“todo julgamento tributário tem em si mesmo duas contradições. Uma óbvia, que é a contradição entre o poder impositivo e os contribuintes. A outra subjacente, que é um conflito distributivo, muito difícil de ser arbitrado.” Flavio Dino, ministro do Supremo Tribunal Federal.
Resumo: O presente artigo apresenta inicialmente um diagnóstico da complexidade do sistema tributário brasileiro, caracterizado por elevada carga tributária, legislação excessiva e multiplicidade de normas, o que gera insegurança jurídica, altos custos de conformidade e intensa litigiosidade (Seefelder & Campos; dados do TCU e IBPT). Em resposta a esse cenário, a Emenda Constitucional 132/2024 instituiu a Reforma Tributária, criando o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) - um IVA nacional que substituirá gradualmente o ICMS, o ISS e o IPI - com o objetivo de simplificar a tributação, assegurar neutralidade e manter a carga tributária estável durante o período de transição (2027–2032). O IBS, inspirado no modelo internacional de IVA, será não cumulativo, com legislação uniforme e alíquota vinculada ao local de consumo, permitindo o creditamento de etapas anteriores da cadeia produtiva e isento de incidência sobre exportações. A regulamentação (PLP 68/2024 e LC 214) define princípios comuns ao IBS e à CBS, tais como fatos geradores, bases de cálculo, imunidades e regras de não cumulatividade, mas ainda deixa pendente a definição formal do sujeito ativo e detalhes sobre a administração do tributo. Como órgão central de governança do novo sistema, o Comitê Gestor do IBS/CBS reúne representantes dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios em composição paritária, com mandato de quatro anos e alternância de presidência. Compete-lhe arrecadar, compensar e distribuir receitas, além de decidir litígios administrativos e aprovar critérios de partilha por quórum qualificado, respeitando população e entes federativos. O controle externo ficará a cargo das unidades federativas, enquanto o STJ será foro de resolução de conflitos envolvendo sua atuação. Por fim, o artigo identifica desafios jurídicos e operacionais, como riscos de interferência política, falta de mecanismos de equalização temporária para mitigar perdas de receita de entes menores, ausência de órgão técnico para avaliar constitucionalidade de normas e necessidade de monitoramento periódico. Propõem-se soluções como listas tríplices para indicação de gestores, fundo de equalização, relatórios semestrais ao Congresso e ao TCU, e fortalecimento de fóruns de harmonização jurídica (Fórum de Harmonização Jurídica e PLP 108), garantindo transparência, legitimidade técnica e segurança jurídica durante a transição.
Palavras‑chave: Reforma Tributária; Imposto sobre Bens e Serviços (IBS); Comitê Gestor; neutralidade tributária; autonomia fiscal; governança; transição tributária; harmonização jurídica.
Introdução
1.1 O Sistema Tributário Nacional
Conforme Claudio Seefelder e Rogério Campos “O cenário tributário nacional é de elevada carga tributária, legislação excessiva e complexa - regressiva, ultrapassada e, muitas vezes, confusa e injusta - e um exagerado nível de litigiosidade que envolve milhões de processos e trilhões de reais”.
De acordo com as boas práticas internacionais, a tributação de um país deve ser orientada pelos seguintes princípios: equidade, neutralidade, progressividade e simplicidade, ou seja, a cobrança deve ser de forma igual para os que estiverem em situação igual; não deve o sistema tributário interferir nas decisões dos agentes econômicos; deve haver maior onerosidade para os que possuem maior capacidade contributiva; deve ser de fácil compreensão.
O sistema tributário brasileiro é caracterizado por ser um dos mais complexos do mundo, tendo uma das maiores cargas tributárias mundialmente. Anteriormente a Emenda Constitucional, promulgada pelo Congresso Nacional, em razão da cobrança de tributos ser competência concorrente a cada ente federativo, havia uma variedade enorme de legislações, já que o Brasil possui mais de 5 mil Municípios, além de 27 Estados e a União.
Desde a promulgação da Constituição Federal, foram editadas, em média 37 normas tributárias por dia, conforme dados do Tribunal de Contas da União, no mesmo sentido está uma pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), que afirma que foram editadas mais de 490 mil normas tributárias, bem como a afirmação de que após um estudo sobre o retorno de taxas cobradas no país para a população, o Brasil liderou o ranking de pior retorno há quase 10 anos. Em decorrência disso, as empresas gastam em média 181 bilhões de reais por ano para ficar em conformidade com as legislações, que são alteradas frequentemente.
A complexidade tributária gera insegurança jurídica, já que as empresas podem não interpretar corretamente as regras tributárias, resultando em autos de infração e penalidades. Segundo um levantamento realizado pela Revizia, em razão da infinidade de obrigações acessórias, bem como as alterações legislativas frequentes, 72% das empresas brasileiras apresentavam alguma inconsistência com consequente multa por parte da Receita Federal.
Anualmente, as empresas com ganhos relevantes perdem 2,52% do seu faturamento com tributos pagos indevidamente, sendo esse percentual ainda maior para empresas que faturam acima de 300 milhões de reais, chegando ao percentual de 5,79% dos ganhos, conforme pesquisa realizada pela Revizia.
Outrossim, essa complexidade acaba por resultar em um grande número de litígios e disputas no âmbito do Poder Judiciário que, conforme levantamento feito pela transparência, demonstra por exemplo o alto volume de ações de execução fiscal para que haja o pagamento do tributo, bem como ações de consignação e pagamento. Sendo o contencioso tributário no Brasil correspondente a 75% do PIB, especialmente dispare quando comparado a OCDE, inferior a 1%.
Ademais, conforme pesquisas realizadas pelo portal de notícias G1 e pela OCDE, no Brasil há uma grande evasão fiscal pelos contribuintes, algo que conforme a análise se deve principalmente em razão da alta carga tributária.
As altas cargas tributárias em razão da complexidade do sistema tributário acabaram por torna-lo um sistema inflacionado. De acordo com a Secretaria da Receita Federal, foram arrecados em tributos sobre o consumo R$ 1,29 trilhões, em 2021, o equivalente a 14,5% do Produto Interno Bruto, ficando acima dos países que integram a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que tem uma média de 10,8% do PIB.
A pesquisa Doing Business, do Banco Mundial, mostra que o Brasil é o último colocado entre os países pesquisados no ranking de tempo gasto para pagamento de tributos. Em relação a insegurança jurídica da complexidade do sistema tributário, um estudo realizado pela Insper indica que, em 2019, as disputas tributárias representaram cerca de R$ 5 trilhões.
Por outra via, a simplificação do sistema tributário pode reduzir a carga tributária nacional e reduzir sua complexidade de forma que, as empresas reduziriam seus dispêndios e em corolário tornas os preços dos produtos ou serviços mais acessíveis, o que melhoria a economia do País.
Em razão disso, após amplos debates com Procuradores da Fazenda Nacional, Procuradores Estaduais, Auditores Fiscais e outras pessoas com conhecimento aprofundado em relação ao tema, além de ter passado anos em tramitação no Congresso, foi enfim promulgada a EC 132, que visa a simplificação do Sistema Tributário sem interferência na competência concorrente dos Entes Federativos. Tendo, inclusive, entre seus princípios, agora expressamente previstos na Constituição Federal, os da simplicidade, justiça fiscal e eficiência.
A EC 132 altera o modelo atual de tributação na origem do ICMS e desloca para o ente federativo de destino do consumo do bem ou serviço o produto da arrecadação, o que mitiga o risco de concessão de benefícios tributários como instrumentos de guerra fiscal. No Brasil, a maioria dos impostos sobre produtos e serviços é coletada no local onde são produzidos ou prestados. Essa forma de tributar estava gerando muitas guerras fiscais entre os entes federativos. A EC 132 solucionou em grande parte essa questão.
Entre os principais pontos da Reforma está o Imposto Sobre Bens e Serviços (IBS), que substituirá gradualmente o ICMS e o ISS. Outrossim, a reforma unifica os diversos tributos em um imposto sobre valor agregado, conhecido como IVA e que já utilizado por vários outros países do mundo.
A migração para o novo sistema tributário está prevista para ocorrer de maneira gradual, ao longo do período 2027-2032, e surgiu sob o pressuposto de não haver aumento da carga tributária, enquanto que o ICMS e o ISS será reduzido de 2029 a 2032 e o IPI será extinto no ano de 2027. Em razão disso, a Reforma estabeleceu a diretriz constitucional de manutenção da carga tributária e criação de mecanismos de ajuste com o propósito de alcançar este objetivo, por meio da calibragem das alíquotas de referência (que são feitas por meio de resolução do Senado Federal) do IBS e da CBS.
O IBS surge com o intuito de solucionar problemas estruturais do sistema tributário brasileiro, promovendo a neutralidade tributária, um princípio que busca evitar que o sistema de impostos interfira nas decisões econômica dos agentes, garantindo que a escolha de consumo e produção seja feita com base em critérios de eficiência, sem distorções causadas pela carga tributária. No entanto, a transição para um novo modelo traz consigo desafios jurídicos significativos, principalmente no que se refere à autonomia fiscal dos Estados e à redistribuição de receita.
O IBS e a CBS terão administração separada, mas terão regras harmônicas entre si, pois uma lei complementar única definirá para ambos os mesmos: • Fatos geradores, bases de cálculo, hipóteses de não incidência e sujeitos passivos; • Imunidades; • Regimes específicos, diferenciados ou favorecidos de tributação; e • Regras de não cumulatividade e creditamento.
O TCU, em um relatório divulgado, fez uma avaliação sobre os impactos fiscais e econômicos após a reforma, e restou demonstrado que a reforma beneficiará 78% das 27 unidades federativas. Já em relação aos municípios há uma grande probabilidade de nenhum capital e no máximo 32 municípios muito ricos corram risco de queda na arrecadação.
Deve-se destacar que a Reforma Tributária, em especial discutindo sobre o IBS, é um marco relevante no sistema tributário nacional, já que simplificará questões que antes eram debates de grande divergência jurisprudencial, como exemplo a discursão que havia, em que se chegou até o pleno do egrégio Supremo Tribunal Federal, em que se determinou a incidência de ICMS sobre medicamentos de prateleira genéricos, porém, se o medicamento for manipulado haveria a incidência de ISS. Porém, após a implementação efetiva do IBS, não haverá mais essa discussão, já que será um imposto único. Outrossim, como já dito anteriormente, haverá a simplificação e a melhora no sistema tributário nacional.
Ademais, vale destacar o impacto direto das obrigações acessórias sobre a competitividade das empresas. O sistema atual exige a entrega de dezenas de declarações eletrônicas por mês (como o SPED Fiscal, SPED Contribuições, DCTF, EFD-Reinf e eSocial) cada uma com sua própria estrutura de layout, prazos e cruzamentos de informações. Essa “fábrica de obrigações” não só demanda altos investimentos em software e pessoal especializado, mas também expõe as empresas a riscos diários de inconsistências cadastrais ou de escriturações, que podem gerar autos de infração em questão de horas. Estudos do Sebrae mostram que, em média, micro e pequenas empresas dedicam mais de 100 horas por ano somente ao cumprimento dessas exigências, tempo que poderia ser revertido em inovação e expansão de mercado.
Outro aspecto relevante é a dificuldade de adaptação do fisco e dos contribuintes à tributação no ambiente digital. Com a intensificação do e-commerce, marketplaces e serviços em nuvem, surgem produtos híbridos que fogem completamente das categorias tradicionais “mercadoria” ou “serviço”. Sem um marco regulatório claro, cada Estado passou a criar definições próprias para ICMS sobre bens digitais e para ISS sobre serviços de plataforma, resultando em decisões judiciais conflitantes e em insegurança até para grandes corporações multinacionais que operam no Brasil. A ausência de alíquotas uniformes e de consistência conceitual entre as legislações estaduais amplifica ainda mais a litigiosidade (já hoje recorde mundialmente) e dificulta a atração de investimentos em setores estratégicos de tecnologia.
Por fim, a implementação do IBS/CBS traz, no longo prazo, a promessa de reduzir esses entraves ao estabelecer um sistema de IVA com regras únicas de crédito e débito em todo o território nacional. No entanto, durante o período de transição (2027-2032), será fundamental que a regulamentação detalhe minuciosamente as hipóteses de não incidência e os procedimentos de apuração, de modo a evitar uma “fase de aprendizado” que prolongue a insegurança jurídica por mais alguns anos. A experiência internacional mostra que, sem uma coordenação central forte e um cronograma bem comunicado, mesmo reformas bem intencionadas correm o risco de criar rupturas no fluxo de caixa das empresas e de gerar novos litígios (o que seria justamente o oposto do que se pretende alcançar).
1.2 O Imposto sobre Bens e Serviços (IBS)
O Imposto sobre Bens e Serviços representa uma grande mudança significativa no sistema tributário nacional, substituindo os atuais impostos de Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviços (ICMS) e o Imposto Sobre Serviços (ISS). Substituindo dessa forma os impostos estaduais e municipais por um imposto único que, conforme a EC 132, terá legislação única em todo território nacional. O IBS seria um imposto não cumulativo, ou seja, permitiria a compensação de créditos de impostos pagos em etapas anteriores da cadeia produtiva, evitando a cobrança em cascata.
Modelos internacionais, como o IVA (Imposto sobre Valor Agregado), aplicado em diversos países, servem de referência para a implementação do IBS no Brasil. O IVA, assim como o IBS, é um imposto indireto que visa a simplificação do sistema tributário e a redução das distorções econômicas. A experiência de países como a França e a Alemanha, que adotaram esse modelo, oferece importantes lições sobre a adaptação do imposto a diferentes contextos jurídicos e econômicos.
Conforme a doutrina de José Eduardo Soares de Melo (2007, p. 148), a competência tributária é “a aptidão para criar tributos, legalmente e de forma abstrata, indicando todos os elementos da hipótese de incidência compreendendo o aspecto pessoal (sujeitos ativos e passivos), materialidade, base de cálculo e alíquota.
A Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) já se posicionou sobre a questão, no Parecer PGFN/CAT/No 1.298/2014, definindo a competência tributária como a “distribuição, dentro do sistema federativo, das parcelas do poder de tributar, permitindo aos entes federativos expedir regras jurídicas para delinear as exações tributárias cuja responsabilidade lhe foi outorgada pela Constituição Federal”.
Após essa breve exposição geral, deve-se destacar que o IBS não integrará sua própria base de cálculo e não será objeto de benefícios nem incentivos, exceto os regimes diferenciados previstos na reforma.
Outrossim, o mesmo terá caráter não cumulativo, ou seja, vai haver a compensação do imposto devido com o crédito obtido na compra de bens e serviços necessários à atividade; há a não incidência sobre exportações, assegurado ao exportador a manutenção de créditos e seu ressarcimento; haverá incidência sobre importações; e não haverá incidência sobre radiofusão gratuita.
O Congresso Nacional, em conformidade com os devidos processos legislativos, aprovou dois grandes importantes marcos, após a reforma tributária, que foram o PLP 68/2024 e a LC 214. O PLP 68/2024, de forma resumida, é um rol exemplificativo dos atos e negócios jurídicos que têm por objeto o fornecimento de bens ou de serviços e que, portanto, ficarão sujeitos ao IBS e ao CBS. A LC 214 por sua vez, tem como objetivo fazer a efetiva regulamentação da reforma tributária.
Em uma análise bem sintática, pode-se dizer que o IBS tem as seguintes características:
a) Não cumulativo exceto se exclusivamente de uso ou consumo pessoal (hipótese em que não haverá creditamento)
b) Cobrado em todas as etapas da cadeia produtiva
c) Legislação uniforme em todo território nacional
d) Alíquota e arrecadação vinculadas ao local de consumo/destino
e) Não incide sobre investimentos e exportações
f) Aproveitamento de créditos acumulados
g) Não incidência sobre exportações
h) No caso de isenção ou imunidade não implicara crédito para compensação com o montante devido nas operações seguintes e acarretara a anulação do credito relativo às operações anteriores, salvo, na hipótese da imunidade, quando determinado em lei complementar.
i) Alíquota de referência estabelecida pelo Senado Federal
j) Será a somadas alíquotas do Estado e do Município
k) O Comitê Gestor que fará a distribuição para cada ente federativo e será financiado pela retenção de uma parte do dinheiro arrecadado
l) Haverá a representação por cada ente federativo estadual no comitê gestor e haverá uma espécie de representação mista quando aos municípios, já que em parte haverá um sistema proporcional a população em sua representação.
m) Adotou a política de cash back e split payment (Pagamento dividido ou partilhado de impostos, em que o pagamento é realizado diretamente na fonte durante a transação, em vez de ser recolhido posteriormente pelo vendedor ou prestador de serviço.
n) Cobrado em regra no destino
o) Incide em regra em operações onerosas, porém, haverá tributação no fornecimento não oneroso ou a valor inferior ao de mercado de bens e serviços para uso e consumo pessoal, na doação por contribuinte para parte relacionada e no fornecimento de brindes e bonificações.
p) Todos os elementos da regra matriz de incidência tributária são idênticos no IBS e CBS, exceto no que tange a definição das alíquotas
q) Não integrará sua própria base de cálculo nem a dos tributos previstos
r) Não incidirá nos seguintes casos:
i. Fornecimento de serviços por pessoas físicas em função de relação de emprego com o contribuinte; ou sua atuação como administradores ou membros de conselhos de administração fiscal e comitês de assessoramento de conselho de administração do contribuinte previsto em lei;
ii. Transferência de bens entre estabelecimentos pertencentes ao mesmo contribuinte;
iii. Transmissão de participação societária, incluindo alienação;
iv. Transmissão de bens em decorrência de fusão, cisão e incorporação de integralização e devolução de capital;
v. Obtenção de rendimentos financeiros, com exceção do disposto no regime específico e da cobrança de juros e encargos pelos fornecedores;
vi. Operações como títulos ou valores mobiliários, desde que não resultem em qualquer fornecimento de bens ou serviços, com exceção do disposto no regime específico;
vii. Exportações de bens e de serviços para o exterior;
viii. Operações realizadas pela União, pelos Estados, pelo DF e pelos Municípios;
ix. Operações realizadas por entidades religiosas e templos de qualquer culto, inclusive suas organizações assistenciais e beneficentes;
x. Operações realizas por partigos políticos, inclusive suas fundações; entidades sindicais dos trabalhadores; e instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos;
xi. Operações com livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão;
xii. Operações com fonogramas e videogramas musicais produzidos no Brasil;
xiii. Prestações de serviço de comunicação nas modalidades de radiodifusão sonora e de sons e imagens de recepção livre e gratuita;
xiv. Operações com ouro, quando definido em lei como ativo financeiro ou instrumento cambial.
Ademais, a LC 214, que regulamenta a Reforma Tributária, inacreditavelmente não prevê que será o sujeito ativo do IBS, algo que só deve ser solucionado posteriormente pelo Comitê Gestor.
Outro grande ponto de destaque que deve ser considerado é que, pelo fato gerador do IBS e CBS serem os mesmos, deveria haver uma administração compartilhada com fiscalização unificada, evitando múltiplas instâncias de julgamento em estados e municípios.
Ademais o IBS começara a ser cobrado em 2026 na alíquota de 0.1%, e a transição do ICMS e ISS para o IBS será entre 2029 e 2032.
Cabe destacar que, embora haja uma grande importância do IBS no ordenamento brasileiro, na introdução de um novo modelo sobre o consumo, não pode prescindir das premissas e conceitos estruturantes do sistema constitucional tributário.
Por fim, na fase de implantação, será importante prever janelas explícitas para ressarcimento dos créditos acumulados sob ICMS e ISS, garantindo a neutralidade prometida e evitando choques de caixa nos setores mais intensivos em capital, como indústria e telecomunicações. A adoção obrigatória de NF-e e SPED como instrumentos únicos de escrituração do IBS deve vir acompanhada de um cronograma de testes-piloto em que as empresas reportem lançamentos fictícios ao Comitê, para validar a interoperabilidade dos sistemas e reduzir o risco de autuações logo nos primeiros meses de vigência. Só assim o IBS deixará de ser mais um desafio de implementação e cumprirá seu papel de simplificar, uniformizar e tornar mais transparente o nosso modelo de tributação sobre consumo.
1.3 O Comitê Gestor
Uma das principais questões jurídicas geradas pela proposta do IBS refere-se à autonomia fiscal dos Estados. Atualmente, os Estados têm a competência para instituir e arrecadar tributos como o ICMS, uma das principais fontes de receita para a maioria dos Estados. O IBS pode afetar essa autonomia, já que a arrecadação do novo imposto será compartilhada entre os entes federativos, com uma redistribuição das receitas. A dúvida que surge é se a proposta atende aos princípios constitucionais que garantem a autonomia dos Estados e o equilíbrio federativo.
A proposta de distribuição das receitas do IBS entre os Estados e os Municípios visa corrigir desigualdades regionais, mas também gera inseguranças quanto à efetiva compensação das perdas de receita que os Estados irão enfrentar com a substituição do ICMS e outros tributos estaduais. A redistribuição das receitas, portanto, será um ponto central na implementação do IBS, exigindo uma análise detalhada sobre como garantir que os Estados menores e mais dependentes de receitas próprias não sejam prejudicados.
Além disso a harmonização das alíquotas é crucial para a manutenção da neutralidade tributária e para evitar a competição desleal entre os Estados.
Para solucionar essa questão, a EC 132 criou o Comitê Gestor, que conforme prevê a legislação será exercida de forma integrada pelos Estados e Municípios, que arrecadará impostos, efetuará compensações e distribuirá o produto da arrecadação, decidindo também em relação ao contencioso administrativo.
O referido Comitê é considerado uma entidade pública sob regime especial, com independência técnica, administrativa, orçamentária e financeira, tendo os Estados e Municípios representação de forma paritária, na instância máxima e alternância na presidência entre Estados e DF e Municípios e DF. Com a sua criação, foi destacado que qualquer conflito entre os entes federativos ou entre estes e o Comitê Gestor, que envolva questões relativas ao IBS como também a CBS, devem ser decididos pelo STJ.
Segundo a norma constitucional, as decisões do Comitê têm caráter obrigatório e necessita de três critérios essenciais e cumulativos para que as decisões sejam aprovadas: É necessário que pelo menos 14 representantes dos Estados e DF votem a favor da proposta, o que representa a maioria absoluta dessa categoria. É necessário que esses votos reflitam mais de 50% da população brasileira e que seja apoiada por 14 representantes municipais.
Um ponto interessante que merece destaque é que diferentemente de outras situações na administração pública, o controle externo do Comitê Gestor será exercido pelos Estados, pelo DF e pelos Municípios e não pelo tribunal de contas.
Dois outros pontos de grande destaque são que a fiscalização, o lançamento, a cobrança e a representação judicial relativas a impostos serão realizadas pelas administrações tributárias e procuradorias dos Estados, DF e Municípios, que poderão definir hipóteses de delegação ou de compartilhamento de competências. Outrossim, o Comitê em epígrafe será composto por 27 representantes dos Estados e DF (um para cada um desses entes federativos) e 27 representantes dos municípios e DF (sendo 14 representantes, com base nos votos de cada Município, com valor igual para todos e 13 representantes, com base nos votos de cada Município ponderados pelas respectivas populações), tendo mandato de 4 anos.
Após essa breve análise, merece destaque alguns problemas que precisam ser pontuados.
Um grande problema do Comitê em epígrafe é sua vulnerabilidade a interferências políticas. Uma alternativa viável para evitar interferências políticas seria a estruturação do comitê com base em critérios estritamente técnicos. Para tanto, a seleção de seus integrantes poderia ocorrer a partir de listas tríplices elaboradas por instituições independentes.
Outro grande problema da reforma, conforme explicitou o presidente da Federação Nacional dos Auditores e Fiscais de Tributos Municipais, são os critérios de partilha de tributos durante o período de transição, alertando que muitos municípios perderão receita. Muitos municípios, sobretudo os de menor porte ou com base tributária concentrada em setores específicos, tendem a registrar perdas significativas de arrecadação com a redistribuição das receitas. Para mitigar esse impacto, seria recomendável instituir um mecanismo de compensação temporária, baseado na média da arrecadação dos últimos exercícios, corrigida por índices que reflitam o crescimento populacional e a inflação. Complementarmente, a criação de um fundo de equalização com aporte da União permitiria garantir recursos mínimos para os entes mais afetados, assegurando a continuidade dos serviços públicos essenciais.
Ademais, deve-se destacar que, através da PLP, recentemente aprovada pelo Congresso, foi criado o Fórum de Harmonização Jurídica, que terá atribuições relacionadas às atividades jurídicas desempenhadas pelas procuradorias e as resoluções aprovadas por este fórum vincularão a PGFN e as Procuradoria estaduais, municipais e do DF. Segundo a PLP 68 e a LC 214, o comitê de harmonização das administrações tributárias será composto por 4 representantes da Receita Federal Brasileira (RFB) e 4 representantes do Comitê Gestor do IBS. Enquanto no Fórum de Harmonização Jurídica será 4 representantes da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e 4 representantes das procuradorias indicados pelo Comitê Gestor do IBS, sendo 2 Procuradores de Estado ou DF e 2 Procuradores dos Municípios ou DF.
Outrossim, tem-se adotado alterações na legislação, como a PLP 108, que disciplina a atuação do Comitê Gestor do IBS, também havendo a apresentação de uma nova PEC que prevê a criação de “uma Justiça Tributária Nacional 4.0”, modificando a competência territorial para processar e julgar as ações que veiculam questionamentos em torno da incidência do IBS e CBS.
Ocorre que, essa PLP apresenta um imbróglio ao estabelecer no parágrafo 3 do artigo 92 que ficará vedado às autoridades julgadoras, no âmbito do processo administrativo tributário, afastar a aplicação ou deixar de observar a legislação tributária sob o fundamento de inconstitucionalidade ou ilegalidade. Ou seja, mesmo que a autoridade julgadora entenda que o ato normativo do Comitê seja inconstitucional ou ilegal, ela estará impedida de reconhecer essa invalidade, cabendo exclusivamente ao Judiciário. Isso gera um grande problema, pois essa limitação acaba tornando o processo administrativo meramente homologatório.
Uma possível solução para a limitação imposta pelo parágrafo 3º do artigo 92 da PLC 108 seria a criação de um órgão técnico, no âmbito administrativo, com competência para avaliar alegações de inconstitucionalidade ou ilegalidade de normas tributárias. Esse mecanismo não substituiria o Judiciário, mas permitiria maior segurança jurídica e racionalidade nas decisões administrativas.
Além disso, é indispensável que o Comitê Gestor estabeleça, desde sua constituição, mecanismos claros de monitoramento e revisão periódica dos critérios de partilha, de forma a acomodar eventuais disparidades regionais que venham a se agravar com mudanças demográficas ou estruturais na economia local. Sem essa previsão, corre-se o risco de perpetuar desequilíbrios entre Estados mais populosos e aqueles de menor densidade tributária, mesmo quando se pretende corrigir desigualdades. A adoção de relatórios semestrais, submetidos ao Congresso Nacional e ao Tribunal de Contas da União, garantiria não apenas transparência, mas também permitiria ajustes tempestivos, antes que perdas significativas comprometam a oferta de serviços públicos essenciais.
Outro ponto que merece destaque é a interface entre a autonomia fiscal consagrada pela Constituição e as regras de governança do Comitê. Ainda que se reconheça a capacidade dos Estados em legislar sobre suas alíquotas de referência, é fundamental que os processos decisórios do Comitê - incluindo a alternância na presidência e o quórum qualificado para aprovar mudanças - sejam balizados por critérios técnicos e não políticos. Instituir, por exemplo, um conselho consultivo composto por especialistas independentes em finanças públicas e direito tributário, sem direito a voto, poderia reforçar a legitimidade das decisões e blindar o Comitê de pressões eleitorais ou de curto prazo.
Por fim, a redistribuição de receitas dentro do IBS deve caminhar junto a um regime de equalização que funcione como uma “colchão” temporário para entes que, embora estruturalmente menos arrecadadores, assumam custos elevados na prestação de serviços básicos. A constituição de um fundo de compensação, financiado por uma pequena parcela do produto da arrecadação nacional, permitiria amortecer perdas transitórias e evitar crises financeiras em municípios menores. Ao mesmo tempo, esse dispositivo reforça o princípio da solidariedade federativa e legitima o IBS como instrumento não apenas de simplificação, mas também de coesão social e territorial.
Referências
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GASPERIN, Carlos Eduardo M.; CAMANO, Fernanda. Comitê gestor, IBS e o contencioso administrativo tributário. Consultor Jurídico, 4 fev. 2024.
FRANÇA, Ralf. Limites e papel do Comitê Gestor do IBS no contexto da reforma tributária. Consultor Jurídico, 5 dez. 2024.
BONETTI & ASSOCIADOS. O papel do CARF após a reforma tributária: uma análise a partir da figura do Comitê Gestor. 12 fev. 2025.
GIOTTI DE PAULA, Daniel; SANTOS PIRES, Rodrigo Esteves. A natureza jurídica do Comitê Gestor do IBS e o federalismo cooperativo. In: REFORMA TRIBUTÁRIA E JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL - O FUTURO DA TRIBUTAÇÃO NO BRASIL. Brasília: Editora Thoth, 2025. Cap. 8.
BRASIL. Lei Complementar n. 214, de 16 de janeiro de 2025. Diário Oficial da União: Seção 1, Brasília, DF, 16 jan. 2025.
BRASIL. Emenda Constitucional n. 132, de 4 de abril de 2023. Diário Oficial da União: Seção 1, Brasília, DF, 4 abr. 2023.
Aprovado no Concurso Público do Tribunal Regional do Trabalho de Pernambuco, no cargo de Oficial de Justiça Avaliador Federal. Estudante de Direito. Estagiário da Advocacia Geral da União. Foi estagiário no Ministério Público do Trabalho e na Procuradoria Geral do Estado de Pernambuco, foi aprovado e convocado para estágio no Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região, foi aprovado no estágio do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Luiz Guilherme Miranda de. O Comitê Gestor na Reforma Tributária Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 jul 2025, 04:47. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/69077/o-comit-gestor-na-reforma-tributria. Acesso em: 14 ago 2025.
Por: Rodrigo Lima da Silva
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