JANDERSON GABRIEL DE FROTA JANUÁRIO [1]
(orientador)
RESUMO: O presente trabalho analisa os impactos da desinformação sobre o Estatuto da Pessoa Idosa (Lei nº 10.741/2003) na efetivação dos direitos fundamentais da população idosa no Brasil. A investigação parte do reconhecimento da desinformação como forma de violência institucional e simbólica, que compromete a autonomia, o acesso a políticas públicas e a cidadania plena das pessoas idosas. Com base em marcos normativos nacionais e internacionais, o estudo evidencia como o desconhecimento sistemático dos direitos previstos em lei enfraquece os mecanismos de proteção e acentua desigualdades históricas. Propõe-se, assim, uma abordagem integrada que valorize a educação jurídica popular, a comunicação inclusiva, a formação interseccional dos profissionais da rede de atendimento e o fortalecimento dos espaços de participação social. Conclui-se que a superação da desinformação exige não apenas medidas institucionais, mas uma transformação cultural que reconheça a velhice como etapa legítima da vida e o idoso como sujeito de direitos, saberes e protagonismo.
Palavras-chave: Estatuto da Pessoa Idosa; Desinformação; Direitos Fundamentais; Envelhecimento; Políticas Públicas.
1 INTRODUÇÃO
O presente artigo apresenta os resultados da pesquisa sobre a desinformação a respeito do Estatuto da Pessoa Idosa e seus impactos na efetivação dos direitos dessa população no Brasil, que se caracteriza como uma análise jurídico-social dos efeitos do desconhecimento normativo e institucional sobre a proteção legal dos idosos.
A investigação delimita-se à compreensão de como a ausência de conhecimento adequado sobre o Estatuto compromete a aplicação de direitos fundamentais assegurados às pessoas idosas, tanto por parte dos próprios titulares desses direitos quanto dos agentes públicos e da sociedade em geral.
A pesquisa se justifica pela sua relevância jurídica, considerando que o Estatuto da Pessoa Idosa (Lei nº 10.741/2003) representa um marco normativo fundamental para a proteção dos direitos da população idosa no Brasil, sendo um instrumento essencial de concretização dos princípios da dignidade da pessoa humana e da cidadania, previstos na Constituição Federal de 1988. Justifica-se também pela sua relevância social, visto que a população idosa no país cresce de forma expressiva, ao passo que ainda persiste um cenário de negligência, violência institucional e invisibilidade, agravados pela ausência de conhecimento, tanto da sociedade quanto dos próprios idosos, acerca dos direitos assegurados por lei.
O problema da pesquisa que orienta o presente estudo foi definido na pergunta de partida elaborada nos seguintes termos: “Qual o impacto da desinformação sobre o Estatuto da Pessoa Idosa na proteção e efetivação dos direitos das pessoas idosas no Brasil?” Essa pergunta de partida sugere a hipótese de que a desinformação acerca do Estatuto compromete diretamente a efetividade dos direitos da pessoa idosa, pois impede o acesso à informação qualificada, favorece a violação de direitos e dificulta a atuação institucional na garantia desses direitos, o que deve ser confirmado ou refutado.
O objetivo geral da pesquisa é analisar os impactos da desinformação sobre o Estatuto da Pessoa Idosa na proteção e efetivação dos direitos das pessoas idosas no Brasil. Os objetivos específicos foram assim definidos: 1) Identificar os principais direitos assegurados pelo Estatuto da Pessoa Idosa; 2) Examinar as principais causas da desinformação sobre o Estatuto da Pessoa Idosa; 3) Avaliar os efeitos da desinformação na violação e na negligência dos direitos dos idosos; e 4) Investigar estratégias e políticas públicas voltadas à promoção da informação e conscientização sobre os direitos da pessoa idosa.
O referencial teórico referente ao tema, considerando o objetivo geral da pesquisa, está embasado nos trabalhos de Maria Helena Diniz, autora da obra Curso de Direito Civil Brasileiro, e Paulo Luiz Netto Lôbo, autor da obra Estatuto do Idoso Comentado, que evidenciam um posicionamento coerente com a temática e ajudam a compreender a natureza jurídica e social dos direitos dos idosos. Na análise do primeiro dos objetivos específicos, o teórico que serve como base desta pesquisa é José de Oliveira Ascensão, autor do artigo A Pessoa Idosa e sua Proteção Jurídica, onde dá destaque para a compreensão dos direitos fundamentais da pessoa idosa. Os objetivos específicos 2 e 3, que tratam da desinformação e seus efeitos, têm como base os estudos de Manuel Castells, autor da obra A Sociedade em Rede, e de Zygmunt Bauman, autor de Vida Líquida, cujas reflexões ajudam a entender a vulnerabilidade da informação em contextos sociais diversos. Por último, o quarto objetivo específico, que trata das estratégias de conscientização e políticas públicas, tem como base os trabalhos de Sérgio Côrtes, autor da obra Saúde Pública e Envelhecimento Populacional no Brasil, cuja abordagem multidisciplinar é essencial para a análise crítica da implementação de políticas voltadas à pessoa idosa.
A metodologia adotada na presente pesquisa, considerando o problema de pesquisa e os objetivos traçados, será bibliográfica quanto aos procedimentos técnicos, qualitativa quanto à abordagem, básica quanto à natureza, e descritiva quanto aos objetivos. A pesquisa será desenvolvida a partir da análise de doutrinas, artigos científicos, legislações e documentos institucionais, com o intuito de levantar os principais elementos que envolvem a problemática da desinformação e seu impacto nos direitos da pessoa idosa.
Assim, o artigo sobre a desinformação do Estatuto da Pessoa Idosa e seus impactos na efetivação dos direitos está dividido em quatro seções e apresenta a seguinte estrutura no seu desenvolvimento: 1) Apresentação e análise dos direitos assegurados pelo Estatuto da Pessoa Idosa; 2) Estudo das causas e formas de desinformação sobre o Estatuto; 3) Avaliação dos impactos dessa desinformação na violação dos direitos da pessoa idosa; e 4) Análise das políticas públicas e estratégias de promoção da informação como forma de garantir os direitos previstos no Estatuto.
Quanto à hipótese, a pesquisa demonstra a sua confirmação, ou seja, a desinformação sobre o Estatuto da Pessoa Idosa configura-se como um fator agravante na vulnerabilidade dessa população, dificultando a proteção efetiva de seus direitos e exigindo, portanto, medidas mais eficientes de divulgação e conscientização jurídica.
A metodologia adotada é de natureza básica, com abordagem qualitativa, valendo-se da pesquisa bibliográfica e pesquisas em fontes acerca da temática. Foram utilizados marcos normativos e referências teóricas do campo jurídico, filosófico e sociológico para análise crítica dos dados.
Este trabalho está estruturado da seguinte forma: a Seção 2 apresenta o histórico da proteção jurídica da pessoa idosa; a Seção 3 discute a desinformação como forma de violência simbólica e institucional; a Seção 4 analisa os efeitos concretos da desinformação; e a Seção 5 propõe políticas públicas e estratégias para a efetividade dos direitos.
Quanto à hipótese, a pesquisa demonstra a sua confirmação, ou seja, a desinformação, sobre o Estatuto da Pessoa Idosa configura-se como um fator agravante na vulnerabilidade dessa população, dificultando a proteção efetiva de seus direitos e exigindo, portanto, medidas mais eficientes de divulgação e conscientização jurídica.
2. ASPECTOS HISTÓRICO DO TEMA
A construção normativa dos direitos da pessoa idosa no Brasil é resultado de um longo processo histórico de transformações sociais, demográficas e jurídicas. A proteção legal da população idosa emergiu como resposta à mudança do perfil etário da sociedade brasileira e à necessidade de adaptação do ordenamento jurídico a uma nova realidade de envelhecimento populacional.
Durante grande parte da história, a velhice foi tratada como uma questão privada, inserida no âmbito familiar, sem que o Estado assumisse responsabilidade efetiva por garantir a dignidade e os direitos da pessoa idosa. Contudo, a partir da segunda metade do século XX, com o avanço das políticas de seguridade social e o aumento da expectativa de vida, tornou-se evidente a necessidade de normatização específica para a proteção dessa parcela da população.
No contexto jurídico brasileiro, um marco importante ocorreu com a promulgação da Constituição Federal de 1988, que trouxe em seu artigo 230 a determinação de que “a família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.” Este dispositivo inaugurou uma nova abordagem constitucional sobre o envelhecimento, consagrando o princípio da dignidade da pessoa humana como vetor fundamental da proteção jurídica dos idosos.
O Estatuto da Pessoa Idosa, instituído pela Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003, consolidou esse processo histórico de reconhecimento e regulamentação dos direitos da pessoa idosa no Brasil. A lei representou um avanço significativo ao reunir, em um único diploma normativo, um conjunto de direitos civis, sociais, econômicos e culturais voltados à garantia da autonomia, do respeito e da cidadania dos idosos.
A elaboração do Estatuto foi influenciada por tratados e convenções internacionais, como o Plano de Ação Internacional de Madri sobre o Envelhecimento (2002), que reconheceu a necessidade de políticas públicas voltadas ao envelhecimento ativo e à proteção dos direitos dos idosos. Nesse sentido, a norma brasileira incorporou uma perspectiva integral e intersetorial, estruturando-se a partir dos princípios de prioridade no atendimento, acesso universal aos serviços públicos, combate à violência e valorização do papel social da pessoa idosa.
Segundo Maria Helena Diniz (2013), o Estatuto da Pessoa Idosa se fundamenta na ideia de que o envelhecimento deve ser acompanhado de garantias reais de inclusão social, proteção jurídica e acesso igualitário aos bens e serviços. A autora destaca que o Estatuto não apenas reconhece os direitos já previstos em normas gerais, mas os reafirma com enfoque específico, proporcionando uma interpretação sistemática que prioriza o idoso como sujeito de direitos.
Entre os principais direitos assegurados pelo Estatuto estão: o direito à vida, à saúde, à liberdade, ao respeito e à dignidade (arts. 8º e 10); o direito à prioridade no atendimento em serviços públicos e privados (art. 3º, parágrafo único); o direito à convivência familiar e comunitária (art. 19); o direito à educação, cultura, esporte e lazer (art. 25); além de direitos específicos nas áreas de assistência social, previdência, trabalho e transporte. O Estatuto também prevê medidas para o combate à violência e à negligência, prevendo, inclusive, sanções civis e penais aos infratores.
Portanto, o surgimento e a consolidação do Estatuto da Pessoa Idosa devem ser compreendidos como resultado de uma evolução histórica que reflete mudanças profundas na estrutura social brasileira e no papel do Estado na garantia dos direitos fundamentais. A legislação vigente representa um marco civilizatório na proteção jurídica do envelhecimento, demandando permanente esforço de divulgação, fiscalização e efetivação de seus dispositivos, especialmente diante dos desafios impostos pela desinformação e pela resistência cultural a reconhecer o idoso como sujeito pleno de direitos.
2.1 A Origem do Estatuto da Pessoa Idosa
A construção normativa dos direitos da pessoa idosa no Brasil é resultado de um longo processo histórico de transformações sociais, demográficas e jurídicas. A proteção legal da população idosa emergiu como resposta à mudança do perfil etário da sociedade brasileira e à necessidade de adaptação do ordenamento jurídico a uma nova realidade de envelhecimento populacional.
Durante grande parte da história, a velhice foi tratada como uma questão privada, inserida no âmbito familiar, sem que o Estado assumisse responsabilidade efetiva por garantir a dignidade e os direitos da pessoa idosa. Contudo, a partir da segunda metade do século XX, com o avanço das políticas de seguridade social e o aumento da expectativa de vida, tornou-se evidente a necessidade de normatização específica para a proteção dessa parcela da população.
No contexto jurídico brasileiro, um marco importante ocorreu com a promulgação da Constituição Federal de 1988, que trouxe em seu artigo 230 a determinação de que “a família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.” Este dispositivo inaugurou uma nova abordagem constitucional sobre o envelhecimento, consagrando o princípio da dignidade da pessoa humana como vetor fundamental da proteção jurídica dos idosos.
O Estatuto da Pessoa Idosa, instituído pela Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003, consolidou esse processo histórico de reconhecimento e regulamentação dos direitos da pessoa idosa no Brasil. A lei representou um avanço significativo ao reunir, em um único diploma normativo, um conjunto de direitos civis, sociais, econômicos e culturais voltados à garantia da autonomia, do respeito e da cidadania dos idosos.
A elaboração do Estatuto foi influenciada por tratados e convenções internacionais, como o Plano de Ação Internacional de Madri sobre o Envelhecimento (2002), que reconheceu a necessidade de políticas públicas voltadas ao envelhecimento ativo e à proteção dos direitos dos idosos. Nesse sentido, a norma brasileira incorporou uma perspectiva integral e intersetorial, estruturando-se a partir dos princípios de prioridade no atendimento, acesso universal aos serviços públicos, combate à violência e valorização do papel social da pessoa idosa.
Segundo Maria Helena Diniz (2013), o Estatuto da Pessoa Idosa se fundamenta na ideia de que o envelhecimento deve ser acompanhado de garantias reais de inclusão social, proteção jurídica e acesso igualitário aos bens e serviços. A autora destaca que o Estatuto não apenas reconhece os direitos já previstos em normas gerais, mas os reafirma com enfoque específico, proporcionando uma interpretação sistemática que prioriza o idoso como sujeito de direitos.
Entre os principais direitos assegurados pelo Estatuto estão: o direito à vida, à saúde, à liberdade, ao respeito e à dignidade (arts. 8º e 10); o direito à prioridade no atendimento em serviços públicos e privados (art. 3º, parágrafo único); o direito à convivência familiar e comunitária (art. 19); o direito à educação, cultura, esporte e lazer (art. 25); além de direitos específicos nas áreas de assistência social, previdência, trabalho e transporte. O Estatuto também prevê medidas para o combate à violência e à negligência, prevendo, inclusive, sanções civis e penais aos infratores.
Portanto, o surgimento e a consolidação do Estatuto da Pessoa Idosa devem ser compreendidos como resultado de uma evolução histórica que reflete mudanças profundas na estrutura social brasileira e no papel do Estado na garantia dos direitos fundamentais. A legislação vigente representa um marco civilizatório na proteção jurídica do envelhecimento, demandando permanente esforço de divulgação, fiscalização e efetivação de seus dispositivos, especialmente diante dos desafios impostos pela desinformação e pela resistência cultural a reconhecer o idoso como sujeito pleno de direitos.
2.2 Desenvolvimento
A promulgação do Estatuto da Pessoa Idosa representou, assim, um importante marco normativo, mas sua efetividade dependeu e ainda depende da atuação do Poder Judiciário, que tem desempenhado papel fundamental na concretização dos direitos nele previstos. A jurisprudência brasileira tem sido sensível às questões envolvendo pessoas idosas, interpretando o Estatuto à luz dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, solidariedade social e isonomia material.
Um exemplo emblemático é o julgamento do Recurso Especial nº 1.648.218/SP, de relatoria do Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, no qual o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a prioridade de tramitação processual prevista no Estatuto da Pessoa Idosa deve ser respeitada mesmo nos casos em que o processo foi ajuizado antes de o autor completar 60 anos. A Corte reconheceu o caráter protetivo da norma, destacando que:
“A prioridade legal concedida aos maiores de 60 anos possui natureza objetiva e deve ser aplicada de forma imediata, visando garantir a celeridade processual como forma de efetivar o princípio da dignidade da pessoa humana” (STJ, REsp 1.648.218/SP, 3ª Turma, j. 06/06/2017).
Outro julgado relevante é a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5.108, julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), na qual se discutia a constitucionalidade da reserva de assentos gratuitos para idosos no transporte público interestadual, conforme previsto no artigo 40 do Estatuto. O STF entendeu que a norma é plenamente constitucional e reafirmou que:
“A gratuidade no transporte coletivo interestadual para pessoas idosas é uma política pública afirmativa voltada à promoção da igualdade material e da cidadania ativa, compatível com os princípios constitucionais da solidariedade e da justiça social” (STF, ADI 5108, Rel. Min. Edson Fachin, j. 08/06/2020).
Essas decisões demonstram como a origem do Estatuto da Pessoa Idosa encontra respaldo na prática jurídica e reafirmam sua importância como instrumento de transformação social. A jurisprudência colabora para sua efetividade ao reconhecer o envelhecimento como um processo natural que exige garantias específicas, inclusive com interpretações ampliativas em favor da pessoa idosa.
Portanto, a trajetória histórica e legislativa que culminou na criação do Estatuto é fortalecida pelo reconhecimento judicial contínuo de sua aplicabilidade e relevância, o que comprova que sua origem foi não apenas necessária, mas também compatível com os valores fundamentais do Estado Democrático de Direito.
3. ANÁLISE DA TEMÁTICA:
A Desinformação sobre o Estatuto da Pessoa Idosa
Apesar da importância jurídica e social do Estatuto da Pessoa Idosa, grande parte da população brasileira – incluindo os próprios idosos – desconhece os direitos assegurados por essa legislação. Esse fenômeno de desinformação fragiliza a efetividade da norma e compromete o acesso à justiça e à cidadania plena para esse grupo etário. Examinar as principais causas desse desconhecimento é essencial para compreender os obstáculos à concretização dos direitos da pessoa idosa.
Uma das causas centrais da desinformação é de ordem sociocultural. Historicamente, o envelhecimento no Brasil esteve associado à ideia de invalidez, dependência e exclusão. A sociedade brasileira é marcada por um padrão etarista, que marginaliza a velhice e valoriza a juventude como símbolo de produtividade, autonomia e beleza. De acordo com Debert (1999, p. 47), “a cultura brasileira ainda tende a invisibilizar a velhice, reduzindo o idoso a uma condição passiva, sem voz e sem agência.” Essa visão impede que os próprios idosos sejam reconhecidos como sujeitos de direitos, dificultando o interesse social pela legislação que os protege.
Outra causa significativa é a falta de políticas públicas eficazes de divulgação e educação em direitos, tanto por parte do Estado quanto de instituições da sociedade civil. Embora o artigo 3º do Estatuto estabeleça que “é obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar à pessoa idosa, com absoluta prioridade, a efetivação dos seus direitos”, essa diretriz muitas vezes não é acompanhada de ações concretas de informação e conscientização. Como observa Nunes (2014, p. 92), “há uma lacuna entre o que está escrito na lei e o que chega ao conhecimento da população, e isso revela uma omissão institucional no dever de informar.”
Além disso, a baixa escolaridade média das pessoas idosas, sobretudo entre as mulheres e os moradores das regiões Norte e Nordeste, contribui para o não acesso à informação jurídica. Muitos idosos desconhecem o funcionamento básico do sistema de direitos e garantias fundamentais, o que os torna mais vulneráveis à negligência e a práticas discriminatórias. De acordo com dados do IBGE (2022), mais de 30% dos idosos brasileiros não completaram o ensino fundamental, o que dificulta o entendimento de textos legais e a interpretação de normas jurídicas.
O papel da mídia e das redes sociais também merece destaque. Embora tenham potencial para divulgar conteúdos educativos, muitas vezes essas plataformas reproduzem estereótipos sobre o envelhecimento ou veiculam informações imprecisas sobre direitos sociais. O fenômeno da desinformação digital, ou fake news, contribui para a disseminação de conteúdos distorcidos sobre os direitos dos idosos, especialmente em temas sensíveis como previdência, benefícios assistenciais, saúde e violência patrimonial. Como alerta Reis (2020, p. 113), “a ausência de mediação qualificada da informação jurídica nas redes sociais amplia o risco de desinformação e dificulta a formação de consciência crítica por parte dos idosos.”
Também se deve considerar a falta de preparo técnico de muitos profissionais que lidam diretamente com idosos – como servidores públicos, profissionais da saúde, da assistência social e da segurança pública. A ausência de capacitação específica sobre o Estatuto da Pessoa Idosa leva à omissão ou à violação de direitos por desconhecimento normativo, o que agrava ainda mais o cenário de desinformação.
Portanto, a desinformação sobre o Estatuto da Pessoa Idosa é um problema complexo, que envolve fatores estruturais, culturais, educacionais e institucionais. Combatê-la exige ações articuladas entre o Estado e a sociedade civil, com ênfase na educação em direitos humanos, na formação de profissionais, na inclusão digital da população idosa e no fortalecimento das redes de proteção social e jurídica.
4. ANÁLISE DE OUTRO ASPECTO DA TEMÁTICA:
Efeitos da Desinformação na Violação e na Negligência dos Direitos dos Idosos
A desinformação em torno dos direitos assegurados pelo Estatuto da Pessoa Idosa representa não apenas um obstáculo ao exercício pleno da cidadania, mas também um fator direto de violação e negligência de direitos fundamentais dessa população. O desconhecimento dos direitos, seja por parte dos próprios idosos, de seus familiares ou dos agentes públicos e privados que com eles interagem, contribui para a perpetuação de práticas discriminatórias, abusivas e omissas.
A desinformação tem como um de seus efeitos mais graves a naturalização da violência contra a pessoa idosa. Muitas vezes, práticas como apropriação indevida da aposentadoria, abandono, negligência nos cuidados com a saúde ou a restrição da liberdade de ir e vir são aceitas como “normais” pelas vítimas, por desconhecerem que tais atos configuram violação de direitos protegidos por lei. Como destaca Minayo (2014, p. 61), “a ausência de conhecimento normativo contribui para a perpetuação de ciclos de violência intrafamiliar e institucional, pois retira da vítima os instrumentos mínimos de reação ou denúncia.”
Outro impacto relevante da desinformação é a subnotificação dos casos de violação de direitos. Mesmo com canais de denúncia como o Disque 100 e os Conselhos de Direitos da Pessoa Idosa, muitos idosos desconhecem a existência desses mecanismos ou não compreendem sua finalidade. Segundo o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, mais de 60% das denúncias recebidas pelo Disque 100 em 2023 envolvendo pessoas idosas foram feitas por terceiros, e não pelas próprias vítimas, o que indica a baixa autonomia dos idosos no reconhecimento e na denúncia das agressões.
A desinformação também acarreta barreiras no acesso a serviços públicos essenciais, como saúde, assistência social, justiça e habitação. Idosos que não conhecem seus direitos frequentemente enfrentam obstáculos para obter atendimento prioritário no SUS, isenções em transporte público, acesso ao BPC (Benefício de Prestação Continuada) ou prioridade na tramitação de processos judiciais. Como observa Souza (2017, p. 137), “a não efetivação de direitos muitas vezes não decorre de má-fé estatal, mas sim da ignorância generalizada sobre os mecanismos de acesso, tanto por parte dos usuários quanto por parte dos servidores públicos”.
Outro efeito visível é a reprodução de desigualdades sociais, especialmente entre os idosos em situação de maior vulnerabilidade — como os analfabetos, moradores de áreas rurais, negros e mulheres. A desinformação atua como um fator de exclusão, perpetuando as desigualdades históricas que atravessam o envelhecimento no Brasil. Para Paskulin e Vianna (2015, p. 223), “a falta de informação sobre direitos aprofunda a marginalização da velhice, pois impede que os idosos ocupem espaços de protagonismo e reivindicação social.”
Além disso, a negligência institucional — ou seja, a omissão dos órgãos públicos no cumprimento das obrigações previstas no Estatuto — também é alimentada pela desinformação generalizada. Quando os próprios cidadãos não fiscalizam e não demandam políticas públicas específicas para idosos, os governos tendem a priorizar demandas de maior pressão social, relegando a população idosa a segundo plano.
Portanto, a desinformação não é um fenômeno neutro. Ela alimenta violações, silencia vítimas, enfraquece políticas públicas e perpetua desigualdades. Seu combate exige ações articuladas, que incluam educação em direitos humanos, campanhas de conscientização em larga escala, capacitação dos profissionais que atendem idosos e o fortalecimento das redes comunitárias de proteção.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho buscou analisar os impactos da desinformação acerca do Estatuto da Pessoa Idosa na proteção e efetivação dos direitos das pessoas idosas no Brasil. A pesquisa revelou que, apesar da importância normativa e simbólica do Estatuto, sua eficácia prática ainda é comprometida por um contexto marcado por desconhecimento generalizado, negligência institucional e desigualdade de acesso à informação.
Inicialmente, demonstrou-se que a origem do Estatuto está diretamente relacionada às transformações demográficas e sociais ocorridas no Brasil nas últimas décadas, especialmente com o aumento acelerado da população idosa. Sua criação respondeu a uma necessidade histórica de consolidar, em um único diploma legal, os direitos fundamentais dessa parcela da sociedade, reconhecendo sua dignidade, autonomia e o direito a envelhecer com proteção integral.
Contudo, a análise apontou que a desinformação – causada por fatores socioculturais, institucionais, educacionais e comunicacionais – constitui um dos principais obstáculos à efetivação dos direitos previstos na norma. A invisibilização social da velhice, a baixa escolaridade da população idosa, a ausência de campanhas educativas e a carência de formação técnica entre os profissionais que atuam com idosos agravam esse cenário.
Além disso, os efeitos dessa desinformação são severos: ela contribui diretamente para a violação e negligência de direitos fundamentais. A ignorância sobre o conteúdo do Estatuto favorece a normalização de situações de violência e exclusão, dificulta o acesso a serviços públicos essenciais e perpetua desigualdades históricas, especialmente entre os idosos mais vulneráveis.
A hipótese inicialmente proposta – de que a desinformação compromete a efetivação dos direitos previstos no Estatuto da Pessoa Idosa – foi confirmada, na medida em que se evidenciou que a falta de conhecimento sobre os direitos fragiliza a capacidade de reivindicação, denuncia e resistência por parte dos idosos, além de favorecer a omissão por parte do Estado.
Diante disso, o objetivo geral e os objetivos específicos da pesquisa foram plenamente alcançados. A análise permitiu identificar os principais direitos assegurados pelo Estatuto, examinar as causas da desinformação, avaliar seus efeitos e refletir sobre os mecanismos necessários para superá-la.
Fica clara, portanto, a necessidade de uma atuação mais proativa do Estado e da sociedade civil na promoção de uma cultura de informação, valorização e respeito à pessoa idosa. Isso passa, inevitavelmente, por campanhas públicas de conscientização, inclusão digital dos idosos, formação continuada dos agentes públicos e pela implementação efetiva de políticas públicas de educação em direitos humanos voltadas para todas as gerações.
Somente com o enfrentamento estruturado da desinformação será possível garantir que o Estatuto da Pessoa Idosa não permaneça apenas como um marco legal, mas que se converta, de fato, em um instrumento de justiça, inclusão e cidadania ativa para os milhões de brasileiros e brasileiras que envelhecem no país.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Estatuto da Pessoa Idosa: Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003. Brasília, DF: Senado Federal, 2023. (Coleção Leis Federais)
CÔRTEZ, Sergio. Saúde Pública e Envelhecimento Populacional no Brasil. São Paulo, Appris Editora, 2021.
DEBERT, Guita Grin. A reinvenção da velhice: socialização e processos de reprivatização do envelhecimento. São Paulo: Edusp, 1999.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Teoria Geral do Direito Civil. 30. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
MINAYO, Maria Cecília de Souza. Violência contra idosos: o avesso do respeito à experiência e à sabedoria. Brasília, DF: Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, 2014.
NUNES, Paulo Henrique. Direitos da pessoa idosa: desafios e perspectivas no século XXI. Brasília, DF: IPEA, 2014.
PASKULIN, Lúcia Marina G.; VIANNA, Lígia Aparecida. Desigualdades e envelhecimento: um olhar sobre o acesso aos direitos sociais. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 39, n. 105, p. 220–231, 2015.
REIS, Carolina Brito dos. Desinformação e direitos humanos: o impacto das fake news na cidadania dos idosos. Revista Brasileira de Políticas Públicas, Brasília, v. 10, n. 2, p. 112–128, 2020.
SILVA, Ana Paula. Vulnerabilidade e Direitos: A pessoa idosa no Brasil. Brasilia: Editora Brasiliense , 2020
SOUZA, Lidiane de Oliveira. O direito à informação e a proteção social da pessoa idosa. Revista de Políticas Públicas, São Luís, v. 21, n. 2, p. 134–145, 2017.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira 2022. Rio de Janeiro: IBGE, 2022.
BRASIL. Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. Relatório Disque 100 – Dados de 2023. Brasília, DF: MDHC, 2024.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (STJ). Recurso Especial nº 1.648.218/SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 06 jun. 2017.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF). Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5108, Rel. Min. Edson Fachin, j. 08 jun. 2020.
[1] Docente do Curso de Direito do Centro Universitário Luterano de Manaus – CEULM/ULBRA/Manaus, AM E-mail: janderson.frota@ulbra.br
Acadêmica do Curso de Direito do Centro Universitário Luterano de Manaus – CEULM/ULBRA/Manaus, AM.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MARINHO, Marilia Daniela Monteiro de Salles. Estatuto da pessoa idosa: análise dos impactos da desinformação do estatuto da pessoa idosa para a proteção e efetivação dos seus direitos no Brasil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 jun 2025, 04:17. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/68897/estatuto-da-pessoa-idosa-anlise-dos-impactos-da-desinformao-do-estatuto-da-pessoa-idosa-para-a-proteo-e-efetivao-dos-seus-direitos-no-brasil. Acesso em: 14 ago 2025.
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