RESUMO: A responsabilidade civil no ordenamento jurídico brasileiro abarca situações passíveis de indenização tanto na esfera patrimonial como na extrapatrimonial. Com a dinamicidade da vida contemporânea, junto à rapidez com que avança as distintas relações sociais e jurídicas destes, surgem complexas questões que, não obstante a considerável evolução da responsabilidade civil, ainda sente-se a necessidade de mecanismos mais eficientes para preencher algumas lacunas jurídicas nesse ramo do direito. Assim, surgem novas teorias no ordenamento jurídico brasileiro como a teoria em estudo neste artigo, a qual torna a perda de obter uma vantagem ou de se evitar um prejuízo um dano passível de reparação. Busca-se abordar a origem e evolução da responsabilidade pela perda de uma chance no direito Francês, nos países de sistema da Common Law, no Direito Italiano até a aplicabilidade na jurisprudência dos tribunais brasileiros, analisando-se a sua natureza jurídica, os requisitos ensejadores e seus métodos de quantificação.
Palavras-chave: Responsabilidade civil. Dano. Teoria da perda de uma chance. Natureza Jurídica.
1 INTRODUÇÃO
O tema a ser estudado no presente trabalho tratará da responsabilidade civil pela perda de uma chance, a qual se encontra no Direito Brasileiro em início de sua expansão doutrinária e jurisprudencial nos Tribunais Nacionais e no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
A teoria da perda de uma chance é procedente da França – perte d´ une chance, país no qual se iniciou seu desenvolvimento e sua aplicação, difundindo-se pelos países do sistema da common law, pelo direito italiano, perpassando pelo Brasil.
A veemência com que se observa o instituto da responsabilidade civil no ordenamento jurídico brasileiro traduz a enorme gama de situações as quais são passíveis de reparação tanto na esfera patrimonial como na extrapatrimonial. Neste sentido, somando-se a dinamicidade da vida contemporânea dos indivíduos na sociedade à rapidez com que avança as distintas relações sociais e jurídicas entre esses, surgem complexas questões que, não obstante a considerável evolução do instituto da responsabilidade civil, ainda encontram-se desprovidas de solução.
Nesse contexto, a emersão de novas teorias no ordenamento jurídico brasileiro se faz de grandiosa valia na aplicação de questões mais complexas que restam muitas vezes abarcadas por soluções inexpressivas, não condizentes aos específicos e distintos casos concretos.
No sentido do exposto, na seara da responsabilidade civil, a evolução da teoria da perda de uma chance é de fundamental importância à medida que traz à baila a discussão de novas hipóteses de danos indenizáveis tais como “a reparação e quebras de expectativas, e até de confiança, estresses emocionais, riscos econômicos, perda de uma chance, perda de escolha, os quais já são suscetíveis de reparação no sistema jurídico de alguns países europeus” (SILVA, 2007, p. 6).
Destarte, examinar-se-á neste artigo o tema da responsabilidade civil pela perda de uma chance, pela perda de uma vantagem, de um lucro ou, ainda, de se evitar um prejuízo, através de sua incidência, de seus requisitos, de sua forma de quantificação e aplicação concreta na jurisprudência de alguns tribunais brasileiros.
Assim, o trabalho dividir-se-á em três momentos, a saber: o primeiro tratará de forma sucinta acerca do breve histórico da origem e evolução da teoria da perda de uma chance nos países que primeiro a desenvolveram.
O segundo momento abrangerá o enfoque da responsabilidade civil pela perda de uma chance demonstrando-se a divergência no que atine a sua natureza jurídica, os requisitos que implicam em sua aplicação e a forma de quantificação da reparação.
Por fim, no terceiro capítulo se fará uma análise jurisprudencial de alguns julgados dos principais tribunais nacionais que primeiro empregaram a responsabilidade civil pela perda de uma chance, bem como no STJ.
2 BREVE HISTÓRICO ACERCA DA ORIGEM DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE
Conforme ressaltado nas considerações iniciais, a teoria da perda de uma chance apresenta-se no direito brasileiro como uma evolução do instituto da responsabilidade civil. Ante este aspecto discorrer-se-á, embora que de forma sucinta, sobre a origem e a evolução da teoria da perda de uma chance nos países que precederam com o estudo doutrinário e jurisprudencial da temática, tal como o Direito Francês, o Direito Norte-americano, o Direito Inglês e o Direito Italiano.
A teoria em comento, mais precisamente a denominada perte d´ une chance surgiu na França em 17 de julho de 1889, quando a corte de cassação francesa julgou procedente o pedido em uma ação reparatória concedendo indenização pela perda de uma chance do autor ganhar uma ação devido a conduta de um funcionário ministerial que obstou de todas as formas o andamento de sua ação judicial (AZEVEDO, 2011). Foi, então, nos julgados franceses que se desenvolveu, a partir do século XIX, consideráveis hipóteses de aplicação da teoria da perda de uma chance, conforme preleciona Rafael Peteffi da Silva (2007, p.149):
A propósito os juristas franceses apresentam um leque de hipóteses bastante variado, como a responsabilidade pela perda de uma chance de lograr êxito em um jogo de azar ou em uma competição esportiva, tal como ocorreu com um criador que teve seus cavalos de corrida arrestados, ficando impedido de inscrevê-los em competições.
Também se pode observar a utilização da teoria em casos de perda de uma chance pela quebra do dever de informar; perda de uma chance de ganhar uma demanda judicial devido a falhas de advogados e perda de uma chance em matéria empresarial.
Em síntese, Rafael Peteffi da Silva (2007, p. 150) leciona que a doutrina francesa possui o entendimento majoritário de considerar a chance perdida como uma modalidade de dano autônomo, por se tratar de um processo aleatório, o qual é interrompido de forma definitiva pela conduta do agente.
Por conseguinte, nos países que consistem juridicamente no sistema da common law, tais como a Inglaterra, os Estados Unidos, o Canadá e as ex- colônias Britânicas, observa-se que estes analisavam as variáveis da responsabilidade civil de forma minuciosa e de acordo com determinado caso específico. No entanto, ante a evolução doutrinária e jurisprudencial, bem como com a intervenção do legislador, tal instituto passa hodiernamente a apresentar característica predominantemente sistemática, sempre em conformidade com os requisitos da responsabilidade civil (SILVA, 2007).
Sendo assim, vaticina em sua obra Rafael Peteffi da Silva (2007, p. 171):
Tanto o direito inglês como o direito norte-americano tratam os principais institutos da responsabilidade civil de uma forma sistemática, permitindo a análise dos efeitos jurisprudenciais segundo a natureza jurídica das chances perdidas.
Nesse esteio, corrobora a doutrina mais abalizada, a qual versa sobre o direito comparado, que nos países que adotam o sistema jurídico da common law a teoria da perda de uma chance - loss of a chance doctrine - emprega-se tanto nos casos em que se configura a responsabilidade civil pela quebra de um contrato, como também na seara dos profissionais da medicina, quando verificado malfadada negligência médica que impossibilita a chance de cura do paciente, fato que, in casu, transforma-se igualmente em uma hipótese de dano reparável.
Desse modo, a despeito da aplicabilidade cada vez mais sistemática da responsabilidade civil pelo sistema jurídico citado, Isabela Melo Rêgo Azevedo (2011, p. 77) comenta a tarefa árdua que é a de se estabelecer com precisão a natureza jurídica da perda de uma chance na visão jurídica destes países, uma vez que ocorre entre os mesmos a inexistência de um consenso a respeito desta questão; além de nos Estados Unidos, cada Estado – membro utilizar-se da aludida teoria segundo os parâmetros jurídicos de cada um.
No direito italiano, da mesma forma como nos outros ordenamentos já mencionados, o estudo da teoria da perda de uma chance - perdita di una chance - iniciou-se com escritos de doutrinadores os quais se desdobraram sobre esta temática até progredirem na aceitação pela Corte de Cassação Italiana da perda de uma oportunidade como uma hipótese de dano indenizável.
Sendo assim, firmou-se o posicionamento no cenário jurídico italiano de que a perda de uma chance de se obter uma vantagem refere-se a um dano autônomo, patrimonial concebido como dano emergente e, por isto, distinto da perda do resultado final. Desse modo, tratar-se-á da possibilidade de obter êxito e vantagens econômicas, a qual se refere diretamente à perda de uma possibilidade concreta existente no patrimônio do indivíduo.
Saliente-se ainda, que a referida teoria no direito italiano é aplicada tanto aos casos relacionados à responsabilidade contratual, como na extracontratual, a saber: “na perda de uma chance de sobrevivência e de cicatrização; a não possibilidade de conseguir avançar na carreira por causa da irregularidade no desenvolvimento de um concurso, a atividade profissional negligente de um advogado, entre outros”(AZEVEDO, 2011, p. 89).
No sentido do exposto, brilhantemente esclarece os ensinamentos de Sérgio Savi (2006, p. 133) quanto à identificação do instituto da perda de uma chance no ordenamento italiano:
A chance é hoje no ordenamento jurídico italiano um dos critérios de imputabilidade da responsabilidade civil, porque este tipo de dano não é mais considerado como lesão a simples expectativa, mas como lesão a uma legítima expectativa suscetível de ser indenizada da mesma forma que um interesse legítimo ou qualquer outro direito subjetivo tutelado no ordenamento.
3 A RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE NO DIREITO BRASILEIRO
Com o advento, no século XX, da Constituição Federal de 1988 (CF/88) inúmeras mudanças passaram a ocorrer no ordenamento jurídico no que tange ao cenário da responsabilidade civil. É sabido, que a Lei Maior possui incutido em seus artigos diversos princípios fundamentais oriundos de vários ramos do direito. Dentre esses, indelevelmente encontra-se e destaca-se, na concepção das decisões acerca do instituto em comento, o princípio da dignidade da pessoa humana, não se olvidando de sua exímia importância, uma vez que é um dos pilares da ordem constitucional, sendo, ainda, um dos fundamentos[1] da República.
Nesse diapasão, Maria Celina Bodin de Moraes (2006, p. 3) assevera em sua obra que no Brasil os princípios do direito civil haviam sido transplantados para o texto constitucional; por isso, os civilistas que não estavam presos à summa divisio[2] logo advertiram o papel central que a dignidade da pessoa humana havia adquirido.
Diante desse cenário, os princípios basilares do Código Civil, traspassaram-se ao texto da Carta Política e tais valores e princípios – princípio da boa-fé contratual, princípio da dignidade da pessoa humana, princípio da publicidade, princípio da vulnerabilidade do consumidor - esposados pelo legislador constitucional, o que demonstrou o fenômeno denominado constitucionalização do direito civil.
Isto é, propiciou-se uma modificação sistemática aos “olhos” dos operadores do direito civil e de toda uma sociedade, uma vez que tais princípios-normas irradiaram-se e tornaram-se normas diretivas, completamente aptas à reconstrução do direito civil.
Apar do exposto, salienta-se que em todos os ramos do direito, a ofensa à dignidade humana passou a ser vista como uma forma de dano ao indivíduo, ao ser humano; e na esfera da responsabilidade civil, também não fora diferente. A violação a esse princípio gera dano, e este, que anteriormente sequer era considerado como tal, volve-se a originar um direito de reparação, sendo reconhecido e tutelado juridicamente.
Ademais, impende ressaltar o fenômeno da objetivação que foi consequência da incidência da responsabilidade civil objetiva na reparação dos novos danos indenizáveis.
A objetivação no âmbito da responsabilidade civil é inserida em decorrência da interpretação da cláusula geral disciplinada pelo artigo 297, do Código Civil de 2002 (CC/2002) [3], a qual conferiu flexibilidade à observância dos requisitos da responsabilidade civil, e, consequentemente, a ampliação enérgica de novas espécies de dano como, in casu, a perda de uma chance.
Nesse esteio, no incipiente cenário jurídico atual, o qual permite uma maior reparação de lesões e danos sofridos ante aos interesses juridicamente protegidos, destaca-se a inserção de uma nova modalidade de indenização, qual seja, a reparação pela perda de uma chance. Tal insurgência está diretamente relacionada às já vaticinadas mudanças no instituto da responsabilidade civil. Com efeito, disserta Isabela Melo Rêgo Azevedo (2011, p. 92) sobre o tema:
Com já explanado, este fenômeno é fruto das importantes mudanças que o instituto da responsabilidade civil sofreu, mais precisamente da erosão dos tradicionais filtros de reparação (culpa e nexo), os quais deixaram de ser considerados obstáculos reais à reparação de danos.
No Brasil, a evolução da teoria da perda de uma chance, mormente no que atine à produção doutrinária, revelou-se de forma tímida. No entanto, atualmente, tal composição nesta seara, vem demonstrando estar em um estado de efervescência doutrinária e jurisprudencial (SILVA, 2007).
Destarte, dentre os doutrinadores civilistas os quais promovem o estudo da disciplina da teoria em apreço, destacar-se-á na ordem jurídica brasileira contemporânea os posicionamentos de Sérgio Cavalieri Filho, Caio Mário Pereira da Silva, Sílvio de Salvo Venosa, Sérgio Savi, Rafael Peteffi da Silva, José Aguiar Dias, Fernando Noronha entre outros ilustres nomes.
Lastreando-se, então, nos ensinamentos de uma das doutrinas mais abalizadas, cumpre aludir o conceito da teoria da perda de uma chance, segundo Sérgio Cavalieri Filho (2011, p. 77):
A teoria da perda de uma chance (perte d´ une chance) guarda certa relação com o lucro cessante uma vez que a doutrina francesa, onde a teoria teve origem na década de 60 do século passado, dela se utiliza nos casos em que o ato ilícito tira da vítima a oportunidade de obter uma situação futura melhor. Caracteriza-se essa perda de uma chance quando, em virtude da conduta de outrem desaparece a probabilidade de um evento que possibilitaria um benefício futuro para a vítima, como progredir na carreira artística ou militar, arrumar um melhor emprego, deixar de recorrer de uma sentença desfavorável pela falha do advogado, e assim por diante. Deve-se, pois, entender por chance a probabilidade de se obter um lucro ou de se evitar uma perda. [grifo nosso]
Ademais, segundo a melhor doutrina, a teoria da perda de uma chance abrange as hipóteses em que haja a frustração da chance de se obter uma vantagem, ou ainda, a frustração da chance de se evitar um dano que aconteceu. Isto é, não se trata a referida teoria da perda de um resultado certo, mas sim, da perda de oportunidade da obtenção de uma vantagem e não pela perda da própria vantagem (FILHO, 2011).
Portanto, é considerada uma modalidade de dano autônomo e específico, oriundo do rompimento de um processo aleatório o qual estava em curso e que poderia gerar uma vantagem, ou evitar um dano, e que é passível de indenizabilidade material ou imaterial (patrimonial/extrapatrimonial), independentemente do resultado final, sendo aplicado tanto nos casos de responsabilidade objetiva, como também subjetiva.
Não se olvidando, ainda, de que se deve caracterizar a chance como séria e real, não podendo essa consistir em mera eventualidade aleatória. Para melhor elucidação citar-se-á o exemplo ilustrado por Sérgio Cavalieri Filho (2011, p. 78):
No caso do advogado que perde o prazo para recorrer de uma sentença, por exemplo, a indenização não será pelo benefício que o cliente do advogado teria auferido com a vitória da causa, mas pelo fato de ter perdido essa chance; não será pelo fato de ter perdido a disputa, mas pelo fato de não ter podido disputar. O que deve ser objeto da indenização, repita-se é a perda da possibilidade de ver o recurso apreciado e julgado pelo Tribunal [grifos nossos].
3.1 A discussão acerca da natureza jurídica da responsabilidade civil pela perda de uma chance
Relevante questão a ser discutida trata-se da natureza jurídica da indenização concedida pela perda de uma chance no direito brasileiro. Nesse sentido, antes de adentrar-se à discussão a respeito dos requisitos ensejadores da perda de uma chance, há que se fazer uma análise quanto aos critérios adotados tanto pela doutrina, como pela jurisprudência os quais a considerem como um dano de origem patrimonial ou extrapatrimonial.
Precedentemente, previamente à valoração do quantum a ser indenizado a quem sofrera com a perda de uma chance de se obter uma vantagem ou de se evitar um prejuízo, deve-se respaldar tal valoração com a respectiva caracterização, no caso concreto, da espécie de dano sofrido. Sendo assim, para a reparação há que se averiguar a natureza da lesão sofrida, a qual distinguir-se-á de acordo com o bem jurídico que sofreu com a lesão a ser reparada.
Ressalte-se que no caso da chance perdida, a reparação do interesse jurídico lesado, se caracterizado como dano patrimonial não extingue a possibilidade de indenizar-se a mesma lesão sofrida por dano extrapatrimonial, podendo adquirir o dano causado efeitos tanto materiais como também imateriais[4].
Nesse passo, considerando-se no presente artigo, a perda de uma chance como categoria de dano autônomo e específico distinto do dano final, tanto na doutrina como na jurisprudência, a composição acerca da espécie de dano pela chance perdida, como moral ou material, e, ainda, neste último caso como dano emergente ou lucro cessante, são in totum controvertidas.
Destarte, elucida-se a conclusão de Rafael Peteffi da Silva (2007, p. 197) sobre a natureza jurídica do dano a ser reparado nas situações em que é aplicável a teoria em estudo, dispondo que a jurisprudência brasileira vem declinando-se a considerá-lo como dano extrapatrimonial, a saber:
A propósito, o arbitramento dos danos extrapatrimoniais obedece a critérios menos rígidos do que aqueles respeitados na quantificação de danos patrimoniais, que seguem o critério da diferença. Pela dificuldade de quantificar certos danos patrimoniais representados pela perda de uma chance, talvez a jurisprudência brasileira esteja criando uma corrente que tende a considerá-los como uma subespécie de danos extrapatrimoniais, posto que estes estão sujeitos a um subjetivismo mais acentuado na sua quantificação.
[...]
Principalmente em casos de responsabilidade civil de advogados, ou seja, quando a vantagem esperada pelo cliente se constitui em um benefício primordialmente patrimonial, a jurisprudência opta por indenizar o dano moral decorrente da “frustração da expectativa de ver reexaminada a decisão que julgou improcedente o mandado de segurança impetrado contra a Universidade.” [grifos nossos]
Seguindo esta mesma linha de pensamento, assevera Isabela Melo Rêgo Azevedo (2011, p. 145) que os casos da perda de uma chance preponderantemente tratar-se-ão de dano extrapatrimonial, haja vista que se refere diretamente a uma lesão à dignidade humana em um dos seus principais substratos, qual seja a liberdade. Defende, incisivamente, que nesses casos específicos, compreender-se-á a perda da oportunidade de obter uma vantagem, ou de evitar um prejuízo como uma violação ao direito à liberdade, e, portanto, um dano moral, uma vez que a conduta do agente extermina as possibilidades de certo indivíduo alcançar um resultado favorável, ou de evitar a ocorrência de alguma situação lesiva – interrompendo decisivamente o processo aleatório no qual se encontrava inserida a vítima.
Por oportuno, vale reiterar o entendimento outrora asseverado de que persiste na doutrina e jurisprudência brasileira a ausência de unicidade quanto à natureza jurídica da indenização pela perda de uma chance, como bem assevera Sérgio Cavalieri Filho (2011, p. 80):
A jurisprudência, repita-se, ainda não firmou o entendimento sobre essa questão; ora a indenização pela perda de uma chance é concedida a título de dano moral, ora a título de lucros cessantes, e o que é pior, ora pela perda da própria vantagem, com o que se acaba por transformar a chance em realidade. [grifo nosso]
3.2 Requisitos para aplicação da responsabilidade civil pela perda de uma chance
De forma unânime na doutrina brasileira que estuda a teoria da perda de uma chance é incontestavelmente pacificado o entendimento de que somente as chances sérias e reais serão passíveis de reparação, não importando se o dano ressarcível é moral ou patrimonial.
Perante a chance perdida deverá ser averiguado os elementos ensejadores da responsabilidade civil tal como o dano – representado pela chance, a conduta que o causou, e o nexo causal entre a conduta danosa e a chance perdida. Tal como ocorre com o dano, a chance perdida resultará de uma lesão a um interesse jurídico do indivíduo, por isso, certa e caracterizada deve ser a sua ocorrência. Esse requisito tende a ser analisado não sobre a óptica do resultado final, o qual iria se concretizar, mas sim diante das chances que a vítima possuía em obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo.
Há, nesse contexto, uma aleatoriedade na observância do resultado final, e este processo aleatório sendo interrompido em seu curso normal devido a uma conduta do agente, gera, por conseguinte, a certeza e a seriedade da chance perdida - leia-se: a chance certa e provável de se alcançar o resultado final. Conforme a lição de Rafael Peteffi da Silva (2011, p. 134), neste sentido o ilustre autor afirma:
A propósito, “a observação da seriedade e da realidade das chances perdidas é o critério mais utilizado pelos tribunais franceses para separar os danos potenciais e prováveis e, portanto, indenizáveis, dos danos puramente eventuais e hipotéticos, cuja reparação deve ser rechaçada”.
Com efeito, acerca do tema há ainda outro elemento a somar-se aos acima esposados para fins de reparação da chance perdida.
Com fulcro na inspiração da doutrina italiana não se tratará de qualquer chance perdida a originar o direito a indenização, apenas deverão ser levados em consideração os casos em que a chance seja séria e real e, para tal configuração, deverá ser feito prova de uma probabilidade de 50% (cinqüenta por cento) de obtenção do resultado esperado (SAVI, 2006).
Ademais, não somente o conceito de chance séria e real servirá por completo de fundamento legal para o convencimento e julgamento do juízo nos casos concretos. Nessa seara das chances perdidas e sua respectiva reparação, o magistrado pode e deve utilizar-se, para saneamento de possíveis dúvidas, da comparação com outros casos, e, assim, traçar um norte sobre tal concepção. Não se olvida de que dentre tais critérios, o juiz ao definir-se quanto à reparação do dano deverá sempre guiar-se pelos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.
3.3 A quantificação dos danos pela reparação das chances perdidas
Consoante esposado alhures considera-se no presente trabalho a reparação pela perda de uma chance como uma espécie de dano indenizável autônomo e específico.
Nessa ambiência, fora esclarecido que tanto a doutrina como a jurisprudência não se encontra assente quanto a real natureza jurídica da perda de uma chance, de modo que se poderá caracterizar como dano moral ou patrimonial, a depender do caso concreto e de seu órgão julgador.
No que concerne à quantificação relativa ao dano oriundo da chance perdida ainda não é unânime nos tribunais brasileiros uma definição metodológica concreta e genérica para todas as demandas das quais emerjam a responsabilidade civil pela perda de uma chance.
No propósito do que se refere ao julgamento e valoração do valor da vantagem perdida ou do prejuízo não evitado, devido até mesmo a sua natureza incerta, conforme já abordado, haverá métodos de quantificação distintos para quando o dano pela perda de uma chance for estritamente moral, bem como para quando for patrimonial.
Ab initio, não se pode olvidar que a reparação pela perda de uma chance concebe-se a partir da conduta do agente que promoveu a perda de uma vantagem não alcançada, ou a perda da possibilidade de se evitar prejuízo. E, portanto, para a composição da responsabilidade civil de acordo com a teoria em estudo, há que estar presente os requisitos da chance séria e real e o nexo de causalidade entra a conduta e a chance perdida, reitera-se – esta não se refere à perda definitiva da vantagem esperada, mas sim a chance provável e real de obtê-la.
Nesse sentido, a reparação da chance será integral ao valor da chance não alcançada, mas também será sempre inferior ao valor total da vantagem definitivamente perdida, isto é do dano final, conforme elucida Rafael Peteffi da Silva (2007, p. 138), a saber:
Isso não quer dizer que o dano pela perda de uma chance não esteja sujeito aos princípios da reparação integra; pelo contrário, a indenização concedida sempre repara de forma integral as chances perdidas, pois a perda de uma chance é dano específico e independente em relação ao dano final, que era a vantagem esperada que foi definitivamente perdida. [grifo nosso]
No sentido do exposto, quando a natureza do dano for material, os tribunais tendem a realizar a quantificação da chance de obtenção da vantagem esperada, determinando a quantia a reparar, através do grau de probabilidade do resultado final que poderia ter sido alcançado.
De acordo com essa configuração, o valor da chance, como dano patrimonial, será sempre inferior a quantia correspondente à vantagem esperada, conforme acima mencionado, haja vista que serão calculadas através de percentuais de probabilidade que comprovadamente se disponham como chances efetivas.
Por sua vez, no que atine aos danos extrapatrimoniais, se assim entendido a perda da chance pelo órgão julgador, há que se levar em consideração as peculiaridades do caso concreto, isto é, o valor da reparação deverá estar em consonância com as características e condições pessoais da vítima e, ainda, com a gravidade do dano. Não perfaz cabível aferir-se o quantum da reparação através da probabilidade, por não ser possível prever com precisão o efetivo percentual a ser reparado.
Sobre o tema assevera Sílvio de Salvo Venosa (2006, p. 277):
Um dos pontos que o estabelecimento da indenização deve levar em consideração, e que não está expresso na lei, é sem dúvida o nível econômico das partes envolvidas. Não é porque o ofensor é empresa economicamente forte que a indenização deverá ser sistematicamente vultosa em favor de quem, por exemplo, sempre sobreviveu com um salário mínimo. O bom-senso deve reger as decisões, sob pena de gerar enriquecimento ilícito, o que é vedado pelo ordenamento jurídico pátrio.
4 A APLICAÇÃO DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO – UMA ANÁLISE JURISPRUDENCIAL
Como corolário de todo o exposto até o momento sobre o estudo da teoria da perda de uma chance no direito brasileiro, seus requisitos e as dificuldades ainda inerentes nos órgãos julgadores no que se refere aos métodos de quantificação da reparação do dano, oportuno se dará a análise de como está sendo aplicação desta teoria na jurisprudência dos Tribunais Brasileiros.
No Brasil, como já outrora explanado, em virtude do posicionamento não uniforme da doutrina sobre a natureza jurídica da responsabilidade civil pela perda de uma chance a jurisprudência encontra-se de modo oscilante em suas decisões, por vezes caracterizando a perda de uma chance como dano patrimonial e ora como dano extrapatrimonial.
Consoante o explicitado, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJ/RS) julgou os seguintes casos abaixo colacionados, Apelação Cível nº - 70037821352 e Apelação Cível nº – 70040016735 considerando como dano moral a perda de uma chance, em que no primeiro caso indenizou-se a chance perdida de se obter um resultado mais favorável, se o causídico da autora tivesse interposto recurso especial tempestivamente; bem como no segundo julgado, se indeniza pela perda da oportunidade da recorrente de obter aprovação no vestibular, uma vez que a empresa ré, por erro de digitação não a inscreveu no referido processo seletivo. Nestes casos, a reparação por dano moral consubstancia-se em uma resposta da ordem jurídica ao resultado lesivo produzido, sem, contudo, conferir enriquecimento ilícito aos ofendidos.
Sendo assim, confira-se:
Apelação civil. Ação de indenização. Responsabilidade civil do advogado. Perda de uma chance. Obrigação de meio que não elide o dever de prestar serviços de forma adequada e de acordo com os interesses do cliente. Hipótese em que o advogado deixa de comparecer à audiência e de comunicar a sua realização ao cliente deixando que ocorresse a revelia. Recurso especial interposto que não foi conhecido por intempestividade. Dano causado tendo em vista a perda da possibilidade de conseguir resultado mais favorável no processo. Configuração de negligência e imprudência do advogado. Dever de indenizar. Quantum indenizatório que não se vincula ao valor efetivamente perdido. Condenação ao pagamento dos honorários advocatícios despendidos na causa. Deram provimento, em parte, ao primeiro apelo e negaram provimento ao segundo. Unânime.[5][grifos nossos]
Apelação cível. Responsabilidade civil. Ação indenizatória por danos morais. Pagamento de inscrição. Erro de digitação. Impedimento de realização de concurso vestibular. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. Comprovação dos pressupostos da responsabilidade civil. Danos morais in re ipsa. Manutenção do quantum arbitrado. Honorários de sucumbência mantidos. Há responsabilidade objetiva da empresa, bastando que exista, para caracterizá-la, a relação de causalidade entre o dano experimentado pela vítima e o ato do agente, surgindo o dever de indenizar, independentemente de culpa ou dolo. O fornecedor de produtos e serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados por defeitos relativos aos produtos e prestação de serviços que disponibiliza no mercado de consumo. a alegação de que a autora não pode fazer a prova do vestibular da ufrgs em razão do erro no depósito do valor da inscrição não foi elidida pela empresa ré, nos termos do art. 333, ii do cpc e diante da possibilidade de aplicação da inversão dos ônus da prova prevista no art. 6º, inc. viii, do cdc. Configurada a responsabilidade civil pela perda de uma chance, pois o ato ilícito praticado pela ré retirou qualquer probabilidade de a autora obter aprovação no concurso vestibular, pois sequer constava como candidata inscrita. Danos morais in re ipsa configurados, pois decorrem do próprio ato ilícito. - danos morais - quantum indenizatório - o valor a ser arbitrado a título de indenização por danos morais deve refletir sobre o patrimônio da ofensora, a fim de que sinta, efetivamente, a resposta da ordem jurídica ao resultado lesivo produzido, sem, contudo, conferir enriquecimento ilícito ao ofendido. Manutenção do quantum indenizatório, considerando-se a particularidades do caso em apreço. - honorários advocatícios - deve ser mantido o valor fixado na sentença a título de honorários advocatícios, porquanto bem remunera o trabalho do profissional, na esteira do entendimento manifestado por este colegiado. Apelos desprovidos.[6] [grifos nossos]
Noutro pórtico, transcreve-se ipsis litteris ementa do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ/PR), Apelação Cível nº – 0471982-0 em que a indenização pela perda de uma chance é tangente ao dano material e emergente. In casu, houvera um concurso cultural de obras de arte para concorrer a prêmios. A obra necessitava ser inédita, no entanto, fora impossibilitada de participar da mostra cultural já que a empresa ré não a entregou a tempo, e por tal motivo concedeu-se reparação por perda de uma chance de obter êxito no concurso. Segundo o voto, o dano fora material emergente na medida em que, quando da quebra do contrato, já havia na esfera patrimonial do autor a efetiva probabilidade de lograr êxito na exposição de arte, não se confundido, portanto, com o dano moral; sendo devido não somente o valor gasto com sua confecção, como também o que foi gasto com o transporte. In verbis:
Ação de indenização. Responsabilidade civil. Danos materiais e morais. Extravio de obra de arte no transporte para um evento cultural. 1)- agravo retido. Denunciação da lide. Acolhimento apenas em caso de garantia própria. Inocorrência na espécie. Recurso desprovido. 2)- apelações cíveis. Responsabilidade civil. Danos morais e materiais. Condenação em primeiro grau em parte do pedido. Contrato de transporte. Obras de arte que deixaram de chegar a tempo de concorrer a prêmios em mostra cultural. Ausência de responsabilidade da entidade realizadora do evento. Responsabilidade contratual somente da empresa transportadora. Indenização devida não só pelo valor do contrato (remessa e embalagem), mas também quanto aos insumos gastos para confecção da obra de arte. Concurso que exigia obra inédita. Imprestabilidade desta após a ocorrência da mostra. Indenização ainda pela "perda de uma chance". Doutrina da "perte d`une chance". Acolhimento pelo superior tribunal de justiça. Autor com probabilidade efetiva de findar o concurso entre os três melhores trabalhos. Indenização calculada de acordo com a chance matemática de êxito. Majoração dos danos materiais e manutenção dos danos morais. Fixação razoável. Juros e correção tratados de forma correta. Reforma parcial da sentença, apelação da ré desprovida e apelação do autor provida em parte. 1- a denunciação da lide se condiciona à existência de garantia própria entre litisdenunciante e litisdenunciado, ou seja, é preciso que o direito de regresso existente entre um e outro seja decorrente de transmissão de direito por disposição legal ou contratual expressa; 2- ainda que recuperado o bem transportado, comprovada sua imprestabilidade por não ter chegado ao destino a tempo, é devida indenização pelo valor gasto com sua confecção e não só com o que foi gasto com o transporte; 3- comprovado que o requerente contava com condições reais de lograr êxito em evento futuro a que fora alijado por ato ilícito ou quebra de contrato, a ele é devida indenização pela "perda da chance", calculada com base na probabilidade matemática que dispunha da ocorrência do evento lucrativo.[7] [grifos nossos]
Com o fito de ilustrar aplicação direta da concepção de chance séria e real, transcreve-se in verbis a seguinte jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 2º Região (TRF2), Apelação Cível nº – 386135 a qual não considerou o egrégio Tribunal situação a ser reparada a perda de uma chance do autor de participar de um programa de televisão, no quantum de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais).
In casu, o promovente enviou inscrição para participar do programa “Big Brother Brasil” pela Empresa Brasileira de Correios e telégrafos (ECT), no entanto, alega o postulante que a ré não entregara o formulário de inscrição ao destinatário, e por isso, teria perdido a chance de ganhar R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais).
Observa-se pela íntegra do julgado em comento que a chance discutida revelou-se ser hipotética, imaginária, a ponto de não caracterizar a probabilidade séria e real do autor de ser o escolhido a participar do programa televisivo, uma vez que não há um nexo de causalidade ligando diretamente o ato com o dano, porquanto, não havendo que se falar em prejuízos indenizáveis. Leia-se:
Responsabilidade civil. Prova de prejuízo. Ausência. Perda de uma chance. Inexistência de responsabilidade.
1 -Na origem, o postulante tencionou, em face da empresa brasileira de correios e telégrafos - ECT, ser indenizado em r$ 500.000,00, pela perda da oportunidade de participar da competição denominada big brother Brasil, porquanto houve extravio de sua correspondência na qual encontrava-se o formulário de inscrição para seleção dos participantes da competição.
2 - A teoria da perda de uma chance, desenvolvida pela doutrina na seara da responsabilidade civil, exige que, para fins de reparação, a chance ou oportunidade de se alcançar um determinado benefício deve revelar a qualidade de ser séria e real. Requer-se, também, que, a partir de um juízo de probabilidade, a chance de se obter resultados favoráveis se mostre concreta, e não meramente hipotética ou imaginária. Ou seja, a probabilidade da chance de se alcançar o benefício deve se mostrar significativa.
3 - No caso dos presentes autos, porém, o alcance da situação favorável esperada pelo autor, no citado concurso, não se mostrou com probabilidade significativamente relevante, de modo que não se pode falar, concretamente, em prejuízos indenizáveis. Nesse contexto, não havendo dano juridicamente relevante, inexiste, também, responsabilidade civil.
4 - Sentença confirmada. Apelo desprovido.[8] [grifos nossos]
Por oportuno, quanto à tortuosa questão não pacificada acerca do método de quantificação dos danos indenizáveis ressaltar-se-á, a título de ilustração e melhor entendimento prático da referida técnica de proporcionalidade (nos casos de perda de uma chance como dano material) o exemplo do célebre julgamento do comumente conhecido caso do “Show do Milhão”, o qual se trata de Recurso Especial nº 78859/BA, julgado pela Quarta Turma do STJ. Em síntese, a discussão cingia-se acerca da má formulação da pergunta derradeira, em um programa televisivo de perguntas e respostas, a qual caso fosse respondida corretamente, dentre as opções apresentadas, receberia o participante um prêmio no valor de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) em barras de ouro.
No caso em apreço, a participante, ora autora, na última pergunta optou por não respondê-la, ante a constatação de que essa estava equivocadamente formulada, quedando-se tão somente com o valor até, então acumulado, qual seja, de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), mas mesmo assim sentiu-se lesada, visto que fora impossível responder a última pergunta e lograr o prêmio final, por equívoco do programa.
A referida pergunta se dispôs da seguinte forma: "A Constituição reconhece direitos aos índios de quanto do território brasileiro?Resposta: 1 - 22%; 2 - 02% ;3 - 04%; 4 - 10% (resposta correta)”.
Destarte, corretamente entendeu o STJ que devido à má formulação da pergunta, in casu, irrespondível, fora retirada a chance de obter a premiação integral de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), pois conforme voto exarado em julgamento do referido recurso, a pergunta fora retirada da Enciclopédia Barsa, e não da Constituição Federal, e este diploma legal não contempla nenhum percentual de terras do território brasileiro reservados aos indígenas.
Portanto, considerou-se que não era possível reparar integralmente o quantum restante que completaria o prêmio total, pois não havia como se ter a certeza de que ante o andamento normal dos fatos, a participante acertaria a resposta da indagação.
Nesses termos, o STJ utilizou o cálculo da probabilidade, já que a pergunta apresentando quatro respostas, possibilitava uma chance de 25% (vinte e cinco por cento) da autora responder corretamente, de modo que fora este o valor atribuído a título de indenização pela chance perdida pelo Superior Tribunal. In verbis, destaca-se excerto retirado do voto da relatoria do Ministro Relator Fernando Gonçalves:
Na espécie dos autos, não há, dentro de um juízo de probabilidade, como se afirmar categoricamente - ainda que a recorrida tenha, até o momento em que surpreendida com uma pergunta no dizer do acórdão sem resposta, obtido desempenho brilhante no decorrer do concurso - que, caso fosse o questionamento final do programa formulado dentro de parâmetros regulares, considerando o curso normal dos eventos, seria razoável esperar que ela lograsse responder corretamente à "pergunta do milhão".
Isto porque há uma série de outros fatores em jogo, dentre os quais merecem destaque a dificuldade progressiva do programa (refletida no fato notório que houve diversos participantes os quais erraram a derradeira pergunta ou deixaram de respondê-la) e a enorme carga emocional que inevitavelmente pesa ante as circunstâncias da indagação final (há de se lembrar que, caso o participante optasse por respondê-la, receberia, na hipótese, de erro, apenas R$ 300,00 (trezentos reais).
Destarte, não há como concluir, mesmo na esfera da probabilidade, que o normal andamento dos fatos conduziria ao acerto da questão. Falta, assim, pressuposto essencial à condenação da recorrente no pagamento da integralidade do valor que ganharia a recorrida caso obtivesse êxito na pergunta final, qual seja, a certeza - ou a probabilidade objetiva - do acréscimo patrimonial apto a qualificar o lucro cessante.
Não obstante, é de se ter em conta que a recorrida, ao se deparar com questão mal formulada, que não comportava resposta efetivamente correta, justamente no momento em que poderia sagrar-se milionária, foi alvo de conduta ensejadora de evidente dano.
Resta, em conseqüência, evidente a perda de oportunidade pela recorrida, seja ao cotejo da resposta apontada pela recorrente como correta com aquela ministrada pela Constituição Federal que não aponta qualquer percentual de terras reservadas aos indígenas [...]
[...]
A quantia sugerida pela recorrente (R$ 125.000,00 cento e vinte e cinco mil reais) - equivalente a um quarto do valor em comento, por ser uma “probabilidade matemática" de acerto de uma questão de múltipla escolha com quatro itens) reflete as reais possibilidades de êxito da recorrida.
Ante o exposto, conheço do recurso especial e lhe dou parcial provimento para reduzir a indenização a R$ 125.000,00 (cento e vinte e cinco mil reais).[9] [grifos nossos]
Por derradeiro, impende salientar que a diversidade dos entendimentos jurisprudenciais acerca da temática desenvolvida, qual a seja a teoria da perda de uma chance como nova espécie de dano indenizável na esfera da responsabilidade civil, deriva do fato de doutrinariamente os conceitos e concepções acerca do tema ainda serem prematuros.
No entanto, a diminuta discussão doutrinária não obsta a aptidão da perda de uma chance ser desenvolvida, o que resultaria, de forma inconteste, em uma sofisticação e aperfeiçoamento da referida teoria no ordenamento jurídico brasileiro, bem como em uma crescente dentro da seara da responsabilidade civil no âmbito jurisprudencial, senão veja-se AgInt no AREsp 2.214.851/DF, relatora ministra Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 19/6/2023:
Em caso de responsabilidade de profissionais da advocacia por condutas apontadas como negligentes, e diante do aspecto relativo à incerteza da vantagem não experimentada, as demandas que invocam a teoria da 'perda de uma chance' devem ser solucionadas a partir de detida análise acerca das reais possibilidades de êxito do postulante, eventualmente perdidas em razão da desídia do causídico.
5 CONCLUSÃO
A responsabilidade civil pela perda de uma chance no direito brasileiro e a sua aplicabilidade na jurisprudência dos tribunais nacionais fora abordado no presente artigo discutindo-se a priori brevemente acerca da origem e a evolução da teoria da perda de uma chance nos países que primeiro a desenvolveram.
Destacou-se o berço de sua origem, isto é na França – perte d´una chance, e posteriormente o seu desdobramento pelo países do ordenamento jurídico da common law e pelo direito italiano.
Por conseguinte, constatou-se que com o advento da Constituição Federal no século XX perfectibilizou-se o fenômeno da constitucionalização do direito civil, em que os princípios civilistas transmitiram-se ao texto constitucional, promovendo significativa modificação ante os aspectos da responsabilidade civil. Tal instituto passou a adotar como normas diretivas os princípios civis - constitucionais, aderidos à Carta Magna pelo legislador constitucional, ressaltando-se inclusive o papel preponderantemente relevante do princípio da dignidade da pessoa humana, o qual promoveu consequentemente uma reconstrução do direito civil.
Assim, com a inserção pelo CC/2002 da responsabilidade civil objetiva ante a interpretação da cláusula geral disciplinada pelo artigo 297 deste diploma legal, perceptível se tornou a ampliação das novas espécies de danos passíveis de reparação, neste cenário, incluindo-se o dano derivado pela perda de uma chance.
Considerou-se, ainda o entendimento de que a perda de uma chance corresponde à espécie de dano autônomo e específico, o qual pode caracterizar-se de acordo com o posicionamento do órgão julgador como dano material ou moral, e ainda no caso de caracterizar-se como dano patrimonial, há que distingui-lo como dano emergente ou lucro cessante. Reiterando-se no decorrer da exposição, que a jurisprudência, bem como a doutrina, ainda não firmou o entendimento pacífico sobre esta questão.
Verificou-se que a teoria da perda de uma chance para ser aplicada há que preencher os requisitos da chance séria e real além de haver a probabilidade de ocorrência da vantagem esperada ou de se evitar um prejuízo, distinto do resultado final. O que há de ser indenizado materialmente é a chance perdida, e não o dano final em si.
Evidenciou-se também que em virtude da concepção da natureza jurídica desta espécie de dano ainda não estar unificada tanto na doutrina como na jurisprudência os métodos de quantificação não perfazem tão somente uma fórmula de valoração do quantum a ser indenizado.
Além disso, conforme os excertos jurisprudenciais trazidos à discussão observou-se que ora o dano oriundo da perda de uma chance caracterizava-se como dano patrimonial e, portanto, os julgadores utilizavam-se do método da probabilidade, de percentuais correspondentes à probabilidade de ocorrência da vantagem esperada; e ora vislumbra-se a chance perdida como dano moral, que por sua vez, utiliza-se o julgador dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, além atentar-se para a gravidade do dano e das condições pessoais da vítima para fins de estabelecimento de uma quantificação equitativa e justa.
Por todo o exposto, nota-se veemente que a jurisprudência encampa a teoria da perda de uma chance, e esse é um campo, na esfera da responsabilidade civil, amplo à discussão doutrinária e concretização da jurisprudencial, a qual deve pautar-se em conformidade com as características mutantes da sociedade brasileira.
REFERÊNCIAS
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DIAS, José de Aguiar. Da Responsabilidade Civil. 11º Rio de Janeiro: Renovar, 2006.
FILHO, Sérgio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil. 9º São Paulo: Atlas, 2011.
GAGLIANO, Pablo Stolze de et. al. Novo curso de direito civil. 9º São Paulo: Saraiva, 2011.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 11º São Paulo: Saraiva, 2009.
MORAES, Maria Celina Bodin de. A constitucionalização do direito civil e os seus efeitos sobre a responsabilidade civil. Revista Direito, Estado e Sociedade, v. 09, nº 29, jul/dez 2006. Disponível em: <http:// publique.rdc.puc-rio.br/direito/media/Bodin_n29.pdf>. Acesso em: 16m de julho de 2011.
______ O Princípio da Dignidade Humana. In: Príncipios do Direito Civil Contemporâneo. Maria Celina Bodin. (coord.) Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 1 – 60.
SAVI, Sérgio. Responsabilidade Civil por Perda de uma Chance. São Paulo: Atlas, 2006.
SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade Civil pela perda de uma chance: Uma análise do direito comparado e brasileiro. São Paulo: Atlas, 2007.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Responsabilidade civil. 6º São Paulo: Atlas, 2006.
[1] Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político.
[2] Summa diviso refere-se à concepção de direito privado e direito público, a qual não foi recepcionada pela Costituição Federal de 1988.
[3] Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
[4]Nesse sentido, dispõe a Súmula 37, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), in verbis: “São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral, oriundos do mesmo fato”.
[5] BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível Nº - 70037821352, Décima quinta Câmara Cível. Des. Rel. Otávio Augusto de Freitas Barcellos, Julgado em: 09/02/2011. Disponível em: < http://www1.tjrs.jus.br/site_php/consulta/consulta_processo.php?nome_comarca=Tribunal+de+Justi%E7a&versao=&versao_fonetica=1&tipo=1&id_comarca=700&num_processo_mask=70037821352&num_processo=70037821352&codEmenta=3988115&temIntTeor=true> . Acesso em: 16 de julho de 2011.
[6] BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível Nº – 70040016735. Nona Câmara Cível. Des. Rel. Leonel Pires Ohlweiler, Julgado em: 26/01/2011. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br/busca/?q=%96+70040016735&tb=jurisnova&pesq=ementario&partialfields=%28TipoDecisao%3Aac%25C3%25B3rd%25C3%25A3o%7CTipoDecisao%3Amonocr%25C3%25A1tica%29&requiredfields=&as_q=>. Acesso em: 16 de julho de 2011.
[7] BRASIL. Tribunal de Justiça do Paraná. Apelação Cível Nº – 0471982-0. Quinta Câmara Cível. Des. Rel. Rogério Ribas. Julgado em: 18/11/2008. Disponível em: <http://portal.tjpr.jus.br/web/jurisprudencia>. Acesso em: 16 de julho de 2011.
[8] BRASIL. Tribunal Regional Federal da 2º Região. Apelação Cível Nº – 386135. Sétima Turma Especializada, Des. Rel. Juiz Federal convocado: Theophilo Miguel. Julgado em: 26/11/2008. Disponível em:<http://www2.trf2.gov.br/NXT/gateway.dll?f=templates&fn=default.htm&vid=base_jur:v_juris>. Acesso em: 17 de julho de 2011.
[9] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.º 788.549. 4ª Turma. Relator Ministro Fernando Gonçalves. Julgado em: 08/11/2005. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200501724109&dt_publicacao=13/03/2006. Acesso em: 21 de julho de 2011.
Bacharel em Direito, Especialista em Direito Civil e Processual Civil e em Direitos Humanos
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NUNES, Nástia Vassili. A responsabilidade civil pela perda de uma chance no direito brasileiro e sua aplicação na jurisprudência dos tribunais nacionais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 out 2025, 04:21. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigo/69848/a-responsabilidade-civil-pela-perda-de-uma-chance-no-direito-brasileiro-e-sua-aplicao-na-jurisprudncia-dos-tribunais-nacionais. Acesso em: 22 out 2025.
Por: VINICIUS RODRIGUES DA SILVA
Por: Silvio Junio Soares Jardim
Por: Osvaldo Alves Silva Junior
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