JÚLIA CLAUTA TOMÁZIA DE OLIVEIRA[1]
(coautora)
NATALIA MARRA
(orientadora)
RESUMO: Este trabalho tem como objetivo analisar as condutas criminosas dos serial killers sob a ótica das sanções previstas no Direito Penal brasileiro, utilizando uma metodologia bibliográfica com base no método dedutivo. Inicialmente, aborda o conceito de psicopatia, destacando a periculosidade desses indivíduos. Em seguida, explora as características dos serial killers, a definição de crime e os critérios jurídicos aplicados. O estudo também analisa as sanções penais e a eficácia do sistema prisional, com exemplos concretos, como os casos de Ted Bundy e Francisco Costa Rocha. A pesquisa ressalta a necessidade de um tratamento penal adequado para esses criminosos, dada sua baixa capacidade de ressocialização. Além disso, evidencia uma lacuna legislativa, marcada pela ausência de normas específicas para o combate, monitoramento e punição eficaz desses crimes, o que fragiliza a proteção social. O estudo examina ainda os aspectos psiquiátricos e psicológicos que contribuem para tais comportamentos, diferenciando as penas aplicadas e analisando casos nacionais. Conclui-se que a legislação brasileira é insuficiente para lidar com serial killers, demonstrando a necessidade de aprimoramento jurídico, com maior preparo do legislativo e do judiciário. Por fim, defende-se a intervenção do Estado para garantir a proteção social, respeitando os direitos desses indivíduos, mas prevenindo novos crimes.
Palavras-chaves: Assassino em série; legislação; sanção; eficácia.
O presente estudo tem como objetivo geral analisar os atos criminosos praticados por serial killers à luz das normas do Direito Penal brasileiro, buscando compreender como se dá sua punição e o tratamento jurídico a esses indivíduos. A crescente presença dessas figuras na sociedade, frequentemente retratadas pela mídia e pelo cinema de forma impactante, contrasta com a dificuldade real de identificá-las e preveni-las, especialmente diante da frieza e ausência de remorso que marcam seus comportamentos.
Diante desse panorama, destaca-se a necessidade de aprofundar a análise sobre esses criminosos, considerando que o ordenamento jurídico brasileiro, embora trate dos crimes, penas e medidas de segurança, ainda demonstra fragilidade no enfrentamento de casos envolvendo indivíduos de elevada periculosidade. A legislação penal não apresenta dispositivos específicos para tratar dos serial killers, o que compromete tanto a prevenção quanto a repressão eficaz desses delitos, além de dificultar a proteção da sociedade e o apoio às vítimas.
Assim, o trabalho se propõe, inicialmente, a abordar as definições e classificações da psicopatia, destacando sua origem na psicologia e a constatação de que apenas uma pequena parcela de psicopatas torna-se assassinos em série, sujeitos frios, calculistas e sem empatia, identificados como serial killers desde a década de 1970. Em seguida, será analisado o diagnóstico desses indivíduos, com foco na sua elevada propensão à reincidência e na dificuldade, ou mesmo impossibilidade, de sua ressocialização, evidenciando as limitações do sistema penal nesse aspecto.
No segundo momento, busca-se compreender as motivações que levam tais indivíduos a cometer crimes tão cruéis, ressaltando a falta de uma legislação específica que trate adequadamente desses casos. Para isso, é imprescindível estabelecer um entendimento claro sobre conceitos fundamentais do Direito Penal, como crime, punibilidade e imputabilidade, analisando como a jurisprudência brasileira tem julgado casos concretos.
Posteriormente, será discutida a aplicação das sanções penais, que podem variar entre penas privativas de liberdade ou medidas de segurança, dependendo do diagnóstico psiquiátrico. Essa análise reforça a necessidade de aprimoramento das políticas públicas, legislativas e institucionais, frente a um sistema prisional fragilizado e pouco eficaz na ressocialização, sobretudo quando se trata de indivíduos portadores de transtornos mentais graves.
Para ilustrar a complexidade do tema, o estudo analisará casos emblemáticos, como o de Ted Bundy, nos Estados Unidos, cuja personalidade perversa contrastava com sua capacidade de manter uma vida aparentemente normal até sua execução, e Francisco Costa Rocha, conhecido como “Chico Picadinho”, no Brasil, diagnosticado com transtorno de personalidade, mas tratado inicialmente como um criminoso comum, reincidindo em crimes até ser definitivamente afastado da sociedade.
Diante desse cenário, a pesquisa se justifica não apenas pela necessidade de aprimorar o sistema penal, mas principalmente pelo dever de proteger o bem jurídico maior: a vida. Assim, pretende-se oferecer uma análise crítica sobre o tratamento jurídico dispensado aos serial killers, destacando a importância de critérios adequados para determinar a imputabilidade desses indivíduos e avaliar a eficácia das penas e medidas de segurança aplicadas.
A investigação será conduzida por meio de revisão bibliográfica, utilizando o método hipotético-dedutivo, com o levantamento e análise de referenciais teóricos, jurisprudências e legislações pertinentes. O estudo também visa compreender os aspectos psicológicos e psiquiátricos que moldam o comportamento desses criminosos, bem como examinar os desafios que o Direito Penal enfrenta na sua punição e ressocialização.
Por fim, o trabalho pretende contribuir para o debate acadêmico e jurídico, apontando possíveis melhorias no tratamento normativo e processual aplicável aos serial killers no Brasil, a fim de promover maior segurança social e justiça penal mais eficiente.
1.SERIAL KILLERERS: CONCEITO E PERFIL CRIMINOLOGICO
1.1 Definição de Serial Killer e diferenciação de outros tipos de assassinos
O termo “psicopata” significa, literalmente, doença da mente (do grego psyche = mente; pathos = doença). Contudo, conforme Silva (2018), a psiquiatria não classifica os psicopatas como portadores de doenças mentais no sentido tradicional, pois esses indivíduos não são considerados loucos nem desorientados. São comumente denominados por diferentes termos como sociopatas, personalidades antissociais, dissociais ou psicopáticas, conforme as ênfases teóricas atribuídas aos fatores sociais, genéticos ou biológicos na gênese do transtorno.
O campo psiquiátrico também não é unânime quanto à nomenclatura: enquanto a Associação Americana de Psiquiatria adota o termo "Transtorno da Personalidade Antissocial" (DSM-IV-TR), a Organização Mundial da Saúde prefere "Transtorno de Personalidade Dissocial" (CID-10). A discussão conceitual foi impulsionada por obras fundamentais, como “The Mask of Sanity”, de Hervey Cleckley (1941), e a criação da Escala Hare de Psicopatia, por Robert Hare, na década de 1990, amplamente utilizada para diagnóstico.
Como leciona a autora Ana Beatriz Barbosa Silva:
[...]são identificados por diferentes nomenclaturas, a exemplo: sociopatas, personalidades antissociais, personalidades psicopáticas, personalidades dissociais, entre outras. Já alguns utilizam a palavra sociopata por estabelecer que os fatores sociais desfavoráveis é que causam o problema. Ademais correntes, acreditam no segmento de fatores genéticos, biológicos e psicológicos estarem afetando na origem do transtorno, filiam na definição psicopata. De outro modo, também não se tem consenso entre instituições como a Associação de Psiquiatria Americana (DSM-IV-TR) e a Organização Mundial de Saúde (OMS) (CID-10), sendo primeiramente usufruindo do termo Transtorno da Personalidade Antissocial; mas na segunda preferindo Transtorno de Personalidade Dissocial (SILVA,2018, p.41-42).
Historicamente, psicopatas exerceram influência marcante, especialmente na política, como evidenciado em líderes como Hitler, Stálin e Pol Pot, caracterizados pela ausência de emoções humanas básicas como culpa e compaixão, pela racionalidade extrema e pela manipulação, conforme observa Lobaczewski (2012). Segundo Costa (apud Pimentel, 2019), a personalidade psicopática, também denominada antissocial, caracteriza-se principalmente pela ausência de afetividade, amoralidade, impulsividade, inadaptabilidade social e resistência à correção.
Após anos de evolução do conceito, hoje, pode-se resumir o conceito de Personalidade psicopática, atual antissocial, caracterizada principalmente por ausência de sentimentos afetuosos, amoralidade, impulsividade, principalmente falta de adaptação social e incorrigibilidade.
Em contexto estatístico, argumenta Silva (2018, p. 59):
Segundo a classificação norte-americana de transtornos mentais (DSM-IV- TR), a prevalência geral do transtorno da personalidade antissocial ou psicopática é de cerca de 3% em homens e 1% em mulheres, em amostras comunitárias (aqueles que estão entre nós). Taxas de prevalência ainda maiores estão associadas aos contextos forenses ou penitenciários. Desse percentual, uma minoria corresponderia aos psicopatas mais graves, ou seja, aqueles criminosos cruéis e violentos cujos índices de reincidência criminal são elevados.
Importante destacar que, embora frequentemente associados ao crime, nem todos os psicopatas são criminosos, tampouco todos os criminosos são psicopatas. Os psicopatas podem envolver-se em diversas transgressões sociais, muitas vezes sem serem descobertos ou punidos (Silva, 2018).
Nesse contexto, destaca-se a figura do serial killer, termo cunhado nos anos 1970 por Robert Ressler, agente do FBI, após contato com a expressão “crimes em série”. Ressler e sua equipe, da Unidade de Ciência Comportamental, conduziram entrevistas com assassinos em série e analisaram meticulosamente cenas de crimes, estabelecendo metodologias investigativas inovadoras. Embora Ressler tenha popularizado o termo, há registros de seu uso prévio pelo crítico alemão Siegfried Kracauer.
A definição oficial do FBI caracteriza o serial killer como aquele que comete três ou mais assassinatos, em locais e tempos distintos. Contudo, essa definição enfrenta críticas, sendo considerada por vezes excessivamente ampla ou restritiva. Casoy (2014) destaca que muitos desses homicídios têm conotações sexuais, mas nem sempre isso ocorre, como no caso de matadores de aluguel ou sequestradores. Além disso, o critério espacial é contestável, visto que alguns serial killers atuaram em um único local, como John Wayne Gacy e Joachim Kroll.
A diferenciação entre serial killer e outras categorias de homicidas é essencial. Enquanto o serial killer executa assassinatos premeditados com períodos de “resfriamento” entre os crimes, os assassinos em massa (mass murderers) cometem múltiplos homicídios em um curto espaço de tempo, geralmente em locais públicos, frequentemente culminando no suicídio. Já os spree killers executam sucessivos homicídios em curto intervalo, mas com deslocamentos entre locais e sem motivações necessariamente sexuais (Tendlarz & Garcia, 2013).
Casoy (2014) sintetiza que a principal distinção entre serial killers e homicidas comuns reside não apenas na quantidade de vítimas, mas, sobretudo, na ausência de motivação clara e na escolha padronizada das vítimas, que funcionam como símbolos. Em geral, o serial killer busca poder e controle sobre a vítima, e não um ganho material ou emocional direto. Mas será que a diferença entre um serial killer e um assassino comum é só quantitativa? Óbvio que não. O motivo do crime ou, mais exatamente, a falta dele é muito importante para a definição do assassino como serial. As vítimas parecem ser escolhidas ao acaso e mortas sem nenhuma razão aparente. Raramente o serial killer conhece sua vítima. Ela representa, na maioria dos casos, um símbolo. Na verdade, ele não procura uma gratificação no crime, apenas exercita seu poder e controle sobre outra pessoa, no caso a vítima (CASOY, 2014, p. 20).
Adicionalmente, os serial killers tendem a apresentar comportamentos específicos desde a infância, como enurese noturna, piromania e sadismo precoce, frequentemente associados ao prazer em torturar animais. Muitos relatam histórias de abuso infantil físico, psicológico ou sexual, enquanto outros especialistas apontam fatores genéticos, desequilíbrios neuroquímicos ou lesões cerebrais como contribuintes para a manifestação desse comportamento (Schechter, 2013).
Uma série de dois ou mais assassinatos cometidos como eventos separados, geralmente, mas nem sempre, por um criminoso atuando sozinho. Os crimes podem ocorrer durante um período de tempo que varia de horas a anos. Muitas vezes o motivo é psicológico e o comportamento do criminoso e as provas matérias observadas nas cenas do crime refletem nuanças sádicas e sexuais (SCHECHTER, 2013, p.18).
O desenvolvimento do modus operandi, a escolha cuidadosa das vítimas conforme padrões fixos e a premeditação caracterizam os serial killers, cujos crimes frequentemente carregam nuances sexuais ou sádicas. A notoriedade desses indivíduos os transformou em ícones culturais, gerando fascínio e temor popular, conforme ilustrado pelo intenso acompanhamento midiático de seus julgamentos.
Portanto, embora o termo "serial killer" seja relativamente recente, comportamentos dessa natureza sempre existiram na sociedade, sendo que hoje sua compreensão é enriquecida por estudos multidisciplinares que envolvem psiquiatria, psicologia forense e criminologia, promovendo uma diferenciação mais precisa entre as diversas tipologias de homicidas.
1.2 Perfis psicologicos e criminologicos do Serial Killer
O fascínio exercido pelos homicidas em série permeia a literatura e o cinema, frequentemente representados como indivíduos altamente perigosos e desprovidos de escrúpulos. Contudo, a realidade revela-se mais complexa. Alvarez (apud VENEZIANE, 2020, p. 1) destaca que, embora os assassinos em série sempre tenham existido na sociedade, apenas recentemente passaram a ser assim denominados. O termo “serial killer” foi popularizado na década de 1970 por Robert Ressler, então agente da Behavioral Sciences Unit (BSU) do Federal Bureau of Investigation (FBI), sediada em Quântico, Virgínia, e reconhecido como um dos maiores estudiosos da temática.
Essa unidade foi inspirada pelos estudos pioneiros do psiquiatra James Brussel sobre a mente criminosa, possibilitando o desenvolvimento de habilidades para delinear perfis de suspeitos a partir de indícios psicológicos, fotografias de cenas de crime e entrevistas com criminosos notórios, como Edmund Kemper e Charles Manson. Como observa Casoy (2017, p. 22), essas técnicas evoluíram significativamente ao longo do tempo, consolidando-se como instrumentos fundamentais na investigação criminal.
Apesar desses avanços, a compreensão da personalidade dos homicidas seriais permanece distante de um consenso entre especialistas. Ressalta-se a necessidade de maior conscientização e aprofundamento do tema no âmbito jurídico brasileiro, onde ainda são escassas as discussões acerca do fenômeno, mesmo diante do crescimento da sua incidência (VENEZIANE, 2020).
Schechter (apud VENEZIANE, 2020, p. 1) adverte que, embora muitas pessoas considerem o serial killer um fenômeno estritamente contemporâneo, ele sempre existiu. No passado, tais criminosos eram descritos por meio de metáforas sobrenaturais, como "monstros sanguinários" ou "demônios em forma humana". Embora Ressler tenha ajudado a introduzir o termo na cultura norte-americana e, por extensão, mundial, há registros anteriores, como no livro "The Meaning of Murder", de John Brophy (1966).
Casoy (2017, p. 22) sintetiza a complexidade desses criminosos ao afirmar que “não importa a teoria, seriais killers não se enquadram em nenhuma linha de pensamento específica. Na verdade, são um capítulo à parte no estudo do crime”. Essa singularidade dificulta a elaboração de políticas de prevenção eficazes. Como a própria autora ironiza: “não existe tipo físico preferido de vítima: a ação do serial killer não depende da atitude da vítima e o motivo do assassino, em geral, só faz sentido para ele mesmo. Portanto, a melhor prevenção para não se tornar uma vítima é... rezar!” (CASOY, 2017, p. 25).
Silva (2018, p. 187-188) enfatiza que indivíduos com histórico de violência representam maior risco para a sociedade, sendo essa informação essencial para orientar decisões no âmbito da Justiça criminal. Ao mesmo tempo, adverte que os psicopatas apresentam diferentes níveis de gravidade — leve, moderado e grave —, cujas manifestações são moldadas por fatores como impulsividade, traços de personalidade e vivências infantis.
Nesse sentido, Casoy (2018, p. 27) aponta características recorrentes entre homicidas seriais, como enurese em idade avançada, abuso sádico de animais ou crianças, piromania, isolamento social, mentiras crônicas, e fantasias compulsivas. Estas, por sua vez, tornam-se o núcleo da motivação criminosa: “o crime é a própria fantasia do criminoso, planejada e executada por ele na vida real e o papel da vítima é apenas elementar de reforço à fantasia” (CASOY, 2018, p. 27).
Casoy (2018, p. 23) também classifica os homicidas em série em quatro tipos: o visionário, caracterizado por psicose e alucinações; o missionário, que acredita estar "purificando" a sociedade; o emotivo, que mata por prazer; e o sádico, que associa a violência ao prazer sexual, incluindo canibais e necrófilos.
Essa diversidade de perfis contribui para o grande paradoxo associado ao reconhecimento desses indivíduos: embora os traços estejam bem documentados, sua identificação na sociedade é extremamente difícil, uma vez que muitos aparentam levar vidas normais, com família, emprego e relações sociais. Como observa Casoy (2018, p. 29): “no caso do serial killer, a dissociação de sua realidade e fantasia é extrema. Muitos têm esposa, filhos e um emprego normal, mas não são perturbados ao extremo”.
Esse dado evidencia sua capacidade de manipulação, dissimulação e controle comportamental, bem como discernimento sobre o caráter ilícito de suas ações. Tal constatação reforça a necessidade de diagnósticos precisos no Brasil, a fim de identificar e tratar adequadamente indivíduos com essas características.
Contrariando o senso comum, a maioria dos assassinos seriais não é composta por indivíduos "loucos" ou psicóticos. Conforme esclarece a literatura, há uma distinção essencial entre psicopatia e psicose. A psicose é caracterizada por delírios e alucinações, típicas de quadros como esquizofrenia e paranoia, estando presente apenas em uma minoria dos casos — cerca de 10% a 20% (RÁMILA, 2012, p. 28-29). Por outro lado, a psicopatia, predominante entre serial killers, não compromete a percepção da realidade. O psicopata conhece as normas sociais, mas as transgride devido à ausência de empatia e frieza emocional, levando uma vida dupla: “mantendo uma aparência voltada para a sociedade, muitas vezes sendo uma pessoa gentil, racional e que interage com o meio social; porém, sua verdadeira identidade é mostrada somente para suas vítimas” (Revista da Escola Superior de Polícia Civil, 2013).
O comportamento psicopático envolve a busca incessante por emoções intensas, desprezo pelas relações humanas e pelas consequências de seus atos, utilizando as vítimas como objetos para satisfazer impulsos de controle e poder (TENDLARZ; GARCIA, 2013, p. 156).
Além da classificação tipológica, destaca-se a presença de comportamentos comuns na infância dos homicidas seriais, como a chamada "terrível tríade": enurese prolongada, piromania e sadismo precoce. Esses sinais, embora não determinantes, são frequentemente identificados retrospectivamente (CASOY, 2018).
Por fim, é fundamental distinguir as abordagens da psicologia e da psiquiatria criminal na análise desses indivíduos. A psicologia busca compreender os fatores biológicos, sociais e ambientais que influenciam o comportamento homicida, enquanto a psiquiatria concentra-se no diagnóstico de transtornos mentais, como psicopatias e transtornos antissociais (PENTEADO FILHO; GIMENES, 2022, p. 85). Assim, o estudo integrado dessas áreas possibilita uma compreensão mais ampla das motivações, mecanismos e padrões de comportamento dos homicidas em série.
1.3 Motivações e padrões de comportamento dos Serial Killers
O estudo das motivações e dos padrões de comportamento dos assassinos em série configura-se como um dos mais complexos e instigantes temas da criminologia moderna, da psicologia criminal e da psiquiatria forense. Estes indivíduos não se enquadram nos modelos tradicionais de criminosos, uma vez que seus crimes, além de recorrentes, apresentam características altamente ritualizadas, movidas por motivações profundamente arraigadas em seus perfis psicológicos e em construções patológicas que remontam à infância e adolescência. Ressler e Shachtman (1995), pioneiros no desenvolvimento do perfil criminal no FBI, afirmam que os serial killers não matam por impulsos momentâneos ou por ganhos materiais simples, mas sim por motivações internas, psicológicas, muitas vezes ligadas à busca de prazer, ao exercício de poder ou à materialização de fantasias recorrentes que se tornam, ao longo do tempo, compulsões incontroláveis.
Segundo Douglas, Burgess e Ressler (1992), as motivações dos serial killers estão diretamente relacionadas à dinâmica psicológica do indivíduo, que muitas vezes desenvolve fantasias violentas desde a infância. Essas fantasias tornam-se, progressivamente, um refúgio psíquico, onde o criminoso cria cenários de domínio absoluto sobre suas vítimas, frequentemente relacionadas a questões de rejeição, humilhação e traumas vivenciados em suas experiências de vida. Para esses autores, o crime, nesse contexto, não é apenas um ato de violência, mas a culminação de um ciclo interno, que se alimenta da necessidade de validar tais fantasias. Casoy (2008) complementa essa análise ao destacar que, para muitos desses criminosos, a satisfação não reside necessariamente na morte da vítima, mas no processo que antecede o ato: o sequestro, a submissão, a tortura, o controle e, principalmente, a manipulação do sofrimento alheio.
Os assassinos em série, em sua maioria, não escolhem suas vítimas de forma aleatória. Há uma construção simbólica em torno das escolhas. Muitas vezes, as vítimas representam arquétipos que remetem a figuras significativas na vida do agressor, geralmente associadas a frustrações, abandonos ou sentimentos de inferioridade. Esse processo de seleção está intimamente ligado ao conceito de assinatura criminal, diferenciado do modus operandi. Enquanto o modus operandi refere-se aos meios utilizados para execução do crime e para garantir sua impunidade, a assinatura está relacionada ao aspecto psicológico, aquilo que o criminoso necessita realizar para obter satisfação emocional e psíquica, mesmo que não seja necessário para a concretização do ato homicida (RESSLER; BURGESS; DOUGLAS, 1997).
As motivações podem ser diversas e complexas. Robert Ressler e John Douglas, em seus estudos clássicos no FBI, classificam os serial killers em categorias como hedonistas, que matam por prazer, seja este de natureza sexual, emocional ou até mesmo pelo deleite no sofrimento das vítimas; visionários, cujos atos são motivados por delírios e alucinações, frequentemente relacionados a transtornos psicóticos, nos quais acreditam receber ordens de entidades sobrenaturais ou vozes internas; missionários, que acreditam estar realizando uma “limpeza social”, eliminando aqueles que consideram indesejáveis ou indignos de viver; e os motivados por ganho, que embora sejam menos comuns no arquétipo clássico do serial killer, cometem múltiplos homicídios visando benefícios financeiros, como seguros de vida, heranças ou extorsões (RESSLER; SHACHTMAN, 1995).
A busca pelo controle absoluto é uma constante no comportamento desses indivíduos. Eles não matam simplesmente para eliminar a vida, mas para sentir-se deuses sobre suas vítimas, exercendo poder irrestrito, manipulando, torturando e, muitas vezes, prolongando o sofrimento até o limite. Como observa Casoy (2008), muitos assassinos em série possuem a necessidade de transformar suas fantasias em realidade, e esse processo é o que os impulsiona a repetir os crimes. A morte, em si, é apenas o desfecho de um ritual que começa muito antes, na mente do agressor, e termina apenas quando ele se sente plenamente satisfeito, sensação que, invariavelmente, se esgota com o tempo, reiniciando o ciclo homicida.
Ressler, Burgess e Douglas (1997) também destacam que os serial killers apresentam, frequentemente, uma escalada de condutas desviantes desde a infância, marcada pela presença do que ficou conhecido na criminologia como a "tríade de MacDonald": enurese noturna prolongada, piromania e crueldade contra animais. Embora a literatura contemporânea questione a rigidez desse modelo, ele ainda serve como indicativo de comportamentos precursores quando analisados em conjunto com outros fatores de risco, como abuso físico, psicológico ou sexual, negligência parental e ambientes familiares desestruturados.
O padrão de atuação desses criminosos também revela a existência de períodos de resfriamento, um intervalo de tempo entre um homicídio e outro, que pode variar de dias a anos, dependendo da intensidade da necessidade psicológica que impulsiona o agressor. Durante esse período, o criminoso volta à sua vida cotidiana, muitas vezes levando uma existência aparentemente normal, até que as fantasias retomem força e se tornem novamente incontroláveis, exigindo sua materialização em um novo ato homicida.
No aspecto psicopatológico, observa-se que a grande maioria dos serial killers apresenta transtornos de personalidade, especialmente o transtorno de personalidade antissocial, popularmente conhecido como psicopatia. Cleckley (1988), em sua obra seminal The Mask of Sanity, descreve a psicopatia como uma condição na qual o indivíduo é incapaz de sentir empatia, culpa ou remorso, mantendo, contudo, uma fachada de normalidade social que lhe permite manipular e enganar aqueles ao seu redor. Este perfil é corroborado por Hare (1999), que desenvolveu a Escala de Psicopatia (PCL-R), na qual indivíduos com altos escores demonstram características como charme superficial, egocentrismo, insensibilidade, manipulação, além de propensão para comportamentos criminosos e predatórios.
Ilana Casoy (2008) enfatiza que, no Brasil, a investigação de crimes seriais enfrenta desafios ainda maiores devido à ausência de uma tipificação penal específica, além da falta de integração eficiente entre os órgãos de segurança pública, bancos de dados criminais e perícias. Isso faz com que muitos crimes cometidos por serial killers brasileiros não sejam identificados como tal, permanecendo classificados como homicídios comuns, o que dificulta tanto a captura dos criminosos quanto o desenvolvimento de políticas públicas específicas para a prevenção e repressão desse tipo de crime.
Portanto, compreender as motivações e os padrões comportamentais dos serial killers exige uma abordagem multidisciplinar, que engloba criminologia, psicologia, psiquiatria forense e direito penal, além da constante atualização dos métodos investigativos, de análise de perfis criminais e da estrutura legal vigente. Apenas por meio desse olhar integrado é possível não apenas entender a dinâmica desses criminosos, mas também desenvolver estratégias eficazes de prevenção, identificação e responsabilização penal.
2. INVESTIGAÇÃO CRIMINAL E DIFICULDADES NO BRASIL
2.1 Metodologia ultilizada na investigação de Serial Killer
Os crimes praticados por assassinos em série seguem um roteiro característico, ainda que cada criminoso atue de forma singular, todos compartilham o mesmo objetivo: matar. O ciclo do crime do serial killer possui início, meio e fim, compreendendo seis fases: a aura, onde o assassino começa a se distanciar da realidade; a busca, com a seleção da vítima; a caça, momento de contato; a captura, quando a vítima é subjugada; o assassinato, em que o agressor concretiza seu impulso homicida; e, por fim, a depressão, fase em que, após o crime, a tensão diminui, mas fatores estressantes reativam o ciclo (Revista da Escola Superior de Polícia Civil - DPC-PR).
A explicação psicológica para a repetição desse ciclo está ligada à tentativa do assassino em vingar traumas passados, como humilhações, abusos ou abandono parental. Porém, a morte da vítima não alivia seu sofrimento, apenas o faz reviver sua trajetória dolorosa, tornando necessária a repetição do ato para manter viva a fantasia homicida. “Internamente começa a se debater pensando que talvez consiga levar adiante sua fantasia; finalmente esse diálogo termina no inexorável momento” (TENDLARZ; GARCIA, 2013, p. 212).
Compreender o ciclo homicida é essencial para o sucesso da investigação criminal, que depende da aplicação de métodos adequados, como a preservação da cena do crime. Este cuidado visa garantir a coleta de evidências que permitam a reconstrução do crime e a identificação do agressor. A não preservação pode acarretar contaminação do local, prejudicando a análise e até levando à condenação de inocentes ou à absolvição do culpado. Por isso, o Código de Processo Penal, em seu artigo 169, determina que a autoridade deve preservar o estado das coisas até a chegada dos peritos, que poderão instruir seus laudos com registros visuais (BRASIL, 1941).
Em locais abertos, sujeitos a fatores variáveis como clima e interferência humana, a cautela deve ser redobrada. A cena do crime deve ser inicialmente observada em sua totalidade, sem alterações, realizando-se registros fotográficos e anotações precisas sobre a disposição de corpos e objetos, que só então devem ser recolhidos e acondicionados para análise pericial.
Entretanto, há situações que justificam alterações no local, como a necessidade de prestar socorro às vítimas, perseguir suspeitos, impedir danos maiores ou remover obstáculos que inviabilizem o acesso. Mesmo nesses casos, a intervenção deve ser a mínima necessária, sempre visando preservar a integridade das provas.
Na investigação de assassinatos em série, três aspectos são fundamentais: a organização do crime, o modus operandi e a assinatura do criminoso. A organização reflete a personalidade do assassino: os organizados ocultam corpos, limpam a cena e escolhem vítimas desconhecidas, enquanto os desorganizados são impulsivos, descuidados e atacam pessoas conhecidas. Os psicopatas tendem à organização, e os psicóticos, à desorganização, mas tal distinção não é absoluta: “Sempre existem exceções. Por isso alguns preferem falar de assassinos predominantemente organizados e de assassinos predominantemente desorganizados” (RÁMILA, 2012, p. 61).
O modus operandi refere-se ao padrão de execução do crime: escolha da vítima, método de ataque, tipo de arma e ocultação do corpo. Identificá-lo pode conectar diferentes crimes a um mesmo autor, embora seja preciso cautela, pois esse padrão pode evoluir com o tempo. Como afirma Schechter (2013, p. 304): “O modus operandi de um serial killer costuma evoluir ao longo do tempo conforme ele fica mais confortável com suas matanças, tenta despistar a polícia ou simplesmente fica entediado”.
Já a assinatura corresponde à ritualização psicológica do crime, expressão íntima do assassino, podendo manifestar-se em atos de profanação, posicionamento do corpo ou violência peculiar. Diferentemente do modus operandi, a assinatura é constante e ligada às fantasias psicossexuais do criminoso. Como esclarece Casoy (2014, p. 63): “Apesar de o MO ter muita importância, ele não pode ser utilizado isoladamente para conectar crimes. Já a ‘assinatura’, mesmo que evolua, sempre terá o mesmo tema de ritual”.
A investigação de serial killers exige técnicas especializadas e uma abordagem integrada entre múltiplas áreas do conhecimento e órgãos de segurança. Nos Estados Unidos, o FBI desenvolveu o criminal profiling, método que traça o perfil comportamental e psicológico do criminoso com base na análise detalhada das cenas do crime, escolha das vítimas e modus operandi. John Douglas, um dos pioneiros da Unidade de Ciências Comportamentais do FBI, destacou a importância dessa análise para identificar padrões e prever futuras ações do assassino.
No Brasil, embora existam profissionais capacitados e iniciativas pontuais, o uso sistemático de técnicas como o profiling ainda é limitado. As investigações se concentram em métodos tradicionais coleta de provas, interrogatórios e perícias técnicas, o que pode ser insuficiente diante da complexidade dos crimes em série, agravada pela falta de formação especializada e recursos tecnológicos adequados.
2.2 O Direito criminal no Brasil
O Direito Penal, segundo Guilherme de Souza Nucci (2014, p. 51), é “o conjunto de normas jurídicas voltado à fixação dos limites do poder punitivo do Estado, instituindo infrações penais e as sanções correspondentes, bem como regras atinentes à sua aplicação”. Embora alguns autores diferenciem os termos “direito penal” e “direito criminal”, entendendo que este seria mais abrangente, para Nucci, tal distinção é meramente terminológica, sendo exemplos disso a evolução no Brasil, que teve inicialmente um Código Criminal (1830), substituído depois pelo Código Penal (1890 e 1940), fenômeno também observado em outros países.
Na concepção analítica atualmente mais aceita, o crime é definido como um fato típico, antijurídico e culpável. Só é punível aquele que pratica um fato previsto em lei como ilícito, sendo imprescindível o nexo causal entre a conduta, o fato típico e o resultado, ressalvadas as excludentes previstas no art. 23 do Código Penal: estado de necessidade, legítima defesa e estrito cumprimento do dever legal (BRASIL, 2010, p. 362 apud BONTEMPO, 2018, p. 25). Assim, se presentes causas de exclusão da ilicitude, o fato será típico, mas não antijurídico, afastando-se a configuração do crime, pois “tudo aquilo que não é proibido é permitido” (WAGNER, 2007 apud BONTEMPO, 2018, p. 26).
Ainda, conforme o princípio da legalidade consagrado no art. 5º, inciso XXXIX da Constituição Federal: “Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal” (BRASIL, 2010, p. 27 apud BONTEMPO, 2018, p. 26). Assim, ao ser criminalizada uma conduta e positivada em tipo penal, o Poder Judiciário é naturalmente chamado a agir e puni-la, embora, em determinados casos, não se imponha pena pela ausência de imputabilidade.
Para Nucci (2014, p. 253), imputabilidade penal é a capacidade do agente de compreender e determinar-se conforme a diferença entre o certo e o errado, sendo a sanidade mental e a maturidade critérios essenciais. Quando ausentes, não se pode falar em juízo de culpabilidade. Nesse sentido, Capez (2012, p. 328) explica que a culpabilidade é o juízo de censura e reprovação sobre quem praticou um fato típico e ilícito, não se configurando como elemento do crime, mas como pressuposto para a aplicação da pena. O exame da culpabilidade pressupõe etapas sucessivas: verifica-se se o fato é típico, depois sua ilicitude e, por fim, a possibilidade de responsabilização do autor, levando-se em conta sua personalidade, conduta social e gravidade do crime (CAPEZ, 2012, p. 328-329).
Bitencourt (2003, p. 14 apud MOREIRA, 2018, p. 38) reforça que a imputabilidade é pressuposto da culpabilidade, referindo-se à possibilidade de atribuir a um agente a prática de uma conduta típica e antijurídica. A culpabilidade, como fundamento da pena, exige capacidade de culpabilidade, consciência da ilicitude e exigibilidade da conduta, cuja ausência impede a aplicação da sanção penal.
No contexto brasileiro, entretanto, o sistema carcerário revela-se deficiente e em desacordo com princípios constitucionais, como o da dignidade humana. A superlotação, maus-tratos e insalubridade comprometem a ressocialização dos presos, especialmente daqueles com transtornos psicopáticos, dificultando ainda mais sua reabilitação (De Sousa, 2014). O psicopata, por não possuir empatia ou sentimento de culpa, muitas vezes não vê a prisão como punição, favorecendo a reincidência, inclusive com crimes mais violentos.
Diferentemente de países como os Estados Unidos, onde há previsão de penas mais severas, como a pena de morte, no Brasil não há tal distinção. Nesse contexto, Rodrigo Cavalcanti (2020) ressalta que, ao decidir pela prisão de um indivíduo, o juiz, como agente da lei, vincula determinadamente a liberdade do criminoso, podendo impedir que ele volte a circular na sociedade, inclusive mediante mandado de segurança.
Silva (2008, p. 134) destaca que, se os procedimentos corretos fossem aplicados no sistema prisional, psicopatas permaneceriam presos por mais tempo e as taxas de reincidência de crimes violentos reduziriam significativamente. Contudo, a incapacidade do sistema penal em lidar adequadamente com indivíduos psicopáticos coloca a sociedade em risco, já que podem ser postos em liberdade e continuar praticando crimes sem qualquer arrependimento.
Assim, a ausência de um sistema carcerário adequado e de políticas eficazes para o tratamento de psicopatas homicidas favorece a perpetuação de comportamentos violentos, aumentando sua periculosidade e dificultando sua reinserção social.
2.3 Desafios na aplicação da pena e da medida de segurança aos Serial Killers no Brasil
A conduta dos Serial Killers, com base em tudo que foi mencionado, se materializa no artigo 26, do Código Penal Brasileiro (BRASIL, 2010) referindo-se à inimputabilidade daqueles acometidos por enfermidade mental, retardado ou desenvolvimento mental incompleto, uma vez que possuem a ‘’perturbação de saúde mental’’, in verbis:
Art. 26 – É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
No que se refere à semi-imputabilidade, a legislação penal brasileira prevê a redução da pena de 1/3 a 2/3, podendo esta ser convertida em medida de segurança, conforme disposto no art. 98 do Código Penal. A medida de segurança, de natureza preventiva, fundamenta-se na presunção de periculosidade do indivíduo, razão pela qual não admite benefícios como a progressão de regime.
Entretanto, surge a indagação sobre se assassinos em série, ou "serial killers", sempre serão considerados semi-imputáveis. De acordo com Lombardi (2018, p. 44), a sociedade frequentemente associa tais crimes a alguma perturbação mental, favorecendo a defesa dos criminosos por meio do exame de insanidade. Contudo, embora alguns apresentem enfermidades, tal condição não é regra geral, sendo necessário dissociar essa imagem automaticamente vinculada ao transtorno mental.
É importante destacar que, atualmente, o tempo máximo de pena privativa de liberdade no Brasil é de 40 anos, conforme alteração promovida pela Lei nº 13.964/2019. Assim, um serial killer, após esse período, será reintegrado à sociedade, muitas vezes sem ter recebido tratamento psiquiátrico adequado. Embora seja possível aplicar uma medida de segurança por tempo indeterminado, essa medida desempenha papel fundamental na proteção social e na compreensão desses sujeitos.
Nucci (2014, p. 380) distingue duas espécies de medida de segurança: a internação, equivalente ao regime fechado, realizada em hospital de custódia ou estabelecimento adequado (art. 96, I, CP); e o tratamento ambulatorial, que obriga o sentenciado a comparecer periodicamente a atendimento médico (art. 96, II, CP). Contudo, o sistema penal brasileiro demonstra despreparo para lidar com assassinos em série, julgando-os, em regra, como homicidas comuns, apesar da necessidade de maior aprofundamento pelas ciências criminais.
Nucci (2014, p. 480) ainda adverte que o sistema poderá ser ineficaz frente aos delinquentes perigosos, sujeitos a penas elevadas, ao afirmar:
Será ele ressocializado necessária e automaticamente ao atingir 30 anos de cumprimento da pena, devendo ser imediatamente liberado, conforme prevê o art. 75 do Código Penal? Parece-nos que a realidade irá nos demonstrar no futuro o contrário [...] Não sendo o caso, outra medida efetiva deverá ser tomada [...] um livramento condicional apenas, ao final dos trinta anos, desde que não cessada a periculosidade.
A pena busca a ressocialização, mas, em muitos casos, tal objetivo não é alcançado, resultando na reincidência criminosa. Como destaca Bontempo (2018, p. 41), o Brasil enfrenta um dilema: parte da sociedade defende o endurecimento das penas e ampliação de presídios de segurança máxima; outra, ligada aos direitos humanos, propõe práticas que promovam a ressocialização e humanização das prisões.
Nesse contexto, a periculosidade real do condenado, especialmente o risco concreto de reincidência, justifica a continuidade da medida de segurança, conforme o §1º do art. 97 do Código Penal. Fuhrer (apud TEMER, 2019, p. 22) esclarece:
Para que o paciente continue internado não basta a probabilidade de que volte a delinquir [...] É necessário que o perigo de novos crimes seja de tal maneira sério e grave que desaconselhe o risco da desinternação.
Acerca do tratamento, Siena (apud BONTEMPO, 2018, p. 42) ressalta que a psiquiatria forense e a doutrina penal ainda não chegaram a um consenso sobre o tratamento mais adequado aos serial killers, especialmente por sua personalidade psicopática.
A atual sistemática de progressão de regime, conforme a Lei de Execução Penal, promove alterações significativas, como a dispensa do parecer técnico e do exame criminológico, valorizando critérios como bom comportamento carcerário para progressão, o que pode ser problemático frente à capacidade manipuladora dos serial killers.
No sistema carcerário brasileiro, não há tratamento específico para homicidas seriais, que acabam sendo tratados como criminosos comuns, em um país que não adota prisão perpétua ou pena de morte. A consideração desses indivíduos como inimputáveis ou semi-imputáveis desafia os princípios sociais e a legislação penal, cuja função é proteger os bens jurídicos dos cidadãos.
O Código Penal brasileiro adota o critério biopsicológico para avaliar a imputabilidade, exigindo que o agente possua sanidade mental e capacidade de autodeterminação. O diagnóstico de transtorno mental deve ser comprovado por laudo médico, já que tais especificidades não podem ser prontamente aferidas pelo juiz. Contudo, conforme art. 182 do Código de Processo Penal, “o juiz não ficará adstrito ao laudo, podendo aceitá-lo ou rejeitá-lo, no todo ou em parte”.
Sobre essa questão, Soares (2018, p. 19) evidencia as divergências:
Alguns, por não considerarem a psicopatia como doença mental, consideram os indivíduos como imputáveis. Outros consideram perturbação da saúde mental, o que classifica os indivíduos como semi-imputáveis. E outros ainda defendem que o conceito de saúde mental deve ser mais amplo para o Direito, o que resultaria na inimputabilidade destes indivíduos.
Assim, os serial killers não diagnosticados cumprem pena como detentos comuns, evidenciando a importância do diagnóstico para a correta aplicação da pena. A dificuldade de diagnóstico leva, muitas vezes, à atribuição de semi-imputabilidade, o que reduz a pena e permite que o indivíduo retorne à sociedade, com risco de reincidência.
Olivé (2017, p. 681) define a medida de segurança como:
Privação de bens jurídicos, imposta juridicamente pelo Estado com o fim socializador ou assegurador, à pessoa socialmente perigosa, por ocasião da comissão de um crime e, em princípio, enquanto aquele fim não se cumpra.
Rogério Greco (2004, p. 56) complementa, destacando que:
Se a internação não está resolvendo o problema mental do paciente, mesmo que sob o regime de medida de segurança, a solução será a desinternação, passando-o para o tratamento ambulatorial.
Entretanto, a liberação de pacientes que aparentam melhora, mas que mantêm sua periculosidade, representa grave risco à sociedade.
Por fim, quando há imputabilidade total, o serial killer cumpre pena privativa de liberdade; se for constatada ausência de autodeterminação, considerada ação impulsiva, será aplicado o tratamento via medida de segurança, com vistas à defesa social e à tentativa de ressocialização.
2.4. Projeto Lei 140/2010
Embora o ordenamento jurídico brasileiro não possua uma legislação específica para tratar de assassinos em série, houve tentativa de regulamentar a questão por meio do Projeto de Lei nº 140/2010, de autoria do ex-senador Romeu Tuma. O projeto visava incluir no artigo 121 do Código Penal o conceito de “assassino em série”, definindo-o, no parágrafo 6º, como o agente que comete, no mínimo, três homicídios dolosos em determinado intervalo de tempo, sendo que a conduta social, a personalidade do agente, o perfil idêntico das vítimas e as circunstâncias dos homicídios indicam um modo de operação padronizado e pré-estabelecido.
O criminoso que comete 3 homicídios dolosos (intencionais), no mínimo, em determinado intervalo de tempo, sendo que a conduta social e a personalidade do agente, o perfil idêntico das vítimas e as circunstâncias dos homicídios indicam que o modo de operação do assassino implica em uma maneira de agir, operar ou executar os assassinatos sempre obedecendo a um padrão pré-estabelecido, a um procedimento criminoso idêntico.
Além disso, o parágrafo 7º determinava que, para caracterizar formalmente o assassino em série, seria necessária a elaboração de um laudo pericial unânime, elaborado por uma junta composta por dois psicólogos, dois psiquiatras e um especialista com comprovada experiência no tema. Tal previsão reforçava a necessidade de uma avaliação criteriosa e multidisciplinar, diante da complexidade do perfil desses indivíduos (FREIRE, 2015, p. 2).
No parágrafo 8º, o projeto previa que o agente considerado assassino em série estaria sujeito a uma expiação mínima de 30 anos de reclusão, em regime integralmente fechado, ou à medida de segurança por igual período, em hospital psiquiátrico ou estabelecimento semelhante. Essa previsão ampliava o rigor punitivo, superando, à época, a pena máxima prevista no ordenamento jurídico brasileiro, que era de 30 anos. Ainda, no parágrafo 9º, vedava-se a concessão de benefícios penais, como anistia, graça, indulto ou progressão de regime, o que gerou críticas quanto à sua constitucionalidade.
Apesar de trazer avanços importantes e preencher uma lacuna legislativa, o Projeto de Lei nº 140/2010 foi arquivado em 2014, sob o argumento de ser incompatível com o Código Penal vigente, principalmente por prever uma pena mínima equivalente à máxima e restringir direitos fundamentais do condenado. Como destaca Freire (2015, p. 2), a proposta buscava inserir formalmente a figura do serial killer no direito penal brasileiro, adequando o tratamento jurídico à gravidade e especificidade desses crimes.
Na prática, os homicídios cometidos por assassinos em série continuam sendo julgados com base no artigo 121 do Código Penal, como homicídios qualificados, sem uma abordagem minuciosa e específica para essa categoria criminosa. Contudo, devido ao crescimento de casos no Brasil, como o emblemático caso de Francisco das Chagas Brito — responsável por ao menos 42 homicídios entre 1991 e 2003, conhecido como o "caso dos meninos emasculados" —, a necessidade de regulamentação mais adequada se torna evidente. Francisco das Chagas, considerado o maior assassino em série do país, permanece preso desde 2004, após laudo pericial constatar transtorno de personalidade, com risco de reincidência caso seja solto (Bol UOL, 2018).
Portanto, a ausência de uma legislação específica sobre assassinos em série no Brasil ainda representa uma lacuna significativa, dificultando a elaboração de políticas públicas e jurídicas que tratem de forma adequada esses casos que, como se observa, deixam marcas profundas na sociedade. Assim, o Projeto de Lei nº 140/2010, embora arquivado, continua sendo uma referência importante para futuras discussões legislativas sobre o tema.
3.PUNIÇÃO DE SERIAL KILLERS E DESAFIOS DO SISTEMA PENAL BRASILEIRO
3.1 Da medida de segurança a ineficácia do tratamento carcerário
Segundo Cesar Roberto Bittencourt (2022, p. 966), as penas privativas de liberdade se distinguem das medidas de segurança por critérios fundamentais. As penas possuem caráter retributivo-preventivo, baseiam-se na culpabilidade e têm duração determinada. Já as medidas de segurança são preventivas, fundamentam-se exclusivamente na periculosidade do indivíduo e perduram por tempo indeterminado, cessando apenas quando desaparece o “nível de perigo” do agente.
As medidas de segurança aplicam-se aos inimputáveis e, excepcionalmente, aos semi-imputáveis que necessitam de “especial tratamento curativo”, enquanto as penas privativas de liberdade são destinadas a imputáveis e semi-imputáveis. Ambas representam formas de controle social mediante a privação da liberdade, não havendo diferenças substanciais quanto à sua natureza, pois configuram intervenções estatais na liberdade do indivíduo (BITTENCOURT, 2022, p. 966).
Para a aplicação das medidas de segurança, são exigidos três requisitos: (I) prática de fato típico punível, mesmo que inexista culpabilidade, com exceção da inimputabilidade; (II) constatação da periculosidade, entendida como um estado duradouro de antissociabilidade, baseado na conduta e na anomalia psíquica do agente, que o torna propenso à reincidência; e (III) ausência de imputabilidade plena, pois não se admite a cumulação de pena privativa de liberdade e medida de segurança pelo mesmo fato (BITTENCOURT, 2022, p. 966).
O Código Penal brasileiro, em seu art. 26, diferencia dois tipos de periculosidade: a presumida, quando o agente, por doença ou desenvolvimento mental incompleto, é inteiramente incapaz de compreender a ilicitude do fato; e a judicial, quando há uma incapacidade parcial, cuja periculosidade será avaliada pelo juiz. Assim, na periculosidade presumida, presume-se que o agente, por não compreender as normas sociais, é perigoso; enquanto na judicial cabe ao Judiciário determinar se há risco efetivo de reiteração criminosa.
Com a Reforma Penal de 1984, consolidou-se que os inimputáveis não podem ser punidos, ficando sujeitos exclusivamente à medida de segurança, enquanto os semi-imputáveis podem ser submetidos à pena ou à medida de segurança. As duas espécies de medidas de segurança previstas são a internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico e o tratamento ambulatorial.
A internação, também chamada de segurança preventiva, ocorre, preferencialmente, em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, na falta deste, em outro estabelecimento considerado adequado. Bittencourt critica a terminologia adotada na reforma, afirmando que se trata de mera eufemização dos antigos manicômios judiciários, como o Instituto Psiquiátrico Forense no Rio Grande do Sul (BITTENCOURT, 2022, p. 966).
O tratamento ambulatorial, por sua vez, oferece cuidados médicos sem necessidade de internação, mas pode ser revertido a qualquer momento para internação, conforme prevê o art. 97, § 4º, do Código Penal. Não é a condição de inimputabilidade ou semi-imputabilidade que define a escolha entre internação ou tratamento ambulatorial, mas sim a natureza da sanção — sendo possível o tratamento ambulatorial quando a infração for punível com detenção.
O art. 101 da Lei de Execução Penal determina que o tratamento ambulatorial deve ocorrer, preferencialmente, em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, na falta deste, em local com dependência médica adequada. No entanto, Bittencourt ironiza e critica a vagueza da expressão "estabelecimento adequado", que muitas vezes se confunde com os próprios manicômios judiciários.
Os estabelecimentos previstos para aplicação das medidas de segurança são: (I) hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico, criticados por Bittencourt como uma mera mudança de nomenclatura; (II) estabelecimentos adequados, cuja definição legislativa é imprecisa; e (III) locais com dependência médica adequada, destinados principalmente ao tratamento ambulatorial.
Diante do alto grau de periculosidade dos serial killers, como o caso de Francisco das Chagas Brito, é imprescindível verificar a efetividade da legislação penal. Segundo o site Bol Uol (2018), Francisco das Chagas, considerado o maior assassino em série do Brasil, matou pelo menos 42 jovens entre 1991 e 2003, no chamado "caso dos meninos emasculados". As vítimas, todas de famílias pobres, eram atraídas com falsas promessas e assassinadas com mutilações. Laudos periciais indicam que Francisco possui transtorno de personalidade, com risco de reincidência, estando preso desde 2004 no Complexo Penitenciário de Pedrinhas, no Maranhão, com penas que somam mais de 414 anos de reclusão.
3.2 Exemplo de casos
Para exemplificar a análise realizada, destacando os conceitos, as características e explorando a legislação com base em casos de grande impacto, é possível observar o grau extremo de periculosidade que um serial killer pode alcançar.
Entre 1974 e 1978, nas cidades de Washington, Utah e Oregon, ocorreram diversos crimes com impressionantes semelhanças. O autor desses crimes, conhecido como "Ted Bundy", conforme relata Casoy (2017), era um homem atraente e comunicativo, utilizando-se dessas características para seduzir suas vítimas, geralmente mulheres universitárias, de cabelos escuros e compridos. Bundy costumava simular estar doente e permanecer próximo ao seu carro, aguardando que alguém se aproximasse para oferecer ajuda; nesse momento, ele as agredia até a morte. Em outras ocasiões, atacava mulheres enquanto dormiam em suas residências.
Estima-se que Ted Bundy assassinou cerca de 36 mulheres, sempre agindo com extrema crueldade. Após várias operações policiais, foi finalmente identificado e levado a julgamento. Mesmo com diversas tentativas de apelação, foi condenado, sendo executado na cadeira elétrica em 1989. Um dos aspectos mais macabros de sua história é o fato de que ele realizava atos sexuais com os cadáveres de suas vítimas, sendo, assim, considerado um dos casos mais terríveis registrados (CASOY, 2017, p. 49).
No contexto da legislação brasileira, destaca-se o caso de Francisco Costa Rocha, conhecido como “Chico Picadinho”, diagnosticado com psicopatia. Embora fosse capaz de compreender a ilicitude de seus atos, sua capacidade de se autodeterminar frente a esse entendimento era considerada parcial. Francisco teve uma infância marcada pela pobreza e dificuldades em Vila Velha, no Espírito Santo, e cometeu nove homicídios que chocaram o país.
Submetido a julgamento, o laudo psiquiátrico foi decisivo para que fosse considerado semi-imputável, o que resultou na redução de sua pena em um terço. Assim, cumpriu apenas oito anos pelo primeiro crime, sendo posteriormente libertado por bom comportamento (CASOY, 2017, p. 449).
Após diversas decisões judiciais e recursos, foi mantido sob tratamento na Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté. Posteriormente, obteve a liberdade pelo cumprimento integral da pena, tendo sua conduta classificada como “ótima” pela direção do estabelecimento.
No entanto, em razão de uma alteração legal de 1984, que estabeleceu o limite máximo de 30 anos para o cumprimento da pena, quase foi liberado definitivamente. Contudo, permaneceu recluso, graças a uma medida cível amparada por um decreto de 1934, permanecendo até hoje internado na Casa de Custódia, onde, lúcido, ocupa seu tempo praticando pintura (CASOY, 2017, p. 461).
Diante do exposto, percebe-se as falhas do atual sistema penal brasileiro, que evidencia lacunas legais e despreparo na identificação e no tratamento adequado de crimes cometido.
O homicídio em série configura-se como um crime de alta periculosidade, que transcende fronteiras geográficas e expõe toda a sociedade a seus efeitos nocivos, desde a desestruturação social até a ineficácia do Direito na prevenção e tratamento desses criminosos. No Brasil, embora já haja registros consideráveis de serial killers, o ordenamento jurídico ainda não dispõe de legislação específica e eficaz para lidar com essas situações extremas.
Apesar dos avanços em investigações e estudos comportamentais, a atuação do Direito permanece insuficiente, sendo urgente o estabelecimento de normas mais rígidas e específicas, tanto no aspecto punitivo quanto na aplicação de medidas ressocializadoras adequadas. A análise do perfil do serial killer, seu modus operandi e as consequências dos seus atos é essencial para que se alcance uma penalidade justa, conforme ressaltado na proposta do Projeto de Lei 140/2010, atualmente arquivado, que buscava atualizar o Código Penal nesse sentido.
O fenômeno do serial killer não é recente, mas ganhou destaque a partir do século XX, impulsionado pela mídia e, como muitos afirmam, pelo aumento de sua ocorrência. Diversos fatores contribuem para a formação desses indivíduos: lares desestruturados, negligência parental, abusos físicos, psicológicos e sexuais, predisposições genéticas e disfunções neurológicas, além de uma sociedade que frequentemente inverte valores. Esse ambiente cria um potencial assassino em série, onde os traumas vividos são, muitas vezes, ritualisticamente repetidos em seus crimes, como uma vingança inconsciente contra o passado.
Embora essa relação de causa e efeito remeta à ideia do "eterno retorno" de Nietzsche, não há uma certeza matemática de que traumas ou anomalias cerebrais conduzam inevitavelmente ao homicídio. A complexidade dessas variáveis desafia o Estado e suas instituições, que ainda lutam para encontrar respostas eficazes. Destaca-se, entretanto, a importância do desenvolvimento de abordagens interdisciplinares, envolvendo Direito, perícia forense, psicologia e psiquiatria.
A psicologia forense contribui ao evidenciar aspectos comuns na infância desses indivíduos, como abusos e dificuldades sociais, enquanto a psiquiatria frequentemente diagnostica transtornos de personalidade antissocial, caracterizados pela insensibilidade e manipulação. Muitos serial killers levam vidas duplas, o que dificulta investigações e favorece a reincidência, tornando-os um risco constante à sociedade.
O Direito Penal brasileiro enfrenta desafios significativos no tratamento desses casos, pois os elementos clássicos da justiça penal — crime, ilicitude, culpabilidade e imputabilidade — não se aplicam de maneira convencional. Muitos serial killers são considerados semi-imputáveis, reconhecendo-se que, apesar de terem consciência dos seus atos, frequentemente carecem de remorso ou empatia. Assim, dependendo do grau de consciência e do diagnóstico clínico, podem ser condenados a penas privativas de liberdade ou submetidos a medidas de segurança.
No entanto, o sistema penal brasileiro não prevê prisão perpétua, o que permite que esses indivíduos eventualmente retornem à sociedade, mesmo representando alto risco de reincidência — situação que, para muitos, configura uma grave injustiça social. Diante disso, especialistas defendem que a ressocialização desses criminosos pode ser um ato irresponsável, dada sua extrema periculosidade e manipulação.
Nesse contexto, torna-se imprescindível a capacitação de profissionais, investimentos em equipamentos e sistemas de coleta e análise forense, além de políticas públicas focadas na prevenção dos fatores que frequentemente estão na origem desses comportamentos, como o abuso infantil. A erradicação do mito de que não existem serial killers no Brasil é essencial, pois o atual cenário nacional — marcado por desigualdade social, cultura da violência, corrupção e impunidade — fornece todos os ingredientes para a proliferação desse tipo de criminoso.
Por fim, cabe ressaltar que o debate sobre o tratamento penal dos serial killers permanece aberto e controverso. Muitos defendem a necessidade de uma renovação legislativa que considere, inclusive, o aumento do limite máximo de penas ou a instituição de prisão perpétua para casos de extrema periculosidade, como forma de garantir maior segurança à sociedade. Como bem colocado, "o serial killer nada mais é do que a encarnação de tudo o que é podre na sociedade, é o reflexo de todo mal que existe por aí e muitas vezes fazemos questão de ignorar". Reconhecer essa realidade é o primeiro passo para construir uma resposta jurídica e social mais adequada e eficaz, que equilibre prevenção, punição e proteção aos direitos fundamentais, com especial destaque à vida humana.
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RESSLER, Robert K.; BURGESS, Ann W.; DOUGLAS, John E. Serial Killers: A Study in the Psychology of Violence. New York: Free Press, 1997
graduanda em Direito pela Faculdade Una
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ALVES, DAYANNA APARECIDA OLIVEIRA. Serial killer: investigação e punição de serial killers no Brasil: desafios do sistema penal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 jun 2025, 04:33. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/68817/serial-killer-investigao-e-punio-de-serial-killers-no-brasil-desafios-do-sistema-penal. Acesso em: 14 ago 2025.
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