Resumo: A adoção da Inteligência Artificial Generativa no Judiciário busca agilizar processos, reduzir a sobrecarga de demandas e aumentar a eficiência na prestação jurisdicional. No entanto, a automação das decisões judiciais levanta preocupações sobre transparência, imparcialidade e possíveis vieses algorítmicos. Este estudo analisa os benefícios e desafios dessa tecnologia, além de discutir o papel dos magistrados e da regulamentação nesse contexto.
Palavras-chave: Inteligência Artificial Generativa, Automação, Decisão Judicial, Ética, Direito Digital, Direitos Fundamentais
Abstract: The adoption of Generative Artificial Intelligence (AI) in the judiciary aims to expedite processes, reduce case backlogs, and enhance the efficiency of judicial services. However, the automation of judicial decisions raises concerns about transparency, impartiality, and potential algorithmic biases. This study examines the benefits and challenges of this technology, while also discussing the role of judges and regulatory frameworks in this context.
Key-words: Generative Artificial Intelligence, Automation, Judicial Decision, Ethics, Digital Law, Fundamental Rights
INTRODUÇÃO
Desde os primeiros passos da humanidade, a busca pelo novo é a força motriz que a conduz à superação de limites. Quando a primeira faísca rasgou a escuridão de um mundo ainda sem nome, algo mudou para sempre. De lá pra cá, a travessia civilizatória se desdobra em sucessivas metamorfoses. Embora o espectro da transformação possa, por vezes, provocar arrepios ou deixar um quê de desconfiança, é inevitável: ele já faz parte do nosso dia a dia, e redesenha, sem alarde, a forma como vivemos e sentimos o mundo.
No compasso desse avanço, o Direito não permanece alheio. Como ciência social, fundada nas relações humanas e moldada pelas transformações que delas emergem, ora exerce influência, ora se vê por elas influenciado. A Inteligência Artificial[1], outrora confinada às abstrações filosóficas ou às conjecturas dos romances de ficção científica, já ocupa espaço concreto no cenário jurídico contemporâneo. Em tribunais e escritórios de advocacia, ferramentas de IA despontam como parceiras na organização de fluxos de trabalho, na seleção de processos e na agilidade das tarefas jurídicas. Um número cada vez maior de profissionais tem se voltado às tecnologias, atraídos pela perspectiva de maior eficiência e pela promessa da produtividade que elas insinuam.
Deste modo, o movimento de adesão progressivo tem levado países a repensarem suas leis, na tentativa de estabelecer balizas seguras que protejam os usuários dos riscos que podem surgir com o uso desmedido e, por vezes, desprovido de critérios éticos. Ainda assim, convém lembrar que por detrás das máquinas há sempre a mão humana; por trás dos códigos, a intenção, consciente ou não, de quem os programou. Os algoritmos, que alimentam a Inteligência Artificial, carregam a marca do legado humano, com suas virtudes, falhas e contradições.
Diante da seara das incertezas, alguns questionamentos se impõem: Permaneceria a atuação da IA, no universo jurídico, limitada a funções meramente administrativas e operacionais? Ou haveria espaço para que avançasse sobre decisões, que tradicionalmente, são confiadas ao discernimento humano? O presente estudo se dedica a examinar os contornos e as consequências do uso da IA no âmbito do sistema jurídico. Busca-se aqui não apenas lançar luz sobre suas potencialidades, mas, sobretudo, refletir sobre os limites e as responsabilidades que inevitavelmente a acompanham.
1 EXPANSÃO E POPULARIZAÇÃO DA IA GENERATIVA
Os sistemas de Inteligência Artificial Generativa ganharam destaque a partir de 2022, com o surgimento de ferramentas que geram imagens e textos a partir de comandos, conhecidos como prompts. Esse avanço se intensificou no final de 2022 e início de 2023, com o lançamento e popularização do ChatGPT, da OpenAI (FOLETTO et al., 2025).
No campo jurídico, esse movimento levanta questões críticas. A presença humana na aplicação do Direito carrega, muitas vezes de forma inconsciente, significativos vieses cognitivos (PAMPLONA, 2001). Se até a mente humana é suscetível a julgamentos enviesados, o que dizer de criações tecnológicas moldadas por ela?
A IA, ao ser alimentada por dados contaminados por parcialidades, tende a replicar padrões de discriminação. A máquina em si não possui juízo de valor, mas os algoritmos que a regem refletem comportamentos humanos, gerando impactos significativos em contextos sensíveis como o Judiciário.
1.1 A arquitetura computacional como nova linguagem jurídica
Esta seção investiga como a lógica algorítmica reconfigura silenciosamente a prática jurídica. Ao abordar os aspectos técnicos de redes neurais e linguagem computacional, evidencia-se uma transformação profunda: o “fazer jurídico” passa a dialogar com estruturas digitais que operam segundo padrões semânticos e estatísticos.
O algoritmo, isoladamente, tem alcance limitado. Sua eficácia emerge da integração com outros códigos e estruturas, formando programas e softwares que operam como engrenagens de um sistema mais amplo (PORTO JR, 2017). A IA ultrapassa a mera automação: manipula vastos volumes de dados e aprende com base em experiências anteriores, o chamado machine learning.
Russell e Norvig (2022, p. 03) destacam que a IA combina duas dimensões: uma relacionada à racionalidade e motivação; outra, à sua forma de agir. Diferente de algoritmos tradicionais, os sistemas inteligentes evoluem de forma autônoma, como autodidatas digitais. Essa capacidade de adaptação os aproxima, em certo grau, do aprendizado humano.
1.2 Experiências regulatórias internacionais
Examina-se a seguir as tensões entre eficiência tecnológica e garantias fundamentais. O foco recai sobre iniciativas regulatórias, como o AI Act da União Europeia e experiências dos Estados Unidos e China, demonstrando a urgência de marcos jurídicos claros frente à aplicação da IA em decisões judiciais.
O AI Act, aprovado em 1º de agosto de 2024 pela Comissão Europeia[2], representa a primeira proposta normativa voltada exclusivamente à IA. Seu objetivo é assegurar padrões mínimos de segurança, privacidade e transparência no uso desses sistemas.
Outros países também avançam nesse debate. Na China, os chamados "Tribunais Inteligentes" propõem automatizar sentenças para minimizar erros humanos (SALMORIA, 2024). Já na França, a Lei 2019-222 proíbe o uso de IA na análise jurisprudencial, como forma de proteger a integridade do sistema judicial.
No Brasil, a ausência de regulamentação específica estava sendo um desafio. Camargo (2019) defende que critérios normativos mínimos são necessários para assegurar segurança jurídica e controle institucional no uso da IA no Judiciário.
Nos Estados Unidos, os sistemas preditivos ilustram os riscos dessa tecnologia. Ferramentas que atribuem pontuações de risco a acusados com base em critérios subjetivos revelam como a IA pode reforçar preconceitos em vez de neutralizá-los (STEIN, 2019).
Um exemplo emblemático é o caso de Brisha Borden e Vernon Prater: ela, negra, primária, foi rotulada como ameaça iminente; ele, branco, reincidente, classificado como de baixo risco. A divergência entre os perfis e as decisões algorítmicas evidencia os perigos de automatizar julgamentos humanos com base em critérios que escapam à sensibilidade do Direito (STEIN, 2019).
2 NORMATIZAÇÃO E PRINCÍPIOS ÉTICOS
Este capítulo examina o panorama normativo brasileiro à luz dos princípios éticos promovidos pela UNESCO. São avaliadas as iniciativas nacionais voltadas à criação de uma regulação própria da IA, sem perder de vista o cenário internacional. O foco recai sobre a tensão entre soberania legislativa e consensos globais, apontando para um horizonte de construção normativa ainda em curso.
As proposições legislativas brasileiras, ao priorizarem valores amplos, alinham-se à visão do presidente do STF, Ministro Luís Roberto Barroso[3], que sustenta: “nenhum arcabouço normativo, por mais sólido que pareça, dá conta, por completo, da velocidade e da complexidade que marcam os avanços tecnológicos contemporâneos”. Em contraste, a experiência europeia apresenta um modelo que combina princípios gerais com diretrizes concretas, demonstrando disposição em enfrentar os desafios práticos da era digital.
2.1 Constituição, LGPD e o direito à revisão
A Constituição Federal de 1988 é o marco de referência para o debate sobre os limites da IA no Direito. Fundada na dignidade da pessoa humana, no pluralismo e na igualdade substancial, ela funciona como escudo contra práticas que possam gerar discriminação ou desumanização. O desafio consiste em garantir que os sistemas algorítmicos respeitem essa base normativa, por mais avançados que sejam.
Nesse sentido, destaca-se a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que, em seu artigo 20, assegura aos titulares o direito de revisão de decisões tomadas exclusivamente com base em tratamento automatizado de dados pessoais:
Art. 20. O titular dos dados tem direito a solicitar a revisão de decisões tomadas unicamente com base em tratamento automatizado de dados pessoais que afetem seus interesses, incluídas as decisões destinadas a definir o seu perfil pessoal, profissional, de consumo e de crédito ou os aspectos de sua personalidade (LGDP)
Contudo, essa prerrogativa está condicionada à interpretação do termo “unicamente”. Caso essa exigência seja compreendida de forma restritiva, pode-se comprometer o alcance da proteção, esvaziando o controle efetivo sobre decisões que impactam diretamente a trajetória individual (GONZAGA, 2025).
O jurista Danilo Doneda (2025) ressalta que a LGPD inaugura uma verdadeira arquitetura de garantias, impondo visibilidade, salvaguarda humana e rigor na adequação dos dados. No entanto, alerta que os perigos da IA transcendem o código: o risco não está apenas no excesso de algoritmos, mas na fé cega em sua objetividade, que pode transformar a supervisão humana em mera formalidade.
A exclusão do elemento humano compromete a interpretação crítica, relegando conceitos fundamentais como justiça, dignidade e liberdade a números e padrões. O dilema não é apenas técnico: trata-se de um espelho social que pode amplificar desigualdades (GONZAGA, 2025)..
Nesse contexto, emerge a pergunta: seria a máquina capaz de compreender o significado profundo da justiça? A resposta permanece incerta. A jurisprudência brasileira revela a importância da interpretação humana, que considera variáveis culturais, históricas e sociais que os sistemas automatizados são incapazes de captar.
Nideröst (2023, p. 55) adverte que, ao aprender com dados, a IA não possui meios de questionar a validade das informações recebidas. Assim, qualquer distorção nos dados tende a ser perpetuada pelas decisões automatizadas. Isso torna imprescindível a existência de métodos de revisão que identifiquem e corrijam vieses à medida que eles surgem.
2.2 Dilemas interpretativos e necessidade de supervisão
À luz do que foi discutido até aqui, torna-se possível vislumbrar como os mecanismos de Inteligência Artificial podem oferecer alternativas à chamada “crise no Poder Judiciário” (BRITO, et al., 2020). Ainda assim, persiste a indagação: até onde essas tecnologias podem avançar além dos usos já consagrados nos tribunais?
A questão vai além da repetição de fluxos processuais automatizados. Ela atinge o núcleo da estrutura que sustenta o sistema de justiça. O ordenamento jurídico estaria preparado para acolher uma reconfiguração normativa tão profunda? Haveria disposição política e recursos suficientes para sustentar essa transformação?
Nesse cenário, torna-se crucial interpretar com cautela a exigência legal de “tratamento unicamente automatizado”, prevista na LGPD. A mera inserção formal de uma figura humana não garante, por si só, transparência ou equidade. A proteção de dados exige uma supervisão efetiva, uma supervisão que reforce a centralidade da dignidade humana na aplicação da IA (GONZAGA, 2025).
2.3 Mediação, ODRs e automatização da execução
A aplicação da IA ganha destaque especialmente na fase de mediação e conciliação, despontando como estratégia para a desjudicialização de conflitos. A previsão legal nos artigos 3º, §3º, e 334 do CPC/15 já fomenta os métodos autocompositivos, tendência que se acelerou com a pandemia da COVID-19. Com a suspensão das audiências presenciais, as Online Dispute Resolution (ODRs) surgiram como solução concreta.
Por meio de plataformas digitais, as partes podem negociar acordos remotamente, com economia de tempo e recursos (LOPES, 2018). Mas essas plataformas vão além da digitalização: atuam como uma “quarta parte” no processo. Elas instruem, identificam padrões e sugerem soluções com base em algoritmos inteligentes.
Casos internacionais como o da Colúmbia Britânica, no Canadá, mostram resultados promissores: a plataforma evita o ajuizamento de litígios simples, poupando tempo e custos (MARQUES, 2019). No Brasil, a adoção de ODRs em demandas envolvendo consumidores, seguradoras e litigantes habituais pode gerar ganhos de eficiência e inibir condutas processuais abusivas (BRITO et al., 2020).
Outro benefício das ODRs é sua capacidade de mapear demandas repetitivas. Para Zanetti e Cabral (2019, p. 03) a IA pode detectar padrões jurídicos por região, acionando o Ministério Público ou órgãos especializados. Quando não houver acordo, o sistema pode remeter o caso ao trâmite tradicional; se houver consenso, produz automaticamente o termo de homologação judicial.
Durante a execução, a IA pode ser ainda mais estratégica. Integrada a sistemas como BacenJud, RenaJud e InfoJud, ela automatiza bloqueios de ativos e cruzamento de dados financeiros, acelerando a satisfação do crédito e otimizando a atuação humana (BRITO et al., 2020).
Assim, mesmo com desafios iniciais de financiamento, o impacto transformador da IA é nítido: conciliações mais eficazes, execução mais precisa e um Judiciário mais orientado à efetividade da tutela (RABELO, 2025).
2.4 Ganhos de eficiência e desafios operacionais
A ideia de um juiz-robô gera controvérsias. A ausência de neutralidade nos algoritmos é um ponto crítico: a IA aprende com dados que podem refletir vieses sociais, comprometendo a imparcialidade da decisão.
Ignorar a tecnologia, no entanto, não é viável. (CARDOSO, 2024). O Judiciário brasileiro enfrenta um cenário de ineficiência estrutural. Importante lembrar que nem mesmo o juiz humano é plenamente neutro. Por isso, a Constituição (art. 93, IX) e o CPC (art. 489, §1º) exigem fundamentações claras nas decisões.
A imparcialidade, ainda que não expressa de forma literal na Constituição, é um valor processual essencial. Souza (2018) aponta que ela se desdobra em objetividade, isenção, transparência e neutralidade, esta última, frequentemente colocada em xeque. Pamplona Filho (2001) reforça que a neutralidade absoluta é inalcançável: toda decisão carrega predisposições.
Assim, também os sistemas de IA decisória devem observar os princípios constitucionais, tais como, transparência algorítmica; acesso à lógica de funcionamento; controle de bases de dados enviesadas e auditoria pública dos sistemas, especialmente quando privados.
A supervisão desses algoritmos deve ser feita por equipes multidisciplinares, pois há casos documentados de decisões judiciais marcadas por racismo, machismo e preconceitos sociais (Agência Pública, 2017; MEGGIOLARO, 2018; BRITO et al., 2020).
Nos EUA, o Algorithmic Accountability Act prevê auditorias e medidas corretivas diante de vieses discriminatórios. Na União Europeia, a regulação segue caminho semelhante. A França, como já abordado, optou por proibir o uso da IA na análise jurisprudencial. (BRITO, et al., 2020)
Diante desse cenário, urge uma legislação brasileira específica que defina critérios mínimos de desenvolvimento, uso e fiscalização de algoritmos no Judiciário, que deva garantir segurança jurídica, controle democrático e supremacia do julgamento humano. (SANCTIS, 2020)
Sendo assim, a decisão final, aquela que pesa, que julga, que transforma, deve continuar sendo humana. A tecnologia pode apoiar, mas não substituir, o juízo ético e responsável da magistratura.[4]
3 ENTRE A PRESSÃO PROCESSUAL E A REGULAÇÃO ÉTICA
Como amplamente divulgado em artigos científicos nas mais diversas áreas que compõem a esfera jurídica e ratificado pelo Presidente do STF, Luís Roberto Barroso recentemente; a Justiça brasileira vive um ponto de virada: afogada em milhões de processos[5], e pressionada por demandas de agilidade, encontra na inteligência artificial uma aliada estratégica, ainda que cercada por dilemas éticos. O CNJ, atento a esse avanço, mapeia usos e riscos das tecnologias generativas e responde com a Resolução nº 615/2025, que define limites e orienta sua aplicação. Com isso, o Brasil se reposiciona no debate global sobre justiça digital e governança algorítmica (RABELO, 2025).
O novo texto representa um redesenho substancial da Resolução nº 332/2020, cuja abordagem, mais principiológica, mostrava-se insuficiente frente às novas complexidades do uso da IA no sistema de justiça. Entre as medidas adotadas, destacam-se diretrizes mais precisas para o ciclo de vida dos sistemas de IA, da concepção ao monitoramento pós-implementação, exigências formais de transparência algorítmica, proteção de dados sensíveis, e critérios para auditoria, explicabilidade e responsabilização institucional (MENDES et al., 2025).
Essa evolução normativa foi precedida por uma investigação detalhada conduzida pelo CNJ, que mapeou percepções, práticas e preocupações de magistrados e servidores diante do avanço da IA generativa. O relatório resultante, “Mapeando Riscos da IA no Poder Judiciário Brasileiro” [6], lança luz sobre um fenômeno ainda em ebulição institucional.
Segundo o levantamento, quase metade dos juízes (49,4%) e servidores (49,5%) declarou fazer uso dessas ferramentas, ainda que com frequência esporádica ou eventual em cerca de 75% a 80% dos casos. Os sistemas mais mencionados incluem plataformas como ChatGPT (OpenAI), Copilot (Microsoft) e Gemini (Google), compondo o cenário atual dominado por grandes corporações (MENDES et al., 2025).
3.1. A Resolução nº 615/2025 e o avanço institucional
Para o CNJ, o avanço da IA no Judiciário exige mais que atualização tecnológica: requer maturidade institucional na definição de limites éticos e operacionais. A nova resolução não opera por abstrações, mas por diretrizes tangíveis, concebidas para mitigar riscos e orientar o uso ético da IA em conformidade com o devido processo legal e com a dignidade da pessoa humana. Dentre os mecanismos previstos, destacam-se procedimentos específicos de supervisão e auditoria; proibição de uso em situações de risco elevado e restrição à aplicação da IA generativa por magistrados em contextos sensíveis.
A estrutura normativa apresentada reafirma a necessidade de preservar o elemento humano nas decisões judiciais e de impedir qualquer delegação indevida de responsabilidade decisória às máquinas.
3.2. Diretrizes, salvaguardas e capacitação
A Resolução, que entrará em vigor em julho próximo, estabelece salvaguardas que consolidam a IA como instrumento de apoio, não substituto, da magistratura. A atuação dos juízes permanece soberana.
O texto ancora-se em princípios éticos que protegem direitos fundamentais. Veda-se categoricamente qualquer uso discriminatório da IA, especialmente tentativas de classificar ou prever comportamentos com base em atributos pessoais ou sociais (MAFRA, 2025).
Rabelo (2025) destaca que os pontos relevantes incluem, registro obrigatório das ferramentas na plataforma Sinapses, para garantir transparência e rastreabilidade, ênfase na capacitação contínua de magistrados e servidores, com foco em letramento digital e análise crítica, autonomia dos tribunais para adaptar soluções, desde que respeitem as diretrizes estabelecidas e fomento à cooperação institucional e interoperabilidade, com compartilhamento de boas práticas.
3.3 O papel da advocacia no uso ético da Inteligência Artificial
Diante das mudanças impostas pela inteligência artificial ao sistema de justiça, a advocacia também atravessa um processo de adaptação que exige cautela e reflexão. Em 2024, a OAB aprovou recomendações que reforçam o uso ético da IA como ferramenta auxiliar[7], especialmente em pesquisas de jurisprudência e doutrina, sem jamais substituir o discernimento profissional.
A Recomendação nº 001/2024[8], estabelece que cabe ao advogado validar informações, interpretar contextos e preservar as prerrogativas exclusivas da profissão, assegurando que o algoritmo complemente e nunca eclipse, a atuação humana.
Essa diretriz posiciona a advocacia como pilar essencial de equilíbrio, capaz de conferir controle, legitimidade e responsabilidade ao uso crescente da IA no ambiente jurídico.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A presente análise evidenciou como o avanço tecnológico tem pressionado o Judiciário a adotar soluções para lidar com a sobrecarga processual. Nesse contexto, a inteligência artificial generativa surge como ferramenta auxiliar, jamais substitutiva, reafirmando que o ato de julgar demanda mais do que eficiência técnica: exige sensibilidade, prudência e um compromisso ético com a singularidade de cada caso. A racionalidade jurídica, portanto, não pode ser dissociada da dimensão humana que a fundamenta.
A incorporação de modelos generativos, como ChatGPT, Copilot e Gemini, já se faz notar em tarefas específicas dentro dos tribunais, indicando uma transição institucional em curso. A Resolução nº 615/2025, elaborada pelo CNJ, surge como resposta normativa a esse movimento, estabelecendo parâmetros claros para o uso da IA. Ao promover governança, transparência e limites éticos, o normativo não reprime a inovação, ao contrário, orienta seu uso responsável, protegendo dados, evitando discriminações e assegurando a audição humana.
Por fim, embora a IA ofereça ganhos operacionais significativos, o valor de sua aplicação reside em seu alinhamento com os princípios constitucionais e com a justiça substancial. Mais do que automatizar decisões, é preciso garantir que as tecnologias reforcem a legitimidade do processo judicial. O avanço, aqui, não se mede apenas pela velocidade, mas pela preservação da dignidade na escolha de uso, pois justiça, em última instância, continua sendo um ato humano de responsabilidade compartilhada.
REFERÊNCIAS
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BRITO, Thiago Souza; FERNANDES, Rodrigo Saldanha. Inteligência artificial e a crise do poder judiciário: linhas introdutórias sobre a experiência norte-americana, brasileira e sua aplicação no direito brasileiro. Revista Acadêmica da Faculdade de Direito do Recife, v. 91, n. 2, p. 84-107, 2020. Disponível em: https://periodicos.ufpe.br/revistas/ACADEMICA/article/download/247757/36755 Acesso em: 28 fev 2025.
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CARDOSO, Lucinete. Artigo: Juiz ou robô? O futuro do judiciário está a um clique. Publicado no Site Migalhas, 29 out 2024. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/418481/juiz-ou-robo-o-futuro-do-judiciario-esta-a-um-clique Acesso em: 01 mai 2025
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ZANETI JÚNIOR, Hermes; CABRAL, Antônio do Passo. Entidades de infraestrutura específica para resolução de conflitos coletivos: As Claims Resolutions Facilities e Sua Aplicabilidade no Brasil. Revista dos Tribunais, v. 287, p. 445-483, jan 2019. Disponível em: https://www.academia.edu/38285286/Zaneti_e_Cabral_Claim_Resolution_Facilities_pdf Acesso em: 21 mai 2025
[1] OECD - Recommendation of the Council on Artificial Intelligence “AI system is a machine-based system that, for explicit or implicit objectives, infers, from the input it receives, how to generate outputs such as predictions, content, recommendations, or decisions that can influence physical or virtual environments
[2] O Regulamento Inteligência Artificial da UE é o primeiro ato legislativo do mundo em matéria de inteligência artificial. Visa garantir que os sistemas de IA são seguros, éticos e de confiança. Disponível em: https://digital-strategy.ec.europa.eu/pt/policies/regulatory-framework-ai#:~:text=O%20Regulamento%20Intelig%C3%AAncia%20Artificial%20(Regulamento,IA%20de%20confian%C3%A7a%20na%20Europa Acesso: 01 mar 2025
[3] O ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), em 29 de janeiro de 2024, durante a inauguração do ano judicial da Corte Interamericana de Direitos Humanos, em San José, Costa Rica. Disponível em: https://luisrobertobarroso.com.br/?p=2132 Acesso em: 01 mar 2025
[4] Recomendação de uso para governança IA. Disponível em: https://www.transparencia.org.br/downloads/publicacoes/Recomendacoes_Governanca_Uso_IA_PoderPublico.pdf. Acesso: 01 mar 2025
[5] Presidente do STF abre Ano Judiciário de 2025 e destaca união entre Poderes pelos princípios da Constituição. Publicado no Site do STF, 03/02/25. Disponível em: https://noticias.stf.jus.br/postsnoticias/presidente-do-stf-abre-ano-judiciario-de-2025-e-destaca-uniao-entre-poderes-pelos-principios-da-constituicao/ Acesso: 26 mai 2025
[6] Disponível em: https://www.idp.edu.br/arquivos/cedis/relatorio-pesquisa-mapeando-riscos-da-ia-no-poder-judiciario-brasileiro.pdf Acesso em: 26 mai 2025
[7] Site OAB. OAB aprova recomendações para uso de IA na prática jurídica. 11 nov 2024. Disponível em:https://www.oab.org.br/noticia/62704/oab-aprova-recomendacoes-para-uso-de-ia-na-pratica-juridica Acesso em: 26 mai 2025
[8] Disponível em: https://diario.oab.org.br/pages/materia/842347 Acesso em: 26 mai 2025
Graduanda em Direito, servidora pública estadual
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ANDRADE, Jessica Albuquerque. O uso da IA generativa no Judiciário: a importância de limites legais para evitar discriminação e ampliar o acesso à justiça: Como regulamentar o uso da Inteligência Artificial em decisões judiciais tradicionalmente humanas no Brasil? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 jun 2025, 04:33. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/68786/o-uso-da-ia-generativa-no-judicirio-a-importncia-de-limites-legais-para-evitar-discriminao-e-ampliar-o-acesso-justia-como-regulamentar-o-uso-da-inteligncia-artificial-em-decises-judiciais-tradicionalmente-humanas-no-brasil. Acesso em: 14 ago 2025.
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
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