empregado menospreza outro por não atingir metas, criando um ambiente competitivo hostil. Essa forma de assédio demonstra que o poder hierárquico não é pré-requisito para a prática da violência moral.
O assédio moral vertical descendente, por sua vez, é o mais recorrente, sendo caracterizado pelo abuso do poder hierárquico por parte do empregador ou superior. Nesse contexto, o chefe utiliza sua posição para expor o subordinado a constrangimentos e pressões desmedidas. Já o assédio moral vertical ascendente se configura quando um subordinado adota comportamentos desrespeitosos ou depreciativos em relação ao superior, desafiando sua autoridade e competência.
Hirigoyen (2015) reforça que a distinção entre essas modalidades reside no posicionamento do agente assediador. Quando a violência moral é exercida de cima para baixo, trata-se de assédio descendente; quando parte do subordinado, é classificada como ascendente. Ambas compartilham o caráter destrutivo da dignidade da vítima, ainda que por caminhos distintos.
Já o assédio moral misto combina elementos das formas anteriores, envolvendo tanto superiores quanto colegas de trabalho no processo de violência psicológica contra a vítima. Conforme Hirigoyen (2015), esse tipo de assédio se manifesta quando o trabalhador é hostilizado simultaneamente por seus pares e superiores. Inicialmente, as agressões podem partir de um único agressor, mas com o tempo tendem a se disseminar no grupo, levando os demais colegas a participarem direta ou indiretamente da exclusão e humilhação da vítima.
Facure (2016) destaca que o assédio misto é particularmente nocivo, pois tende a isolar completamente o trabalhador e multiplicar as agressões, resultando em profundo sofrimento psicológico. Frequentemente, colegas se somam ao assédio por influência do ambiente, ou por acreditarem na suposta incompetência da vítima, naturalizando a conduta abusiva.
Em síntese, o assédio moral no trabalho pode assumir múltiplas formas, todas com consequências severas para a saúde mental e emocional do trabalhador. A compreensão dessas modalidades é essencial para que se possa identificar e combater esse tipo de violência de forma eficaz dentro das organizações.
4. REPERCUSSÕES JURÍDICAS DO ASSÉDIO MORAL: A RESPONSABILIDADE CIVIL DO OFENSOR
A responsabilização civil decorrente do assédio moral no ambiente de trabalho tem como finalidade assegurar à vítima a reparação dos danos sofridos, especialmente no que tange à esfera moral. Trata-se de um mecanismo jurídico que visa restaurar, na medida do possível, a dignidade lesada do trabalhador, permitindo-lhe pleitear judicialmente a compensação por violações de direitos fundamentais.
Embora o ordenamento jurídico brasileiro ainda careça de legislação específica que trate exclusivamente do assédio moral, é plenamente viável, com base nos princípios gerais do Direito Civil e do Direito do Trabalho, o ajuizamento de ação reparatória com fundamento na responsabilidade civil. Nesse contexto, a atuação do Poder Judiciário torna-se essencial na garantia dos direitos do trabalhador afetado, cabendo-lhe aplicar os dispositivos legais já existentes de forma compatível com a complexidade dos danos causados por essa prática abusiva.
Destaca-se, nesse cenário, o papel institucional do Ministério Público do Trabalho, cuja legitimidade decorre da própria Constituição Federal de 1988, especialmente do artigo 127. Esse dispositivo atribui ao órgão a missão de proteger os interesses sociais e individuais indisponíveis, dentre os quais se inclui a promoção da dignidade do trabalhador e a repressão a condutas que comprometam seu bem-estar físico, mental e emocional.
Conforme observa Gonçalves (2015, p. 44), o atual Código Civil brasileiro confere ao magistrado maior flexibilidade para fixar a indenização por dano moral, especialmente por meio do parágrafo único do artigo 953, permitindo que a análise da extensão do prejuízo moral seja realizada com base nos princípios da equidade e da razoabilidade. Tal postura representa avanço em relação ao Código Civil de 1916, que vinculava o valor da indenização às penas previstas para crimes contra a honra no Código Penal.
Nesse sentido, a Constituição Federal, em seu artigo 5º, incisos V e X, estabelece com clareza o direito à indenização por danos materiais e morais decorrentes da violação à honra, imagem, vida privada e intimidade das pessoas. O texto constitucional garante não apenas a proteção desses direitos, como também oferece instrumentos jurídicos para que as vítimas possam exigir a devida reparação. Veja-se:
Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
Portanto, ainda que ausente uma lei federal específica sobre assédio moral, a combinação dos princípios constitucionais com as normas civis e trabalhistas vigentes oferece um caminho eficaz para responsabilizar os ofensores e reparar os danos causados à vítima. A jurisprudência pátria tem, inclusive, reforçado a tendência de reconhecer a gravidade dessa conduta, contribuindo para a construção de uma cultura de prevenção e responsabilização no ambiente corporativo.
O assédio moral no ambiente laboral representa uma prática abusiva que acarreta sérias implicações à saúde física, emocional e social da vítima. Sua presença reiterada nas relações profissionais pode provocar um cenário de desgaste extremo, comprometendo não apenas a produtividade, mas também a dignidade e o bem-estar do trabalhador.
Conforme demonstrado nos estudos de Hirigoyen (2015), os primeiros reflexos desse tipo de violência psicológica manifestam-se por meio de sintomas como estresse constante, ansiedade, depressão e distúrbios psicossomáticos. Em situações mais severas, o quadro pode evoluir para transtornos psíquicos complexos, como o estresse pós-traumático, além de alterações psíquicas profundas, incluindo neuroses, paranoia e até mesmo episódios psicóticos. Esses efeitos não se limitam ao contexto profissional, mas reverberam na vida pessoal da vítima, atingindo seu convívio familiar e social.
De acordo com Alkimin (2013), os danos decorrentes do assédio extrapolam o local de trabalho, prejudicando também os relacionamentos interpessoais fora da empresa. O ambiente de trabalho, sob tais circunstâncias, torna-se hostil e conflituoso, propiciando o isolamento da vítima, o enfraquecimento de vínculos e a perda de qualidade de vida. A tensão constante entre colegas, superiores e subordinados afeta diretamente a saúde organizacional, gerando prejuízos à coletividade.
Embora o assédio moral configure uma conduta lesiva, ainda não há, no ordenamento jurídico penal brasileiro, uma tipificação específica que trate diretamente do tema. Contudo, conforme destaca Alkimin (2015), certas práticas assediadoras podem ser enquadradas em crimes já previstos no Código Penal, como os crimes contra a honra (difamação – art. 139 e injúria – art. 140), maus-tratos (art. 136) e constrangimento ilegal (art. 146). Tais infrações podem ensejar sanções penais independentes das reparações civis, que visam indenizar o dano moral causado.
Além dos impactos emocionais e sociais, o assédio moral compromete diretamente a eficiência do trabalho. A insegurança sentida pelo trabalhador reflete-se na queda de desempenho e na deterioração da qualidade das atividades realizadas, criando um ciclo de instabilidade, medo e desmotivação.
4.1. Instrumentos e Estratégias para a Comprovação do Assédio Moral
No campo jurídico, a prova exerce papel central na busca pela responsabilização do agressor. Etimologicamente derivada do latim probare, a prova tem como finalidade evidenciar a ocorrência de um fato relevante para o processo. Segundo Gonçalves (2013, p. 370), trata-se dos meios que permitem ao juiz formar seu convencimento acerca dos eventos controvertidos de interesse à causa.
O assédio moral pode ser demonstrado por meio de diferentes recursos, como gravações de áudio, mensagens de texto (WhatsApp), e-mails, bilhetes com ameaças ou conteúdos ofensivos, além de depoimentos testemunhais. Tais elementos são essenciais para a formação de um conjunto probatório sólido.
Conforme orientação de Martha Schimid (2013, p. 104), é fundamental que a vítima adote medidas preventivas e estratégicas para documentar os episódios de assédio. Entre essas ações, destacam-se:
Conversar com o agressor na presença de testemunhas;
Comunicar o assédio ao superior imediato ou aos canais internos da empresa;
Buscar apoio junto ao sindicato ou representantes sindicais;
Consultar o médico do trabalho, se disponível;
Recorrer à fiscalização do trabalho e órgãos especializados;
Procurar orientação jurídica, psicológica e institucional (como os Conselhos da OAB ou associações de defesa dos direitos dos trabalhadores);
Reunir relatos e provas de outros possíveis casos envolvendo o mesmo agressor;
Obter atestados médicos que atestem o impacto psicológico sofrido;
Registrar todos os fatos de forma cronológica e organizada.
É importante destacar que o testemunho de colegas de trabalho possui grande relevância, embora nem sempre esteja disponível. Muitas vezes, o medo de represálias ou a influência do empregador inibe as testemunhas, comprometendo a veracidade dos depoimentos. Por isso, o depoimento de ex-funcionários, que não estão mais sujeitos à hierarquia da empresa, pode ser uma alternativa viável e mais segura.
Ainda, o uso de gravações realizadas pela própria vítima pode constituir prova válida, desde que o conteúdo comprove de maneira clara a ocorrência do assédio. Tanto gravações ambientais quanto conversas telefônicas podem ser utilizadas, desde que não violem direitos constitucionais e respeitem os critérios legais de admissibilidade.
4.2. Políticas de Equidade no Mercado de Trabalho: Avanços com a Lei 14.457/2022
Com a publicação da Lei nº 14.457, de setembro de 2022, no Diário Oficial da União, foi estabelecido o Programa Emprega + Mulheres, além de promovidas modificações relevantes na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Essa legislação resulta da conversão da Medida Provisória nº 1.116, de maio do mesmo ano, com as alterações introduzidas pelo Congresso Nacional. A norma também promoveu mudanças em outras legislações importantes, como as Leis nº 11.770/08, nº 13.999/20 e nº 12.513/11.
Um dos principais méritos da nova legislação é a ênfase nas garantias e proteções voltadas à mulher no mercado de trabalho, respondendo aos desafios que se agravaram com a pandemia de Covid-19. Durante esse período, observou-se um acentuado retrocesso nas condições laborais femininas, o que impulsionou o governo a adotar medidas corretivas voltadas à equidade de gênero (Lima, 2022).
Entre os objetivos centrais da nova regulamentação estão: a promoção da igualdade salarial entre homens e mulheres que desempenham funções equivalentes; o enfrentamento de diferentes formas de violência e assédio no ambiente de trabalho; o incentivo à parentalidade ativa, especialmente na primeira infância; e a priorização do trabalho remoto para mulheres com filhos pequenos ou com deficiência. Além disso, a lei institui o Selo Emprega + Mulher, promove mudanças na qualificação profissional e fomenta o microcrédito feminino.
De acordo com o IBGE, a diferença salarial entre homens e mulheres gira em torno de 20,5%, mesmo quando ocupam cargos semelhantes. Esse dado alarmante reforça a importância de políticas públicas que promovam igualdade de oportunidades, valorização profissional e acesso a posições de liderança pelas mulheres. Embora as mulheres componham uma parcela significativa da força de trabalho, sua presença em cargos de direção ainda é muito inferior à dos homens, revelando uma disparidade estrutural a ser superada.
A legislação em análise estimula também o desenvolvimento de iniciativas sociais e educacionais que ampliem o acesso das mulheres ao mercado de trabalho, além de garantir a efetivação de direitos previstos na Constituição Federal. O artigo 5º da Constituição assegura a igualdade de direitos e deveres entre homens e mulheres, enquanto o artigo 7º estabelece como direito fundamental a proteção ao trabalho feminino e a proibição de discriminação por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil (BRASIL, 2022).
O Programa Emprega + Mulheres, conforme estabelecido no artigo 1º da Lei 14.457/22, tem como foco a inserção e permanência das mulheres no mercado de trabalho, por meio de medidas práticas e estruturais. Entre elas, destacam-se:
Apoio à parentalidade na primeira infância, com o pagamento de reembolso-creche e incentivo à manutenção de creches por entidades autônomas;
a) Flexibilização das relações de trabalho, possibilitando o regime remoto, jornada parcial, banco de horas, turnos alternados (12x36), antecipação de férias e horários flexíveis;
b) Qualificação profissional, com incentivo à formação de mulheres em áreas estratégicas, incluindo a priorização de vítimas de violência doméstica em cursos dos serviços nacionais de aprendizagem;
c) Retorno ao trabalho pós-licença-maternidade, com possibilidade de suspensão do contrato do pai para acompanhamento do desenvolvimento da criança e flexibilização na prorrogação da licença-maternidade;
d) Reconhecimento de boas práticas de inclusão feminina, através do selo Emprega + Mulher;
e) Prevenção e combate ao assédio sexual e outras formas de violência no ambiente laboral;
f) Fomento ao microcrédito voltado a mulheres, especialmente para fomentar o empreendedorismo feminino.
A lei adota uma visão ampliada de parentalidade, considerando o vínculo socioafetivo e a responsabilidade compartilhada na criação e educação de crianças e adolescentes, conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90).
Ao interpretar os dispositivos da Lei nº 14.457/22, é possível perceber que, embora tenha como foco inicial o incentivo à permanência da mulher no mercado de trabalho, suas diretrizes também refletem uma política mais ampla de promoção da equidade parental e de flexibilização das relações de trabalho para diversos públicos. Segundo Paranhos (2022), a normativa não apenas assegura a proteção à maternidade, mas também favorece práticas inclusivas que impactam positivamente a sociedade como um todo.
Em suma, a Lei 14.457/22 representa um passo importante na construção de um mercado de trabalho mais justo, inclusivo e adaptado às necessidades contemporâneas, especialmente no contexto pós-pandemia. Seu impacto vai além da proteção individual da mulher, promovendo transformações estruturais voltadas à equidade de gênero e à valorização da diversidade nas relações laborais.
4.3. Medidas da Lei 14.457/2022 no Enfrentamento ao Assédio no Ambiente Laboral
A Lei nº 14.457/2022 promoveu importantes mudanças na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), incluindo alterações significativas na antiga Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA), que passou a ser denominada Comissão Interna de Prevenção de Acidentes e de Assédio. Essa modificação representa um avanço ao reconhecer formalmente o assédio como um problema estrutural no ambiente corporativo, exigindo sua prevenção ativa.
Com a nova redação legal, empresas são obrigadas a estabelecer regras de conduta, desenvolver ações educativas e treinamentos sobre assédio, além de implementar um canal específico para denúncias, assegurando o acolhimento das vítimas e a apuração dos casos com responsabilidade.
Embora o texto legal destaque com mais ênfase o assédio sexual, em especial por sua forte incidência sobre mulheres no mercado de trabalho, o escopo da legislação se estende também a outras formas de violência, conforme expresso no inciso VI do artigo 1º:
“VI - prevenção e combate ao assédio sexual e a outras formas de violência no âmbito do trabalho.”
Dessa forma, entende-se que o dispositivo abarca também o assédio moral, psicológico, bullying organizacional (conhecido como mobbing), entre outras práticas abusivas que comprometem a saúde física e emocional dos trabalhadores, em especial das mulheres, que historicamente são mais expostas a essas situações no contexto profissional.
Portanto, a Lei 14.457/22 não apenas atualiza a terminologia e responsabilidades da CIPA, mas também reforça o compromisso legal com um ambiente de trabalho seguro, saudável e igualitário, promovendo ações concretas de prevenção e enfrentamento ao assédio em suas múltiplas formas.
CONCLUSÃO
A promulgação da Lei 14.457/22 representa um avanço fundamental na construção de um ambiente de trabalho mais seguro, ético e respeitoso, especialmente ao tratar com seriedade o tema do assédio moral. Ao alterar dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a lei introduz mudanças estruturais nas práticas organizacionais, com destaque para a reformulação da CIPA, agora também voltada à prevenção de assédios.
A reconfiguração da CIPA, que passa a incluir a responsabilidade de prevenir o assédio moral e sexual, revela uma nova mentalidade legislativa centrada na prevenção e na promoção da dignidade no ambiente laboral. O reconhecimento legal de que o assédio moral é uma forma de violência institucionalizada reforça a urgência de ações que combatam esse comportamento de maneira clara e objetiva. O Programa Emprega + Mulheres, que serve como base para a edição da Lei 14.457/22, também demonstra a preocupação com a permanência da mulher no mercado de trabalho, livre de hostilidades e práticas abusivas.
A pesquisa permitiu constatar que a nova legislação propõe ações concretas, como treinamentos sobre conduta ética e a instalação de canais de denúncia eficazes, fundamentais para combater o assédio no cotidiano das empresas. A lei amplia o conceito de assédio para incluir não apenas o sexual, mas também o moral, psicológico e outras formas de violência no trabalho, tornando a legislação mais abrangente e atualizada.
Isso significa que situações muitas vezes naturalizadas nas relações de trabalho, como humilhações públicas, intimidações e exclusões sistemáticas, passam a ser reconhecidas como inaceitáveis e passíveis de sanção. A proteção oferecida pela Lei 14.457/22, embora válida para todos os trabalhadores, tem um foco especial na mulher, que é historicamente mais exposta a contextos de assédio no ambiente laboral. Essa ênfase na proteção feminina é um reflexo direto das desigualdades de gênero ainda existentes no mercado de trabalho, como diferenças salariais, menor representatividade e maior exposição a condutas abusivas.
A institucionalização de canais internos de denúncia fortalece a autonomia dos trabalhadores para se manifestarem contra situações de abuso, quebrando o ciclo de silêncio muitas vezes imposto por medo de retaliação. No entanto, a mera existência desses canais não garante sua eficácia. É preciso que as empresas assegurem sigilo, proteção contra represálias e tratamento adequado às denúncias recebidas.
Além disso, a efetividade das ações propostas pela lei depende diretamente do comprometimento da gestão das empresas, principalmente das lideranças, que devem servir de exemplo ético e responsável. A criação de uma cultura organizacional baseada no respeito, na equidade e na valorização do trabalhador é condição essencial para que as mudanças propostas não fiquem apenas no papel.
A educação corporativa, com treinamentos contínuos sobre assédio, relações interpessoais e direitos dos trabalhadores, é outro instrumento eficaz na mudança de cultura e prevenção de conflitos. O cumprimento das novas normas exige, ainda, fiscalização eficiente por parte dos órgãos públicos e atuação ativa dos sindicatos, que devem zelar pelo cumprimento dos direitos trabalhistas. Observa-se que, mesmo com avanços normativos, a normalização de comportamentos abusivos ainda é um desafio cultural que exige tempo, educação e compromisso para ser superado.
A desconstrução de práticas autoritárias e a promoção de ambientes mais colaborativos são metas possíveis, mas que exigem ação coordenada entre Estado, empregadores, trabalhadores e a sociedade civil.
A legislação também contribui para a redução do adoecimento mental relacionado ao trabalho, um problema crescente que afeta a produtividade e o bem-estar dos trabalhadores.
Dessa forma, investir na prevenção do assédio moral também é uma estratégia inteligente de gestão empresarial, pois reduz custos com afastamentos, ações judiciais e rotatividade de pessoal.
Ainda que a Lei 14.457/22 represente um marco legal, sua implementação não elimina a necessidade de aperfeiçoamento contínuo das políticas públicas voltadas à saúde e segurança no trabalho. Cabe também às instituições de ensino e formação profissional o papel de incluir temas como ética no trabalho, direitos humanos e combate ao assédio em seus currículos, promovendo uma mudança geracional na forma de lidar com o outro.
A atuação preventiva e formativa é mais eficiente e menos onerosa do que medidas corretivas aplicadas tardiamente, quando o dano à dignidade do trabalhador já está consumado. A lei mostra-se como uma ferramenta importante de transformação social, ao incentivar uma convivência profissional mais humana, ética e igualitária.
A criação de ambientes de trabalho seguros e livres de assédio não é apenas um direito legal, mas um imperativo moral que deve guiar a atuação de todos os envolvidos nas relações laborais. Além disso, a visibilidade dada ao assédio moral por meio da legislação colabora para o empoderamento dos trabalhadores, que passam a conhecer e reivindicar seus direitos com maior segurança. Também é fundamental considerar que a legislação não deve ser vista como um ponto de chegada, mas como parte de um processo contínuo de aperfeiçoamento do sistema trabalhista brasileiro.
As futuras políticas públicas devem considerar os resultados obtidos com a implementação da Lei 14.457/22, promovendo ajustes e novos mecanismos de enfrentamento ao assédio nas empresas. A integração de esforços entre poder público, iniciativa privada e trabalhadores é essencial para que o Brasil avance rumo a um mercado de trabalho mais digno, ético e seguro.
Por fim, a conclusão desta pesquisa reafirma que a Lei 14.457/22 é um marco jurídico relevante na luta contra o assédio moral, mas seu sucesso dependerá da capacidade coletiva de transformar normas em ações efetivas e duradouras dentro do ambiente de trabalho.
REFERÊNCIAS
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[1] Professor, Mestre, orientador do Artigo de Trabalho de Conclusão de Curso, do Centro Universitário Luterano de Manaus – CEULM/ULBRA/Manaus, AM. E-mail:
Acadêmico do Curso de Direito do Centro Universitário Luterano de Manaus – CEULM/ULBRA/Manaus, AM.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOARES, Naara de Souza. Assédio moral no ambiente de trabalho conforme Lei 14.457/22 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 jun 2025, 04:49. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/68866/assdio-moral-no-ambiente-de-trabalho-conforme-lei-14-457-22. Acesso em: 14 ago 2025.
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