A Lei Complementar nº 214, de 16 de janeiro de 2025, promoveu uma profunda revisão no sistema tributário brasileiro ao instituir o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS). Dentre as diversas inovações normativas trazidas por este novo diploma legal, destaca-se a imposição de vinculação obrigatória entre a liquidação financeira de uma transação e o correspondente documento fiscal eletrônico, especialmente no âmbito do regime de recolhimento denominado split payment.
Tal exigência encontra-se disciplinada nos arts. 31 e 32 da LCP 214/25, inseridos na Subseção III – Do Recolhimento na Liquidação Financeira (Split Payment). O art. 31 estabelece que os prestadores de serviços de pagamento e operadores de arranjos de pagamento devem, no ato da liquidação financeira, segregar e recolher os valores correspondentes ao IBS e à CBS devidos em cada operação. Para tanto, impõe-se a vinculação entre a transação de pagamento e o respectivo documento fiscal eletrônico (art. 31, § 1º).
Esta vinculação, longe de ser meramente administrativa, traduz uma verdadeira mudança paradigmática na relação entre contribuinte, Fisco e intermediários financeiros. O art. 32 detalha que o fornecedor deverá incluir, no documento fiscal eletrônico, as informações necessárias à vinculação com a transação de pagamento, bem como a identificação dos valores devidos a título de IBS e CBS. Tais dados serão transmitidos aos prestadores de serviços de pagamento por meio do próprio fornecedor, por plataforma digital (art. 22) ou por terceiro que receba o pagamento (art. 32, incisos I a III).
A vinculação obrigatória traz à tona questões operacionais complexas. Os prestadores de serviços de pagamento deverão consultar sistema eletrônico gerido pela Receita Federal do Brasil e pelo Comitê Gestor do IBS, com a finalidade de validar os valores a serem segregados e recolhidos (art. 32, § 3º). Caso o sistema esteja indisponível, o recolhimento ocorrerá com base nas informações transmitidas, sendo os ajustes posteriores efetuados conforme a apuração dos tributos (art. 32, §§ 5º e 6º).
Sob a perspectiva da arrecadação, a medida representa um salto qualitativo. Permite-se, assim, um recolhimento praticamente instantâneo dos tributos, além de mitigar o risco de inadimplemento fiscal. O valor devido ao erário não mais transita pela esfera patrimonial do contribuinte, reduzindo sensivelmente as possibilidades de inadimplemento contumaz ou de fraudes estruturadas. Trata-se de instrumento que, sem impor aumento de carga tributária, maximiza a eficiência do sistema.
Por outro lado, a complexidade tecnológica que envolve a implantação desta vinculação merece atenção. Será necessária integração eficiente entre os sistemas dos contribuintes, dos prestadores de serviços de pagamento, das plataformas digitais e da administração tributária. Eventuais inconsistências nos dados transmitidos podem acarretar recolhimentos incorretos, exigindo posteriores ajustes, com possíveis reflexos jurídicos.
É importante observar que a LCP 214/25 não atribui responsabilidade tributária aos prestadores de serviço de pagamento, que atuam apenas como agentes instrumentais da arrecadação. Cabe-lhes, todavia, a responsabilidade de proceder à correta segregação e recolhimento, nos moldes estabelecidos pela lei (art. 34, § 2º). A responsabilidade pela veracidade das informações transmitidas permanece integralmente com o fornecedor (art. 34, § 3º).
A instituição dessa obrigatoriedade representa também uma forma de combate à economia subterrânea, ao inibir a não emissão de documentos fiscais. Sem a vinculação da transação financeira ao documento fiscal, não haverá liquidação plena da operação. Dessa forma, a prática de omissão fiscal tende a se tornar menos viável, promovendo maior conformidade e justiça fiscal.
O ponto de partida para essa transformacão é a precisão dos dados que comporão o documento fiscal. A normatização detalhada das informações exigidas, a padronização dos sistemas e o treinamento dos agentes envolvidos serão elementos decisivos para o pleno funcionamento do modelo.
A exigência de vinculação obrigatória, ao fim, revela uma busca por maior controle e previsibilidade na arrecadação. Mais do que um mecanismo de eficientização, trata-se de uma manifestação da nova era da administração tributária: data-driven, automatizada e menos dependente da atuação repressiva.
Com isso, a LCP 214/25 inaugura uma arquitetura fiscal que exige do contribuinte não apenas o cumprimento formal de deveres instrumentais, mas também o pleno alinhamento de seus sistemas internos aos padrões exigidos pelo Fisco. Um novo paradigma se impõe: onde houver pagamento, haverá tributo recolhido. E esse recolhimento dependerá de dados precisos, transmitidos em tempo real. Essa é a promessa e também o desafio que a vinculação obrigatória nos convida a compreender e implementar.
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