A edição da Lei Complementar nº 214, de 16 de janeiro de 2025, marca uma transformação sem precedentes no sistema tributário nacional, em especial no que tange à substituição do PIS e da COFINS pela Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS). Entre os diversos aspectos regulados pela nova legislação, destaca-se o disciplinamento minucioso da utilização e compensação dos créditos acumulados de PIS e COFINS após a extinção dessas contribuições. A partir de 1º de janeiro de 2027, data da efetiva implementação da CBS, os contribuintes deverão observar regras específicas para a correta destinação desses créditos, resguardando sua legitimidade e conformidade com as novas diretrizes.
O ponto de partida dessa transição encontra-se no art. 378 da LC 214/25. O dispositivo confere validade aos créditos de PIS e COFINS devidamente escriturados e não utilizados até a data de extinção, permitindo sua compensação com a CBS ou com outros tributos administrados pela Receita Federal do Brasil (RFB), bem como seu ressarcimento em dinheiro. A possibilidade de ressarcimento, contudo, não constitui uma prerrogativa irrestrita, exigindo a observância das condições estabelecidas pela legislação vigente à época da geração do crédito e dos procedimentos regulamentares da RFB.
A legislação avança, ainda, em situações de devolução de mercadorias originalmente comercializadas antes de 1º de janeiro de 2027. Nos termos do art. 379, na hipótese de devolução de bens cuja venda originária tenha sido tributada pelo PIS e pela COFINS, o contribuinte fará jus a um crédito de CBS equivalente ao valor das contribuições incidentes na operação devolvida. Importante ressaltar que esse crédito só poderá ser utilizado para compensação com a CBS, estando expressamente vedada a compensação com outros tributos federais ou seu ressarcimento em dinheiro.
Outra situação tratada com precisão pela LC 214/25 diz respeito aos créditos apropriados mediante quotas mensais de depreciação, amortização ou exaustão. Conforme o art. 380, tais créditos poderão continuar sendo apropriados, sob a forma de créditos presumidos da CBS, respeitando as regras vigentes à época da aquisição do bem. Com efeito, a apropriação deverá cessar na data da alienação do bem ou direito que a ensejou, vedada a cumulatividade de créditos após a sua alienação.
Especial destaque merece o regime excepcional de crédito presumido para estoques em 1º de janeiro de 2027. O art. 381 disciplina três hipóteses nas quais os contribuintes poderão apurar crédito presumido de CBS sobre estoques de bens adquiridos antes da vigência da nova contribuição: (i) estoques mantidos por contribuintes do regime cumulativo em 31/12/2026; (ii) estoques sujeitos a regime monofásico ou de substituição tributária; e (iii) estoques cujas aquisições sofreram vedação parcial de creditamento de PIS/COFINS.
A apuração desses créditos deverá ocorrer até junho de 2027, sendo a utilização parcelada em doze prestações mensais, exclusivamente para compensação com a CBS. É vedado qualquer ressarcimento em dinheiro ou compensação com tributos diversos. Tal medida visa evitar a perda de créditos legitimamente constituídos em relação a bens em estoque, ao mesmo tempo em que impede um fluxo excessivo de ressarcimentos que comprometam o equilíbrio fiscal.
Com o fito de organizar a utilização dos créditos remanescentes de PIS e COFINS, o art. 382 estabelece critério de prioridade na compensação: os créditos antigos devem ser utilizados preferencialmente em relação aos créditos de CBS. Essa preferência objetiva garantir o esgotamento dos saldos remanescentes do antigo sistema antes da efetiva apropriação de créditos no novo modelo.
Ademais, o art. 383 impõe prazo decadencial para a utilização dos créditos discutidos nos arts. 379 a 381, limitando seu uso ao período de cinco anos contados do último dia do período de apuração em que forem apropriados. Tal limitação visa conferir segurança jurídica ao fisco e aos contribuintes, evitando discussões acerca da vigência indefinida de créditos tributários.
O panorama traçado pela LC 214/25 revela um esforço normativo notável para disciplinar a transição entre regimes com previsão detalhada e precisa, preservando a segurança jurídica dos contribuintes e o equilíbrio das contas públicas. A transição da sistemática de PIS/COFINS para a CBS não se resume, assim, a um simples processo de substituição de alíquotas e bases de cálculo, mas envolve a complexa tarefa de assegurar a correta destinação de créditos já gerados, além de evitar prejuízos a contribuinte ou fisco.
Cumpre destacar que a legislação também sinaliza, nesse contexto, uma mudança de paradigma no que se refere à tributação do consumo e sua relação com o princípio da não cumulatividade. A CBS, como tributo sobre o valor adicionado, pretende reduzir a litigiosidade e a complexidade operacional, mas essa promessa está condicionada à efetiva implementação das diretrizes normativas, especialmente no que concerne à compensação e ressarcimento de créditos, ponto histórico de tensão entre fisco e contribuintes.
Em conclusão, a regulação da compensação dos créditos de PIS e COFINS após a extinção dessas contribuições configura-se como um dos pilares centrais da LC 214/25, exigindo dos operadores do Direito Tributário leitura atenta, interpretação sistemática e estrito cumprimento dos prazos e condições estabelecidos. Trata-se de um marco na transição tributária que requer planejamento estratégico e precisão técnica, visando a adequada gestão de créditos e a segurança fiscal das empresas no novo cenário tributário brasileiro.
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