RESUMO: O presente artigo visa analisar a classificação das regras a partir da abordagem comparativa entre o Direito e os jogos no contexto da Teoria Comunicacional do Direito desenvolvida por Gregorio Robles. O objetivo é verificar os tipos de regras que, sob a ótica comparativa são encontradas no direito e nos jogos. Utilizou-se o método analítico-hermenêutico, que afasta a análise da realidade fática para se aproximar do Direito como uma forma específica de discurso linguístico. Em que pese a observação de que o Direito não é um jogo, o estudo não busca equipará-los, mas, tão somente ressaltar a aparente semelhança dos tipos de regras, suas funções, suas estruturas e o aspecto heterogêneo das normas. O trabalho indicou que é possível realizar uma reflexão em torno dos distintos tipos de regras que aparecem no ordenamento jurídico juntamente daquelas que podem ser encontradas nos jogos, e, também, propor novas diretrizes de análise da norma jurídica sob o ponto de vista linguístico.
INTRODUÇÃO
O tema das normas jurídicas durante anos tem conduzido os pesquisadores ao estudo do seu conceito, estrutura, função, bem como, propostas de classificação. Do positivismo jurídico clássico de Hans Kelsen às novas teorias de Herbert Hart e Alf Ross passando pelas correntes de desenvolvimento do conhecimento jurídico que utilizam a Filosofia da Linguagem para análise do discurso jurídico, como a Teoria Comunicacional do Direito de Gregorio Robles[1], inúmeros trabalhos vêm sendo apresentados dentro do universo jurídico.
No que tange à classificação das normas, sua reunião em classes, deve ter como pressupostos sua relevância e firmes propósitos de coerência. A classificação das regras tomando como ponto de partida a comparação entre o Direito e os jogos soa como uma reflexão em torno das regras que se apresentam nos jogos e as que fazem parte do Direito.
Este artigo se propõe a analisar as ideias centrais da obra As Regras do Direito e as Regras dos Jogos no contexto da Teoria Comunicacional do Direito, que concebe o direito como um sistema de comunicação de caráter linguístico, onde o aspecto linguístico se refere a linguagem dos juristas. A temática da classificação das regras é aqui abordada de uma maneira pouco habitual, isto é, reunindo os diferentes tipos de regras que aparecem no Direito e os que ocorrem nos jogos.
Deste modo, o tema exibido não tem nenhuma relação com a Teoria do Jogos, ramo da matemática aplicada, inicialmente desenvolvido em estudos de economia, mas também adotado nas ciências políticas, ciências militares, ética, filosofia e ciência da computação.
Ressalta-se que para as diversas teorias do Direito encontram-se pluralidades de perspectivas epistemológicas e metodológicas. Talvez, a que mais tem assinalado trabalhos e estudos seja a teoria positivista do direito ou positivismo jurídico, que estuda o direito como um sistema de normas válidas, afastando-o da moral. No entanto, para este estudo teórico do Direito, a perspectiva elegida será a perspectiva comunicacional, daí se falar em uma Teoria Comunicacional do Direito.
A advertência se faz necessária, para que fique claro que as premissas adotadas estão fundadas em pressupostos diversos daqueles encontrados em outras Teorias do Direito, e que poderiam confundir o leitor e atrapalhar a compreensão, conclusão e o senso crítico.
Expostas as explanações devidas, considerando se tratar de abordagem incomum a partir da obra de referência – As regras do Direito e as regras dos jogos –indaga-se: as regras do direito podem ser similares às regras dos jogos?
A relevância do assunto aponta para as atuais pesquisas do discurso jurídico a partir do estudo da Filosofia da Linguagem e da Teoria Comunicacional. O objetivo do trabalho é realizar uma reflexão em torno dos distintos tipos de regras que aparecem no ordenamento jurídico e as teses da homogeneidade e heterogeneidade da norma. Utilizou-se o método analítico-hermenêutico, que afasta o exame da realidade fática para se aproximar do Direito como uma forma específica de discurso linguístico.
O trabalho se desenvolve em três seções. Inicialmente, na seção 1, serão expostos aspectos epistemológicos, enfatizando o direito como sistema de comunicação, o direito como texto, as categorias de ordenamento e sistema, norma jurídica e sua concepção heterogênea e as normas indiretas e diretas da ação. Em seguida, a seção 2, ocupa-se do tópico referente à abordagem comparativa entre o Direito e os jogos, o fenômeno das convenções e os âmbitos ôntico-práticos. Por fim, na seção 3, se desenvolve o assunto atinente a definição do conceito de regras e seus três tipos: regras ônticas, regras técnicas e regras deônticas ou normas.
1. PRESSUPOSTOS EPISTEMOLÓGICOS
A teoria comunicacional do direito concebe o direito como um sistema de comunicação que se concretiza em textos. Texto em sentido amplo, isto é, qualquer manifestação de linguagem, como a oral ou a escrita, por exemplo, mas que possa ser textualizada e capaz de gerar um significado. A teoria comunicacional do direito não sustenta que o direito é linguagem, mas, que o direito se manifesta em linguagem – linguagem dos juristas. Assim, a teoria comunicacional do direito é uma teoria linguística do direito.
Existem diversas teorias do direito, ou seja, pluralidade de perspectivas epistemológicas e metodológicas para explicarem o Direito. A teoria comunicacional do direito entende o direito como comunicação, adota uma perspectiva comunicacional, pois, a comunicação é um processo e tem nos textos talvez um dos seus principais suportes.
Segundo Gregorio Robles:
A prova palpável de que o direito é texto está em que todo ordenamento jurídico é suscetível de ser escrito, isto é, de ser convertido em palavras. Até mesmo as normas que não nascem escritas, aquelas que são consuetudinárias, têm essa característica. O direito é linguagem no sentido de que sua forma de expressão consubstancial é a linguagem verbalizada suscetível de ser escrita. Isto aparece especialmente no direito moderno, que já nasce escrito[2].
Na esteira das demais teorias do direito, como a positivista, a teoria comunicacional do direito, também, tem como base alguns componentes fundamentais, como o ordenamento jurídico e o próprio sistema jurídico. O ordenamento jurídico é um conjunto de textos, por exemplo, a Constituição Federal, as leis complementares e ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos, resoluções, tratados internacionais, as jurisprudências dos tribunais, etc., em suma, todo o texto jurídico bruto, material jurídico.
Não obstante, o ordenamento jurídico se reflete em outros textos, como no caso, os tratados de determinado ramo do direito, os manuais jurídicos que estudam algumas de suas disciplinas, etc. Textos que explicam o sentido dos preceitos do ordenamento jurídico. São sistemas didático-positivos; os livros de autores que escrevem sobre o direito tributário, são amostras desses textos.
Desse modo, pode-se vislumbrar, que não há um sistema didático-positivo, mas uma pluralidade destes sistemas, vários autores pretendendo explicar o direito em questão. Com efeito, algumas dessas propostas, o texto de um autor qualquer, acaba por ter êxito na interpretação do preceito contido no ordenamento jurídico, outras não.
O sistema jurídico em sentido estrito é o conjunto de normas que são aplicadas pelos tribunais. Nesse ínterim, Gregório Robles divide os textos jurídicos em: i) textos jurídicos ordenamentais (ordenamento); ii) textos jurídicos sistemáticos (manuais, tratados, monografias) e iii) textos jurídicos sistêmicos, isto é, propostas doutrinárias incorporadas pelos tribunais – a aplicação dos textos jurídicos.
O fenômeno subjacente que explica o processo em torno da transformação do ordenamento jurídico (material bruto), passando pela dogmática jurídica gerando o sistema jurídico (normas jurídicas) é assim explicado por Robles:
O texto bruto é submetido a um processo de refino e reelaboração, produzindo-se um novo texto que reflete o primeiro e ao mesmo tempo o completa. Este novo texto, o texto jurídico elaborado, não se produz diretamente pela ação das autoridades (poderes jurídicos), mas é o resultado do trabalho de dogmática jurídica. A dogmática jurídica (ou Ciência do Direito em sentido estrito) tem a missão de apresentar, de forma sistematicamente construída e conceitualmente rigorosa, o material ou texto jurídico bruto. Assim a dogmática constrói o sistema. O sistema, em seu conjunto, se expressa num texto elaborado paralelamente e muito mais completo e exato que o texto jurídico bruto. O sistema reflete e aperfeiçoa o ordenamento.[3]
Ainda há um outro componente presente na teoria comunicacional do direito, trata-se do âmbito jurídico. O âmbito jurídico, além de conter o ordenamento e sistema jurídicos, compreende outros textos que não pertencem nem ao ordenamento jurídico nem ao sistema jurídico. O parecer de um advogado tributarista que analisa uma questão legal específica, a petição inicial em um processo judicial protocolada em juízo, são alguns exemplos. Esses documentos não pertencem ao ordenamento jurídico nem ao sistema jurídico, eles pertencem ao Direito, que tem relação com o ordenamento jurídico e com o sistema jurídico. O âmbito jurídico é o conjunto, o todo, integra seus elementos, ou seja, o ordenamento jurídico, o próprio sistema jurídico e os demais documentos.
Para além do exposto, firmado em premissas distintas, tanto ordenamento quanto sistema jurídicos caracterizam um processo singular, que envolve decisões jurídicas consubstanciadas nas normas jurídicas.
Gregório Robles busca elucidar esta ideia:
Cada ordenamento jurídico é um texto gerado por atos de fala, que denominamos decisões jurídicas. (...) As decisões produzem texto verbalizado cujas unidades elementares chamamos de normas jurídicas. Estas normas jurídicas não são proporcionadas diretamente pelas decisões, mas, em verdade, constituem o resultado de uma reconstrução hermenêutica que opera o material bruto do ordenamento. O conjunto das normas forma o sistema jurídico, conceito paralelo ao de ordenamento, mas que não se confunde com ele porque o sistema também é produto da reconstrução hermenêutica do material bruto que o ordenamento é[4].
Note-se que há uma distinção entre decisão jurídica e norma jurídica. A decisão jurídica está para o ordenamento jurídico, assim como a norma jurídica está para o sistema jurídico. Há uma relação de pertencimento, cada qual ao seu conjunto. As normas jurídicas não estão no ordenamento jurídico. No ordenamento há apenas textos (material jurídico). Somente após o processo de elaboração e produção do sistema jurídico surgem as unidades elementares, normas jurídicas.
Ao tratar das categorias decisões jurídicas e normas jurídicas, aparece uma outra: as instituições jurídicas, que podem ser tidas como unidades mais amplas que a norma jurídica, e que as agregam, demonstrando o aspecto de organização dos textos jurídicos. Como exemplo de instituição jurídica temos o casamento, que estabelece diversas normas jurídicas referentes à normatização daqueles preceitos devidos.
Finalizando a temática ordenamento e sistema jurídicos, destaca-se que o sistema é mais amplo que o ordenamento. Pois, ao cotejar toda a doutrina existente sobre determinado ramo do direito, como a do direito privado brasileiro, por exemplo, e o Código Civil e suas leis congêneres, verifica-se a quantidade expressivamente maior de textos dogmáticos em relação aos últimos. Segundo Robles, o sistema é mais depurado que o ordenamento e reflete melhor as normas e instituições de um direito positivo concreto. O ordenamento é material bruto, repleto de lacunas, contradições e omissões. Já o sistema encontra-se em estado de plenitude ou perfeição expositiva[5].
Para a teoria comunicacional do direito, ao contrário de outras teorias linguísticas, como no Brasil, o Constructivismo Lógico-Semâtico[6], baseado nos estudos de Lourival Vilanova e Paulo de Barros Carvalho, que sustenta que o direito positivo tem função prescritiva, prescreve condutas; e a doutrina (Ciência do Direito) tem função descritiva, ou seja, descreve o Direito, explica o Direito; já para aquela primeira a dogmática jurídica não tem a função de descrever o direito, mas, produz uma reelaboração do ordenamento, construindo o sistema. Tanto as normas como o sistema são resultado da construção dogmática[7].
A relação entre sistema jurídico e norma jurídica dá conta de que a norma jurídica é um elemento do sistema jurídico. Na teoria comunicacional do direito o ordenamento jurídico, proporciona o material para a construção das normas, mas estas só aparecem no denominado sistema jurídico completo. Na dualidade sistema-ordenamento, a norma é uma proposição de linguagem que se insere no sistema, que por sua vez expressa um ordenamento jurídico[8].
A teoria comunicacional do direito, assim como outras teorias do direito, apresenta um modelo especulativo de normas jurídicas. Dada a natureza conceitual diversa, se faz necessário um modelo normativo específico, consubstanciado em aspectos epistemológicos e metodológicos característicos e relações peculiares entre os componentes expressos.
Neste sentido menciona Gegorio Robles:
Esta verificação faz supor a necessidade de um modelo teórico de tipos de normas e de suas relações recíprocas que permita ordenar a matéria do texto bruto. O modelo teórico das normas não é descritivo, mas, em realidade, só poderá cumprir seu papel se for capaz de articular coerentemente o conjunto de múltiplas funções atribuídas às proposições normativas que configuram o sistema. Além disso, o sistema só pode se constituir plenamente se estiver fundamentado num modelo de teoria das normas prévio, que atue como mapa ou planta do material normativo diversificado e disperso, fornecido pelo ordenamento[9].
Em relação às unidades normativas do sistema, Robles defende o modelo heterogêneo das normas jurídicas, pois, este explica de maneira mais adequada o direito, ao contrário da tese homogênea. O modelo homogêneo descreve as normas jurídicas do ponto de vista sintático, utilizando uma estrutura lógica e formal. Independente do conteúdo da norma (civil, penal, tributária, etc.) a estrutura é sempre a mesma. Refere-se a uma proposição condicional, que prevê “Se A é, então B deve ser”; onde, “A” corresponde a uma hipótese de incidência e “B” representa a consequência jurídica, unidos pelo conectivo deôntico do “dever ser”.
Na concepção homogênea há a redução do sistema jurídico a uma teoria da norma. Assim, encontrado o modelo característico geral das normas e seu conjunto, este passaria a configurar o sistema jurídico. Esta concepção corresponde a ideia de norma jurídica presente na Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen, em que toda norma seria um juízo de dois membros, uma hipótese e uma consequência, vinculados pelo modal deôntico do dever-ser[10].
Quanto à tese da heterogeneidade normativa no processo comunicacional do direito, aduz Gregório Robles:
A concepção heterogênea das normas vai ganhando espaço na teoria jurídica a partir da metade do século XX. O momento atual exige uma concepção da teoria das normas que esteja de acordo com sua heterogeneidade, tanto funcional quanto linguística. A diferenciação funcional das normas se refere, à diversidade de funções que estas cumprem dentro do sistema. A diferenciação linguística se fixa na composição verbal da proposição normativa, especialmente no verbo que a caracteriza[11].
Tendo em vista, que o direito é um conjunto de normas que visa regular a conduta humana em sociedade, estabelecendo direitos e deveres com a finalidade de um ambiente justo e pacífico, e que as teorias do direito estabelecem propostas de modelos de normas, ou teorias das normas, ressalta-se que não existe um único arquétipo capaz de fazê-lo afastando todos os demais. O modelo se prestará mais adequado ou não à medida que proporcionar operacionalidade e praticabilidade para ordenar o direito.
A seguir, com base no acima exposto, a proposta da teoria comunicacional do direito consiste em classificar as normas a partir da concepção heterogênea de composição, observados os critérios, funcional e linguístico. Deste modo, temos as classes das normas: indiretas de ação e diretas de ação. Gregorio Robles justifica a escolha e define o conceito de normas indiretas de ação e normas diretas de ação consoante os ditames abaixo:
A teoria comunicacional propõe, como a classificação mais simples das normas jurídicas, uma distinção entre normas indiretas e normas diretas de ação. Normas indiretas são as normas que não contemplam diretamente a ação, mas se limitam a estabelecer elementos do sistema anteriores à regulação direta das ações. Expressam-se mediante o verbo ser, podem ser chamadas normas ônticas. (...) Normas diretas da ação são aquelas que contemplam, em sua expressão genuína, uma determinada ação. Se caracterizam por manter uma relação direta com a ação. (Robles, 2005, p.15, grifo nosso).
Adiante, de maneira mais pormenorizada será tratado o tema das normas e das regras jurídicas no Direito e nos jogos, mas na seção seguinte é premente conhecer alguns conceitos e categorias que melhor explicam a teoria dos jogos de Robles e a pretensa comparação com o Direito, na configuração de ordenamento jurídico.
2. A ABORDAGEM COMPARATIVA ENTRE O DIREITO E OS JOGOS
Foi no ano 1982, em uma conferência realizada no Chile, na qual Gregorio Robles palestrou sobre o tema das regras do Direito e dos jogos. À época havia feito a leitura de alguns textos que en passant se referiam ao tema. Suas observações percorriam na direção que considerava que temos de respeitar as regras do Direito, assim como a dos jogos, os quais estão sendo jogados[12]. As reflexões sobre a analogia entre Direito e jogo discursadas naquele evento progrediram para a produção de um artigo jurídico a ser publicado em revista científica, e posteriormente na criação do livro As regras do Direito e as regras dos jogos – Ensaio sobre a teoria analítica do Direito.
Como já assentado o direito é um conjunto de normas que visa regular a conduta humana em sociedade. O sistema jurídico é um subsistema do sistema social. O ambiente social em certa medida pode ser comparado ao dos jogos em que o homem intervém. Isso porque, como se verá à frente, dentre os vários tipos de jogos há aqueles em que o homem não intervém, como os jogos de cartas, os jogos de peças, em que o sujeito não está propriamente no terreno do jogo.
Na vida social como nos jogos, observam-se presentes fenômenos como cooperação, competência, luta e conflito. Ademais, na vida em sociedade e nos jogos a convivência prática se faz a partir de regras que dirijam as ações devidas dos seus sujeitos. E se nos referirmos ao Direito, uma parte da vida social, isso aparece mais claramente[13].
Com efeito, a comparação entre as regras do Direito e as regras dos jogos aqui realizada, tem como ponto fulcral, os jogos em que o homem intervém, por exemplo, como no futebol e no basquete. Há outras classes de jogos, em que os sujeitos estão fora do terreno do jogo, como nos jogos de peças, exemplo, o xadrez. Mas, dentre os tipos de jogos os que o homem intervém diretamente no terreno de jogo, pode-se verificar a possiblidade de uma comparação mais próxima entre as regras daqueles jogos e as regras do Direito.
Por conseguinte, adverte-se, a comparação realizada não tem caráter absoluto, pois, o Direito não é um jogo. Não se trata de equipará-los sob o ponto de vista sociológico ou outro aspecto qualquer, não, já que dificilmente se lograria êxito, mas evidenciar as semelhanças entre os diferentes tipos de regras e características estruturais pertencentes ao Direito e ao jogo[14].
Cabe recordar, trata-se de regra como proposição linguística com o intuito de dirigir direta ou indiretamente a ação humana. O vocábulo regra é utilizado para evitar o uso do termo norma que na Teoria do Direito é mais amplo, pois, designa todas as proposições linguísticas que aparecem no ordenamento jurídico. Para Gregório Robles o Direito não é um sistema de normas, mas sim um sistema de proposições jurídicas de diferentes espécies, do qual a norma é uma das classes de regras junto de outras demais classes[15].
Por outro lado, tradicionalmente, a teoria geral do direito classifica as normas jurídicas em regras e princípios, segundo sua estrutura e aplicabilidade. Regras são normas que estruturalmente contém uma hipótese de incidência e uma consequência jurídica e são aplicadas integralmente ou não são. Princípios são normas cuja estrutura contém prescrições de caráter valorativo e genérico, aplicados por meio de ponderação, sopesando-se princípios a outros princípios e regras, de acordo com o caso concreto.
Quanto à classe de jogos constata-se uma imensa quantidade deles e a dificuldade em elencar todos aqueles existentes. Mas, a maioria dos jogos pode se enquadrar em algumas destas categorias: jogos de azar, jogos de cartas, jogos de peças e jogos dos homens. Mais especificamente nos jogos em que o homem intervém, a ação do jogo é uma ação humana, e isto os diferencia dos demais jogos. No xadrez, por exemplo, o enxadrista está fora do terreno de jogo onde se situam as peças, ao contrário do futebol, do basquete, entre outros em que o jogador está dentro de campo[16].
A ação nos jogos em que o homem intervém é uma ação humana tal qual a ação humana presente no Direito. E, entre os tipos de jogos existentes, sob essa perspectiva, o jogo em que o homem intervém é aquele que mais se assemelha ao Direito. Logo, a reflexão em torno da comparação entre esse tipo de jogo e suas regras e o Direito com suas regras específicas faz-se completamente factível.
Para que se dê a abordagem comparativa entre o Direito e os jogos é necessário, assim como estuda-se o Direito, que seja possível estudar os jogos. Contudo, os jogos podem ser objeto de estudos? Sim, pois os jogos constituem uma realidade e toda realidade pode ser objeto de estudos e ter tratamento científico[17]. Neste cenário, os jogos podem ter múltiplos tratamentos teóricos, cada um sob uma perspectiva do conhecimento, ou seja, estar-se-á diante de um legítimo pluralismo epistemológico.
Entre os modelos epistemológicos, elegeu-se o enfoque linguístico para a realização deste trabalho, pois este intenta uma maior aproximação ao texto expresso tanto no jogo quanto no Direito, assim como permite o processo de comunicação. A forma de comunicação do jogo se manifesta em um conjunto de regras constitutivas do próprio jogo que tornam sua ação possível. Essas regras às vezes estão escritas às vezes não. Seja escrita ou oral não se pode pensar em jogos sem regras, menos ainda sem alguma forma de linguagem, por isso, inferir que todo jogo possui uma dimensão linguística. Do mesmo jeito o Direito também pode ser escrito ou suscetível de ser escrito e encerra aspectos igualmente linguísticos[18].
Com relação à linguagem em que o jogo se manifesta podemos realizar duas operações quanto à sua natureza. Compreender os conteúdos concretos das proposições linguísticas que expressam o jogo ou adotar uma perspectiva designada lógico-linguística. Nesta última, investiga-se somente a forma das proposições, isto é, componentes formais e o modo como estão relacionadas entre si as classes das proposições, a forma em que as diversas classes de proposições se vinculam constituindo o sistema das regras de um jogo[19].
Traçando um paralelo, a compreensão das regras concretas de um jogo, cuja finalidade é encontrar os sentidos das proposições corresponde ao que nas ciências jurídicas denomina-se Dogmática Jurídica e nos jogos chamar-se-á Dogmática Lúdica. O método lógico-linguístico aplicado às proposições linguísticas que compõem o jogo e o Direito representa a manifestação de um formalismo extremo, que prescinde de todo elemento fático ou estranho à forma lógico-linguística das proposições; pretende abordar o problema da forma, classe e conexões das proposições lúdicas e das proposições jurídicas que aparecem nos jogos e no Direito[20].
Por conseguinte, mediante a utilização do método linguístico busca-se responder: o que é um jogo, como ele se define? Segundo Gregorio Robles um dos modos para a definição dos jogos consiste em determiná-lo pelas regras que compõem o próprio jogo, como no caso o xadrez. Ao fixar o número de jogadores, a quantidade de peças, a forma do tabuleiro, os movimentos estabelecidos no jogo para as peças, etc., pode-se demarcar este jogo, isto é, o jogo de xadrez pode ser definido pelo conjunto de suas regras[21].
À vista disso, outra questão aparece: como o jogo é criado? Como surge o jogo enquanto determinado conjunto de regras? O autor basco defende a ideia de que o surgimento se dá por meio de um acordo, uma convenção, vale dizer, a existência do jogo se dá a partir do resultado de uma convenção, para mais:
(...) uma convenção é um acordo entre dois ou mais homens em virtude do qual, a partir de determinado momento, algo é ou deverá ser de determinada maneira. (...) O jogo é um ser, mas diferentemente do ser natural ou do ser lógico, é um ser convencional, posto que tem sua origem em uma convenção. Antes da convenção o jogo não existe; só existe após a convenção[22].
O mesmo autor prossegue no cotejo entre os jogos e o Direito, no tocante a convenção:
O Direito é igualmente resultado de uma convenção. Isto não significa que surja como produto de um acordo faticamente realizado entre homens. O caráter convencional do Direito indica que é produto da vontade dos homens, que tem uma origem artificial, e que, por conseguinte, não deriva da natureza das coisas[23].
A convenção consiste num processo, conjunto de atividades, da qual resulta um ente convencional, que é o produto da convenção. Como fora dito, neste sentido, o jogo pode ser descrito como o resultado de uma convenção – acordo –, ou seja, o jogo é um ente convencional, e o Direito, sob esta perspectiva, também pode ser considerado um ente convencional, pois resulta de uma convenção, apesar de se tratarem de processos diversos. A proximidade se dá em razão do exercício de vontade dos homens. O jogo e o Direito, nesta reflexão, não se originam nas coisas em si, mas ocorre por um ato de vontade das pessoas para criar algo.
3. A DEFINIÇÃO DO CONCEITO DE REGRAS E SEUS TIPOS
Na seção anterior, tratou-se da categoria convenção, como acordo realizado entre pessoas. A dualidade processo e produto apontou para a relação entre convenção e ente convencional. Acrescenta-se à estas uma premissa intrínseca que permeia este trabalho, isto é, uma circunstância antecedente fundamental que é o fenômeno da linguagem.
O ente convencional é a própria convenção e a natureza da convenção é a linguagem, já que não há forma de se convencionar senão pela linguagem. Por consequência, depreende-se que o ente convencional no plano da linguagem é um ente linguístico[24].
Existe mais de um modo para se definir algo, isto é, explicar seu significado. O processo de definir, descreve o que algo é, explica para que serve, etc. Um dos modos de se definir um objeto se dá mediante a descrição de suas regras. O ente convencional, na qualidade de objeto, tem como possibilidade ser explicado pelo conjunto de suas regras, vale dizer, pelo seu sistema de regras.
O jogo é um ente convencional, e, portanto, um sistema de regras. Um sistema de regras que se refere a ação à maneira do Direito. Dessa forma, tanto o Direito quanto o jogo são sistemas de regras de ação. Contudo, nem todas as regras que aparecem no jogo ou no Direito são dirigidas diretamente a ação. Há regras que se dirigem diretamente a ação, e, há outras que se dirigem a ação indiretamente[25]. As regras que compõem o ente convencional constituem a expressão linguística da convenção, ou, a própria convenção em termos linguísticos. Portanto, para analisar essas regras deve-se aplicar a análise lógico-linguística.
Para Gregorio Robles, sob a ótica da teoria comunicacional do direito, a regra é o significado de uma expressão linguística, é uma proposição, contudo explica o autor:
(...) nem toda proposição é uma regra, já que se entende que esta se destina a orientar a ação humana, enquanto que existem proposições que nada têm a ver com isso. A regra é uma proposição com significado especial. Esse significado especial não é, pura e simplesmente, que seja dirigida à ação, mas que seja inserida em um sistema proposicional. Se denominarmos o âmbito ôntico da ação de âmbito ôntico-prático, poderemos dizer que uma regra é uma proposição que se insere no sistema que define o âmbito ôntico-prático. A regra não tem esse significado se estiver desvinculada do sistema[26].
A regra é uma proposição que tem como finalidade orientar a ação humana. No entanto, à regra não basta somente se dirigir a ação, tem que estar inserida em um sistema. Se a regra estiver isolada, isto é, não fazer parte de um sistema, neste aspecto, não contém o significado pretendido e não pode ser caracterizada como tal.
Âmbito ôntico se refere ao campo de atuação, domínio, área que abrange o ente. Ao acrescentar àquele campo, domínio o atributo da ação, tem-se o âmbito ôntico-prático. Âmbito ôntico-prático, nos quais a ação está presente, âmbito-ôntico, os demais sem esta qualidade. Sendo assim, a regra é uma proposição que se insere no sistema que define o âmbito ôntico-prático. A regra não tem esse significado se estiver desvinculada do sistema que, em última análise, delimita o próprio âmbito ôntico-prático.
Como elemento componente do sistema proposicional que expressa o âmbito ôntico-prático, a regra é dirigida ou orientada a ação direta ou indiretamente. Regra orientada diretamente a ação humana, e, exige um determinado comportamento, necessário ou possível. Necessário corresponde às regras técnicas, e os possíveis às regras deônticas ou normas[27].
Junto a essas regras que expressam uma exigência de conduta e se dirigem diretamente à ação, existem outras que revelam os elementos necessários da convenção. Neste caso, não se dirigem diretamente à ação, mas indiretamente; se enunciam pelo verbo ser e são chamadas de regras ônticas[28].
De volta, às categorias dos jogos, em especial, o jogo em que homem intervém, e do Direito, menciona-se que ambas podem ser apontadas como a representação de um âmbito ôntico-prático, isto é, tanto um quanto o outro são sistemas de regras cuja função consiste em dirigir a ação humana. A comparação entre jogo e Direito é o ponto de partida para a compreensão de algumas características que o Direito possui como sistema de regras[29].
Porém, em que pese a pretensa comparação, claro está que a complexidade do Direito é manifestamente superior àquela exibida nos jogos, como se percebe ao analisar a estrutura hierárquica e a multiplicidade de regras que constitui o ordenamento jurídico. Apesar disso, no que se refere aos tipos de regras que aparecem no jogo e no Direito, encontra-se grande semelhança, especialmente ao considerar o modelo de jogos dos homens, isto é, os jogos em que o homem intervém.
Esta semelhança plausível na pesquisa em relação aos tipos de regras, se fundamenta no contexto da análise lógico-linguística. Sob esta perspectiva, existem três tipos de regras encontradas tanto nos jogos em que os homens intervêm quanto no Direito. São elas: i) as regras ônticas; ii) as regras técnicas; e iii) as regras deônticas; que serão melhor elucidadas ao longo da seção subsequente.
3.1. As regras ônticas
O primeiro tipo de regra abordada, concerne as regras ônticas, que também se classifica como regra indireta de ação. Em nota a este tipo de regra Gregorio Robles comenta:
Regras ônticas são aquelas que assinalam ou indicam, por meio de linguagem, os elementos necessários da convenção e que não afetam diretamente a ação. Isto é o campo e o tempo da ação, seus sujeitos e respectivas competências. Têm caráter convencional e, portanto, arbitrário, já que são estabelecidas pelo criador ou pelos criadores do âmbito, mediante a convenção. São denominadas ônticas porque estabelecem os elementos ônticos do âmbito, sendo expressão linguística de sua natureza o fato de serem regras cujo nexo modal é o verbo ser. (Robles, 2005, p.115, grifo nosso).
A regra ôntica não se refere a nenhuma realidade prévia e a nenhum conceito. Não expressa descritivamente o que algo é. Pela regra ôntica é criado algo, antes dela o algo não existe. A definição deve fazer referência a algo preexistente. A definição supõe a preexistência da regra. As regras são anteriores às definições, posto que não se pode definir senão o que já existe[30].
É possível que uma definição seja objeto de uma regra? Existem regras que prescrevem definições? Caso existam de que tipo são? É comum encontrar nos textos legais “definições”, por exemplo, de tipos de contratos, de delitos ou o significado de determinadas palavras. Uma proposição prática pode apresentar em seu conteúdo a forma externa de uma definição: “o gol é ...”, “casa no xadrez é ...”, “o tributo é”. Aparentemente, todas essas proposições se apresentam como definições, no entanto, não o são, porque não se referem a uma realidade preexistente[31]. Quando se diz que o art. 3º do Código Tributário Nacional define o conceito de tributo, fala-se de maneira imprópria. A rigor, o mencionado preceito está “criando” o tributo.
O ato de atribuir nome às coisas e o ato de definir têm uma característica comum: tanto um quanto o outro supõe a existência prévia da “coisa”. Somente um objeto preexistente é suscetível de definição e de denominação. Apesar de ambas suporem a existência prévia, contudo, não são idênticas. Na denominação, o nome tem relação direta com a coisa, mas a coisa não nos é apresentada definida. A denominação não incorpora a definição, sua função é “batizar” a coisa com um nome, para que possa usar desse nome para referir-se a coisa[32]. As definições consistem em delimitar o sentido de algo, explicar o significado de um conceito.
3.2. As regras técnicas
A segunda classe de regras, cuida das regras técnicas, reputadas como dirigidas diretamente à ação, as quais Robles revela suas características:
As regras técnicas são aquelas que indicam os meios necessários para alcançar os fins propostos, considerando que tanto aqueles meios quanto aqueles fins pertencem ao mundo da realidade natural. Neste sentido, a regra técnica não seria outra coisa senão a expressão de uma lei científico-natural de caráter causal, formulada não como descrição da relação causa-efeito, mas como pauta da atuação a ser seguida em virtude da qual é preciso colocar em ação determinados meios para conseguir a realização de determinados fins (Robles, 2005, p.137, grifo nosso).
O tratamento das regras técnicas não pode ser reduzido ao mundo das relações causais. A necessidade causal não esgota o mundo do necessário, constituindo apenas um tipo específico deste. Junto a necessidade causal ou natural é preciso considerar também a necessidade lógica e a necessidade convencional. Dessa forma, são três os tipos de regras técnicas: (i) regras técnico-causais, (ii) regras técnico-lógicas e (iii) regras técnico-convencionais[33].
As regras técnicas, como apontado, indica os meios necessários para alcançar os fins propostos. Contudo, no âmbito da realidade natural, ou seja, no espaço pertencente ao mundo natural, fala-se em lei científica-natural de caráter causal que descreve uma relação de causa-efeito. Relação de causa e efeito, que na natureza descreve um evento (causa) que leva a outro (efeito), como no exemplo, o aquecimento global (causa) provoca o derretimento de grandes massas de gelo (efeito). Deste modo, as regras técnico-causais são aquelas encontradas no mundo das relações causais, in casu, o da realidade natural.
O segundo subtipo contempla as regras técnico-lógicas. As regras da lógica expressam a necessidade lógica, em virtude da qual as proposições linguísticas de um raciocínio correto estão enlaçadas entre si por meio de um vínculo necessário. A regra técnico-lógica é uma regra dirigida à “ação”, todavia à ação do pensamento, que estabelece como devemos pensar ou argumentar se desejarmos que nosso raciocínio seja válido do ponto de vista formal[34].
As do último grupo serão aquelas empregadas de forma mais adequada à conjuntura desta composição, pois, se referem as regras técnicas, denominadas regras técnico-convencionais por aparecerem nos âmbitos ônticos-práticos, tais como o jogo em que o homem intervém e o próprio Direito.
As regras desse tipo podem ser denominadas de regras processuais ou procedimentais, dado que, estabelecem os requisitos necessários para realizar a ação, ou seja, o procedimento. A regra técnico-convencional, como toda regra técnica, estabelece os meios necessários para alcançar um fim proposto pelo agente. No entanto, frise-se, meios necessários e fins a serem alcançados de caráter convencional. Diferentemente da regra técnico-causal e da regras técnico-lógica, nas quais o meio e o fim pertencem ao mundo da natureza e da lógica, fora do arbítrio humano, a regra técnico-convencional é resultado, direto ou indireto da convenção[35].
3.3. As regras deônticas ou normas
Junto às regras ônticas e as técnico-convencionais, um âmbito ôntico-prático, que pode ser representado pelo jogo e pelo Direito pode conter também regras deônticas ou normas. Porém, como visto anteriormente, casos há em que tal fato não é absolutamente necessário, uma vez que, pode suceder que o âmbito contenha apenas os elementos necessários da ação, estruturados por meio de regras ônticas e técnico-convencionais, trata-se de âmbitos ônticos, como por exemplo alguns tipos de jogos.
Contudo, nos jogos em que o homem intervém isso muda. Nesse tipo de jogos os jogadores estão em campo, são protagonistas diretos da ação, sendo ao mesmo tempo jogadores e fichas. A ação do jogo aqui é uma ação humana. Esta é estabelecida e regida por normas procedimentais, isto é, regras técnicas, que determinam como o jogo tem que ser, mas são acompanhadas de outras regras que fazem parte do jogo e se referem a conduta dos jogadores e são reguladas por normas que determinam deveres a serem cumpridos por eles[36].
As regras deônticas, ou norma, como também pode ser designada, incluem-se entre as regras diretas de ação que determinam o cumprimento ou não de deveres, mas diferentemente da regra técnica possui uma particularidade própria como bem explica Gregorio Robles:
A norma é uma regra direta de ação que estabelece um dever. Norma e dever se implicam mutuamente, de tal maneira que não existem deveres onde não há normas. O dever pode ter um conteúdo positivo ou negativo, isto é, pode exigir uma ação ou uma omissão.
(...)
A norma se assemelha à regra procedimental por serem ambas regras diretas da ação, em contraste com as regras ônticas, mas se diferencia dela pelo fato de que enquanto a regra procedimental é uma regra necessária, que estabelece convencionalmente uma necessidade ou a pressupõe, a norma exige uma ação como devida, o que quer dizer que se assenta na possibilidade, já que o dever é algo que pode ser e pode não ser, isto é, algo que se pode cumprir ou descumprir (Robles, 2005, p. 164, grifo nosso).
Efetivamente, a regra técnica não expressa um dever, mas um “ter que”, uma necessidade. Ademais, a regra deôntica (norma) pode ter como conteúdo o dever de realizar a exigência necessária da regra técnica. É possível que sobre a regra técnico-convencional não pese nenhum dever, isto é, que não exista nenhuma norma que preveja alguma obrigação. Mas também pode acontecer, como no Direito, que a regra procedimental seja objeto de uma norma e, consequentemente implique um dever jurídico[37].
A questão do cumprimento e descumprimento da norma é equivalente ao cumprimento e descumprimento do dever. A norma é a exigência de uma ação (ou omissão) como devida. Pela lógica deôntica, algo é obrigatório, proibido ou permitido. Uma ação só pode ser exigida como devida se se admitir que o sujeito tem a possibilidade de cumpri-la ou descumpri-la, ou melhor, realizar a ação ou não realizá-la. É incoerente propor que pessoas não possam sair de uma sala, cuja porta está trancada a chave. As normas devem observar a possiblidade de cumprimento ou descumprimento – violação da norma ou do dever – no plano do mundo real.
Esta formulação da norma jurídica “se H é, deve ser C”, constitui uma significação que envolve mais de uma realidade normativa. Sob essa fórmula há três deveres diferentes: (i) o dever do cidadão de se comportar de determinada maneira; (ii) o dever do órgão de decisão de ordenar a imposição de uma sanção no caso em que o súdito transgrida seu dever e (iii) o dever do órgão de execução de impor a sanção ordenada[38].
Para Gregorio Robles, a fórmula “se H é, deve ser C” se decompõe em três proposições deônticas: 1) a norma de conduta (N1): o súdito pode cumprir a norma de conduta e também pode descumpri-la. Com relação ao descumprimento desta norma, a ordem jurídica pode prever um mecanismo sancionador. 2) a norma de decisão (N2): se os súditos não cumprirem o pressuposto em “H”, determinados órgãos devem ordenar a imposição de “C” consequência jurídica. Esta norma é dirigida a um órgão de decisão, que decide, mas não impõe diretamente a sanção; ordena sua imposição pela emissão de uma terceira norma dirigida ao órgão de execução. 3) a norma de execução (N3): a norma de execução é a norma tal qual decidida pelo órgão de decisão, dirigida ao cumprimento pelo órgão de execução, consiste na maior parte das vezes na imposição de uma sanção ordenada[39].
CONCLUSÃO
À luz das reflexões desenvolvidas, verifica-se que a abordagem comparativa entre o Direito e os jogos não deve ter caráter absoluto, pois, o Direito não é um jogo. A comparação entre estes, sob o ponto de vista sociológico, antropológico, histórico ou outro qualquer certamente não obteria êxito, mas comparar as semelhanças entre os tipos de regras presentes no Direito e nos jogos, sobretudo nos jogos em que o homem intervém, como no futebol, característico pela prática da ação humana, se mostrou oportunamente realizável.
Diante da análise empreendida, buscou-se eleger o enfoque linguístico no tratamento teórico dos jogos, e assim estabelecer uma maior aproximação ao texto expresso no jogo e no Direito. Neste sentido, assegurar a manifestação do jogo pela linguagem e sua forma de comunicação pelas suas regras constitutivas, também defini-lo pelo conjunto de suas regras. O jogo é um ente convencional e um sistema de regras que se refere à ação tal qual o Direito, ou seja, os dois são sistemas de regras de ação. Contudo, pôde-se observar a presença de regras que se dirigem diretamente à ação, e regras que se dirigem à ação indiretamente. Evidenciou-se que a regra é o significado de uma expressão linguística, é uma proposição e tem como finalidade orientar a ação humana. Sob esta perspectiva existem três tipos de regras nos jogos também observadas no Direito, são elas: i) as regras ônticas; ii) as regras técnicas e iii) as regras deônticas.
Conclui-se, portanto, que a complexidade do Direito é manifestamente superior à dos jogos, em razão da multiplicidade de regras que constitui o ordenamento jurídico e sua importância social. Apesar disso, os tipos de regras que aparecem no jogo e no Direito são semelhantes. Semelhantes sob a perspectiva lógico-linguística. A comparação entre o jogo e o Direito é o ponto de partida para a compreensão das características que o Direito possui como sistema de regras. A concepção metódica exercida é de um formalismo extremo, que afasta a análise da realidade fática para se aproximar do Direito como discurso linguístico. Assim, as regras do Direito podem ser consideradas similares às regras dos jogos. O estudo da classificação das regras do Direito sob uma óptica diferente teve o intuito de chamar a atenção para outras formas de análise do universo jurídico, bem como, a relevância da Filosofia da Linguagem e da Teoria Comunicacional do Direito para o aprofundamento das questões jurídicas.
REFERÊNCIAS
CARVALHO, Aurora Tomazini. A ideia de texto e a sua potencialidade analítica para a Teoria Comunicacional do Direito in Teoria Comunicacional do Direito: Diálogo entre Brasil e Espanha, Coord. Gregorio Robles e Paulo de Barros Carvalho, São Paulo: Noeses, V. I, 2011.
HOLANDA, Flávia. Ordenamento, sistema e âmbito jurídicos: categorias da Teoria Comunicacional do Direito de Gregorio Robles in Teoria Comunicacional do Direito: Diálogo entre Brasil e Espanha, Coord. Gregorio Robles e Paulo de Barros Carvalho, São Paulo: Noeses, 2017, V. II.
ROBLES, Gregorio. As regras do direito e as regras dos jogos: ensaio sobre a teoria analítica do direito. São Paulo: Noeses, 2011.
ROBLES, Gregorio. O direito como texto: quatro estudos de teoria comunicacional do direito, trad. Roberto Barbosa Alves, Barueri: Manole, 2005.
ROBLES, Gregorio. Ordenamiento, sistema e ámbito: la función comunicacional de la dogmática jurídica in Teoria Comunicacional do Direito: Diálogo entre Brasil e Espanha, Coord. Gregorio Robles e Paulo de Barros Carvalho, São Paulo: Noeses, 2017, V. II.
ROBLES, Gregorio. Perspectivismo textual y principio de relatividade sistémica em la Teoria Comunicacional del derecho in Teoria Comunicacional do Direito: Diálogo entre Brasil e Espanha, Coord. Gregorio Robles e Paulo de Barros Carvalho, São Paulo: Noeses, 2011, V. I.
[1] Gregorio Robles Morchón é um jurista basco, Doutor em Direito pela Universidade Complutense de Madrid. Catedrático de filosofia jurídica na Universidade das Ilhas Baleares e Docente de Direito da União Europeia na Pontifícia Universidade de Salamanca, campus de Madrid.
[2] ROBLES, Gregorio. O direito como texto: quatro estudos de teoria comunicacional do direito, trad. Roberto Barbosa Alves, Barueri: Manole, 2005, p. 2.
[3] ROBLES, Gregorio. O direito como texto: quatro estudos de teoria comunicacional do direito, trad. Roberto Barbosa Alves, Barueri: Manole, 2005, p. 7.
[4] ROBLES, Gregorio. O direito como texto: quatro estudos de teoria comunicacional do direito, trad. Roberto Barbosa Alves, Barueri: Manole, 2005, p. 1.
[5] ROBLES, Gregorio. O direito como texto: quatro estudos de teoria comunicacional do direito, trad. Roberto Barbosa Alves, Barueri: Manole, 2005, p. 7.
[6] O Constructivismo Lógico- Semântico consiste em um instrumental filosófico de análise e reflexão sobre a linguagem normativa a fim de proporcionar a organização do discurso jurídico.
[7] ROBLES, Gregorio. O direito como texto: quatro estudos de teoria comunicacional do direito, trad. Roberto Barbosa Alves, Barueri: Manole, 2005, p. 8.
[8] ROBLES, Gregorio. O direito como texto: quatro estudos de teoria comunicacional do direito, trad. Roberto Barbosa Alves, Barueri: Manole, 2005, p. 11.
[9] ROBLES, Gregorio. O direito como texto: quatro estudos de teoria comunicacional do direito, trad. Roberto Barbosa Alves, Barueri: Manole, 2005, p. 11.
[10] ROBLES, Gregorio. O direito como texto: quatro estudos de teoria comunicacional do direito, trad. Roberto Barbosa Alves, Barueri: Manole, 2005, p. 13.
[11] ROBLES, Gregorio. O direito como texto: quatro estudos de teoria comunicacional do direito, trad. Roberto Barbosa Alves, Barueri: Manole, 2005, p. 14.
[12] SCRIBONI, Marília. “A estrutura dos jogos e a do Direito são as mesmas”. Conjur,13 de novembro de 2011. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2011-nov-13/entrevista-gregorio-robles-estudioso-teoria-comunicacional-direito/. Acesso em: 20 nov. 2025
[13] ROBLES, Gregorio. As regras do direito e as regras dos jogos: ensaio sobre a teoria analítica do direito. São Paulo: Noeses, 2011, p. 3.
[14] ROBLES, Gregorio. As regras do direito e as regras dos jogos: ensaio sobre a teoria analítica do direito. São Paulo: Noeses, 2011, p. 4.
[15] ROBLES, Gregorio. As regras do direito e as regras dos jogos: ensaio sobre a teoria analítica do direito. São Paulo: Noeses, 2011, p. 5.
[16] ROBLES, Gregorio. As regras do direito e as regras dos jogos: ensaio sobre a teoria analítica do direito. São Paulo: Noeses, 2011, p. 7.
[17] ROBLES, Gregorio. As regras do direito e as regras dos jogos: ensaio sobre a teoria analítica do direito. São Paulo: Noeses, 2011, p. 9.
[18] ROBLES, Gregorio. As regras do direito e as regras dos jogos: ensaio sobre a teoria analítica do direito. São Paulo: Noeses, 2011, p. 15.
[19] ROBLES, Gregorio. As regras do direito e as regras dos jogos: ensaio sobre a teoria analítica do direito. São Paulo: Noeses, 2011, p. 16.
[20] ROBLES, Gregorio. As regras do direito e as regras dos jogos: ensaio sobre a teoria analítica do direito. São Paulo: Noeses, 2011, p. 16.
[21] ROBLES, Gregorio. As regras do direito e as regras dos jogos: ensaio sobre a teoria analítica do direito. São Paulo: Noeses, 2011, p. 20.
[22] ROBLES, Gregorio. As regras do direito e as regras dos jogos: ensaio sobre a teoria analítica do direito. São Paulo: Noeses, 2011, p. 24.
[23] ROBLES, Gregorio. As regras do direito e as regras dos jogos: ensaio sobre a teoria analítica do direito. São Paulo: Noeses, 2011, p. 24.
[24] ROBLES, Gregorio. As regras do direito e as regras dos jogos: ensaio sobre a teoria analítica do direito. São Paulo: Noeses, 2011, p. 86.
[25] ROBLES, Gregorio. As regras do direito e as regras dos jogos: ensaio sobre a teoria analítica do direito. São Paulo: Noeses, 2011, p. 87.
[26] ROBLES, Gregorio. As regras do direito e as regras dos jogos: ensaio sobre a teoria analítica do direito. São Paulo: Noeses, 2011, p. 90.
[27] ROBLES, Gregorio. As regras do direito e as regras dos jogos: ensaio sobre a teoria analítica do direito. São Paulo: Noeses, 2011, p. 92.
[28] ROBLES, Gregorio. As regras do direito e as regras dos jogos: ensaio sobre a teoria analítica do direito. São Paulo: Noeses, 2011, p. 111.
[29] ROBLES, Gregorio. As regras do direito e as regras dos jogos: ensaio sobre a teoria analítica do direito. São Paulo: Noeses, 2011, p. 112.
[30] ROBLES, Gregorio. As regras do direito e as regras dos jogos: ensaio sobre a teoria analítica do direito. São Paulo: Noeses, 2011, p. 122.
[31] ROBLES, Gregorio. As regras do direito e as regras dos jogos: ensaio sobre a teoria analítica do direito. São Paulo: Noeses, 2011, p. 123.
[32] ROBLES, Gregorio. As regras do direito e as regras dos jogos: ensaio sobre a teoria analítica do direito. São Paulo: Noeses, 2011, p. 132.
[33] ROBLES, Gregorio. As regras do direito e as regras dos jogos: ensaio sobre a teoria analítica do direito. São Paulo: Noeses, 2011, p. 141.
[34] ROBLES, Gregorio. As regras do direito e as regras dos jogos: ensaio sobre a teoria analítica do direito. São Paulo: Noeses, 2011, p. 142.
[35] ROBLES, Gregorio. As regras do direito e as regras dos jogos: ensaio sobre a teoria analítica do direito. São Paulo: Noeses, 2011, p. 147.
[36] ROBLES, Gregorio. As regras do direito e as regras dos jogos: ensaio sobre a teoria analítica do direito. São Paulo: Noeses, 2011, p. 163.
[37] ROBLES, Gregorio. As regras do direito e as regras dos jogos: ensaio sobre a teoria analítica do direito. São Paulo: Noeses, 2011, p. 176.
[38] ROBLES, Gregorio. As regras do direito e as regras dos jogos: ensaio sobre a teoria analítica do direito. São Paulo: Noeses, 2011, p. 192.
[39] ROBLES, Gregorio. As regras do direito e as regras dos jogos: ensaio sobre a teoria analítica do direito. São Paulo: Noeses, 2011, p. 193/196.
Graduado em Direito pela UnEduvale Avaré/SP. Especialista em Direito Tributário pela PUC/SP COGEAE e Mestrando em Direito Tributário pelo IBET/SP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VICENTE, André Henrique Ferreira. A classificação das regras a partir da abordagem comparativa entre o direito e os jogos no contexto da teoria comunicacional do direito Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 dez 2025, 04:10. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/69931/a-classificao-das-regras-a-partir-da-abordagem-comparativa-entre-o-direito-e-os-jogos-no-contexto-da-teoria-comunicacional-do-direito. Acesso em: 25 dez 2025.
Por: Benigno Núñez Novo
Por: Guilherme Molinari
Por: Erick Labanca Garcia
Por: Erick Labanca Garcia
Por: Wilian Friedrich Neu

Precisa estar logado para fazer comentários.