RESUMO: O acréscimo de funções a cargo do Estado, promovido durante o período do Estado Social de Direito, acarretou um esgotamento dos recursos governamentais para realização de infraestrutura e prestação de serviços públicos, o que contribuiu para a transição do modelo estatal para o Estado Democrático de Direito, possibilitando uma participação do cidadão nas atividades estatais. A partir de então, uma onda de privatizações ocorreu, especialmente a partir da década de 80, surgindo diversos instrumentos de parceria entre o setor público e o privado. A Lei 11.079/2004, que institui as Parcerias Público-Privadas no âmbito federal, surgiu como uma nova alternativa para atender a demanda de desenvolvimento socioeconômico do País, aumentando o rol de situações onde é possível delegar ao parceiro privado atribuições típicas de interesse público. Imprescindível se faz, portanto, uma análise a respeito da delegabilidade das atividades estatais por meio de Parcerias Público-Privadas, especialmente no que se refere à prestação de serviços públicos, prezando-se pela proteção aos direitos fundamentais dos cidadãos, o qual deve prevalecer sobre os interesses privados. Para que a Lei 11.079/2004 atinja os objetivos proclamados, necessário a observância de cuidados e limites na contratação, mantendo-se uma preocupação para que o desenvolvimento socioeconômico do país ocorra, sobretudo, de forma sustentável.
Palavras-chave: Parceria Público-Privada. Serviço Público. Desenvolvimento Sócioeconômico. Interesse Público. Sustentabilidade.
ABSTRACT: The inclusion of duties under the responsibility of the State performed during the Social Rule of Law term caused an exhaustion of governmental resources for the development of infrastructure and provision of public services, what contributed for the transition of the State model to the Democratic Rule-of-Law State, allowing the participation of citizens in the State activities. From them on, there was a series of privatizations, especially from the 1980‘s on, with the appearance of several instruments of association between the public and private sectors. Law n° 11.079/2004, which created Public Private Partnership within the Federal sphere, appeared as a new alternative to meet the demand of the socioeconomic development of the Country, increasing the list of situations where it is possible to assign to a private partner typical duties of public interest. It is critical, thus, an analysis with regard the possibility of assigning State activities through Public Private Partnership, especially with regard to the provision of public services, providing due care for the protection of the critical rights of citizens, which shall prevail over the private interests. In order Law n°. 11.079/2004 can reach the claimed objectives, it is required the compliance with cares and limits upon hiring, keeping a concern so the socioeconomic development of the country occurs, mainly, in a sustainable manner.
Key Words: Public Private Partnership. Public Service. Socioeconomic Development. Public Interest. Sustainability.
1. INTRODUÇÃO
A Constituição Brasileira de 1988 estabeleceu as fundações de um Estado Democrático de Direito, cujo dever fundamental é garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e reduzir as desigualdades sociais, tendo a dignidade da pessoa humana como seu norte principal. Contudo, a concretização desses objetivos enfrenta um desafio histórico: a crescente demanda por serviços públicos e a notória incapacidade do Estado de supri-la integralmente.
Vivemos em uma sociedade em constante transformação. Em duas décadas, a internet tornou-se um serviço essencial; escolas e hospitais hoje exigem investimentos maciços em tecnologia e equipamentos modernos, muito além da simples alocação de professores ou médicos. Esse cenário de rápidas mudanças e demandas complexas expôs a insuficiência de recursos públicos e a rigidez da estrutura organizacional do Estado.
Historicamente, o serviço público é o instrumento pelo qual o Estado atua para concretizar direitos fundamentais. Diante da sua incapacidade de prestar todos os serviços de forma direta e eficiente, o contrato de concessão comum (regido pela Lei 8.987/95) surgiu como uma primeira alternativa, delegando à iniciativa privada a prestação de serviços que se mostravam economicamente atrativos.
No entanto, essa solução deixou uma lacuna: o que fazer com os serviços essenciais que não geram lucro suficiente para atrair o interesse privado? Projetos de infraestrutura básica, saneamento em áreas carentes ou hospitais públicos permaneciam à espera de um orçamento estatal cronicamente deficitário.
É nesse contexto que emerge a Lei 11.079/2004, que institui as Parcerias Público-Privadas (PPPs). Este novo marco legal se apresenta como uma alternativa vital para o crescimento econômico, buscando suprir as carências sociais e econômicas do país através da colaboração estruturada entre o setor público e o privado.
Este artigo, baseado na dissertação de Mosquetti (2010), analisa a contribuição desta lei para o desenvolvimento do país, focando em sua adequabilidade para a delegação da prestação de serviços públicos e os limites necessários para assegurar que o interesse público e os direitos fundamentais prevaleçam sobre os interesses privados.
2. DESENVOLVIMENTO
O surgimento das PPPs não é um evento isolado, mas o resultado de uma profunda transformação na própria concepção do Estado e na sua relação com o Direito e a sociedade.
2.1 A TRANSFORMAÇÃO DO MODELO DE ESTADO
O Direito não é uma ciência estática; ele deve se adaptar à realidade social para manter sua vigência. Como aponta a dissertação fonte, "a norma é a que 'se encontra em vigor'", e ela só produz efeitos se "alcançar a realidade dos dias de hoje". O Direito Administrativo, em particular, vive em constante mutação para que seus institutos possam concretizar os interesses da sociedade.
A história recente demonstra uma clara evolução dos modelos de Estado. O Estado Liberal do século XIX caracterizava-se pela intervenção mínima, restrita à segurança e defesa, mas este modelo mostrou-se desastroso, gerando monopólios e acentuadas desigualdades sociais, falhando em prover serviços essenciais. Em resposta ao colapso liberal, surgiu o Estado Social no século XX, no qual o Estado assume um papel de provedor, também conhecido como Welfare State. Nesse modelo, a noção de serviço público se amplia drasticamente para incluir atividades comerciais, industriais e a garantia de direitos sociais como saúde e educação, e o Estado torna-se onipresente. Contudo, ocorreu o esgotamento do Estado Social, pois a expansão maciça de atribuições, de forma muitas vezes desorganizada, levou este modelo ao seu limite. A máquina pública tornou-se excessivamente onerosa, burocrática e ineficiente, incapaz de arcar sozinha com todas as atividades que assumiu. Este é o modelo atual, o Estado Democrático de Direito, vigente após 1988, que surge da crise do Estado Social. Ele se caracteriza por uma redução do protagonismo do Estado como executor direto, enfatizando o princípio da subsidiariedade. O Estado passa então a atuar mais como regulador, fomentador e fiscalizador, abrindo espaço para a parceria entre o público e o privado e buscando a eficiência na gestão. É a partir dessa Reforma do Estado e da busca pela eficiência, um princípio constitucional, que se consolidam os instrumentos de delegação.2.2 O Serviço Público e a Tensão da Delegação
No novo modelo estatal, a noção de "serviço público" precisou ser redefinida. Não se trata de toda e qualquer atividade estatal. O serviço público, no contexto da Constituição de 1988, é o instrumento por excelência para a concretização dos direitos fundamentais e a realização da dignidade da pessoa humana.
Conforme a análise da dissertação, a noção de serviço público é histórica e temporal; ela se adapta para refletir as necessidades básicas da população em determinado momento. Hoje, o Estado reconhece que não pode prestar todos esses serviços essenciais diretamente.
A delegação à iniciativa privada torna-se, assim, uma necessidade. Contudo, ela gera uma tensão fundamental: como delegar um instrumento de direitos fundamentais a um ente privado, cujo objetivo primário é o lucro, sem comprometer o interesse público?
A resposta está nos limites. A Lei 11.079/2004, em seu artigo 4º, inciso III, é clara ao estabelecer a indelegabilidade das funções exclusivas do Estado, como as funções de regulação, jurisdicional e o exercício do poder de polícia. A delegação se restringe à execução material e gestão do serviço, jamais ao poder de decisão soberano do Estado.
2.3 A LEI 11.079/2004 COMO INSTRUMENTO DE DESENVOLVIMENTO
A "concessão comum" (Lei 8.987/95) foi o primeiro grande instrumento de delegação dessa nova fase. Nela, o particular assume o risco do negócio e é remunerado diretamente pela tarifa paga pelo usuário (ex: pedágios, telefonia). O problema, como mencionado, é que ela só funciona para serviços lucrativos.
A Lei 11.079/2004 (Lei das PPPs) foi criada especificamente para viabilizar projetos de infraestrutura e serviços essenciais que não são autossustentáveis. Ela o faz criando duas novas modalidades contratuais:
a) Concessão Patrocinada: Utilizada para serviços públicos que possuem cobrança de tarifa, mas esta tarifa não é suficiente para cobrir os custos e remunerar o parceiro privado. O Estado, então, "patrocina" o serviço, complementando a receita com uma contraprestação pública.
b) Concessão Administrativa: Utilizada quando a Administração Pública é a usuária direta ou indireta do serviço, ou quando não é possível ou desejável a cobrança de tarifa do cidadão (ex: construção e gestão de hospitais públicos, presídios, sistemas de iluminação pública). Neste caso, o parceiro privado é remunerado integralmente pelo Poder Público.
Ao criar esses mecanismos de compartilhamento de custos e riscos, a Lei das PPPs tornou viável atrair o capital privado para setores cruciais, antes negligenciados, impulsionando diretamente o desenvolvimento socioeconômico e a capacidade do Estado de cumprir seu mandato constitucional.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
As Parcerias Público-Privadas, instituídas pela Lei 11.079/2004, representam uma evolução necessária e um instrumento vital para o Estado Democrático de Direito brasileiro. Elas surgem como resposta direta ao esgotamento do modelo de Estado provedor, oferecendo uma alternativa viável para financiar e executar obras de infraestrutura e serviços públicos essenciais que, de outra forma, não seriam realizados.
O objetivo central desses contratos não é meramente a construção de uma obra ou a prestação de um serviço, mas sim a promoção do desenvolvimento socioeconômico sustentável, conforme preceitua a Constituição de 1988. As PPPs são um meio para que o Estado consiga entregar à população os seus direitos fundamentais, como saúde, educação e transporte de qualidade.
Contudo, este instrumento não é uma panaceia e exige cautela. O sucesso da Lei 11.079/2004 depende fundamentalmente da observância de "cuidados e limites na contratação". A Administração Pública deve zelar para que o interesse público prevaleça incondicionalmente sobre os interesses privados, garantindo que a delegação não signifique a abdicação de suas responsabilidades.
A análise da delegabilidade das atividades estatais, especialmente na prestação de serviços públicos, deve ser rigorosa, protegendo sempre as funções exclusivas do Estado e os direitos fundamentais dos cidadãos. Somente com transparência, regulação eficaz e um compromisso com a sustentabilidade, as Parcerias Público-Privadas poderão, de fato, atingir seus objetivos proclamados e contribuir para um desenvolvimento nacional justo e duradouro.
REFERÊNCIAS:
DI PIETRO, Maria Silvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Forense, 2025.
DO AMARAL, Antônio Carlos Cintra. Concessão de Serviço Público. [S.l.]: Quartier Latin, 2012.
FILHO, Marçal Justen. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2006.
graduando em Direito. Assistente jurídico .
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SAMPAIO, GABRIEL CANNIZZA PELLON. Parcerias Público-Privadas: Instrumento de Delegação de Serviços Públicos e Fomento ao Desenvolvimento Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 nov 2025, 04:08. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/69877/parcerias-pblico-privadas-instrumento-de-delegao-de-servios-pblicos-e-fomento-ao-desenvolvimento. Acesso em: 12 nov 2025.
Por: DAVID FURTADO DE PAIVA
Por: DAVID FURTADO DE PAIVA

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