RESUMO: Este artigo analisa a relação entre cidadania, acesso à informação e controle da gestão pública no Brasil, com ênfase na atuação dos órgãos de controle e no papel da informação como insumo essencial à deliberação democrática. Parte-se do pressuposto de que a efetividade da democracia representativa depende da existência de uma “cidadania informada”, isto é, de cidadãos capazes de compreender e utilizar criticamente os dados públicos para exercer controle, influenciar decisões e qualificar sua participação política. A pesquisa adota abordagem qualitativa, de natureza exploratória e analítico-descritiva, com base em revisão bibliográfica, análise documental de dispositivos normativos e relatórios institucionais, e estudo de caso sobre o programa “Carnaval Transparente 2025”, desenvolvido pelo Tribunal de Contas do Estado do Ceará (TCE-CE). A partir da articulação entre teoria e prática, o artigo defende a construção de uma cultura democrática ampliada, na qual a informação acessível e a mediação institucional constituem condições para a inclusão política e o fortalecimento da accountability.
Palavras-chave: Cidadania informada. Acesso à informação. Controle da gestão pública. Democracia. Tribunais de Contas.
ABSTRACT: This article analyzes the relationship between citizenship, access to information, and public management control in Brazil, with emphasis on the role of audit institutions and information as a key input for democratic deliberation. It assumes that the effectiveness of representative democracy depends on the existence of an “informed citizenship,” that is, citizens capable of understanding and critically using public data to exercise oversight, influence decisions, and qualify their political participation. The research adopts a qualitative, exploratory, and analytical-descriptive approach, based on bibliographic review, documentary analysis of legal provisions and institutional reports, and a case study of the “Carnaval Transparente 2025” program, developed by the Audit Court of the State of Ceará (TCE-CE). By articulating theory and practice, the article advocates the construction of an expanded democratic culture in which accessible information and institutional mediation are essential to political inclusion and the strengthening of accountability.
Keywords: Informed citizenship. Access to information. Public management control. Democracy. Audit Courts.
INTRODUÇÃO
A consolidação da democracia representativa no Brasil enfrenta desafios históricos e estruturais que comprometem a efetividade da cidadania. Embora a Constituição Federal de 1988 tenha ampliado significativamente o rol de direitos civis, políticos e sociais, a materialização desses direitos no cotidiano da população ainda é marcada por desigualdades, exclusões e assimetrias de acesso à informação. A cidadania brasileira foi construída de forma fragmentada e invertida, com a antecipação de direitos sociais em detrimento da consolidação dos direitos civis e políticos, o que resultou em uma cultura política dependente, pouco crítica e com baixa capacidade de cobrança institucional.
Nesse contexto, o acesso à informação pública emerge como um elemento estruturante da cidadania substantiva. A informação, quando compreensível, tempestiva e confiável, permite ao cidadão exercer o controle social, avaliar o desempenho dos representantes eleitos e tomar decisões políticas fundamentadas. A ausência de informação qualificada, por outro lado, compromete a accountability democrática, favorece práticas clientelistas e enfraquece os mecanismos de responsabilização política. Assim, refletir sobre o papel da informação pública na democracia brasileira exige uma análise que vá além da dimensão normativa e alcance os aspectos institucionais, culturais e comunicacionais que condicionam sua efetividade.
Este artigo tem como objetivo analisar a relação entre cidadania, acesso à informação e controle da gestão pública no Brasil, com ênfase na atuação dos órgãos de controle e na importância da informação como insumo para a deliberação democrática. Para tanto, adota-se uma abordagem qualitativa, de natureza exploratória e analítico-descritiva, com base em revisão bibliográfica, análise documental e estudo de caso. A revisão bibliográfica contempla autores como T. H. Marshall e Robert Dahl, que discutem a evolução da cidadania e a importância da participação democrática.
A análise documental inclui dispositivos constitucionais e legais, como a Constituição Federal de 1988 e a Lei de Acesso à Informação, bem como relatórios e publicações técnicas de Tribunais de Contas e órgãos de controle. Como estudo de caso, examina-se a iniciativa “Carnaval Transparente 2025”, promovida pelo Tribunal de Contas do Estado do Ceará (TCE-CE), que se destaca como exemplo de transparência ativa e de articulação entre controle institucional e controle social.
A estrutura do trabalho está organizada em três eixos temáticos. O primeiro discute a evolução da cidadania no Brasil à luz da teoria de Marshall, evidenciando os efeitos da inversão na consolidação dos direitos civis, políticos e sociais. O segundo eixo analisa o papel dos sistemas de controle interno e externo na qualificação da democracia representativa, com ênfase na atuação dos Tribunais de Contas como produtores de informação pública técnica e estratégica. Por fim, o terceiro eixo aborda o controle social como mecanismo de participação direta dos cidadãos na gestão pública, discutindo a necessidade de uma mediação institucional que traduza a informação técnica em linguagem cidadã.
Ao longo dos três tópicos, o artigo defende a noção de cidadania informada como categoria fundamental para a reconfiguração do papel do cidadão na democracia brasileira. Trata-se de uma concepção que articula o direito de acesso à informação pública à capacidade efetiva de compreensão, mobilização e uso crítico desses dados por parte dos cidadãos.
Nesse sentido, a qualidade do ecossistema informacional público condiciona diretamente a qualidade da participação política e da accountability democrática, conferindo ao controle social um papel estruturante na efetivação da democracia representativa. A abordagem adotada busca integrar teoria e prática, norma e realidade, crítica e proposição, demonstrando que a efetividade da cidadania depende da capacidade dos cidadãos de acessar, compreender e mobilizar informações em favor do interesse público.
1. Cidadania e acesso à informação na democracia representativa
O sociólogo inglês T. H. Marshall considerava que a cidadania é plena quando o indivíduo possui três tipos de direitos: civis, políticos e sociais. Em linhas gerais, os direitos civis têm como pedra de toque a liberdade individual; os direitos políticos referem-se ao exercício do voto e da participação na deliberação coletiva; e os direitos sociais dizem respeito ao acesso à riqueza coletiva e à garantia de um mínimo existencial. Para Marshall, o desenvolvimento da cidadania deveria observar essa sequência, conforme se deu na experiência inglesa, com exceção apenas do direito à educação (MARSHALL, 1967 apud CARVALHO, 2025).
Ocorre que, no Brasil, passou-se longe de alcançar o desenvolvimento pleno dos direitos, especialmente na ordem proposta pelo sociólogo. A inversão dessa sequência teve como consequência direta a alteração das características do tipo de cidadania consolidado no país. Segundo Carvalho (2025), o Brasil garantiu precocemente alguns direitos sociais — muitas vezes de maneira assistencialista e fragmentada — ao passo que os direitos civis foram restringidos a determinadas camadas sociais, e os direitos políticos foram historicamente retardados ou cerceados.
Veja-se que a noção de cidadania, tal como concebida na modernidade ocidental, envolve a lealdade a um Estado e a identificação com uma comunidade política. A identidade nacional, em muitos países, foi construída por meio de guerras externas, momentos de mobilização coletiva ou ruptura revolucionária. No Brasil, no entanto, sendo historicamente um país pacifista, o protagonismo em conflitos externos restringiu-se à Guerra do Paraguai. As demais atribulações armadas foram essencialmente locais, o que fortaleceu o sentimento de pertencimento regional em detrimento da identificação com a pátria como um todo.
Os fatos históricos tampouco contribuíram para a construção desse sentimento de unidade nacional. Ao passo que em outras sociedades a luta pela independência se deu por meio de revoluções populares, no Brasil o processo foi acordado entre elites, com manutenção da monarquia e entronização de um imperador que era filho do rei português. Como aponta Carvalho (2025), tratou-se de uma independência sem povo, em que os elementos populares foram excluídos da deliberação política e da construção simbólica da nação.
Ao longo da história nacional houve o reforço dessa característica. A abolição da escravidão não foi seguida de políticas de inclusão social; e as transições de regime, como o fim da monarquia, a instalação da república ou a redemocratização pós-ditadura militar, tampouco contaram com a consolidação de mecanismos efetivos de participação popular. Isso trouxe à tona uma cidadania “regulada”, em que os direitos existem formalmente, mas cuja efetivação depende da posição social do indivíduo e de sua capacidade de acessar estruturas estatais que, por vezes, funcionam de modo excludente (CARVALHO, 2025).
Se falta ao povo brasileiro uma identidade nacional consolidada, a campanha pelas Diretas Já, em 1984, representou um momento de excepcional unificação em torno de um objetivo democrático: a eleição direta para a Presidência da República. Todavia, o propósito não foi plenamente alcançado naquele momento: as eleições de 1985 ainda foram indiretas. O vencedor, Tancredo Neves, faleceu antes de tomar posse, e o cargo foi assumido por seu vice, José Sarney.
A mobilização social e política que caracterizou o período culminou na promulgação da Constituição de 1988, denominada Carta Cidadã, a qual reconheceu e ampliou uma vasta gama de direitos civis, políticos e sociais. Ainda assim, essa trajetória histórica explica, em parte, a persistente dissociação entre o direito formal ao voto e a capacidade real de exercê-lo de forma crítica e informada.
Como aponta Carvalho (2025), a cidadania brasileira foi marcada por uma sequência invertida e fragmentada: os direitos sociais foram assegurados antes mesmo da consolidação dos direitos civis e, posteriormente, dos direitos políticos. Essa inversão gerou uma cidadania passiva, baseada na dependência em relação ao Estado, e fragilizou a capacidade de cobrança institucional e de engajamento autônomo da população.
A universalização do voto, garantida pela Constituição de 1988, não foi acompanhada pela ampliação proporcional do acesso à informação pública nem por políticas de formação cívica. Assim, o eleitor, embora formalmente incluído no sistema político, muitas vezes não dispõe dos insumos necessários para avaliar a conduta de seus representantes, o que compromete os mecanismos democráticos de responsabilização.
Nesse mesmo sentido, é preciso reconhecer que a efetivação da cidadania no Brasil contemporâneo enfrenta entraves estruturais profundos, mesmo após os avanços normativos da Constituição de 1988.
Embora tenha havido ampliação significativa dos direitos sociais — com garantias legais a áreas como saúde, educação, assistência e previdência — também emergiu o questionamento sobre a capacidade econômica do Estado de dar concretude a todas essas promessas constitucionais. Persistem desigualdades marcantes, tanto regionais quanto raciais, que remontam ao período colonial: a concentração fundiária de um lado, e a herança da escravidão do outro. Com relação aos direitos civis, embora estejam formalmente assegurados, seu acesso pleno continua limitado, sobretudo no que se refere ao direito de ir e vir, frequentemente comprometido pela insegurança pública.
A desigualdade social, a exclusão econômica e a ausência de serviços públicos de qualidade limitam o exercício dos direitos mais elementares e revelam o abismo entre a cidadania proclamada e a cidadania vivida. Como resultado, a universalização dos direitos se mantém no plano normativo, mas não necessariamente alcança sua materialização equitativa no cotidiano da população brasileira.
Nessa conjuntura, o acesso à informação pública desempenha um papel estratégico na qualificação da cidadania. Em uma democracia representativa, o voto é o principal instrumento de responsabilização política, mas sua eficácia depende diretamente da capacidade do cidadão de compreender o funcionamento da máquina pública, os compromissos dos representantes eleitos e os resultados concretos das políticas públicas implementadas. A informação, assim, atua como uma ponte entre o exercício formal dos direitos e sua concretização substancial.
O conhecimento técnico produzido pelas instituições de controle, especialmente pelos Tribunais de Contas, torna-se, nesse contexto, um recurso fundamental para que o cidadão possa exercer o controle social e fazer escolhas eleitorais conscientes.
De acordo com O’Donnell (1998), a efetividade da democracia representativa depende da existência de mecanismos institucionais e informacionais que permitam ao cidadão exercer controle sobre os governantes, seja por meio do voto, seja pelo monitoramento contínuo da gestão pública. Quando faltam dados compreensíveis, tempestivos e confiáveis, o voto se desconecta da realidade administrativa e pode ser guiado por motivações personalistas, afetivas ou clientelistas, em vez de avaliações racionais baseadas no interesse público.
A fragilidade da cidadania crítica se agrava pela assimetria de acesso à informação pública. A disponibilização de dados sobre a gestão, orçamentos, programas e políticas, embora prevista constitucionalmente (art. 37, CF), raramente é traduzida em conteúdo inteligível ao cidadão comum. Conforme estudiosos da accountability e da transparência (PEDERIVA; RENNÓ, 2015; REGO; FREIRE, 2023), essa deficiência na oferta e acessibilidade da informação compromete a eficácia da accountability vertical, pois sem dados confiáveis, claros e atualizados, o eleitor não tem base real para avaliar gestores e votar de forma crítica.
A accountability vertical — ou seja, a prestação de contas que permite ao cidadão punir ou premiar seus representantes por meio do voto — depende diretamente da existência de informação pública acessível e compreensível (OECD, 2022). E não apenas isso: em contextos sociais marcados pela desigualdade, o acesso à informação configura-se como um instrumento de inclusão política, na medida em que contribui para a redução da assimetria informacional que intensifica as disparidades de poder.
Além disso, a Lei de Acesso à Informação – Lei nº 12.527/2011 representou um grande avanço formal, trazendo obrigações de transparência ativa aos entes públicos. Mas estudos críticos demonstram que essa legislação, sem instrumentos de capacitação e facilitação, permanece “incompleta”: muitas vezes não promove o acesso real e qualificado — sobretudo nos municípios — e pode reproduzir a exclusão informacional (FERREIRA, 2016; REGO; FREIRE, 2023).
Por essas razões, a informação pública deve ser percebida não apenas como ferramenta auxiliar, mas como um direito político fundamental e insumo vital para a cidadania substantiva. Permitindo ao cidadão compreender os resultados da gestão pública, participar do debate democrático e praticar controle interessado, essa informação é componente estrutural de uma democracia sólida (AVRITZER, 2005).
Em suma, o exercício informado da cidadania depende diretamente da qualidade do ecossistema informacional público. Sem informações compreensíveis, tempestivas e confiáveis, o voto se torna um ato desvinculado da realidade governamental, vulnerável a manipulações e atrelado a lógicas clientelistas. Refletir sobre cidadania e democracia no Brasil exige reconhecer que qualificar a informação pública é condição para transformar cidadãos formais em atores políticos ativos, críticos e construtores da vida coletiva.
Ainda, a desigualdade no acesso à informação, somada à baixa educação política e à linguagem excessivamente técnica utilizada por muitos órgãos públicos, cria barreiras estruturais à participação cidadã.
A assimetria informacional se converte, assim, em um novo tipo de exclusão política, que dificulta a formação de uma cidadania ativa, crítica e reivindicadora. Sem acesso real e qualificado à informação pública, o voto tende a ser despolitizado, orientado por vínculos afetivos, religiosos ou clientelistas, e não por uma avaliação racional do desempenho dos governantes.
Desse modo, refletir sobre cidadania no Brasil contemporâneo exige compreender que o direito à informação pública — especialmente aquela relacionada à gestão dos recursos públicos e ao desempenho das políticas — é condição material e simbólica para a realização de uma democracia efetivamente participativa.
Esse direito, quando garantido de forma acessível, tempestiva e transparente, pode transformar o cidadão de sujeito passivo das decisões estatais em agente ativo de controle, decisão e transformação social.
2. O controle da gestão pública como instrumento de qualificação da democracia: controle interno e controle externo em convergência
A Constituição Federal de 1988 estabelece, em diversos dispositivos, a importância do controle da administração pública como meio de garantir a legalidade, a moralidade, a eficiência e a economicidade na gestão dos recursos públicos. Esse controle pode ser dividido em dois grandes eixos: o controle interno, exercido no âmbito de cada Poder e órgão da Administração, e o controle externo, de responsabilidade dos Tribunais de Contas, com apoio técnico do controle interno.
O controle interno é um dever constitucional dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, conforme o artigo 74 da Constituição, que determina sua manutenção de forma integrada, com o objetivo de avaliar a execução orçamentária e financeira, comprovar a legalidade dos atos administrativos e apoiar o controle externo. A Lei nº 4.320/64 já previa, antes mesmo da Constituição atual, a obrigatoriedade de mecanismos de controle interno no âmbito dos entes federativos, prevendo ações de fiscalização prévia, concomitante e subsequente sobre a execução da despesa pública.
A Constituição Estadual do Ceará, em harmonia com a Constituição Federal, reforça em seus artigos 77 e 80 a obrigatoriedade do sistema de controle interno nos municípios, atribuindo-lhe a função de avaliar o cumprimento de metas e verificar a legalidade e eficiência da gestão. A responsabilidade dos agentes do controle interno é solidária, conforme expresso nos dispositivos legais, o que impõe não apenas o dever de fiscalizar, mas também de comunicar eventuais irregularidades ao Tribunal de Contas.
Do ponto de vista doutrinário, conforme destacam Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo, o controle interno deve ser compreendido como “o poder-dever de vigilância, orientação e correção que a própria Administração, ou outro Poder, diretamente ou por meio de órgãos especializados, exerce sobre sua atuação administrativa” (ALEXANDRINO; PAULO, 2001, p. 181).
Lincoln Magalhães da Rocha complementa essa visão ao afirmar que:
Controle interno é todo aquele realizado pela entidade ou órgão responsável pela atividade controlada, no âmbito da própria administração. Assim, qualquer controle efetivado pelo Executivo sobre seus serviços ou agentes é considerado interno, como interno será também o controle do Legislativo ou Judiciário, por seus órgãos de administração, sobre o seu pessoal e os atos administrativos que pratiquem (ROCHA, 2001, p. 125).
Nesse sentido, a ausência de controle interno – ou sua existência meramente simbólica – compromete não apenas a legalidade da administração, mas o próprio ideal de cidadania administrativa. O controle interno precisa ser visto como política pública de integridade, pois viabiliza o funcionamento regular das políticas finalísticas. Ele assegura que os gestores públicos tenham apoio técnico qualificado na tomada de decisões, atuando não como órgão punitivo, mas como instância de orientação e racionalização administrativa.
Já o controle externo é exercido pelo Poder Legislativo com o auxílio dos Tribunais de Contas, conforme o artigo 70 da Constituição. O artigo 71 detalha suas competências, incluindo o julgamento das contas dos administradores, a fiscalização da aplicação dos recursos repassados a entidades privadas, a realização de auditorias, inspeções e avaliações de políticas públicas.
Nesse contexto, destaca-se a atuação dos Tribunais de Contas na avaliação das políticas públicas, com base na legalidade, legitimidade e economicidade dos atos administrativos. Para além da análise de conformidade, os Tribunais passaram a adotar mecanismos de auditoria operacional, também chamada de auditoria de desempenho, que visa aferir a eficiência, eficácia e efetividade das ações estatais.
A auditoria operacional, conforme prevê o TCU, busca responder se os programas públicos estão alcançando seus objetivos com o melhor uso possível dos recursos públicos. Essa forma de auditoria permite aos Tribunais de Contas apontar não apenas irregularidades formais, mas também deficiências estruturais na formulação e implementação das políticas, oferecendo recomendações e determinações que qualificam a gestão e induzem mudanças nos rumos administrativos.
É importante destacar que essas recomendações, embora não tenham força de imposição direta, criam um dever de fundamentação para os gestores que decidirem não as acatar. O descumprimento imotivado pode ser interpretado como má gestão e, em certos casos, configurar improbidade administrativa.
A convergência entre controle interno e externo é essencial para garantir a efetividade da fiscalização da gestão pública. O artigo 74, inciso IV, da Constituição, explicita que uma das finalidades do controle interno é justamente apoiar o controle externo no exercício de sua missão institucional. Dessa forma, os sistemas se complementam: o controle interno atua de forma mais contínua e preventiva, enquanto o controle externo traz uma visão independente e exógena, com potencial sancionador e pedagógico.
Como aponta o Tribunal de Contas da União: “A existência de um sistema de controle interno atuante é condição essencial para a efetividade do controle externo e para a boa governança nas organizações públicas” (TCU, 2015, p. 13).
Essa complementaridade é indispensável para a consolidação de uma gestão pública transparente, responsável e orientada à obtenção de resultados, aspectos que são decisivos para a qualificação da democracia representativa. Em um cenário de assimetria informacional e descrédito institucional, o controle qualificado atua como instrumento de reconstrução da confiança pública, permitindo ao cidadão ter acesso a informações claras e consistentes sobre o uso dos recursos públicos e os resultados alcançados pelas políticas.
Nesse sentido, a atuação harmônica entre controle interno e Tribunais de Contas contribui não apenas para o cumprimento da legalidade, mas também para o fortalecimento da cidadania ativa. A efetividade da accountability institucional — condição necessária para uma democracia madura — depende de sistemas de controle que não apenas punam desvios, mas que também orientem a administração, promovam boas práticas e forneçam à sociedade informações acessíveis e úteis para o exercício do controle social.
Para Ruy Remy Rech (2003), os fracassos na administração pública ou privada geralmente decorrem de falhas no controle, assim como os resultados positivos estão diretamente relacionados à eficiência desse mecanismo.
Além das auditorias operacionais, os Tribunais de Contas dispõem de uma variedade de instrumentos concretos voltados à transparência e à avaliação de políticas públicas. Entre os principais destacam-se os painéis de gastos, dashboards interativos, relatórios de auditoria operacional, pareceres prévios sobre contas de governo e relatórios de avaliação de políticas públicas. Esses produtos oferecem dados e análises relevantes sobre a execução orçamentária, os resultados das ações governamentais e a conformidade dos atos administrativos com os princípios constitucionais da administração pública.
Nesse sentido, embora os relatórios e pareceres produzidos pelos Tribunais de Contas sejam formalmente públicos, sua linguagem excessivamente técnica dificulta a compreensão por parte da maioria da população. Como observam Rodrigues e Almeida:
Os relatórios, embora públicos, são muitas vezes redigidos em linguagem técnica, o que dificulta o acesso e a compreensão por parte da sociedade. Nesse cenário, o controle social encontra limites na assimetria de conhecimento e na ausência de ferramentas que traduzam tecnicamente os achados das auditorias para o cidadão comum, tornando o acesso formal à informação insuficiente para a efetiva participação popular (RODRIGUES; ALMEIDA, 2020, p. 122).
Essa constatação evidencia que o controle externo, tal como estruturado atualmente, ainda não se comunica plenamente com o cidadão comum. A consequência é que os dados e diagnósticos produzidos pelos órgãos de controle, em vez de servirem como insumos para o exercício da cidadania crítica, permanecem restritos a circuitos técnicos e burocráticos. A lacuna comunicacional entre os Tribunais de Contas e a sociedade limita seu potencial como ferramentas de crítica e escolha política.
Painéis como o Radar da Despesa Pública, desenvolvido por Tribunais como o TCU, permitem visualizar de forma detalhada e comparativa os gastos por função de governo, região ou programa. Os relatórios de auditoria trazem diagnósticos sobre gargalos administrativos, sugestões de aperfeiçoamento e análise de impacto das políticas. Já os pareceres prévios são fundamentais no julgamento das contas dos chefes do Executivo, influenciando diretamente a deliberação dos Legislativos e o controle político das gestões.
No entanto, apesar do potencial desses instrumentos para fomentar o controle social e subsidiar escolhas políticas racionais, há um descompasso entre sua produção e sua efetiva apropriação pela sociedade. Os dados e relatórios, em geral, são produzidos em linguagem altamente técnica, com termos contábeis, jurídicos e administrativos pouco acessíveis ao cidadão comum. Os formatos utilizados — frequentemente longos, densos e pouco visuais — dificultam o entendimento e a usabilidade da informação, sobretudo por parcelas da população com menor letramento digital ou técnico.
Esse fenômeno, identificado por Leonardo Avritzer, gera o que se denomina exclusão informacional:
O controle público, exercido principalmente por instituições técnicas como os Tribunais de Contas, produz relatórios e pareceres que raramente são compreendidos pela população. A transparência formal não se traduz automaticamente em acesso público qualificado à informação, o que limita a possibilidade de que esses instrumentos sejam apropriados como mecanismos de crítica e escolha política (AVRITZER, 2008, p. 143).
Assim, a atuação dos Tribunais de Contas ainda não se comunica de forma efetiva com o cidadão comum, o que compromete sua função pedagógica, seu potencial de fomentar a cidadania crítica e sua contribuição para a deliberação democrática.
A consequência direta disso é que a informação produzida não se converte em insumo para a crítica democrática nem para o processo de escolha eleitoral. Sem compreender os dados disponíveis, o cidadão tende a decidir com base em vínculos afetivos, promessas simbólicas ou identidades de grupo, e não por critérios de desempenho administrativo. O controle externo, nesse cenário, perde parte de sua força como instrumento de qualificação da cidadania, reduzindo-se a uma instância técnica de correção, e não a um agente de empoderamento cívico.
Por isso, qualificar a linguagem, os formatos e a difusão dos produtos de controle externo é uma tarefa urgente para os Tribunais de Contas que almejam atuar como instituições republicanas abertas à sociedade. Isso envolve adotar estratégias de comunicação mais acessíveis, investir em design de informação, traduzir relatórios técnicos para linguagem cidadã e estabelecer parcerias com escolas, universidades, ONGs e meios de comunicação.
Somente com essa tradução institucional da informação técnica em conhecimento público relevante é que os produtos dos Tribunais poderão cumprir seu papel democrático, promovendo uma cidadania mais crítica, ativa e participativa. Dessa forma, o controle externo se conecta ao controle social e passa a exercer uma função estruturante na democracia representativa, em consonância com o artigo 1º, parágrafo único, da Constituição Federal, que afirma: “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente”.
O Tribunal de Contas pode e deve ter papel fundamental no acesso à informação por parte dos cidadãos e, com isso, ser um meio para se exercer uma cidadania mais informada.
3. Controle, participação e escolha: o caminho da cidadania informada
O controle social deve ser compreendido como uma dimensão essencial da democracia participativa, na qual os cidadãos assumem o protagonismo na fiscalização e na deliberação sobre as políticas públicas. Trata-se de um exercício de cidadania ativa que vai além do voto periódico, exigindo envolvimento contínuo na gestão dos assuntos públicos.
Nessa perspectiva, consolida-se o conceito de cidadania informada, entendido como a capacidade do cidadão de acessar, interpretar e utilizar criticamente as informações públicas na fiscalização da gestão estatal, na deliberação sobre políticas públicas e na escolha de representantes políticos. Mais do que o simples acesso a dados, essa cidadania requer a construção de competências informacionais e a existência de canais de mediação entre o saber técnico e a linguagem cidadã.
É importante diferenciar controle social de participação popular. Segundo Ayres Britto (2010), embora frequentemente confundidos, esses conceitos possuem naturezas distintas. Enquanto o controle social se volta à fiscalização das ações estatais já realizadas ou em curso, a participação popular visa influenciar a criação de normas jurídicas, representando uma manifestação direta da soberania do povo, por meio de instrumentos como o plebiscito, o referendo e a iniciativa legislativa.
O que também se diferencia do controle institucional, que é exercido por órgãos legalmente constituídos — como os Tribunais de Contas (controle externo) e os sistemas internos de auditoria (controle interno). O controle social, por sua vez, é operado diretamente pela sociedade civil, com base na autonomia cívica e na legitimidade popular. Não se subordina a regras hierárquicas nem a uma autoridade única, mas emerge de uma lógica horizontal e plural de cobrança e fiscalização.
Conforme destaca Feres Junior (2022, p. 236), “o controle social da Administração Pública é aquele realizado em complemento ao controle oficial, mas sem substituí-lo, a fim de fiscalizar os atos praticados pelo Poder Público no interesse da sociedade”.
Trata-se, portanto, de uma instância informal, mas não menos legítima, de vigilância cidadã, com potencial para tensionar as estruturas institucionais e induzir maior responsividade governamental. O controle social pode ser exercido por qualquer pessoa, não apenas por cidadãos qualificados ou eleitores. Qualquer indivíduo pode exercê-lo, como destaca o Ministro Ayres Britto (2010):
Ora, proclamar que o controle popular do poder é forma de exercícios dos direitos de liberdade, ou de cidadania, é considerá-lo enquanto direito público subjetivo: isto é, um direito referido a um sujeito privado, expressamente adjetivado como indivíduo, cidadão, nacional,trabalhador, adolescente, criança (quem faz a adjetivação é a Constituição mesma), porém com a particularidade de que o seu exercício opera às custas do Poder Público. É exprimir, direito subjetivo que tem por contraponto um específico dever estatal, uma ação ou omissão (conforme o caso) diretamente cobrado do Estado.
Assim, o controle social pode ser exercido por meio do direito de petição ou de denúncias aos órgãos fiscalizadores, como os Tribunais de Contas, o Ministério Público ou entidades congêneres.
Contudo, o exercício desse controle enfrenta obstáculos estruturais e culturais. Muitos cidadãos desconhecem os instrumentos disponíveis para a participação, não sabem interpretar relatórios públicos e não confiam nas instituições responsáveis pela fiscalização. Soma-se a isso a fragmentação de espaços participativos, a burocratização de conselhos e fóruns e a ausência de políticas permanentes de educação cidadã. O resultado é uma assimetria informacional que perpetua a exclusão política, especialmente entre os grupos mais vulneráveis.
A digitalização da administração pública e a popularização da internet abriram caminho para uma nova era de governança aberta, na qual o cidadão pode interagir com o Estado de forma mais direta, ágil e transparente.
Uma das principais inovações nesse campo são os portais de transparência, que disponibilizam dados sobre receitas, despesas, contratos, licitações e indicadores de desempenho dos governos. Quando bem estruturados, esses portais permitem que qualquer cidadão acompanhe a execução orçamentária e identifique possíveis irregularidades. No Brasil, o Portal da Transparência do Governo Federal e os portais estaduais e municipais são exemplos importantes, embora ainda enfrentem desafios quanto à usabilidade e à linguagem acessível.
Nesse ponto, destaca-se a importância da articulação entre o controle institucional e o controle social. A informação produzida pelos Tribunais de Contas — relatórios, painéis, auditorias operacionais — só alcança seu valor democrático se for traduzida em linguagem acessível, de fácil compreensão e acompanhada de ferramentas de interação cidadã. Como alerta Avritzer:
O controle público, exercido principalmente por instituições técnicas como os Tribunais de Contas, produz relatórios e pareceres que raramente são compreendidos pela população. A transparência formal não se traduz automaticamente em acesso público qualificado à informação, o que limita a possibilidade de que esses instrumentos sejam apropriados como mecanismos de crítica e escolha política (AVRITZER, 2008, p. 143).
A superação dessa barreira exige mais do que a simples disponibilização de dados brutos: requer transparência ativa — ou seja, a oferta sistemática de informações já em formato compreensível e contextualizado.
Um exemplo prático dessa lógica é o Programa Carnaval Transparente 2025, lançado pelo Tribunal de Contas do Ceará (2025). Mais do que apenas divulgar dados, o programa teve como objetivo acompanhar ativamente os procedimentos licitatórios e os contratos firmados para as festividades carnavalescas, com foco na legalidade, economicidade e publicidade dos gastos públicos.
Uma das principais inovações do programa é a disponibilização de painéis interativos com dados atualizados diariamente, alimentados por fontes como o Portal de Licitações do TCE-CE, o Portal Nacional de Compras Públicas (PNCP) e os portais de transparência dos próprios municípios. Esses painéis permitem que qualquer cidadão visualize e compare informações por município, artista contratado, tipo de evento e valores pagos, facilitando a fiscalização mesmo por pessoas sem formação técnica.
Além disso, o TCE-CE elaborou uma cartilha orientadora para gestores públicos, com diretrizes claras sobre os requisitos legais para contratações festivas, exemplos de irregularidades comuns e boas práticas administrativas. Essa cartilha tem caráter preventivo e educativo, reforçando o papel pedagógico do órgão de controle.
Outro diferencial do programa é a criação de um Grupo de Trabalho especializado dentro do TCE-CE, responsável por acompanhar os processos de contratação relacionados ao Carnaval. Essa estrutura interna demonstra o compromisso institucional com a fiscalização proativa e com a indução de boas práticas na gestão pública.
E ainda, o programa disponibiliza canais diretos de comunicação com a sociedade, como e-mail e telefone, para esclarecimento de dúvidas, recebimento de denúncias e sugestões. Essa abertura ao diálogo fortalece a interatividade e a escuta ativa, pilares fundamentais do controle social contemporâneo.
O Carnaval Transparente 2025, portanto, vai além da simples divulgação de dados: ele representa um modelo de governança aberta, que alia tecnologia, pedagogia institucional e participação cidadã para promover uma gestão pública mais ética, eficiente e responsiva.
Esta iniciativa não apenas amplia o acesso à informação, mas leva aos cidadãos — inclusive os que não pertencem ao universo técnico — meios efetivos de acompanhar realizadas licitações, programar participação e exercer controle no local.
Essas experiências mostram que a informação bem trabalhada pode romper a “caixa preta” institucional e integrar o controle social à cultura democrática. Isso não substitui o voto nem as auditorias formais, mas enriquece o processo eleitoral e de deliberação, fornecendo ao cidadão informação contextualizada sobre o desempenho dos representantes e os resultados concretos das políticas públicas. A interatividade, por meio de painéis e canais de comunicação como redes sociais, amplia o alcance, reforça a confiança e estimula demandas por melhor governança.
A esse processo está associado o conceito de “cidadania informada”, que pode ser entendido como a capacidade de o cidadão acessar, compreender e utilizar informações públicas para formar opinião, fazer escolhas eleitorais qualificadas e acompanhar a atuação de seus representantes. Segundo Secchi (2013), o controle social é uma forma de “accountability horizontal”, em que os próprios cidadãos demandam, fiscalizam e cobram ações dos governos.
Nesse processo, informar bem é incluir politicamente. A produção e disponibilização de dados públicos não têm valor democrático por si sós. É necessário que essas informações sejam compreensíveis, acessíveis e significativas para o cidadão comum. Como afirma Piovesan (2022), “a transparência que se limita à publicação formal de dados, sem tradução para linguagem cidadã, configura um ritual sem substância, que não promove inclusão nem participação qualificada”.
Além disso, o conceito de cidadania informada pressupõe não apenas o acesso aos dados, mas a capacidade de utilizá-los de forma crítica. Pinho e Sacramento (2008) argumentam que a transparência só se realiza plenamente quando se transforma em poder social, isto é, quando o cidadão compreende o conteúdo da informação e é capaz de mobilizá-lo para cobrar, influenciar e deliberar.
Um eleitor que tem acesso a informações claras, acessíveis e contextualizadas sobre a gestão pública está mais apto a exercer sua cidadania de forma plena. O controle social, ao traduzir dados técnicos em conhecimento compreensível, permite que o cidadão avalie com mais precisão o desempenho de seus representantes, identifique incoerências entre promessas e ações, e tome decisões eleitorais baseadas em evidências concretas.
Esse processo contribui para a qualificação do voto, reduz a influência de discursos populistas ou desinformativos e fortalece a accountability democrática. Como destaca Robert Dahl (1997), “a qualidade da democracia está diretamente relacionada à capacidade dos cidadãos de tomarem decisões informadas”. O acesso à informação pública, viabilizado por mecanismos de controle institucional e social, não apenas empodera o eleitor, mas também eleva o padrão de exigência sobre os governantes, promovendo uma cultura política mais crítica, participativa e responsável.
Portanto, a legitimação dos sistemas de controle e o fortalecimento da democracia representativa dependem da efetiva comunicação entre Estado e sociedade. Os órgãos de controle devem reconhecer que sua função não se esgota no cumprimento legal das normas, mas se projeta para o campo da pedagogia institucional: tornar a informação pública compreensível é condição para que ela se torne politicamente relevante.
Como resume Avritzer (2008), “a transparência efetiva só se concretiza quando há reciprocidade entre instituições que informam e cidadãos que compreendem”. Em outras palavras, uma democracia madura exige instituições abertas à escuta e cidadãos capacitados à crítica. Construir essa via de mão dupla é o grande desafio do controle social na atualidade.
Em suma, o controle social não é apenas um direito, mas uma necessidade para o aprimoramento da democracia. Seu fortalecimento exige o compromisso conjunto de instituições públicas e da sociedade civil na construção de uma cultura política baseada na informação acessível, na participação qualificada e na corresponsabilidade. Somente assim será possível transformar dados em poder cidadão, e a transparência em instrumento efetivo de transformação social.
CONCLUSÃO
A análise realizada ao longo deste artigo permite afirmar que a efetividade da democracia representativa depende, de maneira estrutural, da existência de um ecossistema informacional robusto, acessível e inteligível. O controle da gestão pública — em suas dimensões institucional e social — não se esgota na conformidade normativa ou na produção de relatórios técnicos, mas se realiza plenamente quando promove o empoderamento cidadão, fortalecendo a capacidade popular de escolha, avaliação e cobrança.
Em um país como o Brasil, onde a desigualdade informacional reforça as assimetrias sociais e políticas, o acesso à informação pública assume caráter estratégico. Mais do que um direito formal, trata-se de uma condição necessária para o exercício da cidadania em sua plenitude. Um cidadão bem informado é capaz de compreender o funcionamento do Estado, de identificar padrões de atuação institucional e de interferir nas decisões públicas com legitimidade e consistência argumentativa. A qualidade da participação política está diretamente associada à qualidade da informação disponível, tanto em termos de conteúdo quanto de forma.
A experiência analisada neste artigo, com base na atuação dos Tribunais de Contas e na iniciativa do programa Carnaval Transparente 2025, exemplifica como a mediação institucional pode ampliar o alcance da transparência, aproximando o saber técnico da vivência cotidiana. Quando os órgãos de controle assumem o compromisso de produzir e traduzir informações em linguagem cidadã, abrem-se possibilidades concretas de transformação da relação entre Estado e sociedade.
Essa transformação, no entanto, exige o reconhecimento do controle social como parte indissociável de uma cultura democrática ampliada. Uma democracia efetiva não se sustenta apenas em instituições que prestam contas, mas em cidadãos que compreendem o que está sendo apresentado. Informar bem, nesse contexto, é um ato de inclusão política: quem compreende os dados, compreende o poder. Por isso, é fundamental que a produção e difusão da informação pública estejam orientadas para a construção de uma cidadania ativa, crítica e engajada.
Além disso, é necessário reconhecer que a legitimação dos sistemas de controle não se dará apenas por sua autonomia técnica, mas pela sua capacidade de dialogar com a sociedade, escutá-la, responder às suas demandas e adaptar-se a contextos socioculturais diversos. O controle que se fecha sobre si mesmo perde potência normativa; o que se abre ao diálogo transforma-se em ferramenta democrática.
Portanto, a construção de uma democracia mais justa, transparente e responsiva passa por um duplo movimento: de um lado, a capacitação dos cidadãos para interpretar criticamente as informações públicas; de outro, a responsabilização das instituições para garantir que essas informações sejam acessíveis, contextualizadas e acionáveis. Só assim será possível fazer do controle um instrumento efetivo de justiça social, e da informação, um vetor de cidadania transformadora.
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Graduada em Direito pela Universidade de Fortaleza, Pós-Graduada em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Estadual do Ceará (UECE), Mestranda em Direito Constitucional pela Unichristus e Promotora de Justiça do Estado do Ceará.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PALACIO, LIA MAACA LEAL VASCONCELOS. Cidadania informada e controle público: o controle social como elo entre informação e participação Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 out 2025, 04:36. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigo/69834/cidadania-informada-e-controle-pblico-o-controle-social-como-elo-entre-informao-e-participao. Acesso em: 15 out 2025.
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