Resumo: Este estudo analisa como o Ministério Público brasileiro recorre à ação estrutural para proteger direitos fundamentais, com foco na cooperação técnica com o Sistema Interamericano de Direitos Humanos. A ideia fundamental é que vários fatores sociais são relacionados a omissões ou ações de instituições, nas suas variantes explícitas ou formais, que exigem soluções conjuntas e de longo prazo. A avaliação está dividida em quatro tópicos principais: o conceito de ação estrutural, o uso deste conceito em conflitos coletivos, a experiência de trabalho com a Corte Interamericana e os obstáculos à implementação de uma intervenção efetiva. Ao longo do texto foi feito uso de legislações, julgados e casos ilustrativos, mantendo sempre a clareza e a consistência requeridas para uma publicação em revista de prestígio.
Palavras-chave: Ministério Público; Direitos Humanos; Sistema Interamericano.
Abstract: This study analyzes how the Brazilian Public Prosecutor's Office makes use of structural litigation to protect fundamental rights, with a focus on technical cooperation with the Inter-American Human Rights System. The central idea is that various social factors are linked to omissions or actions by institutions (in both their explicit and formal dimensions) which require joint, long-term solutions. The assessment is divided into four main topics: the concept of structural litigation, its application in collective conflicts, the experience of working with the Inter-American Court, and the obstacles to implementing effective intervention. Throughout the text, legislation, case law, and illustrative examples are used, maintaining the clarity and consistency expected in a publication for a prestigious journal.
Keywords: Public Prosecutor's Office; Human Rights; Inter-American System.
1.Introdução
A crise do sistema penitenciário, a falta de saneamento básico, o colapso de serviços de saúde e as falhas da educação são apenas alguns dos problemas mais evidentes do Brasil. Embora, historicamente, o Judiciário tenha se limitado a decidir causas individuais, o reconhecimento de "estados de coisas inconstitucionais" pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em julgados de repercussão geral como a ADPF 347 e a ADPF 635 demonstrou a necessidade de ferramentas processuais que possam punir aqueles que devem tomar medidas eficazes. Diante disso, o Ministério Público, no âmbito de sua prerrogativa ministerial, assumiu uma atitude de maior proatividade, utilizando o processo estrutural para buscar soluções que extrapolam do tradicional modelo de tutela.
O "processo estrutural", segundo a doutrina, tem como conceito o processo judicial que descobre as causas das violações e impõe, além de obrigações gerais, planos de ação detalhados, com indicadores de desempenho, prazo determinado e mecanismos de monitoramento/acompanhamento. Esta metodologia se inspira em modelos internacionais, especialmente na jurisprudência norte-americana, além de ter sido incorporada no discurso acadêmico e institucional no Brasil. Não se trata apenas de uma inovação eloquente. A adoção de métodos estruturais pode ser o passo necessário para garantir o mínimo existencial a grupos vulneráveis da população brasileira.
Além de organizar suas próprias estruturas, o Sistema Interamericano de Direitos Humanos (SIDH) também fornece diretrizes e precedentes que fortalecem a possibilidade de decisões estruturais. A Corte de Direitos Humanos já lidou com casos bastante complexos, como os feminicídios em Juárez, que combinou condenações individuais com ordens de políticas públicas. Em janeiro de 2023, o Ministério Público Federal e a Corte IDH assinaram um memorando de entendimento para troca técnica, demonstrando o interesse em alinhar estratégias e compartilhar conhecimentos. Ficando evidente a importância das parcerias e cooperações no âmbito das atuações ministeriais federais e municipais.
Outrossim, destaco em referência ao tema que, no dia 15 de janeiro, foi realizada reunião virtual do Grupo Especial de Atuação Finalística GEAF instituído pela Portaria n° 439, de 07/04/2021, para planejamento anual, em razão da sentença prolatada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em 15 de julho de 2020, no Caso Empregados da Fábrica de Fogos de Santo Antônio de Jesus e seus familiares Vs. Brasil. Na hipótese, o Estado brasileiro foi condenado a promover, em tempo razoável, a completa execução das sentenças trabalhistas e inspecionar sistemática e periodicamente os locais de produção de fogos de artifício.
Sobre o cumprimento da sentença do referenciado caso, em especial o ponto resolutivo 19 (que prevê a apresentação de um relatório pelo Estado brasileiro sobre a aplicação das Diretrizes Nacionais sobre Empresas e Direitos Humanos), o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) solicitou ao Ministério Público do Trabalho informar ações institucionais, no âmbito de sua competência, envolvendo o tema de direitos humanos e empresas.
No dia 27 de janeiro de 2025, a Secretaria de Cooperação Internacional Trabalhista encaminhou ao MDHC relatório minucioso sobre a atuação do GEAF, descrevendo, entre outras medidas, as ações empreendidas, os resultados alcançados, a amplitude do caso, o diálogo social e as propostas de atividades futuras a serem realizadas pelo grupo. Com efeito, a atuação do Ministério Público do Trabalho tem se mostrado essencial para o avanço no cumprimento da sentença e para uma efetiva modificação das estruturas sociais existentes na região de Santo Antônio de Jesus.
Este estudo apresenta fatos e reflexões organizados em quatro grandes eixos. Primeiro, é definido o conceito de processo estrutural e suas características principais. Em seguida, é analisado como o Ministério Público tem utilizado essa técnica em litígios coletivos, com exemplos práticos. Depois, é examinado o acordo de cooperação com o SIDH e as lições aprendidas a partir de decisões interamericanas. Por último, são identificados os principais desafios institucionais e apresentadas propostas para fortalecer esse modelo de atuação.
2.O Processo Estrutural: Fundamentação e Características
-Origens e evolução
A ideia de responsabilização duradoura remonta a decisões da Suprema Corte dos Estados Unidos, especialmente no bojo da dessegregação escolar. Em Brown v. Board of Education (1954), a Justiça americana reconheceu que simples determinações isoladas não resolveriam o problema da segregação e ordenou planos para desmantelar a estrutura segregacionista. Essa experiência mostrou que litígios coletivos demandam soluções que considerem o contexto histórico, social e institucional.
No Brasil, o termo chegou por meio de doutrina e de casos paradigmáticos, ganhando densidade a partir de 2015, quando o STF registrou “estados de coisas inconstitucionais” e passou a submeter o Executivo a cronogramas de implementação de políticas públicas. Acadêmicos como Lenio Streck e Gustavo Zagrebelsky destacam que o processo estrutural se diferencia do processo coletivo tradicional ao exigir decisões proativas, detalhadas e monitoradas.
-Elementos essenciais
Três atributos definem o processo estrutural:
Diagnóstico sistêmico através análise aprofundada para identificar as omissões ou condutas repetitivas que geram violações de direitos. É imprescindível mapear quem são os responsáveis e quais recursos são necessários.
Plano de execução por meio de determinação de ações concretas, com metas claras, indicadores e cronogramas. Trata-se de evitar ordens genéricas, como “garanta o direito à saúde”, substituindo-as por etapas como “implantar programa X em 90 dias, com recursos orçamentários definidos”.
Monitoramento contínuo por meio da criação de mecanismos para acompanhar o cumprimento das decisões, seja através de relatórios periódicos, comitês independentes ou audiências de revisão.
3.Atuação do Ministério Público em Litigâncias Estruturais
-Ações civis públicas e ADPFs
O MP tem à sua disposição diversos instrumentos: ações civis públicas, termos de ajustamento de conduta (TACs) e arguições de descumprimento de preceito fundamental (ADPFs). Nas ADPFs 347 e 635, o MP Federal atuou como amicus curiae, auxiliando o STF a compreender a dimensão sistêmica das violações no sistema prisional e propondo cronogramas detalhados de medidas. O resultado foi uma decisão que ordenou, entre outras iniciativas, a elaboração de diagnóstico nacional, a adoção de políticas de redução de encarceramento provisório e a instalação de comitês de monitoramento.
-Termos de Ajustamento de Conduta com conteúdo estrutural
Os TACs deixaram de ser meros acordos de pequenas correções. Em casos de saneamento básico, o MP tem celebrado TACs que preveem metas de universalização, previsão de repasse orçamentário e envolvimento de conselhos municipais na fiscalização. Um exemplo ocorreu no estado de Pernambuco, onde o TAC resultou na redução de 20% das ligações clandestinas de água em dois anos, conforme relatório do MP local.
-Participação social e audiências públicas
A mobilização da sociedade é ponto-chave. Promotorias têm realizado audiências públicas que reúnem moradores, entidades representativas e gestores públicos para discutir os planos de ação. Essas audiências não são virtuais: fortalecem o controle social e estimulam o compromisso mútuo.
4.A Cooperação com o Sistema Interamericano
-Memorando de entendimento de 2023
Em 29 de janeiro de 2023, o MP Federal e a Corte IDH firmaram acordo para intercâmbio técnico. Prevê treinamentos, visitas recíprocas e apoio na elaboração de relatórios de implementação de decisões interamericanas. Essa iniciativa reconhece o valor de lições já testadas em outros países e facilita a adaptação de modelos de monitoramento.
-Precedentes interamericanos e lições para o Brasil
O caso Cotton Field (feminicídios em Ciudad Juárez, 2010) ilustra a combinação de condenação individual com ordens de políticas públicas, como planos de prevenção e programas de capacitação policial. Outro exemplo é Aníbal Bruno (2016), em que a Corte IDH exigiu diagnóstico sobre superlotação, reforma de presídios e monitoramento contínuo. Esses precedentes confirmam que o processo estrutural é compatível com o direito interamericano e oferece parâmetros de sucesso.
5.Desafios e Perspectivas
-Limitações institucionais
A principal barreira é a escassez de recursos: promotorias não dispõem de equipes técnicas suficientes e enfrentam orçamento restrito. Além disso, a cultura administrativa ainda privilegia decisões pontuais, sem previsão de acompanhamento.
-Propostas para fortalecimento
Criação de núcleos especializados, que seriam unidades dentro do MP dedicadas a processos estruturais, com defensores e servidores capacitados.
Parcerias acadêmicas por meio de convênios com universidades para realização de diagnósticos e pesquisas de apoio.
Indicadores de impacto social como por exemplo o desenvolvimento de métricas padronizadas para avaliar avanços em saúde, educação e segurança.
Fortalecimento do controle social: institucionalização de comitês de monitoramento com participação de representantes da sociedade civil e de órgãos internacionais.
6.Conclusão
O processo estrutural se firmou como um instrumento insubstituível de combate a violações sistemáticas dos direitos fundamentais no Brasil. A atuação do Ministério Público (que é inaugurada com a quantidade de diagnósticos que agora passam a ter, a elaboração de planos de execução e a implementação de meios de acompanhamento) é um passo importante para o alcance do mínimo existencial. A colaboração com o Sistema Interamericano enriquece nosso acervo de soluções e confere condições aos padrões internacionais. Contudo, para que o modelo alcance todo seu potencial, é essencial que se ultrapassem limitações orçamentárias, que se estruturem equipes especializadas e que se fortaleça o controle social. Apenas assim as decisões do judiciário deixarão de ser simples peças formais e se transformarão em mudanças reais no cotidiano das pessoas.
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Aprovado no Concurso Público do Tribunal Regional do Trabalho de Pernambuco, no cargo de Oficial de Justiça Avaliador Federal. Estudante de Direito. Estagiário da Advocacia Geral da União. Foi estagiário no Ministério Público do Trabalho e na Procuradoria Geral do Estado de Pernambuco, foi aprovado e convocado para estágio no Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região, foi aprovado no estágio do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Luiz Guilherme Miranda de. Processo Estrutural, Direitos Fundamentais e Sistema Interamericano de Direitos Humanos na Atuação do Ministério Público Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 jul 2025, 04:44. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/69013/processo-estrutural-direitos-fundamentais-e-sistema-interamericano-de-direitos-humanos-na-atuao-do-ministrio-pblico. Acesso em: 14 ago 2025.
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