Prof. Wellington Martins da Silva[1]
(Orientador)
RESUMO: O artigo analisa os limites do julgamento político pela Câmara Municipal, com foco na fiscalização e na função atípica na cassação de mandatos de prefeitos e vereadores por infrações politicas administrativas. Destacando-se o papel dos agentes políticos no controle político e autorizativo por meio de leis propostas pelo Executivo, cuja execução deve ser acompanhada pela Câmara, sendo esse processo essencial à democracia local. O maior desafio é as influências indevidas entre Legislativo e Executivo, como trocas de favores e alianças políticas que comprometem a imparcialidade. Apesar de dispositivos legais e constitucionais existentes para prevenir abusos, a falta de qualificação técnica e a falta de estimulo para participação da sociedade civil organizada ainda dificultam boas práticas e ótimos resultados. O controle político exige independência entre os poderes, participação popular e decisões baseadas em critérios técnicos e legais, livres de pressões externas e interesses pessoais e partidários, com respeito ao devido processo legal. Propõe-se maior profissionalização e transparência nas funções fiscalizatórias do legislativas para fortalecer a democracia municipal.
Palavras-chave: Julgamento Político, Câmara Municipal, Fiscalização, Agentes Políticos, Devido Processo Legal.
ABSTRACT: The article analyzes the limits of political judgment by the City Council, focusing on oversight and the atypical role in the impeachment of mayors and councilors for political-administrative infractions. It highlights the role of political agents in political and authorizing control through laws proposed by the Executive, whose implementation must be monitored by the Council, a process essential to local democracy. The greatest challenge is undue influences between the Legislative and Executive, such as favor-trading and political alliances that compromise impartiality. Despite existing legal and constitutional mechanisms to prevent abuses, the lack of technical qualification and insufficient encouragement for organized civil society participation still hinder best practices and optimal results. Political oversight requires independence between powers, popular participation, and decisions based on technical and legal criteria, free from external pressures and personal or partisan interests, while respecting due process of law. It proposes greater professionalization and transparency in the legislative oversight functions to strengthen municipal democracy.
Keywords: Political Judgment, City Council, Oversight, Political Agents, Due Process of Law.
INTRODUÇÃO
O julgamento político municipal consolidou-se com a Constituição Federal de 1988, que fortaleceu as Câmaras Municipais como órgãos de controle do executivo, atribuindo-lhes a competência para julgar contas públicas (art. 31) e apurar Infrações política administrativas previstas no Decreto-Lei nº 201/67. A redemocratização do Brasil intensificou a necessidade de transparência e accountability, tornando o julgamento político privativo dos poderes legislativos enquanto os civis e penais, privativo do poder judiciário, com isso, ampliou-se os instrumentos de equilíbrio, controle e fiscalização entre poderes. Experiências locais, como as vivenciadas pelo autor em Jaru/RO, entre 2012 e 2015, período que exerceu mandato de vereadores, para ilustram à aplicação prática desse mecanismo, com casos de cassação de mandatos e investigações de irregularidades através de Comissão especial e comissão processante apurando infrações administrativas no âmbito municipal, que geraram repercurções e debates sobre sua legitimidade. Assim sendo, os casos constatados em Jaru/RO, são evidencias empíricas que corroboram com nosso levantamento, o que não é diferente em outros municípios devido à falta de melhor preparo e equipes qualificados de na assistência técnica legislativa.
O julgamento político realizado pela Câmara Municipal é um mecanismo essencial para a democracia local, permitindo a fiscalização do Poder Executivo, o julgamento das contas públicas e a apuração de infrações político-administrativas, como previsto na Constituição Federal de 1988 (art. 31), no Decreto-Lei nº 201/1967 e na Lei nº 8.429/1992. A prática de nepotismo cruzado, vedada pela Resolução nº 7/2005 do CNJ, também é objeto de fiscalização legislativa. Contudo, a atuação da Câmara deve respeitar limites constitucionais, como o devido processo legal, contraditório, ampla defesa e separação de poderes, para evitar abusos ou perseguições políticas. Este estudo, baseado na experiência legislativa do autor em Jaru (RO) entre 2012 e 2015, analisa os limites do julgamento político, seus desafios técnicos e políticos e suas implicações para a democracia municipal. A pesquisa questiona: quais são os limites constitucionais e legais do julgamento político pela Câmara Municipal, e como equilibrar o controle político com os direitos fundamentais dos agentes públicos?
Nesse sentido, o estudo busca compreender até que ponto o julgamento político pode ser exercido de maneira legítima e quais são as fronteiras entre o julgamento político e as garantias constitucionais que visam proteger os agentes públicos de abusos de poder. Quando falamos em abuso de poder, ou crimes praticados pela gestores municipais é tanto legislativo e executivo, ambos são passíveis de serem julgados pela câmara de vereadores, sendo uma das principais funções legislativas, a fiscalização. Logo, serão abordadas as previsões normativas, bem como decisões judiciais que tratam da matéria, em casos de julgamentos políticos realizações no âmbito do poder legislativo que teve seus resultados mantidos, ratificados pelo poder judiciário em fase de julgamentos de recursos, mantendo as decisões do poder legislativo municipais.
O julgamento político do Poder Legislativo Municipal em casos de crimes cometidos pelo Executivo Municipal é um tema que envolve questões cruciais sobre separação de poderes, controle institucional e democracia. Este artigo pretende discutir os desafios, as implicações e as limitações desse tipo de julgamento, abordando tanto o papel do Legislativo quanto o contexto político e jurídico que envolve esse processo.
Logo, o julgamento político é o processo pelo qual a Câmara Municipal avalia infrações político-administrativas, como improbidade administrativa (Lei nº 8.429/1992) ou crimes de responsabilidade (Decreto-Lei nº 201/1967). Não se confunde com jurisdição penal, reservada ao Poder Judiciário, sendo restrito à esfera político-administrativa, com foco na responsabilização de agentes públicos por atos que comprometam a gestão municipal.
A partir dessas observações, pode-se concluir que os limites do julgamento político no âmbito legislativo municipal são de três ordens: legais, processuais e políticos. Legalmente, a câmara só pode atuar dentro do rol de infrações previstas no Decreto-Lei nº 201/1967, sem liberdade para criar novas causas de cassação.
Processualmente, o julgamento deve respeitar o rito legal, garantindo o devido processo legal, sob risco de anulação judicial. Politicamente, a independência da câmara é desafiada por alianças e pressões locais, o que pode comprometer a imparcialidade. Esses limites, embora restritivos, são fundamentais para proteger os direitos do acusado e assegurar que o julgamento político seja um instrumento de controle, e não de abuso de poder. Muitas câmaras municipais carecem de recurso humanos e técnicos para conduzir investigações complexas. A análise de documento contáveis ou condução de diligências exige conhecimento técnico que nem sempre está disponível.
A relação entre Legislativo e Executivo, frequentemente são marcadas por alianças políticas, pode comprometer a criação ou condução de fiscalização necessária e precisa das contas publica, da prestação dos serviços, e até mesmo na abertura de CPI’s. Vereadores alinhados ao prefeito podem obstruir requerimento ou “suavizar” relatórios finais, limitando o impacto da investigação ou averiguação de notícias de fato e de direito, até mesmo denúncias de munícipes que são prejudicados por ação ou omissão do poder público.
Assim sendo, com o objetivo de fornecer uma análise profunda e crítica buscando fundamentação legal e histórica, sobre os limites dessa prática no âmbito municipal. A análise adota abordagem qualitativa, baseada em documentos oficiais e informações públicas. Os casos foram selecionados com base em dois critérios: (1) cassações de mandato de prefeitos por infrações político-administrativas ou eleitorais; (2) relevância para ilustrar os limites do julgamento político, incluindo interação entre Legislativo e Judiciário. As fontes incluem atas da Câmara Municipal de Jaru, decisões judiciais do Tribunal Regional Eleitoral de Rondônia (TRE-RO), Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e Tribunal de Justiça de Rondônia (TJ-RO), além de relatórios do Tribunal de Contas do Estado de Rondônia (TCE-RO). A análise comparativa examina os motivos das cassações, os procedimentos adotados e os desfechos, confrontando-os com as normas da Constituição Federal de 1988, Lei nº 8.429/1992 e Decreto-Lei nº 201/1967.
José Afonso da Silva (2018) destaca que o julgamento político é uma função atípica do legislativo municipal, que combina fiscalização com sanções políticas, como a cassação de mandato. Segundo o autor, essa competência fortalece a democracia local, mas deve ser exercida com observância dos princípios constitucionais, como o devido processo legal, para evitar abusos de poder.
Assim sendo, o processo político-administrativo para julgar exercido pelas câmaras municipais é uma ferramenta essencial para a democracia local, mas sua aplicação enfrenta barreiras que moldam seu alcance e efetividade, é possível compreender os limites desse processo e sua relevância no contexto municipal. Sendo, a função julgadora da câmara municipal considerada atípica, distinta de suas atribuições principais de legislar e fiscalizar. Essa função se manifesta, principalmente, no julgamento do prefeito por infrações político-administrativas, conhecidas como crimes de responsabilidade, conforme previsto no Decreto-Lei nº 201/1967.
Essas infrações incluem, por exemplo, desvios na gestão de recursos públicos ou descumprimento de obrigações legais, como a aplicação correta de verbas destinadas à educação (Resende, 2017, p. 27). Esse julgar, no entanto, não tem natureza judicial, pois o foro competente para julgar prefeitos em questões penais é o Tribunal de Justiça, conforme estabelece o art. 29, X, da Constituição Federal de 1988 (Resende, 2017, p. 27).
Um aspecto crucial é que o julgamento político deve seguir um procedimento formal, regulado pelo Decreto-Lei nº 201/1967, que exige denúncia fundamentada, garantia de ampla defesa e votação por maioria qualificada para a cassação do mandato. Esse rigor processual é um limite importante, pois qualquer desvio pode levar à anulação do julgamento, como ocorre quando a câmara não assegura o contraditório, extrapola o limite de tempo ou ultrapassa suas competências.
Por exemplo, a câmara não pode julgar o prefeito por infrações não previstas em lei, o que demonstra uma restrição legal clara. Outro ponto é a influência da dinâmica da política local.
A relação entre Legislativo e Executivo, muitas vezes marcada por uma histórica subserviência, pode comprometer a imparcialidade do julgamento. Vereadores alinhados ao prefeito podem hesitar em iniciar ou conduzir processos de cassação, enquanto pressões políticas externas, como interesses partidários, podem distorcer a função julgadora (Resende, 2017, p. 25).
Esse contexto sugere que, além de limites legais e processuais, há barreiras políticas que afetam a eficácia do julgamento. Por fim, podemos dizer que o julgamento político é uma expressão do controle democrático, mas sua aplicação é limitada pela necessidade de preservar a estabilidade da gestão municipal. A cassação de um prefeito é uma medida extrema, que exige fortes evidências de irregularidades e um processo conduzido com transparência para manter a legitimidade perante a sociedade (Resende, 2017, p. 27).
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 31, estabelece que a fiscalização do município será exercida pela Câmara Municipal, com auxílio do Tribunal de Contas, cuja competência inclui o julgamento das contas do prefeito. O parecer do Tribunal é opinativo, podendo ser rejeitado por dois terços dos vereadores, o que reforça o caráter político do processo político-administrativo, mas exige fundamentação técnica para decisões divergentes (BRASIL, 1988).
Assim sendo, a observação nas obrigações supra legais na premissa maior garante a soberania e delimita o campo de atuação do Poder Legislativo.
Art. 31. A fiscalização do Município será exercida pelo Poder Legislativo Municipal, mediante controle externo, e pelos sistemas de controle interno do Poder Executivo Municipal, na forma da lei.
§ 1º O controle externo da Câmara Municipal será exercido com o auxílio dos Tribunais de Contas dos Estados ou do Município ou dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios, onde houver.
§ 2º O parecer prévio, emitido pelo órgão competente sobre as contas que o Prefeito deve anualmente prestar, só deixará de prevalecer por decisão de dois terços dos membros da Câmara Municipal.
A fiscalização dos atos administrativos pelo legislativo municipal é regulada por um arcabouço normativo que define seus limites e procedimentos. Assim como aqueles elencados no rol taxativo do artigo 29 da Constituição Federal de 1988.
Os julgamentos por infrações políticos administrativos pelo poder Legislativo são limitados por alguns regramentos mandamentais. Refere-se à análise das contas de governo e gestão do prefeito, com base no parecer prévio do Tribunal de Contas (CF, art. 31, §2º). A decisão da Câmara prevalece, mas deve ser fundamentada, especialmente em casos de rejeição do parecer técnico.
Á improbidade administrativa, regulada pela Lei nº 8.429/1992, abrange atos que violam os princípios da administração pública, como legalidade, impessoalidade e moralidade. A Câmara pode instaurar processos para apurar esses atos, como desvios de recursos, fraude em licitações, ou nomeações indevidas com práticas de nepotismo, entre outros, aplicando sanções como a cassação de mandato. Assim como os artigos alceados na Lei n 8.429/1992, em seu artigo 11 e seus incisos.
Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública a ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade, caracterizada por uma das seguintes condutas: [...].
Uma das práticas, mas conhecidas dos tribunais são as nomeações de parentes, seja de prefeito ou vereadores de várias formas, configurando crime de nepotismos.
XI - nomear cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas;[...]
A Lei nº 8.429/1992 define a improbidade administrativa como atos que causem lesão ao erário, enriquecimento ilícito ou violação dos princípios administrativos. A Câmara tem competência para julgar esses atos na esfera política, podendo cassar mandatos, mas as ações judiciais cabem ao Poder Judiciário, que avalia a responsabilidade civil e penal.
Celso Antônio Bandeira de Mello (2021) enfatiza que a improbidade administrativa exige dolo ou culpa grave, sendo a Câmara responsável por processos administrativos, mas sem interferir em ações judiciais. O autor destaca a importância da fundamentação técnica para legitimar as decisões legislativas. Portanto, não bastar só estar tipificado em lei é necessário que preencha todos os requisitos legais e que o legislativo exerça sua principal função de fiscalizar e legislar.
Os crimes de responsabilidade, tipificados no Decreto-Lei nº 201/1967, incluem condutas como omissões administrativas ou apropriação de recursos públicos. A Câmara julga esses casos, podendo aplicar a cassação de mandato, mas deve garantir o devido processo legal para evitar anulações judiciais, essa a única possibilidade de anulações e intervenções de um Poder sobre o outro.
O Decreto-Lei nº 201/1967 define os crimes de responsabilidade de prefeitos e vereadores, estabelecendo sanções como a perda de mandato. A norma regula o procedimento de julgamento político pela Câmara, assim como regras previstas em regimento interno do poder legislativo e normas mandamentais da própria lei orgânica municipal, exigindo observância do contraditório e da ampla defesa.
O doutrinador Alexandre de Moraes (2020) destaca que o julgamento político deve respeitar os princípios constitucionais do devido processo legal e da separação de poderes. O autor reforça que a Câmara não pode atuar como tribunal, sendo suas decisões passíveis de revisão judicial em casos de ilegalidade.
1.1. O Decreto-Lei nº 201/1967 e seu contexto
O Decreto-Lei nº 201, de 1967, surgiu no auge do regime militar brasileiro, sob a Constituição de 1967, que consolidou o controle autoritário após o Golpe de 1964. Com base no Ato Institucional nº 4, o decreto foi criado para definir os crimes de responsabilidade de prefeitos e vereadores, como desvio de recursos ou má gestão, e estabelecer como esses casos seriam julgados. Naquela época, o governo central queria ter uma legislação unificada a nível nacional. Antes disso, as regras sobre a responsabilidade de prefeitos e vereadores eram desorganizadas, variando entre estados e municípios.
A Constituição de 1946 dava mais liberdade aos municípios, mas não havia uma lei nacional clara para punir irregularidades de gestores locais. Essa falta de padronização dificultava a fiscalização, especialmente em um período de instabilidade política antes do golpe militar ou Governo Militar. Com o regime militar, o Decreto-Lei nº 201 passou a ser amplamente usado, não só para combater a corrupção, mas também para pressionar opositores. Após a redemocratização, com a Constituição de 1988, ele continuou válido, com ajustes, como os trazidos pela Lei nº 10.028 de 2000, que o alinhou à Lei de Responsabilidade Fiscal, mantendo sua relevância na gestão pública.
Assim sendo, o decreto-lei n° 201 nasceu da necessidade de criar regras claras para punir prefeitos e vereadores que cometessem irregularidades, como não prestar contas ou desviar verbas públicas. Ele definiu que prefeitos seriam julgados pelos Tribunais de Justiça e vereadores pelas Câmaras Municipais, trazendo ordem à fiscalização em um país onde o governo central queria tudo sob controle. Essa padronização era crucial para evitar abusos na administração local. Além disso, os municípios começaram a gerir mais recursos públicos, o que exigia normas rigorosas. Hely Lopes Meirelles destaca que a responsabilidade dos gestores municipais é essencial para garantir transparência e boa administração, e o decreto supriu essa demanda ao oferecer um guia jurídico claro (Meirelles, 2017, p. 632). Ele se tornou uma ferramenta para proteger o dinheiro público.
Com a Constituição de 1988, que ampliou a autonomia dos municípios, o decreto continuou necessário, pois reforçava a ideia de que liberdade administrativa vem com responsabilidade. Ele foi adaptado para respeitar o foro especial dos prefeitos, julgados pelos Tribunais de Justiça, como determina a Constituição, garantindo equilíbrio entre autonomia e controle. Portanto, o referido decreto é uma norma de natureza jurídica hibrida, com caraterísticas de direito penal e direito administrativo sancionador. Tem força de Lei ordinária no sistema jurídico brasileiro. Na pratica, o decreto é uma norma federal de caráter especial, pois regula a responsabilidades de agentes públicos municipais em todo o país, prevalecendo sobre legislações estaduais ou municipais. Ele foi recepcionado pela constituição de 1988 como lei ordinária, compatível com os princípios de probidade e autonomia municipal, embora alguns dispositivos, como o recurso em sentido estrito, tenham sido considerados não recepcionados por conflito com o foro por prerrogativa de função artigo 29, X, da CF/88.
Apesar de útil, o Decreto-Lei nº 201 enfrenta críticas por ter sido criado em um regime antidemocrático, o que levanta dúvidas sobre seu uso político na época. Alguns pontos, como o recurso previsto no artigo 2º, inciso III, não se encaixam na Constituição de 1988, que garante foro especial aos prefeitos. Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2021) observa que essas falhas mostram a necessidade de ajustar leis antigas ao sistema democrático.
Outra crítica é sobre o artigo 2º, parágrafo 2º, que permite ao Procurador-Geral da República atuar em casos locais, o que alguns veem como interferência na autonomia do Ministério Público Estadual. O Supremo Tribunal Federal, em casos como a ADI nº 2.797, já discutiu essas tensões, apontando a importância de alinhar o decreto às regras constitucionais, julgados do STF, ADI nº 2.797, 2007.
O Decreto-Lei nº 201, mesmo com raízes no regime militar, foi fundamental para organizar a responsabilidade de prefeitos e vereadores e continua importante na luta contra a má gestão. Ele se adaptou à democracia, sendo amplamente aceito pela Constituição de 1988, mas precisa de ajustes em pontos específicos, como destaca Alexandre de Moraes (2020). Hoje, ele complementa outras leis, como a de Improbidade Administrativa, ajudando a manter a administração pública mais honesta e transparente.
Logo, esse decreto lei é utilizado pelo poder legislativo municipal para abrir processo objetivando apurar faltas graves cometidos por seus agentes políticos, prefeitos e vereadores no exercício da função, subsidiados pelos regimentos internos e lei orgânica, delimitando e disciplinando os procedimentos necessários.
Vale ressaltar que a utilização das normas existentes a serem utilizadas pelo poder legislativo, cabe apenas para fiscalizar, julgar contas, sustar atos administrativos municipais e cassação de mandato. As infrações que possam cominar em ilegibilidade e detenção, só são possíveis pelo Poder Judiciário. Assim sendo, após apurar falta grave, o poder legislativo encaminha o resultado apurado para o ministério publico para dar seguimento na esfera judicial.
2. RESULTADOS ALCANÇADOS
No município de Jaru, localizado em Rondônia, é um caso representativo para analisar o julgamento político-administrativo no âmbito municipal, devido à ocorrência de três cassações de mandato entre 2001 e 2015, período marcado por intensos debates sobre a fiscalização do Executivo. Com cerca de 50 mil habitantes (IBGE, 2015), Jaru reflete desafios comuns a municípios de médio porte, como pressões políticas e limitações técnicas nas Câmaras Municipais. Este estudo de caso examina as cassações de Ulisses Borges de Oliveira (2005-2008), José Amauri dos Santos (2001-2005) e Sônia Cordeiro de Souza (2013-2015), com o objetivo de identificar os limites legais, processuais e políticos do julgamento político e suas implicações para a democracia local.
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PREFEITO |
PERÍODO |
MOTIVO |
DECISÃO |
CONSEQUÊNCIA |
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José Amauri dos Santos |
2001-2005 |
Abuso de poder econômico e compra de votos na eleição de 2004. |
Cassação pelo TRE-RO decisão monocrática, Min. Marco Aurélio Renúncia Automática |
sem inabilitação prolongada.
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Ulisses Borges de Oliveira |
2005-2008 |
Violação à Lei de Responsabilidade Fiscal (gastos excessivos com folha de pagamento) |
Cassação pela Câmara Municipal (7x3) confirmada pelo TJ-RO Afastamento definitivo |
Afastamento definitivo; sem perda de direitos politicos.
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Sônia Cordeiro de Souza |
2013-2015 |
Alteração irregular de cláusula em Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) do transporte escolar |
Cassação pela Câmara Municipal (11 x 4) confirmada pelo TJ-RO. |
Inelegível posterior pelo TJ/RO. |
Fonte: Elaborado pelo autor (2025)
Caso 1: José Amauri dos Santos (2001-2005)
José Amauri, reeleito em 2004, foi cassado em 10 de outubro de 2005 pelo TRE-RO por abuso de poder econômico e compra de votos, condutas vedadas pela Lei nº 9.504/1997. A decisão, ratificada pelo TSE em decisão monocrática do Ministro Marco Aurélio, resultou na renúncia automática do cargo, sem perda de direitos políticos ou inabilitação prolongada. Diferentemente dos outros casos, a cassação ocorreu na esfera eleitoral, não legislativa, destacando a interação entre o julgamento político e o controle judicial.
A origem do processo foi através de AIJE (ação de investigação judicial eleitoral), promovida de pelo Ministério Público Eleitora na apuração de compra de votos, processo de origem n° 365 (2004-27° ZE), comarca de Jaru.
O caso evidencia os limites da Câmara, que não atuou diretamente e nem poderia, pois, esses Tipos de crimes políticos e abuso de poder econômico, só são possíveis de investigação e judicialização pelo Ministério Público e Poder Judiciário, mas reforça a relevância do controle externo sobre infrações eleitorais exercidas pelo Judiciário.
Caso 2: Ulisses Borges de Oliveira (2005-2008)
Em 4 de junho de 2008, a Câmara Municipal de Jaru cassou o mandato do prefeito Ulisses Borges por violação à Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101/2000), devido a gastos excessivos com a folha de pagamento, que ultrapassaram o limite de 54% da receita corrente líquida. A decisão, aprovada por 7 votos a 3, foi fundamentada em parecer do TCE-RO, que apontou irregularidades nas contas de 2007. Borges tentou reverter a cassação com liminar e recurso no TJ-RO, mas a Justiça confirmou o afastamento, considerando que o processo legislativo respeitou o devido processo legal (CF, art. 5º, LV). O caso ilustra a competência da Câmara para julgar infrações político-administrativas (Decreto-Lei nº 201/1967), mas também a dependência de fundamentação técnica.
As dificuldades encontradas, são processos antigos/físicos, em arquivos, ainda não existia o sistema PJE.
Caso 3: Sônia Cordeiro de Souza (2013-2015)
Em 21 de dezembro de 2015, a Câmara cassou o mandato da prefeita Sônia Cordeiro por alteração irregular de cláusula em um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) relacionado ao transporte escolar, configurando improbidade administrativa (Lei nº 8.429/1992, art. 11). A decisão, aprovada por 11 x 4, com relatório de comissão especial, materialidade e depoimentos. Posteriormente foi condenada por improbidade administrativa pelo TJ/RO, e foi absolvida na esfera criminal em 17 de maio de 2019, evidenciando a distinção entre sanções político-administrativas, cíveis e penais (Súmula 702/STF). O caso destaca a autonomia da Câmara para aplicar sanções políticas, mas também demostra a correta aplicação das regras previstas em seu regimento, lei orgânica e fundamentada com provas e legislação aplicável, com o devido respeito a ampla defesa, suportando a pressão política, com manifestações de grupos políticos locais, correligionários do chefe do executivo. Assim com todos os atos foram questionados na esfera judicial por parte dos advogados de defesa e foram mantidas pelo Poder Judiciário as decisões legislativas, processo judicial, mandado de segurança n° 7000033-14.2016.8.22.0003, 2° Vara Cível. Isso demostra a correta aplicação da legislação e boas práticas e procedimentos legislativas.
A análise dos três casos revela padrões e desafios no julgamento político em Jaru. Primeiro, as cassações de Ulisses Borges e Sônia Cordeiro, conduzidas pela Câmara, demonstram a aplicação do Decreto-Lei nº 201/1967 e da Lei nº 8.429/1992, concomitante com Lei orgânica e regimento interno e ao devido processo legal, conforme exigido pela Constituição, art. 5º, LV. Contudo, a dependência de pareceres do TCE-RO indica limitações técnicas da Câmara, que carece de recursos para análises contábeis complexas. Segundo o caso de José Amauri, decidido na esfera eleitoral, evidencia a complementaridade entre os poderes Legislativo e Judiciário, mas também a restrição da Câmara em casos de infrações eleitorais. Terceiro, pressões políticas foram relatadas em todos os casos, com vereadores alinhados ao Executivo tentando obstruir processos, como no arquivamento de CPI em 2014 (atas da Câmara Municipal). Esses desafios reforçam a doutrina de José Afonso da Silva (2018), que destaca a necessidade de independência legislativa para a legitimidade do julgamento político.
Os casos de Jaru ilustram a relevância do julgamento político para a responsabilização de gestores, mas também expõem seus limites. A conformidade com normas constitucionais e legais (CF, art. 31; Decreto-Lei nº 201/1967) garante a legitimidade das cassações, mas a falta de capacitação técnica e a influência política comprometem a eficácia do processo. Comparativamente, municípios como Campinas (SP) mitigam esses desafios com comissões técnicas permanentes e portais de transparência (Santos, 2020). Para Jaru, propõe-se: (1) treinamento de vereadores em análise contábil e jurídica; (2) Cursos e palestra de técnicos do Tribunal de Contas; e (3) audiências públicas para aumentar a participação cidadã. Essas medidas alinham-se à doutrina de Celso Antônio Bandeira de Mello (2021), que enfatiza a fundamentação técnica como requisito para decisões administrativas legítimas.
Uma crítica, o Ministério Público considerado como fiscal da lei, ao fazer o levantamento de indícios de irregularidades por gestores, vereadores e prefeitos, deveria ao término na apuração, se encontrado elementos suficientes, meios de provas, não só propor ação civil pública na esfera judicial, mas, encaminhar no que for possível ou aplicável, dentro da esfera para crimes políticos, para apuração e providencias legislativa tendo a câmara de vereadores órgão de fiscalização.
CONCLUSÕES
O artigo científico sobre os limites do julgamento político no âmbito do Poder Legislativo Municipal de Jaru oferece uma análise profunda e necessária sobre um mecanismo essencial à democracia local, destacando sua relevância para a fiscalização e responsabilização de gestores públicos. A conclusão que se extrai do estudo enfatiza a importância de um exercício ético, imparcial e tecnicamente fundamentado do julgamento político, especialmente ao se considerar a necessidade de evitar a troca de favores entre os poderes Executivo e Legislativo municipal, prática que corrompe e compromete a independência e a legitimidade do controle democrático. Em questão de mérito, devemos destacar e reconhecer o papel das Câmaras Municipais como guardiãs da accountability na gestão pública, ao fiscalizar contas públicas e apurar irregularidades, como atos de improbidade administrativa. Essa função fortalece a democracia ao garantir que os gestores municipais sejam responsabilizados por desvios que prejudiquem a coletividade, promovendo transparência e reforçando a confiança da sociedade nas instituições locais.
O artigo destaca que o julgamento político, quando conduzido com rigor ético, é um pilar para a manutenção da moralidade administrativa, assegurando que os interesses públicos prevaleçam sobre os privados. A ética do agente político é um elemento fundamental para as condutas do agente, especialmente no que tange à necessidade de evitar influências indevidas entre o Legislativo e o Executivo. A troca de favores, como alianças políticas que comprometem a imparcialidade dos vereadores, representa um risco significativo à legitimidade do julgamento político.
O estudo sublinha que a independência do Legislativo é fundamental para que os processos de fiscalização e cassação de mandatos sejam percebidos como justos e não como instrumentos de retaliação ou favorecimento político. Essa independência exige que os vereadores atuem com base em critérios técnicos e legais, livres de pressões externas ou interesses partidários, garantindo que as decisões reflitam o compromisso com o bem comum.
Além disso, o trabalho evidencia que a condução ética do julgamento político depende do respeito a princípios constitucionais, como o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa. Esses princípios são essenciais para proteger os direitos fundamentais dos agentes públicos investigados, evitando abusos de poder e assegurando que as sanções aplicadas sejam proporcionais e justificadas. A ausência de trocas de favores entre os poderes reforça a credibilidade dessas decisões, pois demonstra que o Legislativo atua com imparcialidade, sem ceder a pressões ou acordos que possam comprometer a justiça do processo.
Outro aspecto relevante é a proposta de profissionalização e transparência nas investigações legislativas. A capacitação técnica dos vereadores e a cooperação com órgãos especializados, como os Tribunais de Contas, são medidas que elevam a qualidade das decisões e minimizam o risco de interferências indevidas. A transparência, por sua vez, fortalece a participação cidadã, permitindo que a sociedade acompanhe e fiscalize o trabalho da Câmara, o que é essencial para evitar conluios entre Executivo e Legislativo. A promoção de audiências públicas, sugerida como uma forma de envolver a comunidade, reflete um compromisso ético com a inclusão e a democracia participativa, garantindo que o julgamento político seja percebido como um processo legítimo e alinhado aos interesses coletivos.
Em suma, o artigo contribui significativamente para o debate sobre o julgamento político, destacando sua importância como ferramenta de controle democrático, mas alertando para os desafios éticos impostos pela relação entre os poderes municipais. A rejeição de práticas como a troca de favores é crucial para assegurar que o Legislativo exerça sua função com independência, imparcialidade e responsabilidade. Ao propor maior profissionalização, transparência e participação cidadã, o estudo aponta caminhos para fortalecer a democracia local, consolidando um modelo de governança que priorize a ética, a justiça e o respeito aos princípios democráticos. Assim, o trabalho não apenas enriquece a reflexão acadêmica, mas também oferece diretrizes práticas para uma atuação legislativa que honre os valores do Estado de Direito e promova uma gestão pública verdadeiramente comprometida com o interesse público.
O julgamento político pela Câmara Municipal é fundamental para a fiscalização do executivo e a responsabilização de agentes públicos, mas seus limites são impostos pela Constituição, por leis como a nº 8.429/1992 e o Decreto-Lei nº 201/1967, e por princípios como o devido processo legal e a separação de poderes. A análise de casos práticos, como os de Jaru (RO), e a jurisprudência do STF e STJ destacam a necessidade de profissionalização e transparência para garantir a legitimidade do processo. Este estudo contribui para o aprimoramento do controle político municipal, fortalecendo a democracia local.
REFERÊNCIAS
BRASIL. CONSTITUIÇÃO DA REPUBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm Acesso em: 05 de maio de 2025. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 4 abr. 1988.
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[1] Doutorando em Direitos Humanos e Desenvolvimento da Justiça, Mestre em Direito e Sociologia, Bacharel em Direito e Ciências Contábeis, Bacharelando em Teologia.
acadêmico de Direito pela Faculdade de Educação de Jaru -FIMCA/UNICENTRO
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, JOSÉ AUGUSTO DA. Limites de julgamento político no âmbito do poder legislativo municipal de Jaru Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 nov 2025, 04:54. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/69891/limites-de-julgamento-poltico-no-mbito-do-poder-legislativo-municipal-de-jaru. Acesso em: 13 dez 2025.
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