RESUMO: As agências reguladoras tiveram origem na década de 1990, no processo de modernização do Estado, advindas da transferência dos serviços públicos à iniciativa privada através das Concessões e Permissões de serviços públicos. Inicialmente estas agências reguladoras foram criadas através de leis esparsas e específicas para cada uma, causando divergências na forma de condução e gestão de recursos financeiros, administrativos e técnicos entre agências reguladoras. Com o desenvolvimento e o avanço das concessões e dos serviços prestados, surgiu a necessidade da evolução do modelo regulatório, de padronização e uniformização das normas e também a criação de medidas que visassem a proteção da autonomia financeira, administrativa, técnica e decisória das autarquias especiais, bem como, a tecnicidade de suas decisões e atos normativos. Com o advento da Lei Federal nº 13.848/2019 foi possível além de promover a autonomia das agências reguladoras, estabelecer critérios técnicos para a indicação dos seus dirigentes, prezando pela segurança jurídica e pela não interferência político partidária, fortalecendo a gestão, além da instituição legal da participação social e de transparências nas decisões, na gestão e no planejamento plurianual de suas atividades. O presente artigo cientifico, apresenta ainda, os impactos da Lei nº 13.848/2019 nas agências reguladoras no âmbito municipal, que não dispõe muitas vezes de estrutura adequada para o cumprimento da referida norma, pela escassez em muitos casos de recursos financeiros e principalmente de recursos humanos e tecnicidade necessária.
Palavras-chave: Agências reguladoras. Lei 13848/2019. Lei geral das agências reguladoras. Inovações regulatórias. Análise de impacto regulatório. Autarquias especiais.
INTRODUÇÃO
As Agências Reguladoras são autarquias especiais criadas com a finalidade de regular e fiscalizar a atuação de empresas privadas, prestadoras de serviços públicos cuja execução foi transferida à iniciativa privada por delegação, decorrentes de processos de concessão ou permissão.
Destaca-se que mesmo nas concessões de serviços públicos, o Poder Público permanece com a titularidade do serviço público, porém a execução é delegada a um particular que a assume em seu nome, por conta e risco. A atividade é exercida por agentes técnicos privados, mas continua submetida ao regime jurídico-administrativo.
No Brasil, a criação das Agências Reguladoras foi intensificada na década de 1990, com o processo de reforma do Estado, cujo objetivo era de reduzir a intervenção do Estado na economia, bem como, através das agências reguladoras, criar de um ambiente regulatório para o acompanhamento dos serviços concedidos, de forma eficiente e técnica.
Esta atribuição de regular e fiscalizar os contratos de Concessão de serviços públicos foi estabelecida no Art. 3º da Lei 8.987/1995, porém, as Agências Reguladoras foram sendo criadas utilizando-se de legislações esparsas, sem qualquer uniformidade, marcada por lacunas legislativas, gerando insegurança jurídica e comprometendo sua autonomia e eficiência.
Em 2019, com o advento da Lei nº 13.848/2019, buscou-se uniformizar a criação e atuação das Agências Reguladoras, padronizando seu funcionamento garantindo maior estabilidade regulatória e ampliando a participação social no processo decisório.
Além da uniformização pretendida pelos legisladores, o novo diploma legal trouxe também consideráveis avanços principalmente no que tange a autonomia das agências reguladoras, buscando torna-las mais técnicas e com menos influência política em suas decisões e atos normativos.
Este artigo visa analisar as principais mudanças introduzidas pela Lei nº 13.848/2019, e discutir seus impactos, especialmente no contexto das agências reguladoras municipais.
METODOLOGIA
Este artigo se baseia em uma análise qualitativa da legislação aplicável às agências reguladoras, especialmente a Lei nº 13.848/2019, dando ênfase aos impactos das mudanças implementadas pela Lei nas agências reguladoras de âmbito geral, bem como dar ênfase nos impactos das mudanças legais para as agências reguladoras de âmbito municipal, além de uma revisão bibliográfica de doutrinas e de textos acadêmicos que tratam do tema. A abordagem adotada é dedutiva, partindo-se de um panorama geral das inovações legais e seu impacto no cenário regulatório brasileiro.
1 A HISTÓRIA DAS AGÊNCIAS REGULADORAS NO BRASIL
Originadas no ambiente de reforma do aparelho do estado, no final da década de 1990 com o início do Programa Nacional de Desestatização, manifesto na Lei Federal nº 8.031/1990, que foi determinante no processo de redução da intervenção estatal na economia, com a privatização de empresas públicas e através das Emendas Constitucionais nº 5/95 (Concessão de Gás Canalizado), nº 8/95 (Concessão serviços telecomunicações), nº 9/95 (extinguiu o monopólio da Petrobrás) e de setores como da energia elétrica, dentre outros, as Agências Reguladoras tornaram-se necessárias para que o Estado pudesse exercer a regulação e a fiscalização da atuação as empresas privadas na prestação de serviços públicos.
Nesse sentido, Luiz Carlos Bresser Pereira[1], o idealizador da Reforma Gerencial brasileira, buscava-se a afirmação da cidadania no Brasil, estabelecendo-se formas modernas de gestão que permitiriam o atendimento democrático das demandas da sociedade, de forma a contribuir para tornar mais efetiva a garantia dos direitos sociais por parte do Estado.
Historicamente, devemos destacar que diferentemente do conceito inicialmente demonstrado, já exerciam a atividade regulatória, mesmo que em uma perspectiva diversa das Agências Reguladoras, órgãos como o Banco Central (Bacen), a Superintendência de Seguros Privados (SUSEP) e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
Com o advento da Lei nº 8.884/94 que transformou o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) em autarquia, com mandato fixo de seus dirigentes e consequentemente o fortalecimento dos poderes do órgão para o controle das fusões e aquisições, gerou-se um avanço no processo de criação das Agências Reguladoras no Brasil, com a melhoria do mercado por meio da regulação e da universalização de serviços e produtos, via estabelecimento de metas e aprimoramento dos contratos de Concessão de serviços públicos ou regulação de tarifas.
Desta forma, o modelo brasileiro de Agências Reguladoras foi tomando forma, mesmo que criadas por meio de leis específicas, com regras e estruturas que variavam conforme o setor regulado, ou seja, cada agência tinha sua própria norma de criação, o que implicava em graus variados de autonomia, independência e mecanismos de controle.
Para corroborar com a afirmação acima, trazemos para exemplificar, a Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), que foi criada pela Lei 9.472/1997, e a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), pela Lei 9.427/1996. Ambas tinham objetivos específicos para regular seus respectivos setores, mas não havia uma padronização legal que garantisse a homogeneidade de princípios como autonomia ou transparência. Isso gerava inconsistências tanto no grau de independência dessas agências quanto na forma como eram conduzidos os processos de fiscalização e regulação.
Ainda nesse contexto, foram criadas à época em âmbito federal, a Agência Nacional de Petróleo – ANP (Lei nº 9478, de 06/08/97), Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA (Lei nº 9782, de 26/01/99) e Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS (Lei nº 9961, de 28/01/2000) e Agência Nacional de Águas – ANA (Lei nº 9984, de 17/07/2000).
2 O QUE É CONCESSÃO/PERMISSÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS?
É comum ligar-se o termo concessão à privatização, porém, diferentemente da privatização em seu sentido estrito, ao contrário da privatização que transfere ativos e a propriedade de empresas públicas a iniciativa privada, no caso na concessão de serviços públicos é a transferência de serviços que são dever de serem prestados e suportados pelo Estado, para serem prestados por empresas privadas, permanecendo a propriedade do serviço concedido ao Estado e atribuindo temporariamente a gestão do serviço e dos ativos envolvidos a estas empresas privadas, buscando o atendimento a satisfação do interesse público.
Desta forma, na concessão de serviços públicos, a titularidade dos serviços permanece com o Estado, sendo sua execução delegada ao particular, que assume temporariamente em seu nome, por conta e risco, a responsabilidade pela prestação dos serviços concedidos, auferindo neste período, rentabilidade pré-estipulada contratualmente pelo serviço prestado.
Segundo Hely Lopes Meirelles[2], serviço público “é todo aquele prestado pela Administração Pública ou por seus delegados, sob normas e controles estatais, para satisfazer necessidades essências ou secundárias da coletividade, ou simples conveniências do Estado.
Desta forma, a empresa privada que assume os respectivos serviços concedidos, fica sujeita a fiscalização do poder concedente, que deve delega-la a um órgão técnico o qual exercerá além do acompanhamento da regularidade e qualidade dos serviços prestados, das metas contratualmente estipuladas e também a proteção dos usuários do serviço e a regulação desta prestação de serviços, surgindo, portanto, as agências reguladoras.
3 CONCEITO DE AGÊNCIA REGULADORA
As Agências Reguladoras são autarquias de regime especial, conforme a própria lei de criação das mesmas, que assim as estabelece, sendo caracterizadas por um conjunto de privilégios específicos que a lei criadora outorga à entidade para a consecução de seus objetivos. Estes privilégios caracterizam-se, basicamente, pela estabilidade de seus dirigentes, autonomia administrativa, financeira e decisória, além do poder normativo:
Estabilidade de seus dirigentes: os administradores possuem mandatos, só podendo ser destituídos por condenação judicial transitada em julgado, improbidade administrativa ou descumprimento injustificado das políticas estabelecidas para o setor;
Autonomia administrativa: possuem administração própria incluindo a ordenação de despesas, aquisições, contratações, gestão plena de seus recursos;
Autonomia financeira: possuem receita própria e liberdade de sua aplicação;
Autonomia decisória: possuem independência decisória, devendo sua diretoria decidir tecnicamente sem a influência ou intervenção político-partidária ou para atender vontades dos poderes executivo e legislativo;
Poder normativo: regulamentam as matérias de sua competência.
Na lição de Hely Lopes Meirelles[3]
A autarquia não age por delegação, age por direito próprio e com autoridade pública, na medida do jus imperii que lhe foi outorgado pela lei que a criou. Como pessoa jurídica de direito público interno, autarquia traz ínsita, para a consecução de seus fins, uma parcela do poder estatal que ele deu vida. Sendo um ente autônomo, não há subordinação hierárquica da autarquia para com a entidade estatal a que pertence, porque, se isto ocorresse, anularia seu caráter autárquico. Há mera vinculação à entidade matriz de que, por isso, passa a exercer, um controle legal, expresso no poder de correção finalístico do serviço autárquico.
Além das características especiais detalhadas acima, é importante frisar que a criação das Agências Reguladoras passa por autorização legislativa, pois mesmo caracterizada como especial, as respectivas Agências são autarquias, devendo sua criação ter prerrogativa de iniciativa do Poder Executivo, conforme previsto nos Artigos 37, XIX e 61, § 1º da Constituição Federal.
Dentre seus principais papéis legalmente estabelecidos, destaca-se o seu papel de regulador e fiscalizador das concessões/permissões de serviços públicos, cabendo às Agências Reguladoras fazer com que os Concessionários e/ou Permissionários ofereçam o serviço adequado aos usuários, zelando pela correta execução do serviço transferido a iniciativa privada, verificando o cumprimento de metas estabelecidas nos contratos de Concessão e/ou Permissão, podendo inclusive intervir ou utilizar da aplicação de sanções aos prestadores de serviços.
As atribuições das agências reguladoras devem resumir-se segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro[4], às funções que o poder concedente exerce nesses contratos:
[...] regulamentar os serviços que constituem objeto da delegação; realizar o procedimento licitatório para escolha do concessionário ou permissionário; celebrar o contrato de concessão ou permissão ou praticar ato unilateral de outorga; definir o valor da tarifa, revisão e reajuste; controlar a execução dos serviços; aplicar sanções; encampar; decretar a caducidade; intervir; fazer a rescisão amigável; fazer a reversão dos bens ao término da concessão; exercer o papel de ouvidor de denúncias e reclamações dos usuários, enfim, exercer todas as prerrogativas do Poder Público na concessão, permissão e autorização.
Ainda, quanto às normas que podem ser editadas, devem ser com o único objetivo de regular a própria atividade da agência reguladora e, essas devem ser de efeitos internos, devendo conceituar, interpretar, sem inovar na ordem jurídica, ou seja, buscar a regulamentação exclusivamente referentes aos contratos de concessão, observando os parâmetros legais, sem ultrapassar matérias de competência do legislador.
Por fim, é fundamental destacar que antes do advento da Lei nº 13.848/2019, a legislação referente ao tema e que criavam as agências reguladoras pecavam pela falta de padronização nos processos de nomeação de diretores e na prestação de suas contas, chegando em muitos casos a situações de nomeações feitas de forma pouco transparente, o que diminuía a confiança pública na imparcialidade das decisões regulatórias
4 PROJETO DE LEI Nº 52/2013 (SENADO FEDERAL) E PROJETO DE LEI Nº 6621/2016 (CÂMARA DOS DEPUTADOS)
Originado da necessidade elencada nos tópicos anteriores, principalmente pela falta de regramento e padronização na criação das agências reguladoras, surgiram tanto através do Senado Federal, em 2013, através do projeto de lei nº 52/2013, intitulado “Lei Geral das Agências Reguladoras” apresentado pelo Senador Eunício Oliveira (PMDB/CE),
O projeto pretendeu oferecer um regramento geral para as agências reguladoras federais, como autarquias de regime especial, com maior autonomia orçamentário-financeira, estabilidade de dirigentes e fortalecimento e ampliação da atividade regulatória.
Importante ressaltar que o Projeto de Lei n° 52/2013 trouxe a definição de competência entre o ministério supervisor – como responsável pela definição da política pública e no Plano de Outorgas – e as Agências Reguladoras como órgãos de execução. Portanto, buscou-se o reforço das competências da Administração Pública direta para que as agências reguladoras que quisessem pelas diretrizes e comandos atribuídos pelos ministérios.
No período de 2013 a 2016, o país passou por um processo conturbado na conjuntura política, e, nesse ambiente, houve um debate amplo e qualificado por técnicos e especialistas que, sob a relatoria do Senador Walter Pinheiro, construíram um texto alternativo na Comissão de Constituição e Justiça. O senador apresentou um substitutivo, que trouxe avanços institucionais e aperfeiçoava mecanismos em direção à maior autonomia financeira e orçamentária das agências reguladoras federais, de maneira a evitar a cooptação político-partidária e o lobby empresarial[5].
O substitutivo continha dispositivos que propunham uma lista tríplice para a escolha dos dirigentes, a criação de listas provisórias de substituição – de maneira a evitar paralisia decisória – e regras mais transparentes na relação entre as agências reguladoras e os órgãos de defesa da concorrência e do consumidor.
Na Comissão Especial de Desenvolvimento Nacional, a relatora Senadora Simone Tebet aprimorou o substitutivo do senador Walter Pinheiro, com alterações específicas nos requisitos de investidura e impedimentos para dirigentes das agências reguladoras, na linha da Lei das Estatais (Lei nº 13.303/2016). Aprovado no Senado Federal, o PLS nº 52/2013 foi encaminhado para a Câmara dos Deputados, em dezembro de 2016 e renumerado como Projeto de Lei nº 6621/2016.
O presidente da Câmara criou comissão especial, instalada em abril de 2018, sob a presidência do Deputado Eduardo Cury e relatoria do Deputado Danilo Forte. A Comissão incluiu a Agência Nacional de Mineração (ANM) e o Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (INMETRO) no objeto da lei, regras de transição para os mandatos dos dirigentes em exercício e correções quanto aos requisitos para investidura no cargo de diretor das agências.
Em 27 de novembro de 2018, o projeto retornou ao Senado Federal para deliberação sobre as alterações da Câmara. O projeto tramitou pela CCJ e CFC, tendo sido aprovado na CCJ o relatório do Senador Antônio Anastasia com a inclusão do INMETRO no rol de agências e confirmada a revogação de dispositivos da Lei das Estatais.
Na Comissão de Fiscalização e Controle - CFC, o relator, Senador Márcio Bittar, divergiu quanto a algumas alterações promovidas pela Câmara no projeto original do Senado.
A existência de divergências entre a CCJ e a CFFC atraiu a deliberação do plenário.
O substitutivo da Câmara foi aprovado em 29 de maio de 2019 e sancionado em 25 de junho. A Lei nº 13.848/2019 foi publicada com veto parcial, que foi mantido pelo Congresso Nacional[6].
Isso porque as Emendas Constitucionais nº 8 e 9, de 1995, constitucionalizaram a criação de autarquias de regime especial com possibilidade de produção de normas jurídicas vinculantes em suas áreas de competência. No entanto, ocorreu uma diversidade de leis específicas tratando do regime jurídico de cada uma das agências reguladoras, com dispositivos conflitantes e assimétricos a outras leis. Embora houvesse a Lei nº 9.986, de 18 de julho de 2000, que tratava do regramento sobre o pessoal das agências reguladoras, era insuficiente para albergar o regime jurídico dessas autarquias em sua totalidade.
Em consequência disso, a Lei Geral das Agências Reguladoras buscou mitigar problemas como a baixa efetividade da regulação nacional – manifesta na falta de clareza – inconsistências normativas, limitação na participação, falhas de implementação e transparência na prestação de contas quanto aos resultados do processo regulatório.
5 PRINCIPAIS MUDANÇAS INTRODUZIDAS PELA LEI Nº 13.848/2019
A Lei nº 13.848/2019 trouxe uma série de inovações importantes para o funcionamento das agências reguladoras no Brasil. A seguir, são detalhadas as principais mudanças, com suas respectivas fundamentações legais.
5.1 INDEPENDÊNCIA ADMINISTRATIVA, TÉCNICA E FINANCEIRA
Um dos aspectos mais importantes da Lei nº 13.848/2019 foi o fortalecimento da autonomia das agências reguladoras, que passou a ser expressamente prevista em seus aspectos administrativos, técnicos e financeiros, como podemos observar no Art. 3º da Lei nº 13.848/2019, senão vejamos:
Art. 3º A natureza especial conferida à agência reguladora é caracterizada pela ausência de tutela ou de subordinação hierárquica, pela autonomia funcional, decisória, administrativa e financeira e pela investidura a termo de seus dirigentes e estabilidade durante os mandatos, bem como pelas demais disposições constantes desta Lei ou de leis específicas voltadas à sua implementação.
Para Egon Bockmann Moreira[7], a concretização da ideia de não subordinação e independência das agências reguladoras passa, necessariamente pela vedação aos recursos hierárquicos impróprios, assim como qualquer forma de eventuais revisões administrativas externas.
Desta forma, podemos identificar conforme abaixo:
Independência Administrativa:
A independência administrativa, garantida pelo Art.3 da Lei nº 13.848/2019, confere as agências reguladoras, autonomia para definir suas próprias estruturas organizacionais e gerir seus recursos humanos de forma independente, o que antes da promulgação da lei, era facilmente alvo de interferências diretas por parte do governo, comprometendo sua capacidade de atuar de maneira isenta. A autonomia administrativa assegura que as agências reguladoras tenham liberdade para gerir sua operação interna, sem interferências externas desnecessárias.
Ainda se encaixam na autonomia administrativa, a prerrogativa de gestão plena, ou seja, cabe tão somente ao comando da autarquia especial, a escolha das formas de gestão, liberdade de contratar obviamente respeitando os princípios da administração pública e a legislação que regulamenta as compras e licitações, evitando assim qualquer interferência do Estado na sua forma de gerir seus recursos.
Independência Técnica:
A independência técnica, prevista no Art. 3 da Lei nº 13.848/2019, busca impedir que as decisões das agências reguladoras sejam influenciadas por interesses políticos ou econômicos, devendo suas decisões serem baseadas única e exclusivamente em critérios técnicos, científicos e legais, assegurando a qualidade e a legitimidade dos atos regulatórios. Essa disposição visa garantir que as agências reguladoras ajam de maneira imparcial e com base em evidências.
Autonomia Financeira:
Por fim, mas não menos importante, a independência financeira, trazida também pelo Art. 3º da Lei nº 13.848/2019, estabelece que as agências reguladoras devem gerir seus recursos de forma autônoma, evitando assim o que ocorria anteriormente a citada lei, que mantinham as agências reguladoras financeiramente dependentes de seu governo, causando a limitação de sua capacidade de planejamento e execução de suas funções de forma eficaz. A partir da Lei nº 13.848/2019, as agências reguladoras passaram a contar com maior previsibilidade orçamentária, o que lhes permite atuar com mais eficiência.
5.2 PROCESSO DE NOMEAÇÃO DE DIRIGENTES
Visando garantir a qualificação técnica dos dirigentes e reduzir a interferência política aos nomeados pelo Poder Concedente, a Lei nº 13.848/2019 introduziu através do Art. 42, um rol de exigências e critérios, conforme podemos verificar:
Estabelecimento de Critérios Técnicos
O Art. 42 da Lei nº 13.848/2019, altera os Artigos 4 e 5 Lei nº 9.986, de 18 de julho de 2000, estabelecendo que os dirigentes das agências reguladoras devem possuir experiência comprovada no setor regulado e formação acadêmica compatível com a função. Importante frisar que anteriormente a Lei, as nomeações eram muitas vezes baseadas em critérios políticos, gerando impacto negativo na eficiência das decisões regulatórias, e colocando muitas vezes a própria função da autarquia especial em descredito perante os usuários do serviço regulado.
Com o advento da nova norma e a exigência de qualificação técnica compatível com a área regulada, elevou-se o nível de expertise dos gestores, consequentemente resultando em decisões mais bem fundamentadas, alinhadas com os critérios técnicos e com as necessidades do serviço regulado.
Entre os critérios trazidos pela Lei nº 13.848/2019 para a indicação pelo Poder Concedente de um dirigente da agência reguladora, estabelece-se que tanto o Presidente, Diretor Presidente, Diretor Geral e demais membros do Conselho Diretor ou da Diretoria Colegiada devem ser brasileiros, indicados pela autoridade maior do Poder Executivo da respectiva esfera pública, nomeados após aprovação pelo Senado Federal, no caso das Agências Reguladoras no âmbito Federal, ou das respectivas Câmaras de acordo com a esfera pública, além de gozarem de reputação ilibada e de notório conhecimento no campo da especialidade da área regulada, devendo ainda atender um dos requisitos das alíneas “a” ”, “b” e “c” do inciso I e, cumulativamente, o inciso II, do artigo em análise, reproduzidos abaixo:
I - ter experiência profissional de, no mínimo:
a) 10 (dez) anos, no setor público ou privado, no campo de atividade da agência reguladora ou em área a ela conexa, em função de direção superior; ou
b) 4 (quatro) anos ocupando pelo menos um dos seguintes cargos:
1. cargo de direção ou de chefia superior em empresa no campo de atividade da agência reguladora, entendendo-se como cargo de chefia superior aquele situado nos 2 (dois) níveis hierárquicos não estatutários mais altos da empresa;
2. cargo em comissão ou função de confiança equivalente a DAS-4 ou superior, no setor público;
3. cargo de docente ou de pesquisador no campo de atividade da agência reguladora ou em área conexa; ou
c) 10 (dez) anos de experiência como profissional liberal no campo de atividade da agência reguladora ou em área conexa; e
II - ter formação acadêmica compatível com o cargo para o qual foi indicado.
Ainda, em complementação aos critérios para indicação dos dirigentes das agências reguladoras, a Lei 13,848/2019 estabeleceu ainda, vedações para as referidas indicações, conforme previsão do Art. 42, que inclui na redação da Lei Federal nº 9.986/2000, o Art. 8-A, conforme abaixo:
“Art. 8º-A. É vedada a indicação para o Conselho Diretor ou a Diretoria Colegiada:
I - de Ministro de Estado, Secretário de Estado, Secretário Municipal, dirigente estatutário de partido político e titular de mandato no Poder Legislativo de qualquer ente da federação, ainda que licenciados dos cargos;
II - de pessoa que tenha atuado, nos últimos 36 (trinta e seis) meses, como participante de estrutura decisória de partido político ou em trabalho vinculado a organização, estruturação e realização de campanha eleitoral;
III - de pessoa que exerça cargo em organização sindical;
IV - de pessoa que tenha participação, direta ou indireta, em empresa ou entidade que atue no setor sujeito à regulação exercida pela agência reguladora em que atuaria, ou que tenha matéria ou ato submetido à apreciação dessa agência reguladora;
V - de pessoa que se enquadre nas hipóteses de inelegibilidade previstas no inciso I do caput do art. 1º da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990;
VI - (VETADO);
VII - de membro de conselho ou de diretoria de associação, regional ou nacional, representativa de interesses patronais ou trabalhistas ligados às atividades reguladas pela respectiva agência.
Parágrafo único. A vedação prevista no inciso I do caput estende-se também aos parentes consanguíneos ou afins até o terceiro grau das pessoas nele mencionadas. ”
Mandatos Fixos e não coincidentes
No mesmo sentido, o Art. 42 da Lei nº 13.848/2019, alterou o Art. 6 da Lei nº 9.986, de 18 de julho de 2000, a duração dos mandatos dos membros da Diretoria Colegiada, trazendo a previsão de mandatos fixos e não coincidentes para os dirigentes das agências reguladoras visa aumentar a estabilidade institucional e impedir que mudanças abruptas na diretoria das agências reguladoras prejudiquem a eficácia dos respectivos órgãos, principalmente no que tange a continuidade dos serviços prestados pela agência reguladora.
Desta forma, os mandatos dos dirigentes das agências reguladoras, segundo a Lei nº 13.848/2019, passam a ser uniformizados para um período de 5 (cinco) anos, vedada a recondução e devendo no primeiro mandato subsequente a aprovação do respectivo diploma legal, ser instituída através de uma escala de vencimentos dos mandatos, a implantação dos mandatos não coincidentes, ou seja, o vencimento dos mandatos e consequentemente a troca dos dirigentes, de forma gradativa, sem que haja a substituição de todos os respectivos dirigentes de uma só vez.
Outro fator que merece relevante destaque, é o reforço dado pelo Art. 45 da Lei nº 13.848/2019, que altera o Art. 9º da Lei nº 9.986, de 18 de julho de 2000, à estabilidade dada aos gestores das agências reguladoras, que não podem ser substituídos ao bel prazer dos agentes políticos ou do Poder Concedente, sendo necessário para que haja sua exoneração, uma série de quesitos como podemos citar:
I - em caso de renúncia;
II - em caso de condenação judicial transitada em julgado ou de condenação em processo administrativo disciplinar;
III - por infringência de quaisquer das vedações previstas no art. 8º-B da Lei nº 13.848/2019 que são:
“Art. 8º-B. Ao membro do Conselho Diretor ou da Diretoria Colegiada é vedado:
I - receber, a qualquer título e sob qualquer pretexto, honorários, percentagens ou custas;
II - exercer qualquer outra atividade profissional, ressalvado o exercício do magistério, havendo compatibilidade de horários;
III - participar de sociedade simples ou empresária ou de empresa de qualquer espécie, na forma de controlador, diretor, administrador, gerente, membro de conselho de administração ou conselho fiscal, preposto ou mandatário;
IV - emitir parecer sobre matéria de sua especialização, ainda que em tese, ou atuar como consultor de qualquer tipo de empresa;
V - exercer atividade sindical;
VI - exercer atividade político-partidária;
VII - estar em situação de conflito de interesse, nos termos da Lei nº 12.813, de 16 de maio de 2013.”
Corroborando com a necessidade exposta de conceder certas garantias aos dirigentes das agências reguladoras, bem como a possibilidade de ingerência política, Heraldo Garcia Vitta[8] trouxe:
Ingerência política sempre haverá. Primeiro, pelo sistema de escolha dos dirigentes das agências reguladoras: no âmbito federal, indicação do Presidente da República, com aprovação do Senado. Depois, essas entidades integram a Administração Pública indireta, portanto se submetem aos ditames (metas, finalidades, meios) estabelecidos nas leis e nos atos administrativos superiores da Administração Pública (Presidência da República e Ministérios, no âmbito federal).
Por fim, é importante destacar também a redução do período de denominado popularmente de “quarentena” que é o período em que o dirigente da Agência Reguladora fica impedido, após o término de seu mandato ou seu desligamento, de exercer ou prestar qualquer serviço no setor regulado pela agência reguladora a qual fez parte, alterando o referido período que era de 4(quatro) meses, para 6(seis) meses.
Sabatina no Senado Federal
Ainda conforme o Art. 36 da Lei nº 13.848/2019, que altera o Art. 5, §1º da Lei nº 9.427, de 26 de dezembro de 1996, reforça o novo diploma legal, que o dirigente indicado pelo Poder Concedente deve ser sabatinado pelo Senado Federal, quando for o caso das agências reguladoras federais, bem como, pelos poderes respectivamente similares por analogia nos casos de agências reguladoras estaduais (Assembleias Legislativas) e nos casos de agências reguladoras municipais, pelas Câmaras Municipais.
A sabatina visa um maior controle social e transparência no processo de escolha dos dirigentes, permitindo que seja avaliado pelo órgão realizador, de forma criteriosa, a qualificação dos indicados, buscando novamente evitar nomeações motivadas por interesses políticos, promovendo uma regulação mais técnica e imparcial.
5.3 PROCESSO DECISÓRIO DAS AGÊNCIAS REGULADORAS
Além dos avanços já citados, destacamos a implementação da obrigatoriedade por parte das agências reguladoras, da análise em suas atividades e a devida adequação entre os meios e os fins, conforme disposto no Art. 4º da Lei nº 13.848/2019, desta forma, a adoção e as propostas de alteração de atos normativos emitidos pelas agências reguladoras, e de interesse geral dos agentes econômicos, consumidores ou usuários dos serviços prestados, deverão ser precedidos da realização de Análise de Impacto Regulatório (Art. 6º da Lei nº 13.848/2019), que deverá conter informações e dados sobre os possíveis efeitos da edição da referida normatização.
Tal implementação vai de encontro com as diretrizes da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), contemplando a Lei nº 13.848/2019, de forma clara as regras sobre a Análise de Impacto Regulatório, ressaltado pela Senadora Simone Tebet[9] quando de seu Parecer da Comissão Especial de Desenvolvimento Nacional, que citou: “identificado que as agências reguladoras federais nem sempre adotam regras transparentes e uniformes sobre esse procedimento, em que os custos e benefícios das medidas regulatórias deverão ser avaliados”.
A implementação das AIRs (Análises de Impacto Regulatório) torna a edição de normas pelas agências reguladoras ainda mais técnicas, minimizando e mitigando os impactos que as edições das respectivas normas poderão a vir causar diretamente aos envolvidos.
5.4 PLANOS PLURIANUAIS E RELATÓRIOS DE GESTÃO
A Lei nº 13.848/2019 trouxe a obrigatoriedade de as agências reguladoras elaborarem planos plurianuais de gestão e relatórios anuais de desempenho, com o objetivo de garantir um maior controle e transparência de suas atividades.
Planos estratégicos plurianuais
O Art. 17 da Lei nº 13.848/2019 traz para as agências reguladoras, a exigência da elaboração de planos estratégicos plurianuais, planos estes que devem ser elaborados e revisados periodicamente para refletir a demanda e desafios do serviço regulado. Essa medida visa alinhar a atuação das agências reguladoras com objetivos a curto, médio e longo prazos, garantindo maior previsibilidade e coerência na regulação, trazendo segurança jurídica aos regulados, bem como, permitindo que as ações da agência reguladora sejam executadas independentemente dos gestores e dirigentes que estejam à frente da autarquia especial.
Importante destacar que anteriormente a entrada em vigor da Lei nº 13.848/2019, as agências reguladoras agiam muitas vezes de forma reativa, sem o devido planejamento, comprometendo a segurança jurídica dos regulados, causando instabilidades e colocando em jogo a eficiência de suas ações.
Relatórios de Gestão Anuais
De acordo com o Art. 18 da Lei nº 13.848/2019, as agências reguladoras têm o dever de elaborar relatórios de gestão anuais, nos quais devem ser apresentados o cumprimento das metas estabelecidas exatamente nos planos plurianuais, conforme detalhado no item anterior, desta forma, torna-se possível o acompanhamento do planejamento realizado, bem como, de seus recursos financeiros aplicados.
Desta forma, os relatórios de gestão são essenciais para a transparência dos atos dos dirigentes e da agência reguladora, prestando contas à sociedade e aos órgãos de controle interno e externo, de seus atos e atividades regulatórias desenvolvidas.
Importante frisar que anteriormente ao advento da Lei nº 13.848/2019, a obrigatoriedade dos relatórios de gestão restringia-se aos órgãos de controle externo, como por exemplo, os Tribunais de Contas da União, Estados e Municípios.
5.5 TRANSPARÊNCIA E PARTICIPAÇÃO SOCIAL
Um dos avanços mais relevantes trazidos pela Lei nº 13.848/2019 foi o fortalecimento da transparência e da participação social ao processo regulatório.
Através do Art. 9º da Lei nº 13.848/2019, estabeleceu-se a exigência da realização por parte das agências reguladoras de consultas e audiências públicas antes da adoção ou decisão de medidas regulatórias de grande impacto ao serviço regulado.
Desta forma, foi possível assegurar que as medidas e decisões adotadas sejam submetidas ao conhecimento e discussão prévia da sociedade, permitindo a participação e propiciando a interação da sociedade diretamente no processo de tomada de decisões, qualificando e dificultando a aplicação de medidas abruptas ou tecnicamente questionáveis.
Com o surgimento da obrigatoriedade das consultas públicas, as agencias precisam considerar os interesses da sociedade e os impactos da decisão ou da medida adotada para todos os impactados pela decisão, tornando cada vez mais as medidas adotadas transparentes e democráticas.
Importante destacar que anteriormente a Lei nº 13.848/2019, a participação social era frequentemente limitada, comprometendo a legitimidade, a tecnicidade e a imparcialidade das decisões regulatórias[10].
6 – IMPACTOS DA LEI Nº 13.848/2019 NAS AGÊNCIAS REGULADORAS MUNICIPAIS
A Lei nº 13.848/2019, embora tenha sido inicialmente elaborada para as agências reguladoras federais, traz significativos efeitos também no contexto das agências reguladoras municipais, autarquias especiais estas que desempenham papel crucial na regulação dos serviços públicos essenciais como os serviços de saneamento básico, transporte público dentre outros.
Corroborando com a afirmação acima, observamos o disposto no Artigo 2º, Parágrafo Único da Lei nº 13.848/2019 que determina que:
Art. 2º Consideram-se agências reguladoras, para os fins desta Lei e para os fins da Lei nº 9.986, de 18 de julho de 2000: (...)
Parágrafo único. Ressalvado o que dispuser a legislação específica, aplica-se o disposto nesta Lei às autarquias especiais caracterizadas, nos termos desta Lei, como agências reguladoras e criadas a partir de sua vigência.
Não bastasse a afirmação contida no artigo de lei acima, também é necessário trazer ao estudo, a necessidade de segurança jurídica para as agências reguladoras já existentes anteriormente a vigência da Lei nº 13.848/2019, que podem ter suas ações e decisões contestadas pelas próprias Concessionárias, quando tratar-se de decisões que venham em desencontro com as expectativas ou interesses destas, ou ainda, da própria sociedade, usuária do serviço regulado.
Conforme Danilo Vieira Vilela[11]:
A criação de agências reguladoras municipais ainda pode ser vista como uma alternativa para a superação do déficit regulatório que, geralmente, alcança os serviços públicos delegados a particulares nesse âmbito federativo. Além disso, considerando-se a necessidade que sejam compostas por um corpo técnico qualificado, tais agências tendem a aumentar a profissionalização da Administração.
Diante deste cenário, as agências reguladoras municipais enfrentam desafios que vão muito além dos já elencados, conforme podemos contextualizar:
Falta de Estrutura e recursos financeiros:
Muitas das regras e normatizações trazidas pela Lei nº 13.848/2019 foram inicialmente projetadas para as agências reguladoras federais, porém com sua entrada em vigor, e especialmente conforme já elencado acima, as agências reguladoras municipais tiveram que obrigatoriamente, seja por força da própria lei conforme estabelecido pelo Art. 2º, Parágrafo Único, ou até mesmo por questões de segurança jurídica conforme já elencado, tiveram que formalizar ou adequar suas legislações de criação, originando a necessidade de uma estrutura organizacional mais complexa e com isso, trazendo custos mais elevados no seu funcionamento.
Cabe destacar que as agências reguladoras municipais, em sua grande maioria, sobrevivem de recursos denominados de taxas de regulação, embutidas nas faturas de prestação dos serviços regulados e repassados pelas concessionárias para as agências reguladoras, sendo que estes percentuais variam entre 2% a 3% das receitas obtidas pelas concessionárias.
Ainda, devido a sua independência financeira, torna-se inviável muitas vezes a ocorrência de aportes financeiros pelo poder concedente, o que torna a adequação das agências reguladoras municipais ainda mais complexa diante do cenário da nova legislação.
Falta de Recursos Humanos:
Outro ponto de fundamental destaque é a ausência em muitos municípios, de profissionais técnicos que atendam das exigências impostas pela Lei nº 13.848/2019, para a indicação dos respectivos dirigentes, aliada com as remunerações que, conforme elencado no tópico acima, muitas vezes não condizem com os graus de conhecimento e exigência técnica.
Tais parâmetros definidos pela Lei nº 13.848/2019 tornam a indicação e consequentemente a nomeação dos dirigentes, de acordo com a legislação, muito difíceis e em alguns municípios até inviáveis.
Desta forma, apesar dos avanços legais trazidos pelo novo diploma legal, principalmente quanto a autonomia das agências reguladoras, bem como, da intenção de privilegiar a tecnicidade em detrimento da influência política dentro das autarquias especiais, torna-se prejudicada no âmbito municipal, principalmente em pequenos municípios, que carecem de profissionais com a tecnicidade pretendida pelo novo diploma legal.
CONCLUSÃO
Diante de todo o exposto, podemos concluir que o advento da Lei Federal nº 13.848/2019 trouxe enormes avanços a área de regulação e de fiscalização dos serviços públicos concedidos, trazendo um padrão e uniformidade as agências reguladoras, que anteriormente eram criadas e normatizadas de forma esparsa, gerando possibilidades de interferência político partidária, minando a independência administrativa, financeira, técnica e decisória dos entes reguladores.
Desta forma, os objetivos da Lei nº 13.848/2019 foram claramente de padronização das autarquias especiais, uniformização da legislação e principalmente, atribuir maior autonomia administrativa, financeira e decisória, o que busca desvincular suas decisões a ingerência política nas referidas autarquias especiais, além de privilegiar a tecnicidade às agências reguladoras, dando segurança jurídica aos seus dirigentes, criando critérios claros e objetivos para as indicações e para a edição de atos normativos que visam regular o serviço público concedido.
Também merece destaque, o maior nível exigido pelo novo diploma legal quanto ao planejamento tanto financeiro quanto regulatório das agências reguladoras, com a implantação da obrigatoriedade dos planos plurianuais, bem como, maior transparência e controle social com a implementação das agendas regulatórias, das Análises de Impacto Regulatório (AIR) e principalmente pela necessidade das consultas públicas, envolvendo diretamente o poder concedente, as concessionárias, os usuários dos serviços prestados, impactados diretamente no processo regulatório.
Porém, vale destacar que essa padronização e uniformização, quando de sua elaboração, priorizou as agências reguladoras federais, mas acabou por atingir e regrar também as pequenas agências reguladoras municipais, trazendo para estas, um grande desafio financeiro e de recursos humanos, os quais, necessitam de adaptações para que possam produzir os mesmos efeitos idealizados para as agências reguladoras federais, proporcionalmente as reais condições financeiras e de material humano das agências reguladoras municipais.
BIBLIOGRAFIA
BRASIL. Lei 9.986. Dispõe sobre a gestão de recursos humanos das Agências Reguladoras e dá outras providências. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9986.htm. Acesso em 21.08.2024.
BRASIL. Lei nº 13.848, de 25 de junho de 2019. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/l13848.htm. Acesso em 22.08.2024.
BRASIL. Lei nº 13.874, de 20 de setembro de 2019, 2019a. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13874.htm. Acesso em 21.08.2024.
BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos. Reforma do Estado para a cidadania: a reforma gerencial brasileira na perspectiva internacional. São Paulo: Ed. 34, 1998.
CORREIO, Luís Gustavo Faria. Comentários sobre a Lei Geral de Agências Reguladoras. Revista de Direito da Administração Pública, ISSN 2595-5667, a. 4, v. 1, n. 2, jul/dez, 2019.
DIAS, Fernando. A Lei das Agências Reguladoras: impactos e desafios. Revista Brasileira de Administração Pública, v. 54, n.2, p. 245-270, 2020.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 30. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017.
MEDEIROS, João Pedro. O Papel das Agências Reguladoras Municipais na Governança Local. Cadernos de Administração Pública, v 19, n.3, p. 199-223, 2021.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 26. Ed. São Paulo: Malheiros, 2001.
MEIRELLES Hely Lopes, Direito Administrativo. São Paulo: RT, 2003.
MOREIRA, Egon Bockmann. Agências reguladoras independentes: a necessidade de seu reforço institucional por meio de uma lei-quadro. Revista Colunistas de Direito do Estado, n. 196, 2016. Disponível em: http://www.direitodoestado.com.br/colunistas/egon-bockmann-moreira/agencias-reguladoras-independentes-a-necessidade-de-seu-reforco-institucional-por-meio-de-uma-lei-quadro . Acesso em: 02.10.2024.
PESSOA, Átila Vinicius de Carvalho. Análise da Lei nº 13.848/2019 – Lei Gera das Agências Reguladoras. Senado Federal - Instituto Legislativo Brasileiro – ILB, Brasília, 2022.
PIRES, Roberto Rocha. Agências Reguladoras no Brasil: desafios e perspectivas para a regulação no setor público. São Paulo: Editora Atlas, 2011.
SILVA, Marcos Antônio. A Nova Lei das Agências Reguladoras: avanços e lacunas. Revista de Direito Administrativo e Constitucional, v. 62, n. 3, p. 321-350, 2020.
TEBET, Simone. Parecer da Comissão Especial do Desenvolvimento Nacional, em decisão terminativa, sobre o projeto de Lei do Senado nº 52, de 2016. Senado Federal. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/111048. Acessado em: 03.10.2024
VILELA, Danilo Vieira. Agências Reguladoras e a Efetivação da Ordem Econômica constitucional Brasileira. Salvador: Editora JusPodiwm, 2018.
VITTA, Heraldo Garcia. A competência sancionadora das agências reguladoras no Direito brasileiro: breves comentários. Revista Trimestral de Direito Público, São Paulo, v.60, dez.2011.
[1] BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos. Reforma do Estado para a cidadania: a reforma gerencial brasileira na perspectiva internacional. São Paulo: Ed. 34, 1998, p. 17.
[2] MEIRELLES Hely Lopes, Direito Administrativo. São Paulo: RT, 2003, p. 131.
[3] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 26. Ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p.326.
[4] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 30. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017. P.605.
[5] CORREIO, Luís Gustavo Faria. Comentários sobre a Lei Geral de Agências Reguladoras. Revista de Direito da Administração Pública, ISSN 2595-5667, a. 4, v. 1, n. 2, jul/dez, 2019, p.77
[6] CORREIO, Luís Gustavo Faria. Comentários sobre a Lei Geral de Agências Reguladoras. Revista de Direito da Administração Pública, ISSN 2595-5667, a. 4, v. 1, n. 2, jul/dez, 2019, p.78
[7] MOREIRA, Egon Bockmann. Agências reguladoras independentes: a necessidade de seu reforço institucional por meio de uma lei-quadro. Revista Colunistas de Direito do Estado, n. 196, 2016.
[8] VITTA, Heraldo Garcia. A competência sancionadora das agências reguladoras no Direito brasileiro: breves comentários. Revista Trimestral de Direito Público, São Paulo, v.60, dez.2011. p.123.
[9] TEBET, Simone. Parecer da Comissão Especial do Desenvolvimento Nacional, em decisão terminativa, sobre o projeto de Lei do Senado nº 52, de 2016. Senado Federal.
[10] MEDEIROS, João Pedro. O Papel das Agências Reguladoras Municipais na Governança Local. Cadernos de Administração Pública, v 19, n.3, p. 199-223, 2021. p. 204.
[11] VILELA, Danilo Vieira. Agências Reguladoras e a Efetivação da Ordem Econômica constitucional Brasileira. Salvador: Editora JusPodiwm, 2018. p.65.
Empresário, sócio da EPSA Gestão Pública, Professor Universitário e Palestrante, Bacharel em Administração de Empresas, Bacharel em Direito, pós-graduando em Regulação no Saneamento na FUNDACE/USP, pós-graduado MBA em Direito e Gestão, pós-graduado em Direito Administrativo, pós-graduado em Direito Digital, pós-graduado em Engenharia Ambiental e Saneamento Básico, pós-graduado em Gestão Pública e pós-graduado MBA em Ciência Política – Relação Institucional e Governamental
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PEREIRA, EDUARDO. As inovações introduzidas pela Lei Federal nº 13.848/2019 e seus impactos nas Agências Reguladoras Municipais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 ago 2025, 04:35. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/69267/as-inovaes-introduzidas-pela-lei-federal-n-13-848-2019-e-seus-impactos-nas-agncias-reguladoras-municipais. Acesso em: 14 ago 2025.
Por: Benigno Núñez Novo
Por: Benigno Núñez Novo
Por: Helder Braz Alcantara
Precisa estar logado para fazer comentários.