JANDERSON GABRIEL DE FROTA JANUÁRIO[1]
(orientador)
RESUMO: O artigo analisa o ativismo judicial no Supremo Tribunal Federal (STF), à luz dos princípios da separação de poderes e da conformidade de competência, utilizando abordagem qualitativa e pesquisa bibliográfica. Na introdução, apresenta-se a problemática da atuação ativista do STF e suas implicações para o equilíbrio entre os poderes e a segurança jurídica. O desenvolvimento aborda, inicialmente, o contexto histórico das constituições brasileiras, demonstrando a evolução do controle de constitucionalidade até a Constituição de 1988, que fortaleceu o papel do STF como guardião da Constituição. Em seguida, trata-se do conceito de ativismo judicial e da influência do neoconstitucionalismo na ampliação do protagonismo judicial. A pesquisa examina ainda a estrutura dos três poderes e suas competências constitucionais, enfatizando a importância do princípio da inércia e da atuação conforme os limites constitucionais. Por fim, são analisadas decisões emblemáticas, como o caso Daniel Silveira e a ADI da vaquejada, que ilustram como o STF, em algumas situações, ultrapassa seus limites institucionais, gerando debates sobre sua interferência nas atribuições dos demais poderes. A conclusão confirma a hipótese de que o ativismo judicial, embora voltado à proteção de direitos, pode provocar desequilíbrios institucionais, sendo necessária uma atuação mais contida e pautada em argumentos de princípios, para preservar a harmonia entre os poderes e a legitimidade democrática.
Palavra-chave: Ativismo judicial; Supremo Tribunal Federal; Separação de poderes; Conformidade de competência; Constituição de 1988.
ABSTRACT: The article analyzes judicial activism in the Brazilian Federal Supreme Court (STF), in light of the principles of separation of powers and conformity of competence, using a qualitative approach and bibliographic research. The introduction presents the issue of the STF's activist conduct and its implications for the balance of powers and legal certainty. The development initially addresses the historical context of Brazilian constitutions, showing the evolution of constitutional review up to the 1988 Constitution, which strengthened the STF's role as the guardian of the Constitution. Then, the concept of judicial activism and the influence of neoconstitutionalism on the expansion of judicial protagonism are discussed. The study also examines the structure of the three branches of government and their constitutional responsibilities, emphasizing the importance of judicial inertia and adherence to constitutional limits. Finally, landmark decisions such as the Daniel Silveira case and the ADI on vaquejada are analyzed, illustrating how the STF, in certain situations, exceeds its institutional boundaries, sparking debates about interference in the functions of the other branches. The conclusion confirms the hypothesis that judicial activism, although aimed at protecting rights, can generate institutional imbalances, highlighting the need for a more restrained approach based on principled arguments to preserve the harmony among powers and democratic legitimacy.
Keyword: Judicial activism; Federal Supreme Court; Separation of powers; Conformity of competence; 1988 Constitution.
1 INTRODUÇÃO
O presente artigo apresenta os resultados da pesquisa sobre o ativismo judicial no Supremo Tribunal Federal (STF), caracterizado como um estudo qualitativo e bibliográfico que analisa as decisões do STF à luz dos princípios da separação de poderes e da conformidade de competência. A pesquisa busca compreender como o STF exerce sua função de guardião da Constituição, especialmente em questões que afetam a dinâmica entre os poderes e a aplicação de direitos fundamentais.
A relevância desta pesquisa se reflete tanto no âmbito jurídico quanto no social. Juridicamente, o estudo aborda os limites do ativismo judicial para garantir a manutenção do equilíbrio entre os poderes, garantindo que o STF respeite as competências constitucionais de cada esfera do governo. Socialmente, o tema colabora para facilitar o entendimento de como as decisões do STF impactam diretamente a formulação de políticas públicas e a garantia de direitos fundamentais, afetando a vida cotidiana dos cidadãos.
O problema de pesquisa que orienta este estudo foi definido na seguinte pergunta de partida: “Como o Ativismo Judicial do Supremo Tribunal Federal impacta a separação de poderes e a conformidade de competência no sistema constitucional brasileiro, e quais são as implicações para a estrutura democrática e a prática jurídica?”. A partir dessa questão, sugere-se a hipótese de que o ativismo judicial, embora importante para a proteção de direitos fundamentais, pode gerar desequilíbrios institucionais, interferindo nas competências dos poderes e contribui para a segurança jurídica.
O objetivo geral da pesquisa é analisar o impacto das decisões do Supremo Tribunal Federal à luz dos princípios da separação de poderes e da conformidade de competência. Para alcançar esse propósito, foram estabelecidos os seguintes objetivos específicos: Investigar o contexto histórico das Constituições brasileiras, identificando a evolução do ativismo judicial no STF; Examinar a estrutura histórica e as competências dos três poderes a partir da Constituição de 1988; Analisar como as decisões do STF confrontam o texto constitucional, com especial destaque para os casos emblemáticos de Daniel Silveira e da Vaquejada.
O referencial teórico referente ao tema, considerando o objetivo geral da pesquisa, está embasado nos trabalhos de Lenio Luiz Streck, Democracia, Jurisdição Constitucional e Presidencialismo de Coalizão (2013), e Oscar Vilhena Vieira, Supremocracia (2008), que evidenciam posicionamentos reflexivos sobre o ativismo judicial no Brasil. Na análise dos primeiros objetivos específicos, o teórico que serve como base desta pesquisa é Gilmar Mendes, Curso de Direito Constitucional (2012), onde dá destaque à evolução histórica das Constituições e ao controle de constitucionalidade no Brasil. Os objetivos específicos que tratam da separação dos poderes e do confronto das decisões do STF com o texto constitucional, têm o teórico Alexandre de Moraes, autor da obra Direito Constitucional (2016), assim como Michel Temer, autor da obra Elementos de Direito Constitucional (2008), ambos com base para as reflexões aqui delineadas. Por último, o quarto objetivo específico, que trata da autocontenção judicial, tem o teórico Lenio Luiz Streck, autor do artigo Judiciário e Princípios (2013), como base desta pesquisa.
A metodologia adotada para o desenvolvimento da pesquisa foi predominantemente bibliográfica, com abordagem qualitativa. Os dados foram obtidos por meio de revisão de doutrinas, artigos científicos e análise da Constituição Federal de 1988. Essa metodologia possibilitou uma análise interpretativa e crítica sobre o papel do STF, conectando os conceitos teóricos à prática jurídica.
Assim, o trabalho está dividido em quatro seções principais. A primeira aborda os aspectos históricos e conceituais das Constituições Brasileiras, ativismo judicial no Brasil e controle de constitucionalidade. Na segunda, analisam-se os aspectos específicos da atuação do Supremo Tribunal Federal e sua relação com a separação de poderes. A terceira seção apresenta jurisprudência e decisões relevantes, com o posicionamento do STF sobre questões constitucionais. Por fim, a quarta seção expõe as considerações finais, com as conclusões e reflexões sobre o tema.
Quanto à hipótese, a pesquisa demonstra a sua confirmação, evidenciando que a Constituição Federal de 1988, prevê a separação e competência dos poderes. No entanto, o ativismo judicial tem causado desequilíbrio entre os poderes, causando a interferência no processo decisório, designada tipicamente aos órgãos eleitos, e a geração de insegurança jurídica, além do enfraquecimento das instituições representativas. Contudo, uma forma para enfrentar o ativismo judicial e sua interferência na separação de poderes no Brasil passa pela limitação/redistribuição da atuação do Supremo Tribunal Federal, com efeito de não acumular funções, Vilhena (2008), de modo que suas decisões sejam guiadas por princípios constitucionais, e não por políticas ou interesses momentâneos Streck (2013).
2. O CONTEXTO HISTÓRICO DAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS E A EVOLUÇÃO DO ATIVISMO JUDICIAL NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ATÉ OS DIAS ATUAIS
Antes de discutir o ativismo judicial, é necessário compreender o controle de constitucionalidade e o contexto histórico das Constituições Brasileiras. A Constituição de 1988 trouxe uma ampliação significativa do controle constitucional, garantindo maior poder ao STF como guardião da Constituição. A partir disso, o Judiciário passou a desempenhar um papel ativo na proteção dos direitos fundamentais e no monitoramento dos atos dos demais poderes, consolidando sua posição na estrutura democrática brasileira.
Conforme explica o ex-ministro Gilmar Ferreira Mendes (2012, p.77):
Hoje, é possível falar em um momento constitucionalismo que se caracteriza pela superação da supremacia do Parlamento. O instante atual é marcado pela superioridade da Constituição, a que se subordinam todos os poderes por ela constituídos, garantida por mecanismos jurisdicionais de controle de constitucionalidade.
Atualmente, o sistema de controle judicial brasileiro é um modelo híbrido que combina elementos dos sistemas norte-americano, austríaco e francês. Nesse sentido, o Judiciário exerce tanto o controle difuso, onde qualquer juiz pode declarar a inconstitucionalidade de uma norma, quanto o controle concentrado, exclusivo do STF, cujas decisões têm efeito vinculante para todos. Dessa forma, o sistema permite ao STF atuar de forma mais incisiva em questões constitucionais, ampliando o conceito de ativismo judicial no país.
No que tange Constituição Brasileira, a primeira fora no ano de 1824, a qual refletiu a transição de um Estado absolutista para um modelo liberal, liberando os poderes Legislativo, Moderador, Executivo e Judiciário. Contudo, o controle de constitucionalidade era ineficaz, pois o Poder Moderador, exercido exclusivamente pelo imperador, possuía prerrogativas amplas, dificultando a independência do Legislativo e limitando o papel do Judiciário na proteção constitucional.
Posteriormente, com a proclamação da República, a Constituição de 1891 incorporou o modelo norte-americano, introduzindo o federalismo, o presidencialismo e o controle difuso de constitucionalidade, que permitiria a qualquer juiz declarar a inconstitucionalidade de normas em casos concretos. Nesse momento, o STF assumiu o controle concentrado, elevando sua relevância como guardião da Constituição.
A Constituição de 1934 representou um marco na evolução do controle de constitucionalidade no Brasil, aprofundando a inspiração no modelo norte-americano já presente na Carta de 1891. Entre as mudanças significativas, destacou-se a adoção do nome “Corte Suprema”, em substituição ao título “Supremo Tribunal Federal”, e a manutenção da composição com onze ministros. Além disso, a nova Carta ampliou as competências da Corte, tanto em sua atuação originária quanto em grau de recurso. Sendo assim, essas alterações visavam tornar o controle de constitucionalidade mais eficaz, consolidando o papel do Judiciário na proteção dos direitos fundamentais e na fiscalização da legalidade das normas.
Já a Constituição de 1937, instaurada durante o Estado Novo, representou um retrocesso no controle de constitucionalidade, pois foi inspirada em ideologias fascistas, centralizando o poder no Executivo, extinguindo o Senado e reduzindo o papel do Judiciário. Mais adiante, com a Emenda nº 16/65, o STF começou a recuperar gradualmente suas funções, exercendo controle tanto difuso quanto concentrado.
Já a Constituição de 1946, promulgada após o fim do Estado Novo, marcou a redemocratização do país, sendo novamente prevista a possibilidade de o Senado Federal suspender a execução de uma lei que o Supremo Tribunal Federal tivesse declarado inconstitucional. Diferentemente do que estabelecia a Constituição de 1934, essa previsão deixou claro que a suspensão só poderia ocorrer se a decisão de inconstitucionalidade fosse proferida pela Corte Suprema, e não por qualquer outro órgão do Judiciário (POLETTI, 2001).
Em seguida, a Constituição de 1967, promulgada após o golpe militar de 1964, ampliou ainda mais o controle concentrado pelo STF, consolidando seu papel na preservação da ordem constitucional, ainda que sob um regime autoritário.
Com a redemocratização, a Constituição de 1988 representou um marco no fortalecimento do controle de constitucionalidade. Desde então, o Supremo Tribunal Federal substituiu papel central no equilíbrio entre os poderes, concorrendo de forma protagonista na proteção dos direitos fundamentais e na fiscalização dos atos dos demais poderes.
Sendo assim, a Constituição brasileira de 1988 representa bem esses ideais neoconstitucionalistas. Amplamente analítica e garantida, ela incorporou direitos e princípios como parte de um compromisso com a transformação social. Desse modo, essa nova realidade confere ao Supremo Tribunal Federal um papel central na proteção desses valores, especialmente em um contexto de democratização, fazendo do STF a “Guardião da Constituição” e permitindo ao Judiciário uma atuação direta em prol dos direitos fundamentais. Diante disso, nas palavras do ministro Alexandre de Moraes (2016, p.739): “a existência de escalonamento normativo é pressuposto necessário para a supremacia constitucional, pois, ocupando a constituição a hierarquia do sistema normativo é nela que o legislador encontrará a forma de elaboração legislativa e o seu conteúdo”.
2.1 Conceito e evolução de Ativismo Judicial no Brasil
O ativismo judicial representa a atuação proativa do Judiciário em temas que desativam interpretações ampliadas da Constituição, especialmente em áreas onde há omissão ou ineficácia legislativa. Assim, esse conceito refere-se ao papel do Judiciário, especificamente do Supremo Tribunal Federal no Brasil, ao tomar decisões que afetam diretamente a implementação de políticas públicas, como saúde, educação e direitos sociais. A atuação ativista da Suprema Corte é uma característica fortalecida pelo neoconstitucionalismo, que possibilita aos juízes interpretarem a Constituição à luz dos princípios fundamentais, ampliando o escopo de sua atuação em defesa de direitos e em busca da justiça social.
Historicamente, o neoconstitucionalismo, também chamado de pós-positivismo jurídico, surgiu na segunda metade do século XX, especialmente após o fim dos regimes totalitários europeus. Esse movimento visava reformular a interpretação do Direito, atribuindo força normativa aos princípios constitucionais e buscando a efetivação dos direitos fundamentais. Com essa mudança, as Constituições passaram a ter um caráter mais rígido, priorizando valores e assegurando direitos, além de se tornarem documentos orientadores do Estado, com função transformadora da realidade social.
Na Europa, os novos tribunais constitucionais, criados para promover a justiça distributiva, influenciaram outros países na valorização da Constituição como norma suprema. Dessa forma, o neoconstitucionalismo consolidou a Constituição como referência hierárquica e interpretativa no sistema jurídico, e o Judiciário assumiu um papel mais ativo em sua aplicação, influenciando as políticas públicas e promovendo a justiça social.
Contudo, esse modelo também reforçou a importância de uma jurisdição constitucional forte, possibilitando que o Judiciário fosse chamado a intervir para corrigir omissões de outros poderes, especialmente em questões de direitos fundamentais. Com o neoconstitucionalismo, o Judiciário assume um papel de protagonismo crescente, permitindo que ele atue na defesa e na aplicação dos direitos fundamentais, além de se tornar um agente transformador nas sociedades democráticas.
Ao longo dos anos, com fortes características neoconstitucionalistas, o Supremo Tribunal Federal consolidou sua posição como guardião da Constituição, desempenhando um papel central na proteção e promoção dos direitos fundamentais. Sendo assim, decisões marcantes, como a que reconheceu a união estável entre pessoas do mesmo sexo (ADI 4277 e ADPF 132) e a descriminalização do aborto em casos de anencefalia (ADI 3510), evidenciam a atuação do tribunal em questões socialmente sensíveis. Nessas situações, o STF não se limitou à aplicação literal da lei, mas interpretou o texto constitucional de forma ampliada, buscando atender às demandas de uma sociedade plural e em constante transformação.
3. ESTRUTURA HISTÓRICA NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA DOS TRÊS PODERES E SUAS DEVIDAS COMPETÊNCIAS A PARTIR DA PROMULGAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
A ideia da separação dos poderes tem suas raízes no pensamento de Montesquieu, filósofo iluminista do século XVIII, que propôs a divisão do poder em três esferas independentes: o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. Para Montesquieu, esse modelo era essencial para evitar abusos e garantir a liberdade dos cidadãos. Assim, o pensador acreditava que, ao dividir as funções estatais, cada poder poderia agir com autonomia, mas dentro de limites estabelecidos, funcionando como um sistema de “freios e contrapesos”. Contudo, esse conceito foi incorporado em várias constituições, incluindo a Constituição Federal Brasileira de 1988, o qual é essencial para a estabilidade do regime democrático, pois impede que um poder concentre todas as funções e, assim, exerça o controle absoluto, preservando a liberdade e os direitos dos cidadãos.
Diante desses parâmetros adotados, a Constituição Federal de 1988 trouxe o Art. 2º, cujo diz que: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. Assim, o supracitado artigo garante que os poderes possuam competências específicas e limitadas pela Constituição.
Conforme explica o constitucionalista Michel Temer (2008, p. 123):
O Legislativo, o Executivo e o Judiciário são Poderes independentes entre si, estabelece o art. 2ª da CF. De que maneira é revelada essa independência?
Em primeiro lugar pela circunstância de cada Poder haurir suas competências no Texto Constitucional. Nenhuma norma infraconstitucional pode subtrair competências que foram entregues pelo constituinte.
Com base na divisão dos poderes, o poder Legislativo é composto pelo Congresso Nacional, dividido na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, e tem a competência de elaborar e modificar normas jurídicas que orientam a sociedade. Além disso, cabe ao Legislativo exercer o controle sobre o Executivo, acompanhando suas ações e fiscalizando o uso de recursos públicos. Por outro lado, o poder Executivo, tem como principal função administrar o país, implementar políticas públicas e executar as leis elaboradas pelo Legislativo, sendo representado pelo Presidente da República, governadores e prefeitos, que são eleitos para cumprir essas responsabilidades. O Executivo deve, portanto, transformar as diretrizes condicionais em políticas e ações concretas, evoluindo o bem-estar da população e o desenvolvimento do país.
Dentro dessa estrutura, o Judiciário, especialmente o Supremo Tribunal Federal (STF), ocupa um papel de destaque na defesa da Constituição. Conforme descrito no art. 102 da Constituição Federal de 1988, o STF é definido como o guardião da Constituição, sendo responsável por exercer o controle de constitucionalidade, em outras palavras, ele verifica se leis e atos normativos estão em conformidade com a Carta Magna.
Além disso, é importante ressaltar que o Judiciário, incluindo o STF, deve sempre ser provocado para atuar, ou seja, ele não age por iniciativa própria, somente quando instaurado por ações ou processos é que o Judiciário pode examinar e decidir sobre questões legais e constitucionais. Dessa forma, ao ser provocado e, eventualmente, ao identificar alguma norma ou ato normativo em desacordo com a Constituição, o STF tem o poder de declarar sua inconstitucionalidade, assegurando, assim, que os princípios e valores constitucionais prevaleçam.
4. COMO AS DECISÕES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL CONFRONTAM O TEXTO CONSTITUCIONAL?
As decisões do Supremo Tribunal Federal têm um papel central na interpretação e aplicação do texto constitucional, especialmente em casos de grande impacto político, social e cultural. No entanto, essas decisões geram frequentemente debates sobre os seus limites, especialmente quando são percebidas como confrontos diretos ao texto da Constituição ou às competências dos demais poderes.
Dois casos emblemáticos ilustram esses esforços: O caso Daniel Silveira, que levantou questões sobre a imunidade parlamentar e a inércia do Judiciário, e o caso da Vaquejada, que confrontou valores culturais e ambientais com as disposições constitucionais. A análise desses casos permite compreender como o STF, ao exercer seu papel de guardião da Constituição, enfrenta os desafios de harmonizar princípios constitucionais conflitantes, muitas vezes ultrapassando as fronteiras de sua atuação tradicional.
Originado do inquérito das fake news e do subsequente inquérito dos atos antidemocráticos, o processo contra o deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ) suscitou, desde o início, preocupação entre juristas, que questionam se o respeito aos direitos e garantias constitucionais foram devidamente observados. Para a maioria desses especialistas, as declarações do parlamentar contra ministros do STF, feitas em um vídeo nas redes sociais em fevereiro de 2021, representaram um abuso da liberdade de expressão, pois incluíam insultos e incitações à violência.
Entretanto, o principal foco de controvérsia fora a condução do caso pelo ministro Alexandre de Moraes, pois ao decidir pela prisão do Deputado, sem solicitação prévia da Polícia Federal ou do Ministério Público Federal, destacou um ponto controverso sobre o princípio da inércia do Judiciário, que exige que o Judiciário só atue quando provocado. Esse princípio, fundamentado implicitamente na Constituição de 1988 e reforçado pelo art. 129, inciso I, que atribui ao Ministério Público a exclusividade na promoção da ação penal pública, é essencial para assegurar o devido processo e a independência dos poderes.
Por outro lado, a segunda questão, fora a contradição com o estabelecido no artigo 53, §2º da Constituição Federal de 1988, cujos dizem que: “Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos (…) §2º Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão.”. Diante disso, os deputados e senadores têm inviolabilidade civil e penal por suas opiniões, palavras e votos, sendo passíveis de prisão apenas em flagrante e por crimes inafiançáveis.
No entanto, Silveira foi preso após a publicação de suas declarações, e as acusações de coação no curso do processo e crimes contra a segurança nacional não constam na lista de crimes inafiançáveis.
Diante do exposto, vale salientar o que explana Luiz Streck (2013, p. 218):
Repitamos isso, com vagar: argumentos de princípios e não de política! Esse é o ponto fundamental da questão: a responsabilidade política dos juízes se materializa na produção de decisões segundo direito. Insisto: juiz não escolhe; juiz decide! Explicitando melhor: discussões que envolvem projetos futuros, bem-estar social, consequências que resultaram da aplicação do direito em questão, não são decisões que pertencem à esfera do Judiciário, mas que devem ser tomadas pelos meios políticos adequados (legislativos e/ou executivos). No Judiciário devemos levar o direito a sério, decidindo segundo argumentos de princípios.
Na decisão em tela, constata-se que em razão da atuação sem provocação formal, levantou-se questões sobre o papel do Supremo Tribunal Federal no rigor à legalidade e no respeito à separação entre os poderes, suscitando um debate sobre os limites da atuação judicial no contexto democrático brasileiro.
Nesse contexto, é evidente que a suprema corte deve permanecer fiel ao seu papel de guardião da Constituição, respeitando os limites que asseguram a independência entre os poderes e evitando ações que possam ser vistas como interferência na esfera política, com efeito de evitar a concentração de poder (Vilhena).
A vaquejada é uma prática cultural tradicional no Brasil, especialmente nas regiões Nordeste e Centro-Oeste, onde dois vaqueiros montados a cavalo têm como objetivo derrubar um boi puxando-o pelo rabo. Essa atividade, considerada um símbolo da cultura sertaneja, está presente em festas populares e é vista por muitos como uma manifestação artística e esportiva que valoriza as tradições locais. Contudo, a prática tem gerado controvérsias devido às alegações de maus-tratos aos animais envolvidos.
Em 2016, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4983, decidiu pela inconstitucionalidade de uma lei do estado do Ceará que regulamentava a vaquejada como prática esportiva e cultural. A maioria dos ministros considerou que a atividade violava o art. 225, §1º, inciso VII, da Constituição Federal, o qual estabelece que:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.
Julgado de relatoria do Ministro Marco Aurélio, a ADI 4983 foi fundamentada em uma interpretação ecológica da Constituição, priorizando a proteção ambiental e o bem-estar animal, em detrimento dos valores culturais e econômicos associados à vaquejada, valendo apresentar a jurisprudência do seguinte julgado:
PROCESSO OBJETIVO – AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – ATUAÇÃO DO ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO. Consoante dispõe a norma imperativa do § 3º do artigo 103 do Diploma Maior, incumbe ao Advogado-Geral da União a defesa do ato ou texto impugnado na ação direta de inconstitucionalidade, não lhe cabendo emissão de simples parecer, a ponto de vir a concluir pela pecha de inconstitucionalidade. VAQUEJADA – MANIFESTAÇÃO CULTURAL – ANIMAIS – CRUELDADE MANIFESTA – PRESERVAÇÃO DA FAUNA E DA FLORA – INCONSTITUCIONALIDADE. A obrigação de o Estado garantir a todos o pleno exercício de direitos culturais, incentivando a valorização e a difusão das manifestações, não prescinde da observância do disposto no inciso VII do artigo 225 da Carta Federal, o qual veda prática que acabe por submeter os animais à crueldade. Discrepa da norma constitucional a denominada vaquejada.
A interpretação ecológica utilizada pelo STF considera que o meio ambiente, incluindo os animais, é um direito fundamental de terceira geração, que deve ser resguardado para as futuras gerações. Nesse sentido, o tribunal entendeu que a vaquejada, embora tradicional, submete os animais a condições cruéis, como estresse, ferimentos e sofrimento, contrariando os princípios constitucionais de dignidade animal e equilíbrio ambiental.
No entanto, a decisão gerou intensos debates sociais e políticos, especialmente entre defensores da cultura regional, que alegaram que a vaquejada faz parte do patrimônio cultural brasileiro e possui grande relevância econômica para as regiões onde é praticada. Em resposta a essa controvérsia, foi promulgada a Emenda Constitucional nº 96/2017, que reconheceu as manifestações culturais envolvendo animais, como a vaquejada, como patrimônio cultural imaterial do Brasil. A emenda condicionou a prática à regulamentação que assegure o bem-estar dos animais, buscando um equilíbrio entre a proteção ambiental e o respeito à cultura tradicional.
Essa decisão ilustra como o STF utiliza diferentes abordagens interpretativas da Constituição, como a interpretação ecológica, para abordar questões de grande impacto social, ambiental e cultural, além de demonstrar a complexa relação entre os poderes na definição de temas sensíveis para a sociedade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo buscou compreender o fenômeno do ativismo judicial no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF), à luz dos princípios constitucionais da separação dos poderes e da conformidade de competência. A análise teórica e jurisprudencial empreendida demonstrou que, embora o STF exerça papel fundamental na proteção dos direitos fundamentais e na salvaguarda da Constituição, sua atuação deve sempre observar os limites institucionais delineados pelo ordenamento jurídico.
A pesquisa confirmou a hipótese inicialmente proposta, ao evidenciar que o ativismo judicial, quando descolado dos princípios constitucionais e da necessária autocontenção, pode implicar a sobreposição do Judiciário sobre os demais poderes, gerando desequilíbrios institucionais e comprometendo a estabilidade do sistema democrático.
Casos emblemáticos como o julgamento do deputado Daniel Silveira e a ADI da vaquejada ilustram, com clareza, os desafios que emergem quando o STF, mesmo motivado por princípios constitucionais relevantes, atua de forma a tensionar competências atribuídas ao Legislativo ou ao Executivo.
Com base na análise histórica das constituições brasileiras, observou-se a crescente centralidade do STF como guardião da Constituição, especialmente a partir de 1988, o que atribuiu ao Judiciário um protagonismo sem precedentes. Sendo assim, é essencial que se assegure o respeito à legalidade, à previsibilidade das decisões e à legitimidade democrática. Ao mesmo tempo, é necessário reconhecer que a atuação judicial não ocorre em um vácuo institucional, pois ela é resultado das lacunas, omissões e disfunções dos demais poderes.
Ainda assim, a resposta judicial a tais omissões deve ser guiada pela Constituição, sem extrapolar os limites da competência jurisdicional.
Por fim, o trabalho conclui que o enfrentamento do ativismo judicial, quando este ameaça a separação de poderes, exige não apenas uma rediscussão dos limites da jurisdição constitucional, mas também o fortalecimento das instituições representativas e do diálogo entre os poderes, gerando equilíbrio entre os princípios constitucionais, na prudência institucional e na abertura ao pluralismo democrático que reside a maturidade de um Estado Constitucional de Direito.
REFERÊNCIAS
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TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 22ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2008.
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MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 32ª ed. São Paulo: Atlas, 2016.
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VIEIRA, Oscar Vilhena. Supremocracia. Revista Direito GV. São Paulo, 2008.
POLETTI, Ronaldo. Controle da constitucionalidade das leis. 2. ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2001.
WERNECK, Diego. O Supremo, entre o Direito e a Política. Rio de Janeiro: História Real, 2023.
MONTESQUIEU, Charles de Secondat. Do Espírito das Leis. São Paulo: Martin Claret, 2009.
[1] Professor Especialista, orientador da disciplina de Trabalho de Conclusão de Curso, do Centro Universitário Luterano de Manaus - CEULM/ULBRA/Manaus, AM. E-mail: janderson.frota@ulbra.br
Acadêmico do Curso de Direito do Centro Universitário Luterano de Manaus - CEULM/ULBRA/Manaus, AM.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LARRAT, Gabriel Oliveira de Queiroz. Ativismo judicial No Supremo Tribunal Federal: análise das decisões à luz da separação dos poderes e conformidade de competência Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 maio 2025, 04:34. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/68693/ativismo-judicial-no-supremo-tribunal-federal-anlise-das-decises-luz-da-separao-dos-poderes-e-conformidade-de-competncia. Acesso em: 14 ago 2025.
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