O STJ possui uma jurisprudência pacífica no sentido de que o crime de desobediência (art. 330 do CP) exige, para sua configuração, a inexistência de sanção administrativa ou civil específica para a conduta geradora da desobediência, cita-se um precedente do STJ no qual se invoca o princípio da ultima ratio:
Em atenção ao princípio de intervenção mínima do Direito Penal –ultima ratio -, esta Corte tem entendido que, para configurar o crime de desobediência (art. 330 do Código Penal), não basta odescumprimento de ordem legal emanada por funcionário público competente, é indispensável que inexista sanção administrativa ou civil determinada em lei específica no caso de descumprimentodo ato. (STJ, Quinta Turma, HC 348.265/SC, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 18/08/2016
No caso em análise, como estamos abordando o ato de descumrprir umembargo ambiental, temos que na Legislação Federal já se encontra tipificada uma multa administrativa em desfavor do cidadão, vejamos o teor do art. 79 do Decreto 6.514/2008, que dispõe: “Descumprir embargo de obra ou atividade e suas respectivas áreas: multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais) a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais).”
Logo, a aplicação cumulativa do art. 330 do CP com a já mencionada multa administrativa configura nítido bis in idem, hipótese repelida pela doutrina e jurisprudência.
Guilherme de Souza Nucci ensina:
“Se, pela desobediência de tal ou qual ordem oficial, alguma lei comina determinada penalidade administrativa ou civil, não se deverá reconhecer o crime em exame, salvo se a dita lei ressalvar expressamente a cumulativa aplicação do art. 330.” (NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado, 19ª edição, revista, atualizada e ampliada, Forense, 2019, p. 1491).
Cezar Roberto Bitencourt reforça:
“Quando a lei extrapenal comina sanção civil ou administrativa, e não prevê cumulação com o art. 330 do CP, inexiste crime de desobediência.” (BITENCOURT, Cezar Roberto. Código Penal Comentado. 4ª ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 1115).
Victor Eduardo Rios Gonçalves explica:
“De acordo com a jurisprudência, se alguma norma civil ou administrativa comina sanção dessa natureza (civil ou administrativa) para um fato que poderia caracterizar “crime de desobediência”, mas deixa de ressalvar sua cumulação com a pena criminal, não pode haver a responsabilização penal” (GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Dos Crimes Contra os Costumes aos Crimes Contra a Administração, 11ª Ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2007, p. 154)
STF (HC) 88452:
EMENTA: HABEAS CORPUS. CRIME DE DESOBEDIÊNCIA. ATIPICIDADE. MOTORISTA QUE SE RECUSA A ENTREGAR DOCUMENTOS À AUTORIDADE DE TRÂNSITO. INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que não há crime de desobediência quando a inexecução da ordem emanada de servidor público estiver sujeita à punição administrativa, sem ressalva de sanção penal. Hipótese em que o paciente, abordado por agente de trânsito, se recusou a exibir documentos pessoais e do veículo, conduta prevista no Código de Trânsito Brasileiro como infração gravíssima, punível com multa e apreensão do veículo (CTB, artigo 238). Ordem concedida. (STF, HC 88452, Relator(a): EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 02-05-2006, DJ 19-05-2006 PP-00043 EMENT VOL-02233-01 PP-00180 RTJ VOL-00200-03 PP-01337 RT v. 95, n. 851, 2006, p. 469-472 REVJMG v. 57, n. 176/177, 2006, p. 476-479)
STJ - RHC n. 14.341/PR:
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. FERTILIZANTES. ATIVIDADE DE MANIPULAÇÃO DE PRODUTOS QUÍMICOS TÓXICOS. FALTA DE AUTORIZAÇÃO DO ÓRGÃO DE PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE. CRIME AMBIENTAL DO ART. 56 DA LEI N.º 9.605/98. IMPLEMENTAÇÃO DE SANÇÕES ADMINISTRATIVAS. DESRESPEITO AO EMBARGO DO IBAMA. CRIME DE DESOBEDIÊNCIA NÃO CONFIGURADO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.
(...)
2. Inexiste o crime de desobediência se para o descumprimento da ordem legal há previsão legislativa de sanção civil ou administrativa, salvo se há expressa admissibilidade da cumulação das sanções extrapenal e penal. Precedentes. (STJ, RHC n. 14.341/PR, relatora Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 26/10/2004, DJ de 29/11/2004, p. 349.)
Portanto, em respeito à vedação ao Bis In Idem, bem como considerando que o Direito Penal é a última escolha para a pacificação dos litígios, não há dúvidas de que o descumprimento de embargo ambiental imposto por funcionário público deve ser punido unicamente pela multa administrativa de R$ 10.000,00 (dez mil reais) a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), não havendo justa causa e tipicidade penal em desfavor do autuado pelo órgão ambiental competente.
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