RESUMO: Essa dissertação busca resumir sinteticamente os principais aspectos da doutrina política de Jean-Jacques Rousseau, contidos no seu livro “Do Contrato Social”, em especial, aqueles concernentes às estruturas políticas da sociedade, ao pacto social, e às formas de governo. Esse estudo visa compreender os mecanismos da sociedade, em sua dimensão política e jurídica, por meio do estudo da concepção de Rousseau do governo civil . Além disso, foi feita uma avaliação crítica da obra a fim de se ressaltar seus aspectos questionáveis, usando para isso, não só as impressões do autor, mas também comentários de estudiosos renomados acerca de Rousseau.
ABSTRACT: This dissertation objectifies to make asynthetically summary of the principals aspects of Jean-Jacques Rousseau’s politic doctrine, contained in his book, “The Social Contract”, in especial, those ones relating to the politic framework of society, to the social contract, and to the government’s types. This study aims at to understand the society mechanisms, in your political and juridical dimension, by means of study of Rousseau’s conception of the civil government. Furthermore, it was made a critic valuation of the book, in order to stand out his questionable aspects, using for this, not only the opnions of the author, but also renowned specialists’ comments about Rousseau.
1-Introdução
“Do Contrato Social” é a obra prima de Jean-Jacques Rousseau, tendo sido concluída em 1762. Ela iria ser parte de uma obra mais extensa, “Instituições Políticas”, que não foi, contudo, completada. É dividida em seis livros, que por sua vez são divididos em 48 capítulos.
“Do Contrato Social” traz a concepção rousseniana acerca da origem do governo civil e da autoridade política, bem como desenvolve um novo modelo de pacto social, diferente daqueles já consagrados por autores como Hobbes e Locke. Além disso, o autor elabora um estudo sobre o governo e as diversas formas em que ele se materializa, buscando analisar suas estruturas administrativas e legislativas.
2-Síntese biográfica da vida de Jean-Jacques Rousseau e contextualização histórica
Jean Jacques Rousseau nasceu em 28 de junho de 1712, em Genebra, na Suíça, filho de Isaac Rousseau, um relojoeiro, e de Suzanne Bernard. Sua mãe faleceu poucos dias após o seu parto, tendo ele sido criado, então, por uma tia e por uma ama. Não teve uma educação regular na infância, mas ainda assim era um assíduo leitor. Rousseau foi enviado para o campo, na casa do pastor protestante Bossey, que o ensinou latim e outras disciplinas. Este seu tutor o encaminhou posteriormente para trabalhar em um cartório, onde acabou sendo despedido, e em outro emprego, foi pego praticando pequenos furtos. Essa sucessão de fatos fê-lo fugir para Contignon na França, onde um padre católico o encaminhou a uma jovem senhora comprometida, Madame de Warens, com quem Rousseau teve um relacionamento amoroso.
No período em que esteve com Warens, Rousseau abjurou ao protestantismo e converteu-se ao catolicismo. Além disso, mesmo trabalhando como lacaio na casa de um nobre, ele lê muito e continua seus estudos sobre música. Conseguiu ser enviado para um seminário, onde continuou seus estudos. Em 1730, Rousseau se desloca para Paris e lá começa a trabalhar como professor de música e continua sua educação literária com mestres como Montaigne, La Bruyère, Bossuet e Voltaire. Nesse contexto, começa a escrever suas primeiras composições musicais e comédias, tais como “Narcisse”, além de desenvolver um novo sistema de notações musicais, que fora, contudo, criticado pela academia francesa e pelo famoso músico-dramático Rameau em 1741. Seu sistema musical atraiu a atenção do jovem filósofo Denis Diderot, que acabou por tornar-se amigo de Rousseau.
Em 1745, passa a viver com uma criada, Teresa Le Vausseur, porém, sem a desposar. Dela teve cinco filhos, todos foram enviados para orfanatos. Nos anos que se prosseguiram, voltou-se para a música, tendo inclusive composto uma ópera que fora cantada para Rameu. Além disso, cultivou sua amizade com Diderot, e conheceu outros filósofoa, como d’Alambert e Condillac. Em 1749, participou de um concurso da Academia de Dijon, que propunha a seguinte discussão: “Se o progresso das ciências e das artes contribuiu para corromper ou para apurar os costumes”. Seu ensaio “Discurso das Ciências e das Artes”, que ressalta a superioridade da vida selvagem, em face dos conflitos da sociedade moderna e que proclama a “volta à natureza”, foi o texto vitorioso. Compôs em 1752 a peça “Le Devindu Village”, que obteve tamanho sucesso, que o rei Luís XV decidiu premiá-lo, Rousseau, todavia, recusou o prêmio. Além disso, “Discurso Sobre a Origem da Desigualdade entre os Homens” foi concluído em 1753 para um outro concurso da Academia de Dijon. Rousseau não foi vitorioso dessa vez, mas seu texto ficou amplamente conhecido, devido ao tema que procura recriar a imagem do homem natural, o “bom selvagem”, e entender o processo de surgimento da desigualdade na sociedade com a criação da propriedade privada.
Rousseau mudou-se para Montmorency em 1756, onde se devota a trabalhos mais profundos, especialmente um tratado que planejou chamar “Institutions Politiques”. Começa a escrever “Julie” em 1757, um romance inspirado nos seus principais amores, e conclui duas de suas principais obras posteriormente, “Do Contrato Social” e “Emílio”. O primeiro livro é um importante trabalho de filosofia política e o segundo possui um teor pedagógico, pois ele aconselha os pais a criar seus filhos desvencilhando-se de preconceitos sociais e incitando-os a “seguir a natureza”. O parlamento francês, todavia, condenou “Emílio” à fogueira e decretou prisão do autor, devido ao conteúdo desse livro ter sido considerado subversivo. Isso obrigou Rousseau a fugir para a Suíça.
Após a esses eventos, Rousseau teve se prestígio diminuído, sendo acusado continuamente de hipócrita, pai desnaturado e amigo ingrato, o que lhe provocou um efeito terrível. Quando ele recobrou-se do choque começou a escrever a sua autobiografia, “Confissões”. Ainda assim, persistiram as críticas a ele, tanto que ele passou a ser vaiado e apedrejado nas ruas. No entanto, o filósofo inglês David Hume passou a admirá-lo e convidou, assim, para uma visita à Inglaterra., o que Rousseau fez em1766. No ano posterior, ele retorna para a França e se isola no Castelo de Trye, onde vive com a amante, Teresa. Por fim, escreveu “Devaneios de um Caminhante Solitário”, dedicado ao tema da natureza e dos sentimentos dos homens. Em 1778, mudou-se para Ermenonville, onde morreu pouco tempo depois, em dois de junho. Seus restos mortais foram transferidos para o Panteão de Paris após a Revolução Francesa.
Deve se levar em conta que no período em que Rousseau viveu, bem como escreveu sua obra, a França vivia o apogeu do seu Absolutismo Político, marcado pela centralização do poder nas mãos do monarca. Os representantes máximos desse fenômeno político, a quem Rousseau era contemporâneo, foram Luís XIV e Luís XV. O primeiro, o rei-sol, governou de 1643 á 1715, ficou famoso por ter dito "L'État c'est moi" (O Estado sou eu), além de ter organizado a vida cortesã francesa e ter construído o Palácio de Versalhes. O segundo, Luís XV, foi monarca entre 1715 e a1774, período em que a França passou por um processo de crise econômica, devido, sobretudo aos gastos com inúmeras guerras. Além disso, emergia nesse contexto o Iluminismo, movimento filosófico-intelectual valorizador da razão, responsável pela análise crítica das instituições políticas, econômicas e culturais vigentes no Antigo Regime na Europa Ocidental. Dentro do movimento iluminista se encaixam filósofos que conviveram com Rousseau, e influenciaram a sua obra, tais como Voltaire, Montesquieu e Diderot.
3- Resumo de “Do Contrato Social”
3.1-Livro Primeiro
Segundo Rousseau, o homem nasceu livre, e sua inserção na sociedade é um processo artificial, pois ele deixa de estar no estado natural e passa ao civil. A única sociedade que é natural é a família, cujos integrantes se unem com fim à conservação. Com o surgimento das primeiras sociedades, foi comum o estabelecimento de autoridades com base na força, logo a força do chefe é fator pelo qual os homens se submetem a ele, por necessidade. Contudo, a força não faz o direito, pois o mais forte nunca será suficientemente forte para ser sempre o senhor. Além disso, ninguém possui autoridade sobre outra pessoa, a força apenas impõe uma convenção, em que uma autoridade artificial é delegada a alguém.
A liberdade é, assim, uma condição de todos os homens, e ninguém pode renunciar a ela e dar-se gratuitamente à outrem, pois isso representa a abdicação da qualidade de homem. Isso justifica ser o direito de escravatura nulo, poi ele é contraditório em sua essência.
Os homens, ainda na sua primitiva independência não mantinham relação entre si suficientemente constante para alcançar um estado de paz, nem de guerra, apesar de serem todos inimigos nesse contexto. Nesse contexto, o conjunto de pessoas percebem os obstáculos à sua conservação, o que as induz a unir a suas forças e dirigi-la em nome do bem-comum. Elas buscam, então, uma forma de associação que defenda e proteja de toda força comum cada homem e seus bens, que permita que todos permaneçam tão livres quanto antes da associação, e que cada um obedeça apenas a si mesmo após a união. Esse objetivo é atendido por meio de um contrato social. Por meio desse acordo entre os membros da sociedade, cada um se doa a todos, o que evita que um se doe a outro, e estabeleça uma equivalência entre os homens. Isso permitirá que cada associado coloque sua pessoa e sua potência a serviço da vontade geral. A pessoa formada pela união de todas as outras recebe o nome de Estado, ou Corpo Político, e os associados, quando tomados individualmente são chamados de cidadãos. Estes últimos são participantes da autoridade soberana, porém sujeitos às leis do Estado. O soberano é representado, assim, pelo corpo político, enquanto fonte de direito, dos deverese de todos os poderes. Este não pode ser obrigado pela deliberação pública, isto é, é contra natureza que o soberano se imponha uma lei, a qual não possa infringir, além disso, o soberano não pode ter interesses contrários aos seus, dado o seu dever em cumprir aquilo que impõe a vontade geral.
O estabelecimento do contrato social marca a passagem do homem do estado natural para o homem no estado civil, o que faz com que ele incorpore em suas ações uma moralidade, esta inexistente anteriormente. Isso se deve ao fato de cada pessoa ser induzida a agir conforme princípios comuns, sempre consultando a razão, em nome da ordem social. A consequência direta desse fato é o desenvolvimento de suas faculdades, o que permite maior refinamento e sofisticação das ideias, e o enobrecimento dos sentimentos. O contrato faz, contudo, que os homens percam sua liberdade natural e o direito ilimitado a tudo o que obtivam alcançar; em nome dessa renúncia, eles adquirem a liberdade civil. O primeiro tipo de liberdade é limitado pela força física e o último tipo, pela vontade geral. Deve se levar em conta que no estado civil, a liberdade civil inclui a liberdade moral, que torna os homens donos de si próprios, mesmo sendo obedientes às leis. Ademais, cada particular tem direito sobre seus próprios bens, este direito, todavia, é subordinado ao direito que a comunidade tem sobre todos.
3.2-Livro Segundo
A vontade geral tem como elementos as vontades particulares. Mas deve se considerar que a vontade de todos não é a vontade geral. A primeira é somente a soma das vontades particulares, e a segunda tem como objeto algo imanente das vontades particulares, que possua, contudo, aspecto geral que está sempre correto e tende à utilidade pública. A vontade geral, além disso, deve servir para dirigir as forças do Estado segundo o fim de sua instituição, que é o bem comum. Logo, a sociedade é dirigida conforme o interesse comum. A Soberania é justamente esse exercício da vontade geral, ou seja, o poder coletivo guiado pela vontade coletiva. Ela é inalienável e indivisível, o que torna a representatividade política um erro, e um engano acreditar que pode existir uma soberania dividida, dado sua homogeneidade.
O Contato Social dá ao corpo político poder absoluto sobre os constituintes, poder este que quando dirigido pela vontade geral é reconhecido como soberano. Este não deve infringir os limites estabelecidos pela convenção geral. Assim, todo serviço que um cidadão presta ao Estado é uma solicitação do soberano. Isso justifica a igualdade estabelecida de direitos e deveres dos cidadãos, dado a correspondência de condições em que são submetidos. Como cada pessoa se sujeita conscientemente a essas convenções, ela não obedece a ninguém, senão a siprópria.
O movimento e a vontade do corpo político são exercidos pela legislação, isto é, a vontade soberana se manifesta através da lei. Essas leis têm por objetivo unir os direitos aos deveres e reconduzir a justiça ao seu objeto, isto é, sua função é servir de arbítrio superior aos particulares. As leis não podem ter um objeto particular, pois sua matéria deve ser geral, assim como a vontade que a estatui. Logo, elas devem considerar os súditos como um corpo e as ações como abstratas.
A legislação deve ser construída a partir da vontade geral. Mas o povo por si só não basta para fazer as leis, pois é necessário ter entendimento do julgamento que a guia, que muitas vezes é obscuro. Faz-se necessário um grupo de pessoas que possua uma inteligência superior para realizar a tarefa de elaborar as leis, os legisladores. Esses homens devem buscar conhecer o coração humano e serem ao máximo impessoais, para que eles consigam desnaturar a natureza humana e transformar o todo em parte, e o indivíduo em cidadão. Deve se ter em mente que a tarefa dos legisladores não se pode confundir com as do governante, pois se aquele que dirigem os homens não podem impor leis, aqueles que a elaboram não podem comandar os homens.
Devem existir, ainda, condições necessárias a uma boa legislação. A primeira é que o povo não esteja nem prematuro e nem em idade avançada em sua formação. Isso se deve à imaturidade do povo à disciplina em sua juventude, e à sua dominação por preconceitos no envelhecimento. A Segunda condição é que as dimensões do povo sejam normais, já que quando muito grande não poderá haver homogeneidade necessária a formação de uma vontade geral; e quando pequeno, ele poderá não se manter. E por fim, o povo ao qual deverá ser instituída a legislação, deve gozar de abundância e paz. Caso essas condições sejam atendidas, o Estado se constitui verdadeiramente, e garante sua solidez e sua longevidade.
Pode-se identificar dentro do ordenamento jurídico que enunciam como a sociedade deve se constituir diferentes tipos de lei. As leis políticas regem as relações entre o todo com o todo, ou entre o soberano com o Estado. Já as leis civis, regulam a relação dos membros da sociedade entre si. As sançõesàs infrações a esse conjunto de leis é determinada pelas leis criminais. Além disso, existe outro tipo de lei que está inscrito no coração dos cidadãos, os usos, costumes e, sobretudo, a opinião. Essas maneiras de coletivas de ser e pensar são essenciais, pois determinam a inteligência e a conduta dos homens, como fariam as leis propriamente ditas. Elas devem servir para os legisladores formar o conjunto das leis positivas.
3.3-Livro Terceiro
O poder executivo não pode pertencer à alguma generalidade, tal o corpo político ou o legislativo, visto ele se preocupa com atos particulares. É necessário um agente próprio que aciona o corpo político de acordo com a vontade geral. Trata-se do governo, que servirá, portanto, como um intermediário entre os súditos e os soberanos. Sua função éde administrar a sociedade e garantir a execução das leis e a manutenção das liberdades civil e política.
Sabe-se que quanto mais magistrados, mais fraco é o governo, já que sua força total não varia, donde se segue que quanto mais ela for empregada para atuar sobre seus constituintes, menos dela restará para atuar sobre o povo. Segue-se que o mais forte dos governos é aquele de um só. Porem, quanto maior o número de magistrados, mais a vontade do corpo se aproxima da vontade feral. Além disso, à medida que o corpo de cidadãos aumenta, a participação torna-se menos ativa, e o súdito menos obediente, o que exige do governo maior força para atuar no sentido de manter a ordem na sociedade. Assim, a sociedade deve buscar estabelecer uma forma de governo que condiga com o tamanho de sua população afim de que ela seja capaz de garantir a segurança e a prosperidade do povo. Destacam-se três formas de governo, sendo que cada uma delas pode ser melhor em determinado caso e pior em outro. A primeira é a democracia, marcada pelo fato de o soberano confiar o governo a todo o povo ou à sua maioria. Esta forma é mais adequada portanto àqueles corpos políticos menores, visto que ela possui um maior número de magistrados. Outra forma de governo é a aristocracia, caracterizada pela delegação do poder à um pequeno número de pessoas. Esta é indicada para sociedades de porte médio. A aristocracia pode ser de diferentes tipos , como a natural, a eletiva e a hereditária, sendo a segunda a mais indicada e a terceira, a menos Por fim, a monarquia é aquele governo cujo poder está concentrado nas mãos apenas de um magistrado, o que justifica ser o regime monárquico o mais adequado em grandes sociedades. Logo, é apenas um indivíduo que representa o coletivo, o torna a vontade do povo, a vontade do príncipe, as força pública do Estado e força particular do governo. O defeito dessa forma reside na distância muito grande entre o príncipe e o povo. Existem ainda formas de governos mistos, em que é articulada na divisão do poder executivo, uma gradação do grande para o menor. Portanto, o signo de um bom governo é a correspondência entre sua forma e o número de sua população.
O governo pode em determinados períodos desconsiderar a soberania, isto é, o governante oprime o soberano, tendo em vista sua vontade particular, rompendo o contrato social. Esse vício representa um abuso do governo, o que conduz à sua própria degeneração. Além disso, o Estado pode degenerar-se quando o governo se restringe, passando a ser composto por um número menor de pessoas do que a forma original, e quando Estado se dissolve. Esse último caso pode ocorrer de dois modos, o primeiro, já citado, consiste na usurpação do poder do soberano pelo príncipe. o segundo, ocorre quando os membros do governo usurpam separadamente o poder, que deveriam exercer enquanto constituintes do governo. A dissolução do Estado provoca a instauração de uma anarquia, sendo esta situação nomeada distintamente conforme a forma em que era o governo. A democracia, por exemplo, degenera-se em oclocracia, a aristocracia em oligarquia, e a monarquia em tirania.
Todo corpo político está fadado a ter um fim, pois ele traz consigo as causas de sua destruição. Contudo, Estados mais bem constituídos são mais longevo, o que justifica a importância da autoridade do soberano como um recurso de resguardar o corpo político. Como a força do soberano está presente no poder legislativo, devem existir contínuas assembleias, sejam elas fixas, periódicas ou extraordinária, para que o povo possa agir, exercendo sua soberania. Essas assembleias, no entanto, não podem ser compostas por representantes do povo, tais como deputados, visto que a soberania não pode ser representada, dado a sua constituição pela vontade geral. Isso torna toda lei que o povo não ratificou nula, já que a legislação deve ser a declaração da vontade geral.
Após o estabelecimento do poder legislativo, é necessário instituir um poder executivo. Deve se ter em mente que essa instituição não é um contrato, pois caso o fosse, o contrato representaria um ato particular, e não um ato de soberania e legitimidade. O único contrato existente em um Estado é o já pontuado contrato de associação. A instituição do governo dá-se em duas etapas, na primeira etapa, conhecida como estabelecimento, o soberano estatui o corpo de governo, sendo este ato revestido de uma dimensão jurídica. Após isso, procede-se a etapa da execução da lei, em que chefes, que serão encarregados do governo, são nomeados pelo povo.
3.4-Livro Quarto
Sabe-se que quando o Estado começa a se enfraquecer, e o liame social a se afrouxar, os interesses particulares dos cidadãos começam a ser externalizados. Isso faz com que a vontade geral deixe de ser a vontade de todos. Contudo, mesmo muda, a vontade geral não é anulada, pois ela é constante e pura, ainda que subordinada a outras. Deve, portanto, se evitar ao máximo esse processo de deterioração do Estado a fim de garantir a soberania da vontade geral. Nas assembleias os pareceres quanto mais se aproximarem da unanimidade, mais se aproximam da vontade geral, já que o voto do maior número obriga aos demais como consequência do contrato social. Assim, os cidadãos consentem com todas as leis, mesmo àquelas que os punam em caso de violação da ordem jurídica. A vontade constante de todos os homens é a vontade geral, e é por ela que são livres.
Quanto às eleições do governante e dos magistrados, estas podem se realizar de duas formas distintas, o sorteio ea escolha. Quando se opta pela primeira, o elemento sorte define os eleitos. Todavia, a via da sorte não é aconselhável em democracias, pois a eleição de chefes é uma função do governo. Segue-se que as eleições por escolha são as mais apropriadas. Cabe ressaltar que em governos monárquicos, não existe sufrágio, pois a escolha dos auxiliares é prerrogativa do único magistrado, o monarca.
Existe um órgão conhecido como Tribunato cuja função é resguardar as leis e o poder legislativo. Essa magistratura particular é instituída quando não se pode estabelecer uma proporção exta entre as partes constitutivas do Estado. Contudo, este órgão pode corromper-se quando ele usurpa o poder executivo, degenerando-se em tirania. Perigos como esse que podem contrabalançar a ordem pública exigem um ato particular de segurança pública, deve-se concentrar a atividade do governo no menor número de seus membros. Quando o perigo é maior ainda nomeia-se um chefe supremo, que faz calar todas as leis e suspende por um momento a autoridade soberana, a fim de se defender a liberdade pública, compondo assim uma ditadura. Estas não devem possuir um prazo prolongado, sendo importante a fixação de sua duração em um prazo curto. Existe ainda um artifício para conservar a moral em uma sociedade, a censura. Esta procede a uma espécie de declaração do julgamento público. No entanto, o tribunal censorial não pode impor qualquer tipo de moral à opinião pública.
Rousseau conclui a sua obra reafirmando a santidade do contrato social e das leis, bem como a existência de Deus. Contudo, deve se ressaltar que dentro de um Estado, não se deve tolerar nenhuma religião que não tolere as outras, assim toma-se como princípio a proscrição absoluta de toda intolerância para tudo o que ultrapassar os artigos do credo social.
4-Avaliação Crítica
Rousseau constrói por meio de uma poderosa dialética uma teoria sofisticada queno século XXI que nos impressiona pela sua densidade racional. Não há como negar sua influência, e também em especial de “Do Contrato Social” nos movimentos e revoluções liberais do século XIX. A lógica contratualista rousseniana serviu como motor à essas agitações a sociedade, no sentido de valorizar a soberania do povo, e da vontade geral perante o governo. O tom romântico, sensível, lógico e inflamado de seus livros realmente dá margem à esses tipo de movimento em um contexto de tiranismo opressor de governos absolutistas.
Além disso, pode-se destacar a influência marcante de pressupostos de Rousseau em quase toda a formulação jurídica ocidental no período posterior á sua vida. Princípios tais como a soberania popular, a igualdade de todos os cidadãos, a liberdade civil foram incorporados por diversos textos jurídicos. A própria Constituição Brasileira de 1988 diz “Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.
Contudo, há certos aspectos de “Do Contrato Social” que se apresentam de forma obscura, e outros que são passiveis de questionamento. Rousseau, por exemplo, se desengana quanto aos governos democráticos, pois estes exigem condições muito específicas para existirem, tais como a pequenez do Estado, e a igualdade entre os homens para que eles possam participar da vida política. Essas são praticamente utópicas, o que dificulta a existência de um governo democrático. No entanto, observa-se na atualidade a formação de democracias aceitáveis e estáveis, não só em pequenos países, mas também em grandes, como os Estados Unidos e o Brasil. Outra contradição do texto de Rousseau reside na proposta de que o homem vive em sociedade regido por um Estado, sem perder qualquer parte de sua liberdade. Esse pensamento é sofístico, pois não é possível que um homem exerça sua liberdade plenamente, sem que haja prejuízos ao próximo.
5-Crítica de outros autores
5.1-Émile Durkheim
Quando as causas que impedem a a conservação do homem no estado natural desenvolverem além de um certo ponto, é preciso, para que possamos nos manter, que elas sejam neutralizadas por causas contrárias.(...)O que leva que sua sociedade constituída é o único meio em que o homem pode viver, uma vez que o estado natural tornou-se impossível.
Irá Rousseau, por um vago ecletismo buscar edificar, acima da condição primitiva, uma nova condição que se junte à primeira sem modificá-la? Irá ele se contentar em justapor o homem civil ao homem natural deixando este intacto? Um tal empreendimento lhe parece contraditório.
(...)
A conciliação só pode, então, ser feita por via da justaposição exterior. Para isso, basta que o homem civil apesar de diferir profundamente do homem natural, mantenha com a sociedade a mesma relação que o homem natural com a natureza física.
5.2-Ernest Cassirer
Falarei da questão de Jean-Jacques Rousseau. No entanto, a própria formulação desse tema implica um certo pressuposto- O pressuposto de que a personalidade e o mundo das ideias de Rousseau não tenham sido reduzidos a um mero fato histórico que não nos deixa outra tarefa senão compreendê-lo e descrevê-lo em sua simples realidade. Mesmo hoje em dia não pensamos na doutrina de Rousseau como um conjunto estabelecido de proposições isoladas que podem ser facilmente ser registradas e encaixadas nas histórias da filosofia, através da reprodução e da resenha de seus textos. É certo que inúmeras monografias a descrevam deste modo mas, comparados coma própria obra de Rousseau, todos estes relatos parecem particularmente frios e sem vida.
Qualquer pessoa que penetre com profundidade nesta obra e reconstrua a partir dela uma visão de Rousseau, do homem, do pensador e do artista, sentirá imediatamente o quanto o esquema abstrato do pensamento que normalmente se apresenta como “o ensinamento de Rousseau” é insuficiente para apreender a abundância que nós se revela. O que para nós se descobre aqui não é uma doutrina fixa e definida. Trata-se, antes, de um movimento de pensamento que continuamente se renova, um movimento de tal força e paixão que parece impossível, diante dele, refugiar-se na quietude da contemplação histórica “objetiva”. Constantemente ele se impõe a nós e de modo constante nos arrasta consigo. O poder incomparável que o pensador e escritor Rousseau exerceu sobre seu tempo baseava-se em última instância no fato de que, em um século que tinha elevado o cultivo da forma a uma altura quase sem precedentes, levedo-a a perfeição e a um contemplamento orgânico, mais uma vez ele pôs em primeiro plano a incerteza básica do próprio conceito da forma.
5.3-Bertrand de Jouvenel
(...) No Contrato Social, Rousseau não oferecia qualquer recita de como fazer do governo uma grande e complexa sociedade, uma democracia: ao contrário, demonstrava que uma população numerosa e uma atividade crescente do governo, exigiam crescente complexidade das relações, levavam inevitavelmente à centralização da autoridade política em poucas mãos, o que ele considerava o oposto da democracia. Muito cedo, Rousseau havia alertado sobre os planos de reconstrução radical do sistema político francês.
O conteúdo do Contrato Social não é o contrato social, mas a afeição social. Sob o governo o homem deve necessariamente ser controlado- o que é doloroso e ninguém sentia mais que Jean-Jacques Rousseau. Mas a experiência é menos dolorosa quando a regra que o homem está submetido está menos alheia a ele. Tal regra não deixa de ser alheia, Rousseau insiste, meramente como um resultado de ser autorizada por um mandato geral dos indivíduos. Cada homem deve ter participado pessoalmente na formulação da regra: aquele que é “administrado” deveser, ele mesmo, o “legislador”. (...)
5.4-Djacir Menezes
(...) A revolução contra todo o sistema de exploração organizado por Espanha e Portugal se exprimia frequentes vezes em fórmulas de Rousseau. (...) E as paredes das casas às vezes amanheciam com esse pregão: “viva a liberdade!”- inquietando a ordem. Quais os culpados dessa agitação? “filósofos sediciosos, subversivos do trono”, que defendiam a ideia absurda de que os povos se dirigiam por meio de representantes. De onde brotava a ideia perniciosa? A fonte essencial era Do Contrato Social, de Rousseau. “Todo ocontinente- escreve Palácios-estremecia nos impulsos das ideias de liberdade, contra as quais resultavam ineficazes a confiscação de bens, o banimento e as torturas”. Os cabildos espanhóis, como nossas câmaras municipais foram, em face da coroa, o anteparo, que protegia a sociedade mercantil e agrária nascente, diante do fisco ultramarino, sempre pronto às odiosas medidas de monopólio e açambarcamento das riquezas coloniais. (...)
5.5-Paulino Jacques
Eis em linhas gerais a concepção rousseniana do “pacto social”, que constituía o fundamento da sociedade política. O “naturalismo contratual”, capitaneado por Hobbes e Locke- que sucedera ao “naturalismo racional”, liderado por Grotius, Spinoza, Pufendorf, Wolff e Thomasius- encontrara em Rousseau sua mais alta exprssão, Soube, melhor que seus precursore, democratizar a concepção do “pacto”, porque, segundo o filósofo genebrino, o soberano era o povo, que manifestava a vontade geral, e não o monarca, que expressava a sua própria vontade. Tão elevada construção iria influir no “racionalismo puro” de Kant e Fichte, como embasar o “historicismo dialético” de Hegel. (...)
6-CONCLUSÃO
“Do Contrato Social” expõe, assim, a noção de Rousseau do pacto social, que difere muito das teorias de Hobbes e Locke: para Rousseau, o homem é naturalmente bom, sendo a sociedade, instituição regida pela política, e culpada pela própria "degeneração”. O contrato social é um acordo entre indivíduos para se criar uma Sociedade, e posteriormente um Estado, isto é, o contrato é um pacto de associação, não de submissão.
Portanto, a obra rousseniana é extremamente complexa e trás consigo valores que foram assumidos por diferentes sociedades, tais como essa sua visão do pacto social. Entretanto, existem determinados aspectos que podem ser questionados, pois destoam do que se observa na realidade. Cabe ressaltar que esses aspectos não tiram o brilhantismo de Rousseau e de “Do Contrato Social”.
7-Referências
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988. 168 p.
JACQUS, Paulino. O pensamento político de Jean Jacques Rousseau. In: Estudos em Homenagem à J. J. Rousseau. 1. Ed. Rio de Janeiro: Livro Sia, 1962. P. 117-146.
MENEZES, Djacir. Reflexos de Rousseau na ideologia política da América Latina. In: Estudos em Homenagem à J. J. Rousseau. 1. Ed. Rio de Janeiro: Livro Sia, 1962. P. 15-35.
QUIRINO, Célia Galvão; SOUZA, Maria Teresa Sadek de. O Pensamento Político Clássico: Maquiavel, Hobbes, Locke, Montesquieu, Rousseau. 1. Ed. São Paulo: T.A. Queiroz, 1992. 430 p.
ROUSSEAU, Jean Jacques. Do Contrato Social. Tradução de Márcio Pugliesi e Norberto de Paula Lima. 7. Ed. Curitiba: Hemus, 1999. 190 p.
ROLLAND, Romand. O pensamento vivo de Rousseau. Tradução de J. Cruz Costa. 1. Ed. São Paulo: Martins, 1965. 124 p.
Bacharel em Direito pela Faculdade Mineira de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - FMD PUC Minas. Especialista em Direito Público pelo Instituto de Educação Continuada da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – IEC PUC Minas. Advogado .
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: XAVIER, Vítor de Araújo. Análise de “Do Contrato Social”, de Jean-Jacques Rousseau Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 nov 2025, 04:22. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/69869/anlise-de-do-contrato-social-de-jean-jacques-rousseau. Acesso em: 08 nov 2025.
Por: Pedro Gabriel Barroso de Oliveira
Por: Marco Aurelio Nascimento Amado
Por: EDUARDO MEDEIROS DO PACO
Por: EDUARDO MEDEIROS DO PACO
Por: Marcos Antonio Duarte Silva

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