Resumo: O presente artigo tem por objetivo analisar os elementos fundamentais da teoria do crime no Direito Penal brasileiro, quais sejam: tipicidade, antijuridicidade, culpabilidade e pena. Adotando uma abordagem teórico-dogmática, o estudo parte da concepção tripartida do crime, amplamente aceita pela doutrina nacional, e investiga como esses elementos são aplicados na prática penal, com ênfase no regime especial de cumprimento de pena. A análise percorre desde os conceitos clássicos até interpretações contemporâneas, com base em autores consagrados, buscando demonstrar como a correta identificação desses elementos influencia a responsabilização penal do agente. Por fim, o trabalho discute a problemática da seletividade do sistema penal brasileiro, evidenciando como a aplicação desigual da teoria do crime pode comprometer a efetividade da justiça penal.
Palavras-chave: Direito Penal. Teoria do crime. Tipicidade. Antijuridicidade. Pena.
Abstract: This article aims to analyze the fundamental elements of the theory of crime in Brazilian Criminal Law, namely: typicity, unlawfulness, culpability, and punishment. Using a theoretical-dogmatic approach, the study is based on the tripartite conception of crime, widely accepted by national doctrine, and examines how these elements are applied in criminal practice, with emphasis on the special regime of sentence enforcement. The analysis covers both classical concepts and contemporary interpretations, based on renowned authors, aiming to show how the correct identification of these elements influences the criminal liability of the offender. Finally, the paper addresses the issue of selectivity in the Brazilian criminal system, highlighting how the unequal application of crime theory can undermine the effectiveness of criminal justice.
Keywords: Criminal Law. Theory of crime. Typicity. Unlawfulness. Punishment.
Sumário: Introdução. 1. Elementos da teoria do crime no Direito Penal brasileiro. 2. Tipicidade e suas implicações práticas. 3. Antijuridicidade e as causas de exclusão da ilicitude. 4. Culpabilidade como reprovação da conduta. 5. A pena e o regime especial de cumprimento. 6. A seletividade na aplicação da teoria do crime. Conclusão. Referências.
Introdução
O Direito Penal brasileiro estrutura-se sobre pilares dogmáticos fundamentais que delimitam o conceito de crime e autorizam a intervenção do Estado na esfera da liberdade individual. Entre esses pilares, destacam-se a tipicidade, a antijuridicidade e a culpabilidade como elementos essenciais à configuração do delito. A pena, por sua vez, surge como a resposta estatal diante da prática de uma conduta criminalmente relevante. Com base nessa perspectiva analítica, o presente trabalho busca compreender como tais elementos se articulam na teoria do crime e quais impactos produzem na prática penal, com especial atenção à aplicação do regime especial de cumprimento de pena.
A metodologia adotada é qualitativa e bibliográfica, com base em autores clássicos e contemporâneos do Direito Penal, como Bitencourt, Greco, Zaffaroni e Welzel. A estrutura do trabalho organiza-se em torno da análise dos quatro pilares da teoria do crime, finalizando com a discussão de uma problemática crítica: a seletividade do sistema penal brasileiro e os desafios para a efetiva realização da justiça penal.
A teoria tripartida do crime compreende o crime como uma conduta humana que reúne três elementos fundamentais: tipicidade, ilicitude (ou antijuridicidade) e culpabilidade. A ausência de qualquer desses elementos impede a caracterização do crime e, consequentemente, a aplicação da pena.
A tipicidade refere-se à adequação da conduta do agente ao tipo penal previsto na legislação. Divide-se em tipicidade formal e material. Além disso, a teoria da tipicidade conglobante, de Zaffaroni, amplia essa análise ao considerar a harmonia da conduta com o ordenamento jurídico como um todo.
A antijuridicidade é a contrariedade da conduta com o ordenamento jurídico. Quando há causas legais (art. 23 do CP) ou supralegais que justificam o fato, a ilicitude é afastada, como ocorre na legítima defesa ou no estado de necessidade.
A culpabilidade é o juízo de reprovação pessoal que recai sobre o agente. Pressupõe três elementos: imputabilidade, consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa. Sua ausência impede a aplicação da pena.
A pena deve ser aplicada com base na culpabilidade e observando os princípios da proporcionalidade e individualização. O regime especial, voltado a grupos vulneráveis, deve respeitar a dignidade humana, conforme preconizado pelo STF.
Apesar da construção teórica coerente, a aplicação prática da teoria do crime revela desigualdades. O sistema penal tende a incidir de forma mais severa sobre populações marginalizadas, o que demonstra uma seletividade que compromete a isonomia. A interpretação casuística dos elementos do crime muitas vezes é utilizada para justificar penas mais duras contra determinados grupos sociais.
A compreensão dos elementos da teoria do crime é essencial para a aplicação justa do Direito Penal. Tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade devem ser criteriosamente analisadas para legitimar a imposição da pena. Contudo, observa-se que a seletividade do sistema penal desafia a efetiva realização da justiça, exigindo uma postura crítica dos operadores do direito e uma reflexão constante sobre o papel da dogmática penal na realidade brasileira.
O Direito Penal brasileiro baseia-se em princípios fundamentais para a aplicação da lei penal, sendo a tipicidade, a antijuridicidade e a culpabilidade elementos essenciais na configuração do crime. A pena, por sua vez, representa a sanção imposta pelo Estado ao indivíduo que infringe a norma penal. O presente trabalho tem por objetivo analisar esses elementos sob a ótica da teoria do crime, destacando sua importância na prática penal e seu impacto na aplicação do regime especial.
A compreensão do conceito de crime sob a perspectiva analítica permite uma abordagem sistemática do Direito Penal. A doutrina majoritária adota a teoria tripartite do crime, que considera crime toda conduta humana que reúna os requisitos da tipicidade, ilicitude e culpabilidade. A ausência de qualquer um desses elementos descaracteriza o crime, impossibilitando a aplicação da sanção penal ao agente.
1. Elementos da teoria do crime no Direito Penal brasileiro
Falar sobre teoria do crime é, antes de tudo, entender como o Direito Penal escolhe os comportamentos que merecem punição e como ele estrutura essa resposta estatal. No Brasil, a base dessa construção se apoia na chamada teoria tripartida, bastante difundida entre juristas e operadores do direito. Segundo essa visão, para que uma conduta seja considerada crime, ela precisa preencher três requisitos indispensáveis: ser típica, antijurídica e culpável (BITENCOURT, 2020, p. 149). Trata-se de um modelo que, além de técnico, tem uma função garantista, na medida em que impede que qualquer conduta socialmente reprovável seja criminalizada de forma arbitrária.
A tipicidade é o primeiro passo dessa jornada. É ela quem nos diz se o fato praticado pelo agente encontra correspondência nas descrições penais da lei. Ou seja, sem previsão legal, não há crime — e isso protege os cidadãos de interpretações penais abusivas (GRECO, 2019, p. 218). Depois vem a antijuridicidade, que avalia se o fato, embora típico, é realmente contrário ao ordenamento jurídico, ou se há alguma justificativa legal que autorize aquela conduta, como nos casos de legítima defesa. Por fim, a culpabilidade se volta ao sujeito do fato, analisando se ele tinha condições de entender e agir de forma diferente. Esse terceiro elemento é profundamente ligado à ideia de responsabilidade moral e liberdade de escolha (JESUS, 2021, p. 63).
Essa forma de pensar o crime não surgiu do nada. Ela foi sendo refinada ao longo do tempo, com contribuições importantes de juristas europeus, como Hans Welzel, que trouxe a noção de finalidade para o centro da análise penal (WELZEL, 2015, p. 42). No Brasil, autores como Cezar Roberto Bitencourt e Damásio de Jesus contribuíram para adaptar essa teoria à nossa realidade jurídica, explicando-a de forma acessível e mostrando como ela funciona, de fato, nos tribunais. Bitencourt (2020), por exemplo, ressalta que essa estrutura protege o cidadão comum contra abusos e permite que juízes tenham critérios objetivos para decidir.
Apesar da solidez teórica, é preciso reconhecer que a prática nem sempre segue o ideal. Críticos como Zaffaroni (2018) chamam atenção para os riscos de se aplicar essa teoria de maneira mecânica ou seletiva, especialmente em contextos sociais marcados pela desigualdade. Para ele, o Direito Penal, muitas vezes, é usado como ferramenta de controle social, atingindo com mais rigor os grupos vulneráveis. Essa crítica não invalida a teoria, mas nos alerta para a importância de aplicá-la com sensibilidade, olhando além do papel e considerando os contextos reais.
Portanto, mais do que uma construção acadêmica, a teoria do crime precisa ser compreendida como um instrumento prático e ético, que orienta a aplicação justa da lei penal. Dominar esses conceitos é essencial para qualquer operador do Direito que deseje atuar com responsabilidade e compromisso com os princípios do Estado de Direito.
2. Tipicidade e suas implicações práticas
A tipicidade constitui o primeiro elemento a ser examinado na configuração do crime, sendo fundamental para assegurar que a conduta do agente esteja adequadamente enquadrada no ordenamento jurídico penal. Conforme Bitencourt (2020, p. 311), a tipicidade pode ser entendida como a adequação da conduta humana ao tipo penal previsto em lei. Dessa forma, para que uma ação seja considerada criminosa, é imprescindível que ela se enquadre exatamente nos preceitos estabelecidos pelo Direito Penal. Caso contrário, a conduta não poderá ser imputada como ilícita.
No âmbito da tipicidade, distingue-se a tipicidade formal da tipicidade material. A tipicidade formal refere-se à correspondência estrita entre o comportamento do agente e a descrição normativa do crime — ou seja, a adequação fática ao tipo penal. Já a tipicidade material envolve uma análise mais profunda, relacionada à relevância e à lesividade da conduta para o bem jurídico tutelado, considerando o impacto efetivo da ação sobre o interesse protegido (GRECO, 2019). Assim, a tipicidade material complementa a formal ao avaliar se a conduta, além de se enquadrar na descrição legal, gera um prejuízo significativo que justifique a intervenção penal.
A ausência de tipicidade, seja formal ou material, impede a configuração do crime, afastando, consequentemente, a responsabilização penal do agente. Isso reforça o papel da tipicidade como filtro essencial para a atuação do Direito Penal, evitando a punição arbitrária ou indevida.
Além disso, merece destaque a teoria da tipicidade conglobante, formulada por Eugenio Raúl Zaffaroni:
Para que uma conduta seja típica, não basta que ela se adeque ao tipo penal isoladamente; é necessário que esteja em desarmonia com o conjunto do ordenamento jurídico. Ou seja, a conduta deve ser proibida por todo o sistema jurídico, não apenas pela norma penal em sentido estrito (ZAFFARONI, 2018, p. 219).
Essa concepção amplia a compreensão da tipicidade, valorizando a análise integrada das normas e princípios que compõem o Direito.
Na prática, a tipicidade assume um papel decisivo para assegurar que o Direito Penal não ultrapasse seus limites, garantindo que somente condutas verdadeiramente ilícitas, conforme o ordenamento como um todo, sejam punidas. Isso protege o indivíduo contra a aplicação indevida da norma penal e preserva a legitimidade do sistema jurídico.
3. Antijuridicidade e as causas de exclusão da ilicitude
A antijuridicidade, também conhecida como ilicitude, é o segundo elemento essencial para a configuração do crime, e consiste na contrariedade entre a conduta do agente e o ordenamento jurídico como um todo. Em outras palavras, para que um ato seja considerado crime, não basta que ele seja típico — ou seja, que se encaixe no tipo penal descrito na lei —, é preciso que essa conduta também seja ilícita, isto é, contrária ao Direito. Sem a presença da antijuridicidade, não há que se falar em crime, pois a lei pode admitir situações em que a ação típica é justificada e, portanto, não punível.
O Código Penal brasileiro, em seu artigo 23, prevê expressamente as principais causas de exclusão da ilicitude: a legítima defesa, o estado de necessidade, o estrito cumprimento do dever legal e o exercício regular do direito (BRASIL, 1940). Essas excludentes são condições em que, embora a conduta seja típica, ela deixa de ser antijurídica por se enquadrar em uma justificativa aceita pelo ordenamento, afastando a responsabilidade penal.
A legítima defesa, por exemplo, é a reação imediata e proporcional a uma agressão injusta, atual ou iminente, contra direito próprio ou de terceiros, que impede a consumação do dano (GRECO, 2019). Já o estado de necessidade ocorre quando o agente pratica a conduta para salvar um bem próprio ou alheio, diante de um perigo atual, não causado por ele, que não poderia ser evitado de outra forma, desde que o mal causado não seja mais grave que o evitado (BITENCOURT, 2020).
Além dessas causas legais, a doutrina reconhece também causas supralegais de exclusão da ilicitude, como o consentimento do ofendido em determinadas situações, principalmente quando se trata de direitos disponíveis, onde a vítima autoriza ou concorda com a conduta do agente (JESUS, 2021). Isso reforça que a análise da antijuridicidade deve ir além da simples verificação formal, exigindo um exame aprofundado do contexto e das circunstâncias em que o fato ocorreu.
No âmbito prático, a verificação da antijuridicidade não é um procedimento mecânico, mas uma análise casuística, na qual o juiz deve avaliar cuidadosamente se a conduta está amparada por alguma causa justificadora. Esse exame inclui o estudo da proporcionalidade e da necessidade da ação praticada pelo agente, especialmente em casos de legítima defesa e estado de necessidade, para garantir que a resposta ao agressor ou ao perigo não ultrapasse os limites permitidos pelo ordenamento jurídico (DELGADO, 2017).
Portanto, a antijuridicidade e suas causas excludentes funcionam como salvaguardas essenciais para que o Direito Penal não seja aplicado de maneira injusta, protegendo os direitos individuais e assegurando que a punição seja reservada apenas para aqueles atos que realmente violam o ordenamento jurídico sem justificativa plausível.
4. Culpabilidade como reprovação da conduta
A culpabilidade pode ser compreendida como o juízo de reprovação que recai sobre o agente que praticou uma conduta típica e antijurídica. Ou seja, é a avaliação moral e jurídica de que o sujeito agiu de forma consciente e voluntária, merecendo, por isso, ser responsabilizado penalmente. Para que alguém seja considerado culpável, é necessário que estejam presentes três requisitos fundamentais: imputabilidade, consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa (BITENCOURT, 2020).
A imputabilidade está relacionada à capacidade do agente de entender o caráter ilícito do seu ato e de se comportar de acordo com essa compreensão. Isso significa que a pessoa deve possuir condições psíquicas e maturidade suficientes para responder pelos seus atos, sendo incapazes, por exemplo, aqueles que sofrem de transtornos mentais graves ou crianças muito pequenas, que não têm essa capacidade (GRECO, 2019).
Já a consciência da ilicitude refere-se ao conhecimento do sujeito sobre a proibição legal de sua conduta. Não basta apenas saber o que está fazendo; é preciso saber que aquilo é contrário à lei. Se o agente age sem saber que está praticando algo ilícito, a culpabilidade pode ser afastada ou reduzida, dependendo das circunstâncias.
Por fim, a exigibilidade de conduta diversa analisa se, diante das circunstâncias concretas do caso, era possível exigir do agente um comportamento diferente, que evitasse o crime. Isso leva em conta situações como coação moral irresistível ou estado de necessidade justificante, nas quais não se pode pedir que o indivíduo tenha agido de outra forma (GRECO, 2019).
A ausência de qualquer um desses elementos implica a exclusão da culpabilidade, o que, na prática, significa que o agente não pode ser penalmente responsabilizado, mesmo que sua conduta tenha sido típica e ilícita. Isso reforça o papel da culpabilidade como filtro ético e jurídico dentro do Direito Penal.
Um ponto importante para aprofundar essa compreensão está na teoria finalista da ação, formulada por Hans Welzel. Segundo essa teoria, a culpabilidade deve ser entendida sob a ótica da consciência e da voluntariedade do agente, sendo um elemento subjetivo essencial para a aplicação da pena. Para Welzel (2015), não basta a existência do ato típico e ilícito; é imprescindível que o sujeito tenha agido com vontade e ciência do que fazia, para que possa sofrer a reprimenda penal.
Assim, a culpabilidade não se limita a uma mera análise objetiva dos fatos, mas exige uma avaliação do contexto pessoal e psicológico do agente, garantindo que a punição seja aplicada de maneira justa e proporcional à responsabilidade real do indivíduo.
5. A pena e o regime especial de cumprimento
A pena é, basicamente, a consequência que o Estado aplica para quem comete um crime. No artigo 59 do Código Penal, a lei já indica que essa pena não pode ser qualquer coisa — ela tem que levar em conta vários fatores, como a culpa do agente, seu histórico, a forma como ele se comportam na sociedade e o quanto o crime foi grave (BRASIL, 1940). Isso faz com que a punição não seja feita de forma genérica, mas adaptada a cada caso, pensando na justiça.
Sobre o que a pena busca, existem diferentes maneiras de entender. Tem quem veja a pena como uma forma de punir pelo mal causado (a chamada retribuição), tem quem pense que a pena serve para prevenir que a pessoa ou outras pessoas façam crimes no futuro, e ainda quem defenda que a pena deve ajudar o condenado a se recuperar e voltar a viver em sociedade (BITENCOURT, 2020). No nosso sistema, essas três ideias convivem, mostrando que a questão da punição é bem complexa.
Quando falamos de como a pena vai ser cumprida, o Código Penal fala de três regimes: fechado, semiaberto e aberto. Cada um desses tem regras específicas que dependem do tipo de crime e da pena aplicada. Além disso, o sistema prevê um cuidado especial com grupos que precisam de mais proteção, como idosos, grávidas e mães de crianças pequenas — tudo isso porque o respeito à dignidade da pessoa humana é um valor fundamental (JESUS, 2021).
Na hora de definir qual pena aplicar, o juiz não pode simplesmente seguir uma fórmula. Ele precisa analisar o caso com calma, olhando para a gravidade do crime, mas também para a vida do réu, suas condições e o que levou ele a agir daquela forma. O Supremo Tribunal Federal reforça essa ideia, dizendo que a pena deve ser proporcional e adequada, para que não seja injusta nem exagerada (STRECK, 2022).
No fim das contas, o sistema penal tenta encontrar um equilíbrio: castigar quem cometeu o crime, mas também respeitar a pessoa que está sendo punida, levando em consideração sua situação e sua dignidade. Isso torna o processo de aplicação da pena algo muito mais humano e justo.
6. A seletividade na aplicação da teoria do crime
Um dos grandes desafios do Direito Penal hoje é a seletividade na forma como a teoria do crime é aplicada. Na teoria, temos critérios claros que definem o que é crime ou não, mas na prática, essa aplicação não é tão “pura” quanto parece. Ela acaba sendo influenciada por fatores sociais, econômicos e políticos, o que faz com que algumas pessoas sofram punições mais severas enquanto outras, mesmo cometendo atos semelhantes, escapem ilesas.
Luiz Regis Prado (2016) aponta que o Direito Penal nunca age de forma totalmente neutra. As desigualdades sociais acabam se refletindo nas decisões penais, com grupos vulneráveis sendo mais facilmente criminalizados, enquanto pessoas de classes mais privilegiadas conseguem evitar punições ou até mesmo manipular o sistema a seu favor. Ou seja, a teoria do crime, que deveria ser uma ferramenta objetiva, acaba sendo usada de forma desigual.
Domingues (2019) mostra que essa seletividade não acontece só na hora de definir se a conduta é típica ou ilícita, mas também quando o juiz avalia a culpabilidade e até na hora de fixar a pena. Muitas vezes, quem tem menos recursos paga um preço mais alto na justiça penal, enquanto quem tem poder e dinheiro vive numa espécie de “zona de tolerância”.
Luiz Regis Prado (2016, p. 78-79) afirma que:
O Direito Penal não pode ser compreendido como um sistema neutro e imparcial. Ao contrário, ele funciona como um mecanismo que, longe de tratar igualmente todos os cidadãos, opera seletivamente, voltando-se prioritariamente contra os grupos sociais menos favorecidos. Essa seletividade estrutural está enraizada nas desigualdades sociais, econômicas e culturais que permeiam a sociedade, fazendo com que o sistema penal amplifique as diferenças e contribua para a exclusão social de parcelas já marginalizadas. Portanto, mais do que uma simples falha operacional, essa seletividade é um fenômeno estrutural, que exige uma crítica profunda e um esforço para sua superação, a fim de garantir que o Direito Penal cumpra seu papel legítimo de proteção dos bens jurídicos e de promoção da justiça.
Essa seletividade, além de injusta, enfraquece a confiança no sistema penal. Para a criminologia crítica, o Direito Penal vira um instrumento para controlar e marginalizar certas camadas da sociedade, aprofundando as desigualdades já existentes (FOUCAULT, 1975; BARATTA, 2004).
Por isso, a seletividade não é só uma falha do sistema, mas um problema estrutural que precisa ser enfrentado. Só assim o Direito Penal pode tentar cumprir seu verdadeiro papel: proteger direitos, punir de forma justa e não reforçar discriminações.
Conclusão
Ao longo deste estudo, ficou claro que a seletividade na aplicação da teoria do crime não é um problema simples ou pontual, mas sim uma questão estrutural que atravessa todo o sistema penal. Embora a teoria do crime ofereça uma base técnica e objetiva para a definição do que é punível, na prática essa aplicação sofre influências profundas das desigualdades sociais e econômicas, o que faz com que pessoas em situação de vulnerabilidade sejam mais duramente penalizadas, enquanto outros, em posições privilegiadas, acabam escapando das sanções previstas. Essa realidade evidencia que o Direito Penal, longe de ser um instrumento neutro, muitas vezes reproduz e até aprofunda as injustiças sociais existentes.
A partir disso, percebe-se a urgência de repensar práticas e políticas públicas que possam mitigar essa seletividade. A justiça penal precisa ser mais sensível às circunstâncias individuais e sociais dos agentes, para que a aplicação da lei não se limite a um formalismo técnico, mas incorpore um compromisso genuíno com a equidade e a dignidade humana. Somente assim o Direito Penal poderá cumprir seu papel fundamental de proteger bens jurídicos, promover a paz social e, principalmente, assegurar que a justiça seja verdadeiramente para todos, e não apenas para alguns.
Assim, espera-se que o debate sobre a seletividade seja um convite constante à reflexão crítica e à busca por transformações concretas no sistema penal, tanto no âmbito legislativo quanto na atuação dos operadores do direito, visando a construção de uma sociedade mais justa e inclusiva.
Referências
BARATTA, A. Criminologia crítica. Rio de Janeiro: Revan, 2004.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2020.
BRASIL. Código Penal Brasileiro. Decreto-Lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Disponível em: https://www.planalto.gov.br. Acesso em: 17 mar. 2025.
DOMINGUES, P. C. Teoria do crime e seletividade penal: reflexões contemporâneas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019.
FOUCAULT, M. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 7. ed. Petrópolis: Vozes, 1975.
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 15. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2019.
JESUS, Damásio de. Direito Penal – Parte Geral. 35. ed. São Paulo: Saraiva, 2021.
PRADO, L. R. Curso de direito penal brasileiro: parte geral. 13. ed. São Paulo: RT, 2016.
STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica e Aplicação do Direito Penal. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2022.
WELZEL, Hans. O Novo Sistema do Direito Penal. 2. ed. São Paulo: RT, 2015.
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Curso de Direito Penal Brasileiro. 6. ed. São Paulo: RT, 2018.
Bacharel em Direito pela Universidade Estácio de Sá (2024); Mestrando em Direito pela Universidade Estácio de Sá (2025).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LOPES, Everton Alves. Tipicidade, Antijuricidade, Culpabilidade e Pena Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 jun 2025, 04:40. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/68837/tipicidade-antijuricidade-culpabilidade-e-pena. Acesso em: 14 ago 2025.
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