A promulgação da Lei Complementar nº 214, de 16 de janeiro de 2025, marca um novo ciclo na estrutura tributária brasileira, ao instituir, ao lado do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS), o Imposto Seletivo (IS), delineado com base no artigo 153, inciso VIII, da Constituição Federal. Este novo tributo, detalhado a partir do artigo 409 da referida Lei, insere-se no contexto de regulação econômica com o fito de desestimular o consumo e a produção de bens e serviços considerados prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente.
A matéria tributária, tradicionalmente afeita ao financiamento do Estado, revela neste dispositivo sua feição extrafiscal, assumindo papel ativo na promoção de políticas públicas de saúde, meio ambiente e sustentabilidade, sem descuidar dos efeitos econômicos que dela emergem. O artigo 409, ao instituir o IS, delimita seu campo de incidência, abrangendo as operações de produção, extração, comercialização e importação de bens e serviços danosos, cujos exemplos estão elencados no §1º do referido artigo, por meio da classificação de mercadorias na NCM/SH e dos serviços listados no Anexo XVII.
Dentre os bens sujeitos ao tributo destacam-se veículos, embarcações, aeronaves, produtos fumígenos, bebidas alcoólicas e adoçadas, bens minerais, bem como concursos de prognósticos e fantasy sports. Importante notar que, nos casos de produtos fumígenos e bebidas alcoólicas, a incidência restringe-se àqueles acondicionados em embalagem primária, destinada ao consumidor final (§2º). Trata-se de uma medida que visa responsabilizar a fase final da cadeia produtiva, focalizando a tributária sobre o consumo.
O desenho do IS privilegia a simplicidade e a não cumulatividade, ao mesmo tempo em que veda qualquer forma de aproveitamento de crédito relativo a operações anteriores ou posteriores (art. 410). A regra é coerente com a natureza seletiva do imposto, pois o objetivo não é permitir a compensação, mas sim onerar a cadeia de modo a desincentivar práticas consideradas nocivas.
A administração e fiscalização do IS caberá à Receita Federal do Brasil, segundo o art. 411, mantendo-se o Decreto nº 70.235/72 como marco do contencioso administrativo.
Quanto ao momento de ocorrência do fato gerador (art. 412), a legislação estabelece critérios objetivos: a primeira entrega do bem, arrematação, transferência não onerosa, incorporação ao ativo, extração mineral, consumo pelo fabricante, fornecimento ou pagamento do serviço, ou importação. A abrangência dos eventos busca evitar lacunas de incidência, especialmente em cadeias produtivas complexas.
O artigo 413 enumera as hipóteses de não incidência, sendo relevante a exclusão das operações com energia elétrica e telecomunicações, assim como dos bens e serviços com alíquotas reduzidas, nos termos da EC 132/23.
A base de cálculo do IS, conforme artigos 414 a 417, é adaptada às diversas naturezas das operações tributadas, podendo ser o valor de venda, de arrematação, valor contábil, ou valor de referência, o qual será fixado por ato do Executivo com base em cotações, índices e preços de mercado. Há regras específicas para relações entre partes relacionadas, com vistas a evitar manipulação de preços.
Não integram a base de cálculo a CBS, o IBS e o próprio IS, bem como descontos incondicionais e bonificações, excetuados os casos de alíquotas específicas (art. 417). Até 2032, também não integram a base de cálculo o ICMS e o ISS. As devoluções geram direito ao abatimento (art. 418).
No tocante às alíquotas (arts. 419 a 423), estas serão definidas em lei ordinária, podendo ser ad valorem, específicas ou cumulativas. Veículos, aeronaves e embarcações terão alíquotas graduadas conforme critérios ambientais e tecnológicos. Para produtos fumígenos e bebidas alcoólicas, aplicam-se alíquotas mistas, com escalonamento entre 2029 e 2033 para compensar a substituição do ICMS. Bens minerais estão sujeitos ao teto de 0,25%. O gás natural, quando destinado à indústria ou transporte, tem alíquota zero.
O contribuinte do IS é aquele que promove o fato gerador: fabricante, importador, arrematante, extrativista ou fornecedor de serviço (art. 424). Há previsão de responsabilidade tributária para transportadores e possuidores de produtos irregulares, bem como para aqueles que se beneficiem de imunidade para exportação, mas desviem bens ao mercado interno (art. 425).
Nas exportações, não há incidência (art. 426), mas a empresa exportadora responde pelo tributo se os bens não forem destinados ao fim exportador (art. 427). O controle do tabaco é estrito, vedando-se venda a empresas que não industrializem produtos finais, sob pena de aplicação da pena de perdimento (art. 429).
O regime de apuração do IS é mensal (art. 430) e a apuração deve englobar todos os estabelecimentos do contribuinte (art. 431). O pagamento é centralizado e pode ocorrer via split payment, nos moldes dos arts. 31 a 35 da LCP 214/25 (arts. 432 e 433).
Em relação à importação (art. 434), aplicam-se regras próprias, com base de cálculo composta pelo valor aduaneiro acrescido do II, se ad valorem. O pagamento se dá no registro da declaração de importação. Há suspensões para bens em regimes aduaneiros especiais e isenções para bagagens e remessas simplificadas (art. 435).
As alíquotas específicas serão atualizadas anualmente pelo IPCA (art. 436). Por fim, a RFB poderá instituir DTE para comunicação eletrônica (art. 437) e o regulamento será expedido pelo Executivo federal (art. 438).
Em suma, o Imposto Seletivo da LCP 214/25 representa instrumento de atuação estatal sobre condutas indesejadas, utilizando a tributação como meio de indução e controle, além de contribuir para uma estrutura fiscal mais coerente com os desafios ambientais e sanitários contemporâneos. A clareza normativa e a definição objetiva das hipóteses de incidência e não incidência conferem ao tributo maior segurança jurídica, ao passo que a sua função reguladora exige atenção redobrada dos setores produtivos e do comércio, que precisarão adaptar-se a esta nova realidade fiscal e econômica.
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