Resumo: A inclusão das tarifas de uso do sistema de transmissão (TUST) e de distribuição (TUSD) na base de cálculo do ICMS sobre a energia elétrica figura entre as mais relevantes controvérsias tributárias da atualidade. O tema envolve não apenas questões constitucionais e infraconstitucionais, mas também relevantes impactos econômicos e sociais. Este artigo analisa a evolução jurisprudencial no Superior Tribunal de Justiça (STJ), a alteração legislativa promovida pela Lei Complementar nº 194/2022 e a suspensão de seus efeitos pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Por fim, examina-se o direito do consumidor à restituição dos valores pagos indevidamente e as perspectivas de pacificação da controvérsia.
Palavras-chave: ICMS; TUSD; TUST; energia elétrica; restituição; consumidor.
1. Introdução
A tributação incidente sobre a energia elétrica tem sido objeto de intensos debates jurídicos, sobretudo em razão do impacto direto na economia dos consumidores. Entre os pontos mais discutidos, destaca-se a controvérsia sobre a inclusão das tarifas de uso do sistema de transmissão (TUST) e de distribuição (TUSD) na base de cálculo do ICMS.
O núcleo da discussão está em saber se tais tarifas, que remuneram o uso da infraestrutura de transmissão e distribuição, podem ser equiparadas ao preço da mercadoria (energia elétrica) para fins de tributação. A resposta a essa questão determinou um cenário de oscilação jurisprudencial, disputas legislativas e impactos bilionários para os Estados e consumidores.
2. O Cenário da Discussão: O que são TUSD e TUST?
O fornecimento de energia elétrica envolve três etapas: geração, transmissão e distribuição.
- TUST (Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão): remunera o transporte da energia das usinas geradoras até as redes de distribuição.
- TUSD (Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição): remunera o uso da infraestrutura que leva a energia até o consumidor final.
Ambas possuem natureza de contraprestação pelo uso da rede (“fio”) e não se confundem com o valor da energia consumida. Por isso, os contribuintes sempre defenderam que não deveriam compor a base de cálculo do ICMS, cujo fato gerador é a circulação da mercadoria — a energia elétrica efetivamente utilizada.
3. A Jurisprudência do STJ: Da exclusão à inclusão (Tema 986)
Historicamente, o STJ mantinha posição favorável ao contribuinte, fundamentada na Súmula 166 (“não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte”).
Contudo, em março de 2024, a Primeira Seção, no julgamento dos REsp 1.692.023/MT, 1.699.851/TO e 1.734.946/SP (Tema 986), fixou tese em sentido contrário:
Tese Repetitiva (Tema 986): “A Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão (TUST) e/ou a Tarifa de Uso de Distribuição (TUSD), quando lançada na fatura de energia elétrica, como encargo a ser suportado diretamente pelo consumidor final (seja ele livre ou cativo), integra, para os fins do art. 13, § 1º, II, ‘a’, da LC 87/1996, a base de cálculo do ICMS.”
Houve modulação para proteger contribuintes que, até 27 de março de 2017, possuíam decisões judiciais favoráveis ainda vigentes.
4. A Virada Legislativa: Lei Complementar nº 194/2022
Em paralelo, o Congresso Nacional aprovou a LC nº 194/2022, que alterou a Lei Kandir para excluir expressamente da base de cálculo do ICMS os serviços de transmissão, distribuição e encargos setoriais relacionados à energia elétrica.
Essa norma parecia pacificar a questão em favor dos consumidores. Entretanto, sua constitucionalidade foi questionada na ADI 7195, oportunidade em que o Ministro Luiz Fux concedeu liminar (posteriormente confirmada pelo Plenário do STF), suspendendo a eficácia do dispositivo até julgamento definitivo.
5. O Direito à Restituição e a Legitimidade do Consumidor
Apesar das oscilações, persiste o direito dos consumidores à restituição dos valores pagos indevidamente no período em que a jurisprudência lhes era favorável.
O STJ já pacificou que o consumidor final é parte legítima para ajuizar ação de repetição de indébito (Tema 537 – REsp 1.299.303/SC). Em casos recentes, como o AgInt no AgInt no AREsp 2440745/RS (2024), a Corte reafirmou a inaplicabilidade do art. 166 do CTN, permitindo a restituição direta pelo consumidor, que é quem suporta o ônus financeiro.
Assim, o consumidor pode requerer judicialmente a devolução dos valores pagos nos últimos cinco anos, conforme o prazo prescricional estabelecido pelo CTN.
6. Conclusão e Perspectivas
O cenário atual pode ser resumido da seguinte forma:
- Judicialmente (STJ – Tema 986): a regra é a inclusão de TUSD/TUST na base de cálculo do ICMS, com modulação restritiva.
- Legislativamente (LC 194/2022): a regra é a exclusão, mas sua eficácia está suspensa pelo STF. A definição final dependerá do julgamento de mérito da ADI 7195, pelo Supremo Tribunal Federal. Até lá, permanece a insegurança jurídica.
Entretanto, os consumidores podem buscar no Judiciário não apenas a exclusão futura, mas também a restituição de valores pagos indevidamente no passado, reforçando o papel do sistema de justiça na proteção do contribuinte frente à tributação excessiva.
Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988.
BRASIL. Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172/1966).
BRASIL. Lei Complementar nº 87/1996 (Lei Kandir).
BRASIL. Lei Complementar nº 194/2022.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Tema Repetitivo nº 986 (REsp 1.692.023/MT, 1.699.851/TO, 1.734.946/SP).
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Tema Repetitivo nº 537 (REsp 1.299.303/SC).
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Súmula nº 166.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. EDcl no AgRg no REsp 1359399/MG.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. AgInt no AgInt no AREsp 2440745/RS, 2024.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ADI 7195/DF, Rel. Min. Luiz Fux.
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