RESUMO: O estudo analisa o Livro IX da Ética à Nicômaco, de Aristóteles, enfatizando o papel da amizade como virtude moral e condição da felicidade (eudaimonia). O problema consiste em compreender se a amizade é elemento essencial da vida ética e política. Justifica-se pela relevância da ética aristotélica para a filosofia moral contemporânea. Metodologicamente, adota-se a leitura crítica e comentada da obra. A hipótese defendida é que a amizade perfeita, fundada na virtude, não apenas complementa a vida ética, mas também torna-se indispensável ao bem viver coletivo.
Palavras-chave: Aristóteles; Ética; Amizade; Virtude; Eudaimonia.
1-INTRODUÇÃO
Aristóteles, Ἀριστοτέλης em grego, foi um filósofo que nasceu em Estagira no ano de 384 a.C. e morreu em Atenas, 322 a.C. Em sua vida, estudou sobre as mais diversas temáticas, como a física, a metafísica, música, ética e a política. Também, fora discípulo de Platão; porém não dá continuidade na liderança da Academia, mas funda sua própria escola, Liceu.
Em sua filosofia, defendeu o pressuposto de que o homem é um animal, feito para a sociedade civil e, portanto, buscamos viver em conjunto para que possamos alcançar nosso bem viver, segundo os dizeres do Estado. Daí depreende-se sua analogia entre homem e sociedade com membros e corpo: somos membros do corpo da polis e com isso, o bem para ambos possui mesma natureza. Dessa forma, o ser humano só poderia ser compreendido completamente caso fosse também levado em consideração seu lado comunitário.
Outra linha de pensamento, em conformidade com a primeira, pretendeu demonstrar que justamente por contemplar um grande contingente de cidadãos, saindo do âmbito individual e privado da análise pela Ética, e indo para uma análise Política, o bem da cidade se constrói como o mais requintado dentre todos. Com isso, percebe-se a concepção do indivíduo em função da sociedade.
Ainda seguindo todo esse parâmetro de Bem, Aristóteles afirmou que toda arte e toda a investigação tende a um bem, devendo este ser realizável pelas ações humanas, não estando assim, apenas em um âmbito valorativo. Ademais, as ações de bem devem almejar a felicidade maior, a qual ele denomina como eudaimonia, que é o fim maior, o horizonte que apenas poucos conseguem alcançá-lo. Esse Bem maior, universal e comum a todos está associado a uma certa nobreza moral, pois o caminho para tanto só pode ser tido a partir de ações que transcrevem o ideal de paz, equilíbrio e justiça. Esse último termo foi alvo de reflexões por parte do filósofo. Ele conceituou a justiça como uma virtude moral adquirida a partir de ações relacionadas ao império da lei, que faz prevalecer a razão sobre as paixões cegas e possibilita a vida em harmonia. Agora, cabe ressaltar que tal conceito depende diretamente de outro, qual seja, o de virtude.
Para defini-la, elaborou o pensamento de que não é algo dado pela natureza, mas sim, uma potencialidade que temos de desenvolver e aperfeiçoar. Separou, também em dois tipos: a Virtude Intelectual, que se adquire com o tempo pela capacidade intelectual possibilitada a partir da educação; e a Virtude Moral, a qual se dá pelo hábito de ações. Aduziu ainda, o conceito de “justo-meio”, o qual expressa a necessidade de encontrarmos a isonomia em todas as circunstâncias, isto é, devemos sempre estar entre o excesso e a falta que não é algo dado pela natureza, mas sim, uma potencialidade que temos de desenvolver e aperfeiçoar.
Por fim, cabe agora, após essa introdução à filosofia aristotélica, delinear o conceito de Amizade, o qual será alvo de todo nossa futura discussão.
A Amizade, assim, vai se caracterizar como uma virtude ou algo que implica em virtude, pelo fato de estimular a prática de ações nobres, já que juntas, as pessoas possuem melhor capacidade de pensar e agir. Contudo temos de, segundo tal filósofo, analisar qual espécie de amizade constituímos, pois algumas dessas podem não se concretizar como duradouras, assim como é o caso das Amizades pautadas no interesse, no prazer e a existente entre os desiguais. Isso decorre de serem relações muito instáveis e passageiras, uma vez que o tempo passa e as pessoas mudam.
Por isso, surge a defesa de que apenas devemos buscar uma amizade pura e verdadeira. Amizade esta, que existe apenas entre os homens que são bons e semelhantes na virtude, pois tais pessoas desejam o bem um ao outro de modo idêntico, e são bons em si mesmos; sendo também, rara e duradoura.
O fim última do agir humano é a felicidade, no sentido pleno dessa palavra, isto é, concebida com Eudaimonia,proporciona a auto realização do homem como ser social. A obtenção da felicidade dar-se-á pelo exercício de ações virtuosas , e, portanto, das potencialidades humanas. O fim almejado pela atividade prática é, portanto, o interior humano, tendo em vista seu caráter intermediário em relação à eudaimonia. A vida virtuosa e o bem supremo do homem serão, portanto, atividade da razão, dado sua necessidade na determinação da virtude. Assim, a dimensão teorética não está separada da dimensão prática: São pensadas conjuntamente na atividade humana. Isso permite dizer que a ética aristotélica é aquela do comedimento, da moderação e do afastamento de excessos, tendo em vista que a virtude seria o meio- termo, o ponto de equilíbrio entre o excesso e a deficiência.
2-COMPÊNDIO DO LIVRO IX DE ÉTICA À NICÔMACO DE ARISTÓTELES
Aristóteles começa discorrendo sobre o princípio da proporcionalidade, que é o que iguala as parte e preserva a amizade entre pessoas dessemelhantes. O dinheiro, para o autor, é um facilitador desse princípio quando se trata da desigualdade de técnicas/ofícios que cada um dos “amigos” domina. Ex.: Relação sapateiro/construtor(de casas)
O sapateiro não teria que fazer n sapatos para saldar sua dívida pela casa construída e nem o construtor teria que construir 1/n casas pelo sapato recebido;bNo caso dos amantes desiguais em relação aos ‘objetivos das partes’ nessa amizade, porém não há facilitador. Há apenas a frustração. Ex.: Relação amante/amante
Quando um ama o outro pela utilidade deste e o ultimo ama o primeiro visando apenas o prazer esta relação está, irremediavelmente, fadada ao fracasso; Uma amizade só prosperará – sem o benefício do facilitador – caso se baseie no caráter das partes. Assim o amor é mútuo e destinado ao que outro realmente é, ao seu caráter. Não tendo por que mudar isso até que uma (ou as duas) parte mude, evolua ou regrida em relação ao que era quando começou a ser amado pelo outro. Agora sobre a dívida, Aristóteles julga justo que a pessoa que presta o primeiro serviço determine a recompensa que receberá, pois a maior parte das coisas não são estimadas no mesmo valor pelos que as têm e pelos que as desejam.
“As pessoas que recebem o pagamento com antecipação e não fazem nada do que haviam prometido por causa da extravagância de suas promessas, são naturalmente objetos de queixa pois deixaram de cumprir compromisso. Os sofistas são talvez forçados a agir assim porque ninguém lhes daria dinheiro em troca das coisas que eles sabem de fato. Essas pessoas, portanto, se não fazem aquilo para que foram pagas, são naturalmente alvos de queixas.
Mas quando não há contrato de serviço, aqueles que fizeram alguma coisa no interesse da outra parte não podem, como dissemos, ser objeto de queixa, pois essa é a natureza da amizade baseada na virtude; e a retribuição lhes deve ser feita de acordo com seu propósito (pois o propósito é o que caracteriza tento um amigo como a virtude).”
Aristóteles é taxativo: é contra qualquer tipo de favoritismo, tráfico de influências, predileção e/ou nepotismo. Ele escreve “não devemos dar preferência em todas as coisas à mesma pessoa, e devemos de um modo geral, retribuir benefícios em vez obsequiar amigos, e antes de fazer um empréstimo a um amigo devemos pagar nosso credor. [...] É evidente que não devemos fazer a mesma retribuição a toda e qualquer pessoa; nem dar a preferência a um pai em todas as coisas, como não oferecemos todos os sacrifícios a Zeus; mas devemos dar uma retribuição diferente aos pais, irmãos, aos camaradas e aos benfeitores.”
O autor ainda discorre vagamente sobre a necessidade de oferecer honras diferentes às diferentes pessoas do convívio social: pai, mãe, um general, um filósofo, os demais parentes, os idosos, os contribais e concidadãos.
Aristóteles nos capítulos 3, 4 e 5 retrata as relações de amizade, o que define a amizade, como ela é rompida, também se refere às pessoas más e da benevolência.
A amizade é definida pela relação do homem para consigo mesmo, na relação do homem para com os outros. Um amigo é definido por aquele que deseja e faz, ou que somente parece desejar e fazer o bem ao outro ou aquele que deseja que seu amigo viva por si mesmo. O amigo pode ser aquele que vive na companhia de outro e que tenha os mesmo gostos ou que compartilhe os pesares e as alegrias do outro, que é seu amigo.
A amizade chega ao fim quando se tem um amigo que é baseado na utilidade e no prazer, que é aquela amizade que tem como base somente a utilidade, onde as pessoas buscam não serem boas umas com as outras, mas que elas sejam uteis. Quando se tem uma amizade baseada na virtude e, um amigo se torna mais virtuoso que o outro essa amizade chega ao fim. E por fim, quando um amigo bom se torna uma pessoa má, uma pessoa que é má, é carregada de arrependimento e sofrem com o prazer, elas fogem da sua própria vida e destroem a si mesmo, buscam o outro com o intuito de fugirem de si mesmo uma vez que estão só e na companhia de alguém não se lembram de seus crimes e não imaginam outros.
Já a benevolência é um sentimento inicial da amizade, é um elemento da relação amigável, mas não é a amizade. Ela não pode ser considerada amizade porque não é um sentimento amistoso visto que não envolve intensidade ou desejo e a amizade vem sempre acompanhada desses dois elementos. É manifestada, de maneira geral, em razão de alguma excelência ou mérito.
Segundo o pensamento aristotélico os homens não podem estabelecer uma relação de amizade se não se conhecerem pois, para exista amizade verdadeira e necessário que haja a chamada conformidade de opinião.
A conformidade de opinião, e uma espécie de amizade política, pois ela correlaciona assuntos de nosso interesse e o que e capaz de influenciar a vida dos homens. Dessa maneira a mesma opinião sobre certos assuntos não significa ter conformidade de opinião. Um exemplo dessa diferença entre os dois conceitos seria: todos concordamos que a terra gira em torno do sol, mas isso não implica em uma comunhão de valores e nem em uma ação conjunta que vise o bem de todos. Dessa maneira, o heliocentrismo e a apenas uma opinião. Um exemplo de conformidade de opinião seria a maneira como os cargos públicos são divididos, desde que essa divisão vise o bempublico e a prosperidade das cidades.
E igualmente importante salientar quea conformidade de opinião so pode ocorrer entre pessoas boas, pois elas desejam o que e justo e vantajoso, tendo assim desejos constantes (estáveis) e se esforçando para alcançá-los conjuntamente.
A partir dessa analise se demonstra a incapacidade dos homens maus (no sentido aristotélico)em serem amigos, pois como eles só visam o seu próprio bem estar eles não conseguem entrar em acordo, impedindo uma relação de verdadeira amizade. Além disso, os homens maus não tem nenhum apreço pelo patrimônio comum, o que faz com que esse seja dilapidado.
Muitas vezes as pessoas veem a relação entre benfeitores e beneficiários como uma relação entre credores e devedores, contudo Aristóteles observa uma diferença significativa entre as duas. Isso ocorre, pois os benfeitoressentem uma amizade em relação aos seus beneficiários mesmo que esses não tenham nenhuma utilidade a ele, pois ele ve os seus beneficiários como obras suas. Dessa maneira, eles têm o poder de tornar o que os benfeitores são em potencia em ato. Contudo os beneficiários não tem o mesmo sentimento de amor que os benfeitores, poiseles não fizeram esforço próprio e estabelecem nessa relação uma atitude passiva
Ao iniciar capítulo 9, Aristóteles introduz a discussão acerca da necessidade do homem feliz por amigos. Logo no início o filósofo define o argumento contrário à essa necessidade, pois, tendo em vista que o homem verdadeiramente feliz possui tudo e é auto suficiente, ele não precisaria possuir outro "eu", isto é, um amigo que seja capaz de completá-lo naquilo que ele é faltoso.
Entretanto, ao longo do capítulo Aristóteles demonstra que sua tese é contrária e que o homem sumamente feliz também precisa de amizades. É evidente, porém, que o homem feliz procurará por homens bons e tão felizes quanto ele. Além disso, o homem virtuoso é para seu amigo um outro "eu", e como bom por natureza ele é evidentemente desejável ao homem feliz. Outro tópico da análise são as boas ações, o filósofo grego dá a elas a ideia de núcleo da necessidade de amigos. O homem feliz é bom, e precisa ter a quem fazer o bem, assim quando realizar boa ação em proveito de seu amigo igualmente bom, eles poderão contemplar essa troca, o que torna o amigo um ente perceptível, esse complexo criado caracteriza a ideia de convívio.
Ademais, Aristóteles aponta para o fato que em conjunto é mais aprazível o exercício das ações, e perceber essa realidade é perceber a existência. Mais uma vez tangendo o aspecto a virtude do homem feliz, o filósofo ressalta que para os bons perceber a vida é ainda melhor. Logo, conclui-se neste capítulo que o homem completamente feliz deseja um amigo igualmente feliz, bom e virtuoso porque este o é por natureza e porque ele é capaz de satisfazer a natureza político-social humana, além de estimular o exercício das boas ações.
Já no capítulo 10, trata do excesso de amigos. Segundo ele, o excesso é supérfluo e um obstáculo à vida nobre. O número ideal seria aquele de quantos amigos de pode conviver. Ele ainda diferencia nos casos de: amizades voltadas à utilidade; amizades voltadas ao prazer e amizades de bons amigos, baseada na virtude e no caráter.
Nas amizades voltadas à utilidade, não seria bom ter um excesso de amigos, pois, retribuir os serviços de muita gente é uma atividade difícil, e não seria possível para apenas uma vida humana. O mesmo se dá para as amizades por prazer, que o autor chega a comparar que da mesma maneira que basta pouco tempero na comida, também precisamos de poucas amizades baseadas no prazer. Já as amizades baseadas na virtude e no caráter, devemos ter o maior número de amigos com que se pode conviver, o número ideal seria quantos forem suficientes para os fins do convívio.
No capítulo 11, Aristóteles trata das circunstâncias que requerem amigos. Ele diz que os amigos úteis buscam-se na adversidade e os homens bons buscam-se na prosperidade. Na adversidade, os homens precisam de ajuda e na prosperidade, os homens bons (como são bons, desejam fazer o bem a outras pessoas), necessitam de pessoas com as quais conviverem e às quais possam beneficiar, já que desejam fazer bem aos outros. Em suma, a presença de amigos parece ser desejável em todas as circunstâncias.
O autor finaliza então o livro IX da Ética a Nicômaco com o capítulo 12, que trata da relação de parceria da amizade. A amizade é uma parceria, e o convívio é natural. O homem, ao fazer uma amizade, está em relação com ele mesmo da mesma forma que está em relação com seu amigo. “Para ele, a consciência do seu ser é um bem, e também o é, portanto, a consciência do ser de seu amigo, e essa consciência se torna inativa quando eles convivem; por conseguinte é natural que desejem conviver.” A amizade dos maus é uma péssima coisa, pois piora cada um no convívio. A amizade de homens bons cresce com o companheirismo. “Pensa-se que eles se tornam melhores graças às suas atividades e à boa influência que uns têm sobre os outros, pois cada um recebe dos demais o modelo das características que ambos aprovam – e daí o aforismo: ‘Nobres ações nobres de homens nobres”.
3-CONCLUSÃO
Aristóteles demonstra um senso prático aguçado ao tratar da amizade, pois estabelece a especificidade do homem em sua natureza racional ao tratar dessa virtude. Em sua ética encontramos a descrição da felicidade como atividade conforme á virtude, e é claro que ele se refere conforme à virtude mais excelente; esta será a virtude que, em nós, há de melhor, segundo Aristóteles. Como a amizade perfeita é aquela que existe entre homens que são bons e semelhantes na virtude, isto é, em que há reciprocidade de caráter e de objeto, consequentemente essa amizade portará a tendência de ser perene e invulnerável.
Amizade é, portanto um tipo de amor, não qualquer amor, mas um amor recíproco, o que justifica sua beleza e necessidade. Apesar de ser uma virtude complexae altamente difícil de alcança-la em sua forma perfeita, ela é importante aos homens dada a sua condição de seres sociais fadados à vida em sociedade.
Também é possível inferir que todas as virtudes éticas são importantes para constituir o homem perfeito e encontram na amizade o seu fim. Quando se trata da vida moral, a amizade é, para Aristóteles, a última perfeição intrínseca e necessária, ou seja, sem amizade não há felicidade possível.
REFERÊNCIAS
KRAUT, Richard et al. Aristóteles: a Ética a Nicômaco. Porto Alegre: Artmed, 2009.
ARISTÓTELES. Ética à Nicõmaco. São Paulo: Martim Claret, 2001. 240 p.
STIRN, François. Compreender Aristóteles. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2008. 110 p.
A ÉTICA de Aristóteles e o destino da ontologia. Analytica, v.1, n, 1996.
LIMA, Rafael. Estudos de obras filosóficas. Belo Horizonte: Bernoulli, 2009. 42 p.
Bacharel em Direito pela Faculdade Mineira de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - FMD PUC Minas. Especialista em Direito Público pelo Instituto de Educação Continuada da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – IEC PUC Minas. Advogado .
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: XAVIER, Vítor de Araújo. Estudo de Ética à Nicômaco Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 dez 2025, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/69909/estudo-de-tica-nicmaco. Acesso em: 13 dez 2025.
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